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terça-feira, 17 de setembro de 2024

Como é que a sociedade portuguesa vê a corrupção? (Trabalho da Fundação Francisco Manuel dos Santos)

 



Barómetro da Corrupção

Como é que a sociedade portuguesa vê a corrupção? A Fundação lança um novo barómetro para compreender o fenómeno, considerado um dos problemas mais graves que o país enfrenta. A maioria dos inquiridos acredita que a política corrompe, considerando a integridade dos candidatos fundamental na hora de ir às urnas. Entre nesta experiência interativa e conheça os resultados do inquérito.  infografia está disponível no final da página.
Para ler o relatório, clicar aqui

terça-feira, 27 de agosto de 2024

SISMOS em Portugal. Ainda não aprendemos a lição!

 


"Os governantes estão fartos de ser avisados". Portugal tem um Sistema de Alerta Precoce de Sismos "construído" mas está "em fase de testes" desde 2021

Hoje às 07:00

Não se trata apenas de enviar SMS de alerta como a Proteção Civil já faz quando há risco de incêndios ou de cheias. Sem registo de vítimas nem danos, o sismo da madrugada de segunda-feira, o mais forte a atingir o território continental desde 1969, deixou a descoberto o que ainda está por fazer para o país estar mais bem preparado para um sismo potente, incluindo melhorar as infraestruturas e efetivar o chamado Sistema de Alerta Precoce de Sismos - que começou a ser instalado em 2021 ao largo de Sagres, mas cuja implementação ainda não está concluída

Existem mecanismos para emitir alertas preventivos de sismo, mas Portugal ainda não tem implementados os instrumentos necessários para tal. O sismo de 5,3 de magnitude na escala de Richter que abalou Portugal continental na madrugada desta segunda-feira veio relançar o debate sobre o que falta cumprir para o país estar mais bem preparado para um sismo de grandes dimensões – incluindo a implementação de um Sistema de Alerta Precoce de Sismos (EEWS, na sigla inglesa), que começou a ser instalado há alguns anos no barlavento algarvio, mas que continua por concretizar por “falta de investimento”, indica à CNN Portugal um especialista em risco sísmico.

“Um alerta preventivo seria uma possibilidade se houvesse em Portugal instrumentos para isso, instrumentos que Portugal não tem, aquilo a que chamamos Sistemas de Alerta Precoce, ou Earthquake Early Warning Systems”, diz Francisco Mota de Sá, investigador de risco sísmico do Instituto Superior Técnico (IST). “Já temos esse tipo de avisos para tsunamis, mas não para sismos. Nós quisemos instalar um desses sistemas para sismos, mas as coisas não andaram para a frente porque não havia financiamento.”

Países com elevada atividade sísmica, como o Japão, têm já em vigor os seus próprios Sistemas de Alerta Precoce de Sismos, que conseguem emitir um alerta de risco de tremor de terra entre cinco a 10 segundos antes do abalo. “O Japão tem isso tudo e mais alguma coisa, mal deteta que vai ocorrer um episódio envia imediatamente avisos para os telemóveis, para os media e por aí fora”, explica o engenheiro. “O México também tem, consegue enviar alertas com entre cinco e 10 segundos de antecedência, e os Estados Unidos também têm o seu sistema. Por cá, os governantes estão fartos de ser avisados, muitos dos meus colegas desta área, de várias universidades, já fizeram vários avisos a vários governos e ainda nada aconteceu, ninguém parece interessado…”

Investigadores de riscos sísmicos alertam que Portugal precisa de atualizar infraestruturas e concretizar a implementação do Sistema de Alerta Precoce de Sismos (Getty Images)

Em fase de testes desde 2021

Em março de 2021, a Universidade de Évora anunciava a instalação dos primeiros quatro sismómetros do país a entre 20 e 30 metros de profundidade ao largo de Sagres, no Algarve, para detetar potenciais abalos gravosos, incluindo sismos gerados “na região atlântica adjacente ao território português”, naquela que seria a primeira fase de implementação de um EEWS no país. 

Na altura, a instituição sublinhou em comunicado que a ideia era “capacitar a rede nacional de monitorização sísmica” através da instalação desse sistema de alerta precoce, que viria reforçar os sismómetros já existentes à superfície, um passo que definiu como “fundamental não só para Portugal, mas também para a Europa”. Mas mais de três anos depois, o projeto continua em fase de testes.

“Creio que o Sistema de Alerta Precoce está seguramente em fase de testes, entretanto saí do instituto e perdi o contacto com o projeto, mas sei que está construído, está desenvolvido, e quando se considerar que é fiável será colocado em funcionamento”, garante à CNN Portugal Miguel Miranda, ex-diretor do Instituto Português do Mar e da Atmosfera (IPMA). “Num sismo como este, a cerca de 60 quilómetros da costa de Sines, provavelmente não ganhávamos grande coisa com esse sistema, porque um sismo de 5,3 tem um tempo de desenvolvimento curto”, adianta o sismólogo. “Mas num com magnitude de 8 ou mais, que é aquilo que nos aterroriza, já podemos perder logo um quarto de hora na rutura, porque as ondas sísmicas são instantâneas, e com esse Sistema de Alerta Precoce ganhamos uns bons minutos entre sabermos que é um sismo importante e esse mesmo sismo atingir zonas mais críticas.”

Ter um EEWS em vigor permitiria, entre outras coisas, emitir alertas de risco sísmico, à semelhança do que a Proteção Civil já faz quando há risco de incêndios ou de cheias, através do envio automático de mensagens SMS à população. “Pelas nossas contas, conseguiríamos enviar um aviso entre cinco a 10 segundos antes [do sismo]”, explica Francisco Mota de Sá. “Cinco segundos parece pouco tempo mas dá para muita coisa, sobretudo no que toca a sistemas automatizados, por exemplo, dá para interromper processos que envolvem máquinas variadas e que estão a acontecer” quando é emitido o alerta. 

Para Miguel Miranda, o sismo desta madrugada provou que os sistemas de observação sísmica “estão a funcionar muito bem”, mas acima de tudo deve servir para “impulsionar uma melhoria dos sistemas”, nomeadamente concretizar a implementação do primeiro EEWS em Portugal, e adaptar as infraestruturas para que esse sistema seja eficaz. “O sistema de alerta precoce ainda precisa de uma outra coisa, que é infraestruturas preparadas para, por exemplo, de uma forma automática, ligarem geradores de emergência, cortarem pipelines de gás natural, diminuírem a velocidade dos comboios de alta velocidade – infelizmente ainda não os temos, mas quando tivermos, esse sistema será absolutamente essencial.”

