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terça-feira, 14 de março de 2023

Debate sobre a extinção das touradas em 1821


Na sessão de 4 de agosto de 1821 das Cortes Constituintes, as touradas estiveram em debate.

Borges Carneiro apresentou um projeto de lei para a proibição dos espetáculos tauromáquicos, entendidos como contrários “às luzes do século, e à natureza humana”. Em causa, estava um entretenimento baseado no sofrimento dos animais, criados para servir o homem, mas não para serem martirizados.

 “Os homens não devem combater com os brutos, e é horroroso estar martirizando o animal, cravando-lhe farpas, fazendo-lhe mil feridas, e queimando-lhe estas com fogo: tão bárbaro espetáculo não é digno de nós, nem da nossa civilização.”

 Também o Deputado Teixeira Girão classifica as touradas como um” bárbaro divertimento”, uma “tolice em expor a vida sem fim útil, sem necessidade, uma “traição em inutilizar aos touros as armas que lhes deu a natureza” e uma “crueldade e cobardia em atormentá-los depois”.

 Em sentido contrário, vários Deputados argumentam com a tradição e popularidade do espetáculo, mas também pela existência de outros costumes que agridem os animais, como a caça ou, noutros países as “carreiras de cavalos e o combate dos galos”. Referindo-se ao projeto de lei de Borges Carneiro, Lemos Bettencourt afirma:

 “Admira-me, como levado de tão filosóficas tenções, não incluiu no mesmo projeto a proibição da caça, pois sendo todos os animais e aves entes sensitivos, não deviam ser objeto de divertimento do homem; e não devia o caçador matar a ave inocente”.

 Outros Deputados entendem que a sociedade portuguesa não está ainda preparada para a decisão de extinguir as corridas de touros. Assim pensa Serpa Machado, que defende ainda a diminuição da barbaridade do espetáculo e a abolição dos “touros de morte”:

 “Eu não seria de opinião que desde já fossem proibidas as festas de touros, porque ainda não é tempo; é necessário ir preparando os costumes. Entretanto apoio que o projeto vá à discussão, não para se abolir esse espetáculo, senão para diminuir a sua barbaridade. Vamos por ora preparando os costumes, que lá virá tempo em que ele caia por si mesmo.”

 Manuel Fernandes Tomás, confessando ser “amigo deste divertimento” e espetador semanal de touradas, refere que não se pode, de repente, transformar o país numa “Nação de filósofos”, sendo necessário preparar a sociedade:

 “Para extinguir-se aqui este espetáculo, é preciso que os costumes se vão preparando, querer de repente reduzir uma Nação a Nação de filósofos não me parece correto, nem sensato; este costume há de acabar entre nós, quando se extinguir na Espanha. Eu o declaro francamente, sou amigo deste divertimento; não é por ser valoroso, nem deixar de o ser, nem querer que os outros o sejam, senão porque fui criado com isso. Na teoria sou dos mesmos sentimentos filantrópicos; mas na prática não posso. Confesso a minha fraqueza: vou ver os touros todos os domingos. Eu não pugnarei porque os haja; mas tão pouco me oporei diretamente a que deixe de havê-los."

 O projeto de lei de Borges Carneiro para a extinção das touradas seria rejeitado.

 

in https://www.parlamento.pt/Parlamento/Paginas/Debate-sobre-a-extincao-das-touradas-1821.aspx

 

quinta-feira, 1 de dezembro de 2022

José Gomes Ferreira e o ensino da História




Ocasionalmente, apareceu-me este vídeo... https://www.msn.com/pt-pt/entretenimento/tv/novo-livro-de-jos%C3%A9-gomes-ferreira-%C3%A9-um-grito-de-revolta-contra-a-maneira-como-a-nossa-hist%C3%B3ria-%C3%A9-contada/vi-AA14JI3r?rc=1&ocid=winp1taskbar&cvid=efadb45d04e54cf39f098277b4b2e47f

Santa ignorância, quer do autor quer, até, da apresentadora!...

