Vejam. Vejam bem.
Contado ninguém acredita!
A prova de exame para professores made in Nuno Crato
Já agora, este artigo do PÚBLICO sobre a dita, por Graça Barbosa e Bárbara Wong - 22.11.2013:
Prova de
avaliação é “apatetada”, “ridícula”, “absurda”, “básica” e “desadequada”,
classificam os professores.
A indicação do tipo de questões que vai sair na prova de avaliação para professores deixou-os perplexos. Uns consideram que a prova é ridícula por ser tão “básica”. Outros dizem também que é ridícula, por ser tão desadequada. Também não se entendem quanto ao que pretende o ministro: desviar as atenções ou afastar docentes da carreira?
O Ministério da Educação e Ciência (MEC) conseguiu surpreender os
professores com o modelo da prova de avaliação de conhecimentos e capacidades,
obrigatória para todos os docentes sem vínculo à função pública que pretendam
candidatar-se a dar aulas no próximo ano lectivo. Depois da publicação do
modelo do teste – com exemplos das questões que serão colocadas –, as opiniões
dividem-se. Alguns acham-na “básica”, “ridícula”, “elementar”, “insultuosa” e
“apatetada”, outros acham que até poderá afastar pessoas da carreira docente,
por ser “desadequada”, “absurda” e igualmente “ridícula”. Mas há quem alerte:
em situação de stress, conseguirá um professor responder bem?
Nos últimos
segundos desta quinta-feira – ou seja, mesmo no limite do prazo que o MEC
concedeu a si próprio –, surgiu na página do Instituto de Avaliação Educativa
(IAVE) o guia da prova e, como anexo, o modelo da componente comum do teste,
marcada para 18 de Dezembro. Pela primeira vez, mais de 45 mil professores
souberam o que é que o MEC pretende que eles saibam para continuar a dar aulas.
Isto no que respeita às competências “transversais”, já que as provas
específicas (consoante as áreas disciplinares dos docentes) só se realizam
entre Março e Abril de 2014.
Nesta primeira fase, 80% da cotação vai para as perguntas de escolha
múltipla. Um exemplo: a partir de uma sequência de letras, como A A B A C
C D C E E, os professores terão de escolher, de entre quatro hipóteses,
as quatro letras que permitem continuá-la: hipótese A (F E G G), B (F E H H ),
C (F F G F) ou D ( F F G H)? Outro exemplo: tendo em conta um diagrama que
mostra os nomes dos alunos de uma turma de acordo com os clubes em que estão
inscritos (Aventura, Desporto, Leitura e Teatro), os professores são convidados
a acertar na resposta correcta, em quatro possíveis, às questões: “qual dos
alunos seguintes está inscrito apenas em três clubes?” e “qual dos alunos
seguintes está inscrito nos clubes de Leitura e de Teatro, mas não no clube de
Desporto?”.
No único item de “resposta extensa orientada” (que valerá 20% da
cotação total) os avaliados terão de produzir um texto com um número de
palavras compreendido entre 250 e 350, inclusive. Para que se tenha uma ideia
do que pode ser pedido, o IAVE fez publicar um excerto de Um Fio de
Nada, Ensaio sobre a Tolerância, de Diogo Pires Aurélio. Neste
caso, pede-se aos professores que escrevam um texto em que exponham a sua
opinião sobre as eventuais implicações das duas concepções de tolerância
apresentadas, transpondo-as para um contexto escolar.