"Um sismo no mesmo sítio com magnitude superior a 6 seria diferente"

O sismo desta madrugada, o mais forte a atingir o território continental em mais de meio século, foi localizado com rapidez, mas é incerta a profundidade do seu epicentro. O Serviço Geológico dos EUA fala em 10,7 quilómetros de profundidade, o Centro Sismológico Euro-Mediterrânico refere uma profundidade de cinco quilómetros, a rede nacional sísmica aponta para 19 quilómetros de profundidade. Como refere Francisco Mota de Sá, “normalmente é o IPMA que tem equipamentos para calcular esses dados, mas seria preciso ter uma rede sísmica mais bem montada para conseguir localizar o epicentro de forma mais rápida”.

“Falta precisão e, para isso, precisamos de estações no fundo do mar, e isso não temos, porque é muito caro”, acrescenta Mourad Bezzeghoud, professor catedrático da Universidade de Évora que esteve envolvido no projeto de instalação das quatro estações sísmicas em furos ao largo de Sagres. “Essas quatro estações foram instaladas no âmbito de um projeto europeu, graças aos fundos europeus conseguimos comprar as estações, mas não há investimento a longo prazo do próprio Estado, só a curto prazo, o prioritário é o dia a dia, mas não se olha para o futuro.”

Confirmando que o EEWS português está ainda em fase de testes, Bezzeghoud destaca que “os alertas precoces são obviamente importantes em qualquer evento catastrófico, mas o mais importante é a prevenção, é ter a população preparada e os edifícios preparados” e aí Portugal continua atrasado. Zonas com elevada atividade sísmica, como o Japão e a Califórnia, lidam com sismos como o desta madrugada e com magnitudes superiores “com poucos danos porque tudo está preparado, e o problema aqui em Portugal, e na Europa de forma geral, é esta falta de preparação”, refere o geofísico.

“O mais problemático nem são os SMS, porque acho que a população hoje em dia já está mais preparada do que há 10, 20 ou 30 anos, com as alterações climáticas acho que toda a gente já está sensibilizada para estes fenómenos. Agora, ouvimos o Governo a dizer que está tudo bem, mas não está tudo bem, desta vez tivemos um sismo de 5,3 a 19 quilómetros de profundidade, por isso não aconteceu nada, mas um sismo no mesmo sítio com magnitude superior a 6 seria diferente, há uma ordem de grandeza diferente.”

Sismo fez-se sentir sobretudo na região de Lisboa e Vale do Tejo

Falhas de comunicação

“Atualmente”, refere Francisco Mota de Sá, “a Proteção Civil não tem meios para enviar alertas prévios à população, só consegue depois de o sismo já ter ocorrido” – o que também não foi o caso esta madrugada. Sentido às 05:11 da manhã, com epicentro a 58 quilómetros a oeste de Sines, a Autoridade Nacional de Emergência e Proteção Civil (ANEPC) só emitiu um primeiro comunicado pelas 05:40, tendo “privilegiado o Facebook” para passar informações à população.

“O sismo foi sentido às 05:11 e às 05:40 foi quando tivemos a confirmação dos diferentes comandos regionais e subregionais de que, de facto, não houve danos pessoais nem materiais”, indicou o porta-voz da ANEPC, André Fernandes, numa conferência de imprensa durante a manhã. No rescaldo imediato do sismo, foi detetado um “pico de chamadas” para os serviços de Proteção Civil, período durante o qual o site do IPMA esteve em baixo, levando o grupo Iniciativa Cidadãos pela Cibersegurança a alertar para as “fragilidades” da morada online do único organismo capacitado para detetar e recolher dados precisos sobre sismos em território português. “Numa ocorrência deste tipo seria de esperar que o site do IPMA fosse a principal, mais fiável e segura fonte de informação, [mas] infelizmente não foi”, referiu o grupo, notando que o site esteve em baixo “entre as 05:11 e, pelo menos, as 05:40/05:55”. 

Ao longo desse período de mais de meia hora, apenas os utilizadores Android receberam alertas para o abalo que acordou inúmeras pessoas em sobressalto, sobretudo na região de Lisboa e Vale do Tejo. O Google também disponibilizou de imediato informações sobre o sismo e recomendações à população para quem recorreu ao motor de busca no rescaldo do tremor de terra.

Os responsáveis da ANEPC dizem que foi dada primazia ao Facebook para a divulgação das primeiras informações sobre o sismo porque os dados mostram que “as pessoas acorrem mais a essa rede social” nestes eventos. Também adiantaram que a comunicação imediata com a população só está prevista quando estão em causa sismos com uma magnitude mínima de 6,1 na escala de Richter, por acarretarem maior risco de tsunamis – mas “a questão não se limita à magnitude”, destaca Francisco Mota de Sá.

“Não é só a magnitude que, por si só, torna útil o envio de um alerta, é a magnitude e a localização, a que distância está o epicentro. Este sismo de 5,3, se tivesse sido em terra ou muito próximo de alguma povoação, poderia ter causado danos muito graves – 5,3 de magnitude debaixo dos pés já causa muitas chatices.”

"Surpreendidos por um sismo moderado"

Os especialistas são unânimes a considerar que é preciso concretizar um sistema de alerta precoce também para sismos, nas palavras de Mourad Bezzeghoud “para que as autoridades, as forças de emergência e de segurança, possam rapidamente preparar o país para esse impacto e minimizar a destruição e as consequências” do abalo – incluindo emitir um aviso imediato à população que permita reduzir o número de feridos, de vítimas mortais e de danos à propriedade.

“Seria bom melhorar o sistema de alerta via SMS que, aliás, já existe, mas é sabido que não podemos impedir a ocorrência de um sismo”, observa o especialista da Universidade de Évora. “O que podemos fazer é tomar as devidas precauções para minimizar as suas consequências, quer no plano económico, quer no plano humano. A redução do número de vítimas durante um sismo passa por adaptar as estruturas dos edifícios e de outros tipos de obras” – e aqui ainda há trabalho a fazer. “O Estado faz auditorias, há planos de construção, mas não me parece que haja cuidado com isto. Há, aliás, poucos países com este cuidado, só aqueles com grande sismicidade. Acompanho a sismicidade nesta zona, o IPMA faz um acompanhamento automático também, e sabemos que esta é uma zona com sismicidade fraca a moderada, o que não significa que não vamos ter sismos mais fortes no futuro. Este sismo veio confirmar a suspeita de que há falhas geológicas também nesta zona, e acabámos por ser surpreendidos por um sismo moderado quando antes havia sismos de mais fraca magnitude nesta zona.”