Este jornalista, que habitualmente faz um programa sobre Economia/Finanças na SIC, anda agora a vestir a roupagem de historiador e a revisitar a História, à sua maneira, claro, criticando a torto e a direito (como é habitual nas suas intervenções) desconhecendo, efetivamente, os programas atuais de História/os conteúdos e a forma crítica como os mesmos são dados e até referenciados pelo Ministério da Educação. 

Nem 8 nem 80! 

Não escondemos a verdade histórica mas também não mentimos aos nossos alunos nem mascaramos a realidade histórica ao nosso gosto ou ao gosto da nossa ideologia político-partidária.

A visão deste jornalista, que revela o desconhecimento daquilo que se faz neste âmbito, integra-se claramente numa perspetiva saudosista, imperialista, colonialista… Já é o 2º livro que escreve desta forma sensacionalista-nacionalista, como se o que ele escreve ("investigou") tenha que ser, agora, uma verdade científica comumente aceite e uma espécie de cartilha para o seguidismo de má memória.

Que pedantismo! Que desconhecimento da realidade! 

Fala em manuais, manuais... Que manuais? De que anos de escolaridade?

Que fontes históricas consultou para apresentar este discurso?

Leu as orientações do Ministério da Educação relativamente ao ensino da História? 

Por exemplo:

- as aprendizagens essenciais da História A - 10º ano

https://www.dge.mec.pt/sites/default/files/Curriculo/Aprendizagens_Essenciais/10_historia_a.pdf; 

- as aprendizagens essenciais da História A - 11º ano

https://www.dge.mec.pt/sites/default/files/Curriculo/Aprendizagens_Essenciais/11_historia_a.pdf

as aprendizagens essenciais da História A - 12º ano

https://www.dge.mec.pt/sites/default/files/Curriculo/Aprendizagens_Essenciais/12_historia_a.pdf

- as aprendizagens essenciais da História B - 10º ano

https://www.dge.mec.pt/sites/default/files/Curriculo/Aprendizagens_Essenciais/10_historia_b.pdf

- as aprendizagens essenciais da História B - 11º ano

https://www.dge.mec.pt/sites/default/files/Curriculo/Aprendizagens_Essenciais/11_historia_b.pdf



Nazaré Oliveira


quinta-feira, 29 de julho de 2021

Otelo Saraiva de Carvalho

 

Óscar e Otelo


“Não teve pelotões de fuzilamento”. É assim que Robert Fisk, no livro “A Grande Guerra pela Civilização”, se refere ao 25 de abril. Foi numa conversa com um conselheiro do Ministério dos Negócios Estrangeiros iraniano e para lhe dar um exemplo, uma demonstração, de que era possível. Não sabia que Robert Fisk tinha feito a cobertura da nossa revolução. Foi com orgulho que constatei que a sua excepcionalidade é reconhecida. Uma revolução que é referenciada pelo vermelho dos cravos e não pelo do sangue. Sangue. Já lá iremos.

Morreu Otelo Saraiva de Carvalho, o homem que organizou a revolução do 25 de abril e a quem devemos um fim da ditadura inteiro e limpo. Terão sido as suas qualidades militares e as suas virtudes pessoais a permitir que um golpe militar se transformasse numa revolução e uma revolução numa festa que foi bonita. O reconhecimento por tal facto parece ser transversal, com as exceções, claro, de quem preferia que a revolução não tivesse acontecido. Temos aqui uma boa oportunidade para finalmente se fazer tal contagem, mas não é para esses que escrevo.

O que opõe as pessoas, e que não surpreende, é a medida do reconhecimento público e histórico que Otelo Saraiva de Carvalho merece; se a sua participação nas Forças Populares 25 de Abril, FP-25, é uma razão para que o país e a história não lhe concedam as honras que os seus feitos de abril exigem.