O PÚBLICO falou com dirigentes de associações de professores, todos
contra a prova, a quem pediu que vissem o exemplo e fizessem, a título
individual, um primeiro comentário. Alguns já tinham consultado a
página do IAVE. Foi o caso de Lurdes Figueiral, da Associação de
Professores de Matemática, que disse ter dificuldades em expressar a sua
indignação “sem ser ofensiva”: “É que a prova é tão elementar, tão básica, que
é um bocado… nem sei… gozar com a nossa cara. Insultuosa.” A sua experiência
diz-lhe que se apresentasse aquelas questões a alunos do secundário “eles
riam-se”. Pensa que a prova resulta “da teoria absurda do ministro da
Educação”, Nuno Crato, “de que é preciso arranjar exames para tudo e para
todos”. O que, depois de conhecer o modelo, diz, considera “ainda mais grave e
pouco ético, por estar a delapidar o erário público, nas actuais
circunstâncias, para nada”.
José Alberto Rodrigues, dirigente da Associação de Professores de
Educação Visual e Tecnológica, foi outro dos que já tinham espreitado a prova.
E diz que, quando o fez, riu-se, “para não chorar”. Na sua perspectiva, as
questões são “absolutamente básicas e elementares”. Comenta mesmo que, “naturalmente,
as capacidades que estão implícitas nos exemplos de questões já foram
imensamente provadas pelos professores, muitos dos quais têm, para além de
vários anos de serviço, mestrados e doutoramentos”. Conclui que a prova é “uma
afronta” e sublinha que a grande questão que o modelo levanta é: “Afinal, o que
é que o ministro pretende?”
“Afastar professores, esse é o objectivo de Nuno Crato”, diz Alberto
Gaspar, que preside à Associação de Professores de Inglês. Não porque ache a
prova difícil, “pelo contrário”, diz. “As questões são básicas e acessíveis a qualquer adulto
instruído, algumas caricatas, mesmo”, comentou. A questão é que, na sua
opinião, para além de “não servir para avaliar seja o que for”, a prova poderá
ser “um obstáculo” para quem “tem uma inteligência menos visual e se pode
baralhar na leitura de um diagrama, por exemplo”; ou para quem “tenha
dificuldades com a pontuação ou com a translineação”. “É por aqui que se vê se
um professor é bom ou não, se ensina bem ou mal? Afastar professores da
carreira com questões destas é inacreditável”, comentou Alberto Gaspar, depois
de frisar que ainda tem esperança de que as acções em tribunal e a manifestação dos professores e da opinião
pública façam o ministro recuar na aplicação da prova.
Conseguirá responder em stress?
Para Cristina Loureiro, presidente da Escola Superior de Educação de Lisboa
(ESEL), uma prova desta natureza "é apenas uma maneira de eliminar aqueles
que em situação de maior stress vão falhar. Quem é que é capaz de garantir que
em situação de grande pressão, com o emprego em risco nos dias de hoje, não
erra, mesmo no que domina?". A responsável teme que venham a ser
eliminados "excelentes professores que há anos garantem acções de
excelência nas escolas públicas".
A facilidade da prova pode levar a que todos a ultrapassem e, se
assim for, "para quê toda esta máquina montada", pergunta. Cristina
Loureiro mostra-se preocupada com um processo de selecção que possa excluir os
melhores.
Para Ramiro Marques, professor da Escola Superior de Educação de
Santarém e autor do blogue ProfBlog, esta é uma prova que tem como objectivo
avaliar o raciocínio lógico-matemático e o domínio da língua portuguesa e
"está correcta". "Não significa que não devesse avaliar outras
coisas, mas não me repugna." O professor lembra que há professores que
ensinam Matemática e que não tiveram aproveitamento à disciplina no 9.º ano,
logo, "alguma coisa tem de ser feita".
A dirigente da Associação de Professores de Geografia, Telma
Canavilhas, ficou preocupada. Pediu tempo para ver o modelo e depois comentou:
“Ab-sur-do. Não tenho outra palavra: absurdo!” Diz que, por mais voltas que
desse, não conseguiu compreender o que pretende Nuno Crato e considera que não
se pode dizer que “as questões são fáceis ou difíceis”. “A prova é
completamente desadequada e coloca os professores em circunstâncias desiguais
consoante a sua formação de base”, criticou. Pensa que “o tipo de questões são
as habitualmente colocadas nos testes psicotécnicos e que é possível aos
professores treinarem, para se familiarizarem com elas”. “O MEC é o maior
inimigo do MEC: interessa a alguém que, em vez de se preocuparem com os seus
alunos, os professores comecem hoje a treinar para aquilo?”, pergunta.