Numa visita à sede nacional da Proteção Civil esta manhã, Paulo Rangel, o ministro de Estado e da Presidência que está a acumular funções como primeiro-ministro durante as férias de Luís Montenegro, disse que o sismo sentido esta madrugada foi “um teste real às nossas capacidades de resposta no caso de uma catástrofe grave” e sublinhou que esteve em contacto “estreitíssimo” com a Proteção Civil desde o primeiro momento.

O ministro Paulo Rangel fala num "teste" às capacidades dos diferentes organismos e instituições portugueses (Lusa)

“Sobre aquilo que são os planos que estão já testados e vistos há muito tempo, que têm de ser constantemente atualizados e renovados, houve aqui alguma projeção para o futuro no sentido de preparar as estruturas portuguesas, a proteção civil nacional e regional, e a população em geral para termos capacidade de resposta”, disse Rangel. Questionado sobre o eventual resultado desse teste, o ministro fez uma “avaliação muito positiva quanto à capacidade de resposta, à prontidão da resposta, à forma como a informação circulou”. 

Em declarações aos jornalistas, o Presidente da República teceu os mesmos elogios à “capacidade de resposta muito rápida” das autoridades e à “muito boa coordenação entre o Governo e a Proteção Civil”, adiantando que o Palácio de Belém foi informado do sucedido minutos depois de o abalo se ter feito sentir. “Funcionou aquilo que devia ter funcionado”, assegurou Marcelo Rebelo de Sousa.

Ecoando a mesma ideia de Miguel Miranda, o engenheiro Francisco Mota de Sá admite que, na zona onde foi registado este sismo, “no vale inferior do Tejo, um Sistema de Alerta Precoce, mesmo que avançado, não conseguiria avisar com antecedência, porque as ondas sísmicas chegam sempre mais depressa do que os alertas”. Contudo, destaca que a instalação desse sistema em Sagres “faria todo o sentido” – “devia haver pelo menos um sistema no sul de Portugal, no sudoeste algarvio, no cabo de Sagres, que tem uma localização ótima para instalar um sistema destes”, refere o especialista. 

A CNN questionou a ANEPC e o IPMA sobre em que fase se encontra o Sistema de Alerta Precoce de Sismos no território continental e como respondeu durante este sismo, mas não obteve resposta até à publicação deste artigo. Também não recebeu resposta do Governo sobre se vão ser dados passos para melhorar os sistemas de comunicação de risco sísmico após o abalo desta madrugada.

domingo, 18 de junho de 2023

Metsola na Assembleia da República

A tragédia de Pedrógão e o esquecimento do governo

 



16 de junho de 2023 - Memorial aberto sem inauguração. Seis anos depois, Pedrógão Grande sente-se esquecido


Para espanto e mágoa dos que ainda choram a tragédia do fogo de 2017, a abertura do memorial às vítimas aconteceu sem a presença dos mais altos representantes da nação

 Memorial aberto sem inauguração. Seis anos depois, Pedrógão Grande sente-se esquecido

Silêncio, lágrimas e suspiros. A primeira reacção de quem perdeu familiares ou amigos no fogo de 2017, assim que dá de caras com o muro no qual foram gravados os nomes das vítimas, oscila entre a saudade e o respeito. “Ainda mexe muito, está tudo muito presente”, confessava Maria Graciete, depois de reconhecer vários nomes de amigos e vizinhos, de Castanheira de Pêra, cravados naquele bloco de pedra cinzenta. Não que eles estivessem esquecidos. Pelo contrário. “Não temos outra estrada para passar e não há dia em que não me lembre deles”, reforçava, com os olhos postos no grande lago artificial que, juntamente com o mural, constitui o memorial de homenagem às vítimas dos incêndios de 2017.

https://www.publico.pt/2023/06/16/sociedade/reportagem/memorial-aberto-inauguracao-seis-anos-pedrogao-sentese-esquecido-2053629


Maria José Santana (Texto) e Adriano Miranda (Fotos)

sábado, 15 de abril de 2023

Democracia não é assim tão simples


Estará a democracia a morrer? Que desafios enfrenta hoje? E como poderá vencê-los? Para responder a estas questões, Pedro Pinto entrevista o professor da Universidade de Harvard e perito em democracias Daniel Ziblatt, neste episódio de «Isto Não É Assim Tão Simples». Nesta conversa, o autor do livro «How Democracies Die», um best-seller do «The New York Times», os sinais de alerta de uma democracia que está sob ameaça, não através de um golpe de estado, mas por parte de políticos autoritários que «minam» os seus alicerces a partir do poder. Ziblatt dá também exemplos de países onde a democracia está de boa saúde. Analisa ainda o impacto da guerra da Rússia contra a Ucrânia nas democracias mundiais e o que poderá acontecer no futuro. Ziblatt aborda também as tentativas fracassadas – nos EUA e no Brasil – de anular o resultado das suas eleições presidenciais, e o que essas tentativas nos dizem sobre o futuro da democracia. Finalmente, Ziblatt debruça-se sobre Portugal e o crescimento da extrema-direita populista, discutindo como os principais partidos nas democracias ocidentais podem lidar com essa ameaça, numa conversa que vale a pena ouvir.

terça-feira, 14 de março de 2023

Debate sobre a extinção das touradas em 1821


Na sessão de 4 de agosto de 1821 das Cortes Constituintes, as touradas estiveram em debate.

Borges Carneiro apresentou um projeto de lei para a proibição dos espetáculos tauromáquicos, entendidos como contrários “às luzes do século, e à natureza humana”. Em causa, estava um entretenimento baseado no sofrimento dos animais, criados para servir o homem, mas não para serem martirizados.

 “Os homens não devem combater com os brutos, e é horroroso estar martirizando o animal, cravando-lhe farpas, fazendo-lhe mil feridas, e queimando-lhe estas com fogo: tão bárbaro espetáculo não é digno de nós, nem da nossa civilização.”

 Também o Deputado Teixeira Girão classifica as touradas como um” bárbaro divertimento”, uma “tolice em expor a vida sem fim útil, sem necessidade, uma “traição em inutilizar aos touros as armas que lhes deu a natureza” e uma “crueldade e cobardia em atormentá-los depois”.

 Em sentido contrário, vários Deputados argumentam com a tradição e popularidade do espetáculo, mas também pela existência de outros costumes que agridem os animais, como a caça ou, noutros países as “carreiras de cavalos e o combate dos galos”. Referindo-se ao projeto de lei de Borges Carneiro, Lemos Bettencourt afirma:

 “Admira-me, como levado de tão filosóficas tenções, não incluiu no mesmo projeto a proibição da caça, pois sendo todos os animais e aves entes sensitivos, não deviam ser objeto de divertimento do homem; e não devia o caçador matar a ave inocente”.