Diz-se de Otelo que matou e sempre com referência ao terrorismo das FP-25. Nunca vi interesse em saber se Otelo também matou na Guerra Colonial onde combateu. Ainda bem. Não seria justo. Otelo serviu Portugal em África, é assim que costuma dizer-se de quem combateu as forças organizadas pelos movimentos de libertação das antigas províncias ultramarinas de Angola, Guiné e Moçambique. O regime de Salazar, e depois de Marcelo Caetano, não cedeu às oposições internas nem às pressões internacionais, quis manter o império colonial e impedir a independência dos países africanos. Haverá quem se orgulhe deste passado, talvez os mesmos da contagem do parágrafo acima. A maioria dos portugueses não. É certo que a nossa democracia assenta no repúdio pelo colonialismo.

As mortes da Guerra do Ultramar não mancham currículos. Comprovámos isso mesmo quando a Assembleia da República aprovou um voto de pesar pela morte do Tenente-Coronel Marcelino da Mata. Um voto de pesar por um militar que matou e torturou, sem pejo, em nome da ditadura. Foram, aliás, os seus únicos feitos.

O governo e o Presidente da República foram unânimes na recusa ao luto nacional pela morte de Otelo. Assisti, e muito bem, ao luto pelas mortes de Gonçalo Ribeiro Telles, Agustina Bessa-Luís, Eduardo Lourenço e Carlos do Carmo. Houve mais. Já agora: também assisti ao luto nacional pela irmã Lúcia. Nunca o percebi, um estado laico não deveria prestar-se a isto, mas respeito quem é devoto. Assisti também ao luto nacional pela morte do General António de Spínola, que presidiu ao movimento de extrema-direita MDLP, ao qual foram atribuídos o atentado que vitimou o Padre Max e a Maria de Lurdes e mais algumas centenas de ações de luta armada.

O envolvimento de António Spínola na luta armada não foi impedimento ao decretar de luto nacional. No caso de Otelo foi. Recordar aqui que as lutas armadas que lhes foram atribuídas tinham várias semelhanças e uma grande diferença: a de Spínola pretendia a reposição da ditadura do antigo regime e a de Otelo a concretização da revolução de abril no seu radicalismo, a imposição da ditadura do proletariado.

Não é um caso de “venha o diabo e escolha” e ninguém se deve conformar que assim seja tratado. O sonho da ditadura do proletariado terá morrido e não acredito no seu retorno. As suas concretizações não foram boas. Mas ele não nos envergonha. Foi esse sonho que levou às revoluções igualitárias. Continuam a ser os seus princípios a orientar as políticas sociais nos dias de hoje. Foi sempre a aproximação a esses princípios que marcou os melhores momentos da história. Eles são a base da social democracia europeia.

Deve aceitar-se que Otelo Saraiva de Carvalho não tenha o justo reconhecimento pelo seu contributo único para a fundação da democracia portuguesa? Qual é a razão honesta para que o seu nome não fique inscrito na memória colectiva acompanhado desse reconhecimento?

A história escreve-se mesmo quando não nos apercebemos que isso está a ser feito. Não é o caso aqui. Sabemos todos que a forma como o Estado Português trata a morte de Otelo fará parte da história e influenciará o seu decurso. Não há inocentes. Assistimos a uma deslocação lenta mas firme, na política portuguesa, para a direita. Os maiores partidos portugueses assim o determinam. Como admitiu Rui Rio, o PSD está muito mais à direita do que o lugar que ocupou com Sá Carneiro. Este definia o PSD como um partido de esquerda não marxista.

O PS também acompanha esse movimento. Contrariamente ao que os seus ferozes críticos apontam não é rigoroso que se trate de um partido de ideologia socialista, prevalecendo sim o seu carácter liberal. Temos ainda o aparecimento com expressão da extrema-direita neofascista. Quem diria.