Aquela é também a posição do presidente da Associação Nacional dos
Professores Contratados (ANVPC), César Israel Paulo. Diz que é uma prova que
consta de “rasteiras”, "baseada numa lógica matemática que não é dominada
por excelentes professores”, que se “podem enganar por não estarem
familiarizados com ela”. Também teme que a obrigatoriedade de respeitar o novo
acordo ortográfico resulte em zeros na composição.
Desviar as atenções
“Um conselho: na composição não usem palavras difíceis, nada que levante
dúvidas em relação à forma como se escreve segundo o acordo”, oferece Paulo
Guinote, autor do blogue Educação
do Meu Umbigo e professor de História. Diz que aquele é o único
problema que a prova, “completamente apatetada”, pode colocar aos docentes.
Sobre o exemplo da composição, garante que já pediu "coisas mais difíceis
aos alunos do 9.º ano". Em relação a algumas questões de escolha múltipla
afirma que está em causa “um nível de literacia funcional exigível a crianças
do 6.º ano”. Quanto ao que quer o ministro, não tem dúvidas: “Desviar as
atenções da opinião pública do que é importante. Nomeadamente, tentar que as
pessoas se esqueçam de que os professores recusam a prova por uma questão de
princípio e não porque ela é fácil ou difícil”, considera.
Ramiro Marques concorda que há perguntas a nível do 6.º ano, mas que
existe um equilíbrio com as mais difíceis. "Estou convencido de que não
vai haver resultados péssimos e a maioria vai ter resultados razoáveis."
Cristina Loureiro considera que a tutela "criou toda esta
situação para dar a ideia à opinião pública de que está a procurar os melhores
professores e educadores". Mas não é o caso. "Esta prova confirma que
o MEC decidiu usar um processo de excluir pessoas do sistema. É uma forma de
exclusão cega. É uma forma de exclusão que não encara os professores e
educadores como pessoas." A presidente da ESEL vai mais longe: o
ministério "está a confirmar o que já ninguém duvida e que é destruir a
escola pública. Pois quem preza a escola pública quer os melhores professores e
educadores e não é este tipo de crivo que permite identificá-los".
O ex-secretário de Estado da Educação Joaquim Azevedo considera
necessária a existência de uma prova, mas que seja feita à entrada da
profissão. "É importante o MEC negociar com os sindicatos mecanismos para
que aceda à profissão de professor um tipo de jovens o mais qualificado
possível, para credibilizar a profissão", defende Joaquim Azevedo.
Também Cristina Loureiro, Ramiro Marques e Glória Ramalho,
ex-directora do Gave, são da mesma opinião: uma prova à entrada. "É
constrangedor obrigar um professor com dez ou 12 anos de serviço a submeter-se
a esta prova", defende o professor de Santarém.
Glória Ramalho, como especialista em avaliação, recusa-se a analisar
esta prova e a discutir o seu formato por uma razão muito simples: "Não
concordo com as condições. É uma aposta infeliz e errada quando o universo de
aplicação é quem está há anos no sistema."
Ramiro Marques condena os que criticam a prova. "Alguma coisa
tem de ser feita" e, uma vez que os professores não admitem que outros
entrem na sala de aula para os avaliar, a prova terá de ser escrita, argumenta.
"Agora que têm uma prova que mede o que é possível medir, dizem que não mede
o essencial que é o que se passa na sala de aula", critica. O
"fundamental" é a abertura da sala de aula porque "um mau
professor provoca estragos enormes na vida de milhares de alunos" e isso
tem de mudar, conclui.