 Outros Deputados entendem que a sociedade portuguesa não está ainda preparada para a decisão de extinguir as corridas de touros. Assim pensa Serpa Machado, que defende ainda a diminuição da barbaridade do espetáculo e a abolição dos “touros de morte”:

 “Eu não seria de opinião que desde já fossem proibidas as festas de touros, porque ainda não é tempo; é necessário ir preparando os costumes. Entretanto apoio que o projeto vá à discussão, não para se abolir esse espetáculo, senão para diminuir a sua barbaridade. Vamos por ora preparando os costumes, que lá virá tempo em que ele caia por si mesmo.”

 Manuel Fernandes Tomás, confessando ser “amigo deste divertimento” e espetador semanal de touradas, refere que não se pode, de repente, transformar o país numa “Nação de filósofos”, sendo necessário preparar a sociedade:

 “Para extinguir-se aqui este espetáculo, é preciso que os costumes se vão preparando, querer de repente reduzir uma Nação a Nação de filósofos não me parece correto, nem sensato; este costume há de acabar entre nós, quando se extinguir na Espanha. Eu o declaro francamente, sou amigo deste divertimento; não é por ser valoroso, nem deixar de o ser, nem querer que os outros o sejam, senão porque fui criado com isso. Na teoria sou dos mesmos sentimentos filantrópicos; mas na prática não posso. Confesso a minha fraqueza: vou ver os touros todos os domingos. Eu não pugnarei porque os haja; mas tão pouco me oporei diretamente a que deixe de havê-los."

 O projeto de lei de Borges Carneiro para a extinção das touradas seria rejeitado.

 

in https://www.parlamento.pt/Parlamento/Paginas/Debate-sobre-a-extincao-das-touradas-1821.aspx

 

terça-feira, 4 de outubro de 2022

Rússia - A Revolução virá de dentro

 


A minha esperança é que uma revolução que venha de dentro da própria Rússia, traga a mudança efetiva de regime e devolva o poder ao povo. Verdadeiramente.

A contestação de rua, sobretudo de jovens, nas principais cidades, e apesar da dura repressão, são um sinal inequívoco de uma mudança anunciada.

Assim ela venha, rapidamente.


Nazaré Oliveira


Ver aqui:

https://exame.com/mundo/guerra-na-ucrania-mais-de-800-pessoas-sao-detidas-em-protesto-na-russia/

https://exame.com/mundo/guerra-na-ucrania-mais-de-800-pessoas-sao-detidas-em-protesto-na-russia/

https://pt.euronews.com/2022/02/25/protestos-na-russia-contra-a-guerra

https://www.publico.pt/2022/03/06/mundo/noticia/4300-detidos-russia-manifestacoes-guerra-1997793

https://www.tsf.pt/mundo/acordar-no-lado-errado-da-historia-portuguesa-conta-como-tem-sido-a-vida-em-moscovo-14663899.html

terça-feira, 27 de setembro de 2022

"Não há volta a dar-lhe": ou se é pela Rússia ou se é pela Ucrânia


"A ONU apresentou como confirmados desde o início da guerra 5.916 civis mortos e 8.616 feridos, sublinhando que estes números estão muito aquém dos reais".
Infelizmente, agravar-se-á este número com a mobilização de milhares de russos decidida por Putin para continuar o seu programa de crueldade e morte contra ucranianos e contra os que, mesmo russos, se opõem ao seu ideário extremista e belicista.
Esta guerra que Putin iniciou, porque de guerra se trata, também nos diz respeito e nos merece a maior atenção e apreensão, uma vez que estão em causa valores e princípios completamente espezinhados pelo mesmo, como o respeito pela soberania das nações, pela sua independência, pelas disposições da Carta das Nações Unidas, pelos Direitos Humanos e pelo Direito Internacional.
Nada justifica o que está a acontecer, exceto o desejo imperialista de um homem que, pela violência e pela força, negando a História recente da Europa a a partir de 1989, quer fazer renascer os horrores pelos quais passaram as ditas democracias populares e ressuscitar a velha e prepotente URSS.
Quem não critica abertamente Putin por tudo isto que tem feito também é como ele.
Neste contexto, e perante os factos e esta terrível realidade, não há lugar para os que, estranha e cobardemente se escondem na "abstenção" ou comodamente se viram contra os países que estão a ajudar a Ucrânia.
Isto nunca foi operação militar especial, mas guerra. Guerra!
"Não há volta a dar-lhe": ou se é pela Rússia ou se é pela Ucrânia.


 Nazaré Oliveira


Já agora, para consulta

https://www.europarl.europa.eu/news/pt/headlines/world/20220127STO22047/de-que-forma-a-uniao-europeia-apoia-a-ucrania

 https://youtu.be/LI5dbfr3Xp0 


terça-feira, 15 de março de 2022

O presidente Vladimir Putin está a abusar da História para justificar a invasão da Ucrânia

 




É com choque e horror que testemunhamos os acontecimentos que se desenrolam na Ucrânia, iniciados por ordem do presidente russo, Vladimir Putin, de invadir o país. 

O presidente Vladimir Putin está a abusar da História para justificar esta invasão e o ataque armado ao estado soberano da Ucrânia. Baseia-se numa visão unilateral da História que glorifica a Rússia e caracteriza erroneamente o povo ucraniano e o seu governo democraticamente eleito. Ele abusa da História para deslegitimar as atuais fronteiras da Ucrânia. 

Putin, a sua liderança e os mídia controlados pelo Estado, promoveram o sentimento anti-ucraniano ao disseminar falsidades centradas numa narrativa de “desnazificação” do governo. A equação da atual administração e do povo da Ucrânia com nazis e colaboradores nazis é a-histórica. As alegações de que a Ucrânia não tem tradição de Estado são falsas.

A EuroClio  posiciona-se firmemente contra o abuso da História – o uso da História com a intenção de enganar. O uso da violência que testemunhamos atualmente mostra até onde isso pode levar. Acreditamos que é imperativo que historiadores e educadores de História estejam vigilantes e se manifestem contra tais abusos sempre que possível, tanto dentro quanto fora dos ambientes educacionais.

Estamos solidários com o povo da Ucrânia, que viu o seu território invadido e a sua segurança ameaçada. Também estamos com todas as pessoas que, na Rússia, também estão em choque e protestam contra as ações do seu governo.