O aparecimento do partido Chega mudou o tabuleiro da política em Portugal. Não foi para melhor. Não me refiro às razões que determinam a sua ilegalidade mas à nova dinâmica que veio imprimir. As forças políticas mais prejudicadas por esta praga, os partidos à direita, optaram por não excluir entendimentos. A partir daí, e mesmo para se justificarem perante o país, o seu discurso sobre o partido neofascista foi de aceitação; só precisa de se moderar um bocadinho. Uma espécie de: não sejam tão racistas, vamos lá suavizar isto. Esta aceitação do Chega pelos partidos tradicionais veio dar-lhe força. Resultado: a direita está refém do Chega para chegar ao poder. Bonito serviço.

O Partido Socialista agradece. Não poderia ter aparecido melhor forma de perpetuar o seu poder. Na verdade não poderia ter aparecido pior forma. Grande ironia aqui: os que tanto odeiam o governo de António Costa, e falo de toda a direita, facilitam-lhe a vida. Pagaremos todos por este erro, esta falta de coragem da direita. As minorias já estão a receber uma factura muito pesada.

Daqui resultam pelo menos três coisas: por um lado os partidos que se mantêm numa esquerda sem cedências liberais são considerados de extrema esquerda. Trata-se sobretudo de uma classificação que desconhece o conceito. Pacheco Pereira escreveu sobre o tema e de forma irrepreensível. Sugiro a sua leitura.

Por outro lado existe uma crescente relativização de tudo o que tem a ver com o 25 de abril e com as suas conquistas. É a constituição que precisa de ser alterada, são os capitães de abril que, como diz Vasco Lourenço, não estão na moda, são os princípios que precisam de ser atualizados, é a democracia que teria acabado por aparecer mesmo sem revolução.

E a terceira: a tolerância colectiva que é pedida perante o partido Chega. Todos sabem que se trata de um partido racista, muitos saberão que essa característica é fundamento para a extinção do partido nos termos da Lei dos Partidos mas muitos acreditam que seriam um ato muito radical extinguir um partido político com assento parlamentar. O sistema parece estar disposto a ignorar as suas próprias regras para proteger quem diz estar na vida política para o derrubar. Em cada esquina uma ironia.

Assim vai a política portuguesa.

O consentimento na existência de um partido político que viola a lei, e os princípios fundamentais da democracia, gera a radicalização política no espaço público. Não apenas a radicalização de quem a ele adere mas também a dos que a ele se opõem. Este fenómeno tem um aspecto positivo – o despertar de mais pessoas para a política – e muitos negativos. A existência de muitas tribos é certamente um bom exemplo dos aspectos negativos.

É aqui que voltamos ao Otelo. A sua morte, novamente como previu Pacheco Pereira, foi tribalizada. Sucede que nessa guerra tribal ganhou quem Otelo combateu. A sua partida poderia servir para lembrar os perigos do fascismo, a escuridão da ditadura e a fragilidade da paz. Mas não, como escreve um amigo: a única coisa que a história nos ensina é que a história não nos ensina nada.

António Costa afirmou que “o importante é não termos uma polémica sobre o tema”. Lamento, não é assim. Este nunca poderá ser o objectivo. As polémicas não matam a democracia, as cedências nos princípios sim.

Otelo Saraiva de Carvalho já foi julgado por crimes de sangue das FP-25 e foi absolvido. Já tinha sido julgado, e nesse caso condenado, por associação terrorista. Cumpriu uma pena de prisão de cinco anos.

Óscar acertou as suas contas com a sociedade.

Otelo parte sem que lhe tenha sido feita justiça. Só a dos seus amigos e a dos que escolheram não fazer parte do silêncio manso de quem consente. É preciso coragem para celebrar Otelo. Coragem, uma coisa que a ele nunca faltou.