Os nossos pensamentos vão, em particular,  para os nossos colegas na Ucrânia que estão em perigo e com quem trabalhamos há décadas para promover o entendimento mútuo por meio da Educação. Esperamos vê-los em breve, com segurança. 

Que possamos testemunhar o fim deste sofrimento o mais cedo possível. 




Artigo disponível em https://euroclio.eu/2022/02/27/statement-against-the-abuse-of-history-and-in-solidarity-with-the-people-of-ukraine/ (consultado dia 15.03.2022)





quarta-feira, 10 de novembro de 2021

Maldade responde-se com Humanidade (Gustavo Carona)


Pela segunda vez na minha vida estive cara-a-cara com o Estado Islâmico. Mete medo, é assustador. Muitos arrepios na espinha.  A primeira vez foi na Síria em finais de 2013 que tive o desprazer de me cruzar com este grupo de pura maldade. Cruzei-me com alguns dos seus elementos no hospital onde trabalhei, mas foi acima de tudo na reacção de medo e petrificação que vi nos rostos do povo sírio, que me apercebi do espectro infinito de terror e sofrimento que fez construir a minha imagem sobre este grupo. 

Desta vez no Iraque, em Mosul, 4 anos depois, a história foi bem diferente para pior. É difícil de explicar o inexplicável, mas para contar esta história ou estas histórias é imperativo que se tente analisar como apareceu o estado Islâmico desde a geopolítica macro ao humilde indivíduo que não sabe ler nem escrever e que no fundo não teve outra opção, passando também por algumas opiniões sobre o que os une, a religião. Sei que quando chegarem ao fim desta história vão perceber um bocadinho mais e vão olhar para o mundo com mais coração. 

O Iraque é um país cuja politica é sempre extremamente explosiva. Como sabem o médio-oriente foi dividido após a 1a guerra mundial num acordo entre os franceses e os ingleses, que assim criaram fronteiras que nunca existiram, e com isso dividiram povos a seu belo prazer de uma forma artificial com graves consequências até hoje. Existem duas facções do Islão os sunitas e os xiitas (assim como no cristianismo existem os católicos e os protestantes (e outros)). A tensão entre estes dois sub-grupos do Islão é enorme. Quase toda a tensão/guerras do médio-oriente afunila nesta dicotomia. E o Iraque é o único país no mundo que tem algum equilíbrio percentual entre sunitas e xiitas, sendo cerca de 60% xiitas e 40% sunitas. Recuemos no tempo até 2003. Quando se inicia uma guerra, com a agravante que foi sob os falsos pressupostos da existência de armas químicas, para derrubar Sadam Hussein (sem dúvida um ditador terrível) que era sunita e dominava o país com mão de ferro e toda uma elite nas diferentes estruturas governamentais e privadas também composta por sunitas. Ao derrubar o regime o mundo patrocinou uma alternância de poder para os xiitas, e assim deixou desamparados todos os sunitas influentes e poderosos, intelectualmente capazes e influentes do Iraque. Nasce uma revolta, um ódio extremo, uma promessa de vingança eterna, após esta alternância de poder. Por esta altura o mundo já conhecia bem o extremismo sunita patrocinado pelos países sunitas mais influentes, Arábia Saudita e emirados e sultanatos á volta, a quem chamávamos Alqaeda. Então em 2010 (Sadam é enforcado em 2006), nasceu um grupo chamado Alqaeda no Iraque, essencialmente no norte do país onde há uma expressiva maioria de sunitas. Mais tarde também a propósito da guerra da Síria (que começa em 2011), cria-se um terreno fértil para este grupo ir além da ideologia e de ataques estratégicos, para a tomada de cidades e largas áreas de terreno essencialmente no leste da Síria e no Norte do Iraque, e assim se cria o Estado Islâmico, ou Islamic State of Iraq and Siria (ISIS), ou Daesh (“estado” em Árabe). E em Julho de 2014 acontece o que ninguém imaginaria ser possível, o Estado Islâmico conquista em poucos dias, a segunda maior cidade do Iraque com 2 milhões de habitantes e estrategicamente imensamente importante, Mosul. E do alto do minarete da mesquita mais emblemática da cidade, Al-Nuri, o seu líder Al-Baghdadi, declara o auto-proclamado Estado Islâmico, com pretensões de unir todo um mundo muçulmano num só califato. E aqui compreendemos que mexer na política interna de outros países a nosso belo prazer, faz mais mal do que bem. Abanar os ódios, exponencia-os. A criação do Estado Islâmico nasce directamente da inexplicável guerra do Iraque de 2003. Mas não só.

A religião e o poder sempre se imiscuíram. Toda a história das grandes religiões se confunde com a forma como exerceram poder sobre as pessoas. Eu tenho um respeito enorme por todas as religiões e até admiração pela forma como conseguiram agregar multidões, povos, países e continentes inteiros, à volta da reflexão sobre o certo e o errado. Na minha óptica enquanto ateu, as religiões tinham tudo para ser algo de maravilhoso, não fosse o “pequeno” pormenor que são sustentadas numa mentira. E esta influência que a religião tem sobre as pessoas depende da forma de como é manobrada pelos seus actores principais, por aqueles que se colocam numa posição de lideres de opinião e subsequentemente de controladores de acções dos crentes. Na minha muito humilde opinião, acreditar na reencarnação de humanos em animais, acreditar que Jesus é filho de deus, ou que Maomé falou com Alah dentro de uma gruta, ou deuses com trombas de elefante, são tudo histórias de encantar. Talvez na sua génese o Islão interfira mais na política de toda uma sociedade do que as suas principais rivais. Ainda assim o Islão difunde uma mensagem absolutamente humana e inspiradora de humildade, de cooperação, de bondade, que eu aprendi a admirar à semelhança da minha admiração por outras religiões. O grande problema das religiões reside nos dogmas e nas certezas absolutas. É o primeiro passo para todo um fim. Quando as pessoas acreditam cegamente, são manietadas, são moldadas à imagem de quem manda, e são persuadidas com muita força a fazer o que quer que seja. Porque vem de deus, e como tal nada se questiona. E é esta também a simples história do Estado Islâmico. Num país em desordem, com gente poderosa sedenta de vontade de regressar ao poder, o factor unificador é a palavra de deus, e a criação de um inimigo comum. A injustiça, a revolta, a pobreza, a humilhação, levam uma franja da população sunita a acreditar que a palavra de deus, vem deste grupo de radicais oportunistas, que rapidamente através dos seus dogmas de fé recolheram o apoio de gente suficiente para criar este poderosíssimo grupo que se vendia como lobo em pele de cordeiro. O extremismo, o fanatismo, o radicalismo vem do oportunismo de gente má, que usa pessoas de visão curta, sustentados nas suas certezas absolutas. Nos seus dogmas de fé. Que neste caso vêm das vozes que Maomé ouviu sozinho numa gruta.

Quem é o individuo que se junta ao Estado Islâmico? Segundo se sabe o seu líder Al-Baghdadi (agora morto) esteve vários anos preso, numa prisão militar americana, dizem que seria até uma espécie de informador para os americanos, mas certamente estava a camuflar a sua raiva e humilhação. A ele se juntam poderosos e gananciosos, revoltados e frustrados, com o apoio dos quadros sunitas que até há pouco tempo dominavam todo o Iraque. Mas eu penso que a reflexão mais importante está no controlo das massas, como é que se conquista o coração das pessoas cometendo crimes hediondos, sabendo que as pessoas na sua génese são boas. O comum dos mortais iraquianos foi persuadido com o radicalismo da palavra de deus, e uma arma na cabeça. São duas forças difíceis de questionar. Difíceis de resistir. E assim compreendem que entre os militantes e os militares do Estado Islâmico e o comum dos Iraquianos que por uma questão de sobrevivência e ignorância se submeteu ao jugo desta gente horrível e foi participante, facilitadora e conivente com todas as atrocidades deste grupo, mas eles próprios vítimas de uma lavagem cerebral e de uma coação moral/divina e ameaça física muito real, da sua pele e dos seus. 
Aquilo que o Estado Islâmico fez não caberia em todos os livros que já foram escritos até hoje. E eu poderia escrever textos e textos, e continuaria a ser uma mera introdução ao tema. Mataram todos os que consideravam infiéis, desde xiitas, cristãos, yazidis, kurdos, e tudo mais o que encontravam pela frente. Escravizaram pessoas, violaram enormes quantidades de mulheres que usaram como objectos sexuais, torturam de todas as formas que a nossa imaginação possa encontrar, queimaram casas com pessoas lá dentro, executaram pessoas em praça pública para aterrorizar e entreter as multidões que eles obrigavam a assistir. As histórias que me chegavam quer pelos meus companheiros de trabalho iraquianos que tinham vivido sobre o domínio do Estado Islâmico, quer pelos doentes que ainda tremiam de medo eram arrepiantes. É o que acontece quando deixamos crescer o egoísmo e a maldade. 

O anoitecer era uma fase maravilhosa do dia. O calor abrandava. Abrandava apenas, mas já era tão bom. Os iraquianos que estavam a jejuar durante o ramadão animavam-se com o Iftar (a refeição que quebra o jejum diurno) e normalmente encontrávamos aqui um momento para viajarmos através das conversas de mundo e do ali mesmo. Um dos médicos que trabalhava comigo contava-me algumas histórias de horror do Estado Islâmico. Uma delas tinha uns dias. Disse-me que estava sentado à conversa com um amigo também médico no lado leste de Mosul (recentemente libertado), e que este foi assassinado por um sniper que disparou da outra margem do rio (Mosul oeste) que estava ainda dominada pelo Estado Islâmico. Disse-me que era frequente eliminar profissionais de saúde marcando uma posição sobre o terror que impunham em todos que estivessem contra eles. Retirar a saúde a um povo, é retirar-lhes a esperança de viver. Os feridos e os familiares que nos chegavam ao hospital por vagas, à medida que a cidade de Mosul ia sendo libertada quarteirão a quarteirão, todos referiam histórias de familiares que em algum momento tentaram fugir e foram abatidos pelas costas na fuga, e os seus corpos ali ficavam no meio da rua, pois ninguém se atrevia a aproximar-se das linhas que delimitavam a fronteira deste conflito. 

Um mundo de ódios, um mar de maldade, todo um infinito de atrocidades. E a grande maioria da população que limitou-se a sofrer, quando se libertarva deste inferno, encontrava de imediato um enorme alívio mas também o desespero de vidas e vidas perdidas para trás que deixarão cicatrizes até os tempos serem tempos, e um ódio reactivo a toda maldade que lhes foi feita. Várias reportagens jornalísticas deram conta das atrocidades cometidas pela exército iraquiano na reconquista do norte do Iraque. Fizeram igual ou pior que o Estado Islâmico a todos que consideravam culpados, em julgamentos instantâneos. Porque o grande problema aqui se põe. Quem são os verdadeiramente culpados? Porque entre os que ajudaram, os simpatizantes, os que alguma vez colaboraram, os que tinham primos, os que fizeram algum negócio com o Estado Islâmico, etc, etc. Quem são os verdadeiros culpados? Foi uma matança desprovida de critério, e menos ainda de justiça. Foi-se torturando e matando ao sabor de quem tinha a arma na mão.

Perto do hospital onde eu estava a trabalhar, havia uma prisão para todos os elementos pertencentes, ou amigos, ou suspeitos do Estado Islâmico. Talvez fosse melhor a morte. As condições de vida ou falta delas eram alucinantes. O cheiro a podridão era agoniante. Era uma espécie de pena de morte, sem premir o gatilho. O que esperar dum país em guerra, que não tem dinheiro para dar de comer ao seu povo, a contas com a pior batalha da história contemporânea, e com toda uma quantidade de gente cuja culpa era extremamente difícil de dissecar e mais ainda de perdoar...?

Várias vezes recebemos presos que estavam gravemente doentes no nosso hospital. É aqui que todas as questões se levantam. A ética a moral, a deontologia, e a bipolaridade de emoções que esta questão nos levantava. Quem é que quer salvar estes assassinos? Assassinos, supostos-assassinos, simpatizantes de assassinos, obrigados a ser assassinos... sei lá. O que é que eu sei? Tive vários destes doentes sob a minha responsabilidade porque nos chegavam ao hospital em estado crítico, quase a morrer. O quadro clínico era semelhante entre eles. As faltas de condição de higiene, e alimentação paupérrima levava-os a um extremo de franqueza, desnutrição e desidratação e com gastroenterites á mistura, estavam às portas da morte. Eu continha as lágrimas para os ver como pessoas depois de dias e dias a ouvir histórias de horror. Olhava-os nos olhos e em silêncio perguntava-lhes: “quem és tu?” ... mas desta pergunta nascia em mim outra pergunta em silêncio: “quem sou eu?” ... Entre lágrimas escondidas esforcei-me muito para lhes salvar a vida. Noites perdidas a examiná-los e reavaliá-los até que recuperassem forças para voltar para a prisão de onde talvez nunca saíram. Mas o que também é óbvio, é que eu sou um turista. E para eles? E para os iraquianos? Eu tive conversas e interacções com alguns dos enfermeiros dos cuidados intensivos cuja intensidade e a profundidade, dói. Dói muito. Porque não foi a minha família que foi torturada, violada e assassinada por este grupo de ódio. Foram as deles. Todos eles. Não havia ali ninguém sem uma história de sangue muito directa. 