 

 Artigo de Carmo Afonso, in Expresso Diário, 28/07/2021


Foto in  https://espalhafactos.com/2014/03/23/otelo-e-outros-militares-de-abril-em-conferencia-na-nova/


sábado, 14 de novembro de 2020

O início da causa animal

A emergência do Direito Natural e consequentemente a consciência dos Direitos do Homem no panorama filosófico e político na segunda metade do século XVIII fizeram surgir nas elites políticas e intelectuais europeias uma sensibilidade, lenta mas progressiva, relativamente a questões consideradas como dogmas ao longo dos séculos, como por exemplo, a questão da limitação e separação de poderes, as liberdades fundamentais, a abolição da escravatura, a abolição da pena de morte, a emancipação das mulheres, a repartição justa da riqueza, a legitimidade da propriedade, etc... No mesmo contexto filosófico-político alguns filantropos problematizaram e questionaram a relação de domínio do Homem em relação aos animais. No espírito de muitas individualidades o recurso à violência para com os animais, fundamentado na suposta superioridade do Homem perante a Natureza era tida como imoral, quer à luz do Cristianismo, quer à luz da Razão. Os maus tratos aplicados aos animais eram considerados cada vez mais como resquícios da barbárie e da incivilização dos antigos tempos do obscurantismo. O Homem entrara numa nova nova idade da História, a idade da Razão e do progresso moral e essa evolução tinha necessariamente de se refletir na relação homem - homem e homem - animal. 

Não tardaram a surgir propostas para que o poder político adotasse medidas de proteção aos animais. Os primeiros esforços legislativos contemporâneos para proteção animal contra os maus tratos dos humanos surgem no Reino Unido no início do século XIX. Em 1800, Sir William Pulteney tenta introduzir no código jurídico inglês uma lei que proíbe o bull-baiting, projeto-lei recusado pelo Secretário da Guerra William Windham (1750 - 1810) com o argumento de que tal lei era contra o entretenimento das classes populares da sociedade inglesa. No ano seguinte, William Windham rejeita uma outra proposta legislativa de proteção animal, da autoria de William Wilberforce (1759 - 1833) fundamentando que tal lei tinha sido idealizada pelos metodistas e jacobinos com a intenção de destruir o “antigo caráter inglês pela abolição dos desportos rurais”. Mais uma tentativa surge em 1809 pelo Lord Chancellor Thomas Erskine (1750 - 1823), ao propor uma lei de prevenção da crueldade sobre os animais, aprovada na Câmara dos Lordes mas rejeitada na Câmara dos Comuns. Uma vez mais William Windham insurge-se contra tais propostas legislativas, alegando desta vez que eram incompatíveis com os tão populares divertimentos da caça à raposa e a corrida de cavalos. 

Após estas tentativas frustradas finalmente surge a primeira lei de proteção animal. É a lei Act to prevent the cruel and improper treatment of cattle (Lei de prevenção ao tratamento cruel e imprópio do gado) mais conhecida pelo nome do seu autor, "Martin's Act". Esta lei, da autoria do deputado Richard Martin (1754 - 1834) foi aprovada pelo parlamento britânico em 1822. A designação “gado” no título da lei apenas incluía boi, vaca, ovelha, mula, e burro, deixando de fora outras espécies como o touro e o cão que foram englobadas na lei em atualizações posteriores (leis de 1835, 1849 e 1876). 

O primeiro julgamento ao abrigo do Martin’s Act foi o de Bill Burns, vendedor de fruta ambulante, que agrediu o seu burro de carga. O caso na altura ficou famoso em Inglaterra devido ao facto de o próprio Richard Martin ter acusado Bill Burns e durante julgamento ter levado o burro à sala do tribunal como prova das agressões para espanto dos juízes e público assistente. "The trial of Bill Burns" (o julgamento de Bill Burns). O deputado do parlamento britânico, Richard Martin, leva o burro do acusado Bill Burns a uma das sessões do julgamento para demonstrar ao juiz os maus tratos infligidos pelo dono, episódio que causou grande sensação na época, nomeadamente nos jornais. Esta pintura (óleo sobre tela) está atualmente da seda da Royal Society for the Prevention of Cruelty to Animals. Fonte: http://en.wikipedia.org/wiki/File:Trial_of_Bill_Burns.jpg 