Cada vez que recebia um destes presos em estado crítico, eu sentava-me com os enfermeiros à conversa sobre estes dilemas éticos. E diziam-lhes... “eu sei que isto é complicado para vocês... eu nem me atrevo a imaginar o que vocês devem estar a sentir...” ... eu ainda acrescentava... “ se vocês não conseguirem cuidar destes homens, eu percebo, eu juro que eu percebo...” ... Eu via nos olhos deles lágrimas raiadas de sangue, mas várias vezes me repetiam... “Eles são seres humanos... nós vamos fazer o nosso trabalho” ... Eu não cabia em mim, em tanto orgulho, em tanta admiração, em tanta inspiração, em tanta humanidade... Foi talvez a maior lição que eu aprendi até hoje... Viver inspirado não tem preço...

Os enfermeiros tinham que lhes dar banho, limpar a cama cheia de diarreia, dar-lhes a medicação, dar-lhes de beber e de comer, e tudo mais... a pessoas, que pintaram a tons de dor toda a história das suas vidas, dos seus pais, dos seus irmãos, dos seus filhos... Foi a coisa mais bonita que eu vi até hoje. Sentia calafrios pelo corpo todo quando os via a a fazer cuidados de enfermagem numa interacção que os devia estar a destruir por dentro, mas certamente percebiam que a solução para o seu país estava também nestas pequenas vitórias heroicas... Eu dava a vida por eles, porque um ensinamento de tanto amor no meio do horror, não tem preço e tem um valor eterno e inestimável. 

Eu sabia que a tarefa ia ser dura. Quando podia ia ajudando ou vendo pelo canto do olho como os estavam a tratar. Era duríssimo. Nunca vi uma troca de palavras para além do mínimo. Nunca vi um sorriso, nem posso dizer que tenha visto compaixão, embora ela estivesse lá. Vi um trabalho sério, e cuidado. Vi que à maldade se responde com humanidade. 

No meio de tantos horrores, vemos também o melhor do ser humano. Nunca lhes agradeci pela inspiração infinita que deixaram em mim, espero que ao contar a sua história deixe bem claro o profundo agradecimento que tenho por estas pessoas, terem cruzado a minha vida.

Obrigado por me terem mostrado que há amor no meio do horror. Obrigado.

Maldade responde-se com Humanidade.


in http://gustavocarona.blogspot.com/?fbclid=IwAR17BExz8A72jn-wBxtoZcggP1SsVG-2D6ajaFdztJBQ4b5bROi3xUKu934

sábado, 18 de setembro de 2021

Afeganistão - Não foi assim

Não foi assim: Biden pode dizer finalmente aos americanos que fez regressar “our boys”, tal como a sociedade estado-unidense exigia, deixando ali a prova provada de que um trabalho paciente pode levar a um “nation building”. Mas não foi assim.

quinta-feira, 29 de julho de 2021

Otelo Saraiva de Carvalho

 

Óscar e Otelo


“Não teve pelotões de fuzilamento”. É assim que Robert Fisk, no livro “A Grande Guerra pela Civilização”, se refere ao 25 de abril. Foi numa conversa com um conselheiro do Ministério dos Negócios Estrangeiros iraniano e para lhe dar um exemplo, uma demonstração, de que era possível. Não sabia que Robert Fisk tinha feito a cobertura da nossa revolução. Foi com orgulho que constatei que a sua excepcionalidade é reconhecida. Uma revolução que é referenciada pelo vermelho dos cravos e não pelo do sangue. Sangue. Já lá iremos.

Morreu Otelo Saraiva de Carvalho, o homem que organizou a revolução do 25 de abril e a quem devemos um fim da ditadura inteiro e limpo. Terão sido as suas qualidades militares e as suas virtudes pessoais a permitir que um golpe militar se transformasse numa revolução e uma revolução numa festa que foi bonita. O reconhecimento por tal facto parece ser transversal, com as exceções, claro, de quem preferia que a revolução não tivesse acontecido. Temos aqui uma boa oportunidade para finalmente se fazer tal contagem, mas não é para esses que escrevo.

O que opõe as pessoas, e que não surpreende, é a medida do reconhecimento público e histórico que Otelo Saraiva de Carvalho merece; se a sua participação nas Forças Populares 25 de Abril, FP-25, é uma razão para que o país e a história não lhe concedam as honras que os seus feitos de abril exigem.

Diz-se de Otelo que matou e sempre com referência ao terrorismo das FP-25. Nunca vi interesse em saber se Otelo também matou na Guerra Colonial onde combateu. Ainda bem. Não seria justo. Otelo serviu Portugal em África, é assim que costuma dizer-se de quem combateu as forças organizadas pelos movimentos de libertação das antigas províncias ultramarinas de Angola, Guiné e Moçambique. O regime de Salazar, e depois de Marcelo Caetano, não cedeu às oposições internas nem às pressões internacionais, quis manter o império colonial e impedir a independência dos países africanos. Haverá quem se orgulhe deste passado, talvez os mesmos da contagem do parágrafo acima. A maioria dos portugueses não. É certo que a nossa democracia assenta no repúdio pelo colonialismo.

As mortes da Guerra do Ultramar não mancham currículos. Comprovámos isso mesmo quando a Assembleia da República aprovou um voto de pesar pela morte do Tenente-Coronel Marcelino da Mata. Um voto de pesar por um militar que matou e torturou, sem pejo, em nome da ditadura. Foram, aliás, os seus únicos feitos.

O governo e o Presidente da República foram unânimes na recusa ao luto nacional pela morte de Otelo. Assisti, e muito bem, ao luto pelas mortes de Gonçalo Ribeiro Telles, Agustina Bessa-Luís, Eduardo Lourenço e Carlos do Carmo. Houve mais. Já agora: também assisti ao luto nacional pela irmã Lúcia. Nunca o percebi, um estado laico não deveria prestar-se a isto, mas respeito quem é devoto. Assisti também ao luto nacional pela morte do General António de Spínola, que presidiu ao movimento de extrema-direita MDLP, ao qual foram atribuídos o atentado que vitimou o Padre Max e a Maria de Lurdes e mais algumas centenas de ações de luta armada.

O envolvimento de António Spínola na luta armada não foi impedimento ao decretar de luto nacional. No caso de Otelo foi. Recordar aqui que as lutas armadas que lhes foram atribuídas tinham várias semelhanças e uma grande diferença: a de Spínola pretendia a reposição da ditadura do antigo regime e a de Otelo a concretização da revolução de abril no seu radicalismo, a imposição da ditadura do proletariado.

Não é um caso de “venha o diabo e escolha” e ninguém se deve conformar que assim seja tratado. O sonho da ditadura do proletariado terá morrido e não acredito no seu retorno. As suas concretizações não foram boas. Mas ele não nos envergonha. Foi esse sonho que levou às revoluções igualitárias. Continuam a ser os seus princípios a orientar as políticas sociais nos dias de hoje. Foi sempre a aproximação a esses princípios que marcou os melhores momentos da história. Eles são a base da social democracia europeia.

Deve aceitar-se que Otelo Saraiva de Carvalho não tenha o justo reconhecimento pelo seu contributo único para a fundação da democracia portuguesa? Qual é a razão honesta para que o seu nome não fique inscrito na memória colectiva acompanhado desse reconhecimento?

A história escreve-se mesmo quando não nos apercebemos que isso está a ser feito. Não é o caso aqui. Sabemos todos que a forma como o Estado Português trata a morte de Otelo fará parte da história e influenciará o seu decurso. Não há inocentes. Assistimos a uma deslocação lenta mas firme, na política portuguesa, para a direita. Os maiores partidos portugueses assim o determinam. Como admitiu Rui Rio, o PSD está muito mais à direita do que o lugar que ocupou com Sá Carneiro. Este definia o PSD como um partido de esquerda não marxista.

O PS também acompanha esse movimento. Contrariamente ao que os seus ferozes críticos apontam não é rigoroso que se trate de um partido de ideologia socialista, prevalecendo sim o seu carácter liberal. Temos ainda o aparecimento com expressão da extrema-direita neofascista. Quem diria.

O aparecimento do partido Chega mudou o tabuleiro da política em Portugal. Não foi para melhor. Não me refiro às razões que determinam a sua ilegalidade mas à nova dinâmica que veio imprimir. As forças políticas mais prejudicadas por esta praga, os partidos à direita, optaram por não excluir entendimentos. A partir daí, e mesmo para se justificarem perante o país, o seu discurso sobre o partido neofascista foi de aceitação; só precisa de se moderar um bocadinho. Uma espécie de: não sejam tão racistas, vamos lá suavizar isto. Esta aceitação do Chega pelos partidos tradicionais veio dar-lhe força. Resultado: a direita está refém do Chega para chegar ao poder. Bonito serviço.

O Partido Socialista agradece. Não poderia ter aparecido melhor forma de perpetuar o seu poder. Na verdade não poderia ter aparecido pior forma. Grande ironia aqui: os que tanto odeiam o governo de António Costa, e falo de toda a direita, facilitam-lhe a vida. Pagaremos todos por este erro, esta falta de coragem da direita. As minorias já estão a receber uma factura muito pesada.

Daqui resultam pelo menos três coisas: por um lado os partidos que se mantêm numa esquerda sem cedências liberais são considerados de extrema esquerda. Trata-se sobretudo de uma classificação que desconhece o conceito. Pacheco Pereira escreveu sobre o tema e de forma irrepreensível. Sugiro a sua leitura.

Por outro lado existe uma crescente relativização de tudo o que tem a ver com o 25 de abril e com as suas conquistas. É a constituição que precisa de ser alterada, são os capitães de abril que, como diz Vasco Lourenço, não estão na moda, são os princípios que precisam de ser atualizados, é a democracia que teria acabado por aparecer mesmo sem revolução.

E a terceira: a tolerância colectiva que é pedida perante o partido Chega. Todos sabem que se trata de um partido racista, muitos saberão que essa característica é fundamento para a extinção do partido nos termos da Lei dos Partidos mas muitos acreditam que seriam um ato muito radical extinguir um partido político com assento parlamentar. O sistema parece estar disposto a ignorar as suas próprias regras para proteger quem diz estar na vida política para o derrubar. Em cada esquina uma ironia.

Assim vai a política portuguesa.

O consentimento na existência de um partido político que viola a lei, e os princípios fundamentais da democracia, gera a radicalização política no espaço público. Não apenas a radicalização de quem a ele adere mas também a dos que a ele se opõem. Este fenómeno tem um aspecto positivo – o despertar de mais pessoas para a política – e muitos negativos. A existência de muitas tribos é certamente um bom exemplo dos aspectos negativos.

É aqui que voltamos ao Otelo. A sua morte, novamente como previu Pacheco Pereira, foi tribalizada. Sucede que nessa guerra tribal ganhou quem Otelo combateu. A sua partida poderia servir para lembrar os perigos do fascismo, a escuridão da ditadura e a fragilidade da paz. Mas não, como escreve um amigo: a única coisa que a história nos ensina é que a história não nos ensina nada.

António Costa afirmou que “o importante é não termos uma polémica sobre o tema”. Lamento, não é assim. Este nunca poderá ser o objectivo. As polémicas não matam a democracia, as cedências nos princípios sim.

Otelo Saraiva de Carvalho já foi julgado por crimes de sangue das FP-25 e foi absolvido. Já tinha sido julgado, e nesse caso condenado, por associação terrorista. Cumpriu uma pena de prisão de cinco anos.

Óscar acertou as suas contas com a sociedade.

Otelo parte sem que lhe tenha sido feita justiça. Só a dos seus amigos e a dos que escolheram não fazer parte do silêncio manso de quem consente. É preciso coragem para celebrar Otelo. Coragem, uma coisa que a ele nunca faltou.


 

 Artigo de Carmo Afonso, in Expresso Diário, 28/07/2021


Foto in  https://espalhafactos.com/2014/03/23/otelo-e-outros-militares-de-abril-em-conferencia-na-nova/


terça-feira, 6 de julho de 2021

O Agitador



Enfrentando a crise climática numa jornada de autodescoberta

É em tempos de crise que descobrimos o que realmente importa para nós, quem realmente somos, como indivíduos e como sociedade. The Troublemaker investiga profundamente as ideias e emoções por detrás da onda internacional de protesto civil, nascida em virtude da crise climática que se vivemos. Através dos olhos de um líder visionário que co-fundou a ?Extinction Rebellion? e de um cidadão respeitador da lei inspirado a agir, The Troublemaker aspira a despertar o público da resistência passiva para uma defesa de afirmação da vida do nosso futuro. Agora que entendemos mais sobre como é uma "crise global", ela não pode mais ser ignorada.