Richard Martin, Willian Wilberforce e outros estiveram envolvidos na fundação da Society for the Prevention of Cruelty to Animals em 1824, a primeira instituição do mundo dedicada à proteção animal. Esta instituição conseguiu fazer com que o Martin's Act de 1822 fosse alargado no seu âmbito pela Cruelty to Animals Act (lei da crueldade sobre os animais) de 1835, que abrangia cães e outros animais domésticos, abolia o bear-baiting e a luta de galos, assim como imponha melhores condições para os animais nos matadouros. A legislação de proteção animal inglesa foi sendo sucessivamente consolidada e ampliada ao longo do século XIX pelas leis de 1849 (Cruelty to Animals Act 1849 ), e de 1876 ( Cruelty to Animals Act 1876 ) de modo a abranger gradualmente mais espécies animais e modalidades de tratamento cruel ( consultar o site Animal Rights History para ter uma noção da produção legislativa inglesa sobre a proteção animal). O Reino Unido surge assim como o "berço" do movimento da causa animal e da legislação de proteção animal na contemporaneidade, sendo em breve trecho imitado por outros países europeus e americanos. 

E em Portugal? 

Em Portugal pouco se conhece sobre o estado de consciencialização para o bem estar animal na primeira metade de oitocentos. Percebe-se no entanto que a problemática da proteção animal está intimamente relacionada com as corridas de touros ou touradas. Existem referências para este período indicadoras de que as corridas de touros seriam mal vistas por certas pessoas. Sabe-se que um dos governadores do reino na ausência da corte no Brasil, o Principal Sousa (17-- 1817) se esforçou por proibir as touradas entre 1810 e 1817. Nas cortes constituintes (1821-1822) o deputado Borges Carneiro (1774 - 1833) apresentou à câmara constituinte um moção para a abolição das corridas de touros. No debate parlamentar perguntava ele aos seus colegas deputados: « Ora qual foi o fim da natureza criando estes animaes [os touros]? foi para que o homem se podesse servir delles, e quando muito que sei servissem para seu sustento; mas não foi de certo para que os martyrizasse, os enchesse de flexas, e se divertisse com elles, destruindo-os pouco a pouco por meio do fogo e do ferro. Taes não forão os fins para que a Divindade pôz os outros animaes debaixo do poder do homem.» Apesar da sua retórica e eloquência a moção foi rejeitada.
O deputado Borges Carneiro (1774 - 1833) eleito às cortes constituintes de 1821 -1822. No dia 04 de agosto de 1821 foi discutida nas cortes constituintes a sua moção para a abolição das touradas em Portugal. A moção foi rejeitada sob os mais variados argumentos. Fonte: http://www.arqnet.pt/dicionario/borgescarneirom.html Com o advento do Setembrismo, o ministro do Reino Passos Manuel (1801 -1862) governando em ditadura, aboliu a 19 de setembro de 1836 as corridas de touros. Porém esta lei foi revogada no ano seguinte com Carta de Lei de 30 de junho de 1837. Com a Carta de Lei de 21 de agosto de 1837 as receitas das corridas de touros realizadas em Lisboa revertiam para a Casa Pia e as receitas das touradas realizadas nos restantes municípios do território português ficavam afetas às Misericórdias ou a outras instituições pias, associando assim as touradas à caridade, o que deu mais um argumento a favor dos defensores da tauromaquia. 



 in http://blog-de-historia.blogspot.com/2012/02/o-aparecimento-da-legislacao-de.html (acesso dia 14.11.2020)

sábado, 30 de junho de 2018

Marcelo Rebelo de Sousa e Donald Trump





Nesta crónica do PÚBLICO de hoje, diz-se que "Marcelo deu uma lição de História a Donald Trump".

Keep calm! Marcelo falou da nossa História "à sua maneira", pecando por omissão acerca de certos factos e de certos contextos que nos relacionam (PORT/EUA).

Apetece-me dizer: "Olhe que não, Dr Marcelo, olhe que não" foi bem assim!

Recorde-se, a título de exemplo, a posição dos EUA face ao Estado Novo, particularmente, durante a guerra colonial que Portugal travou contra os movimentos de libertação africanos.

Enfim...




Nazaré Oliveira

terça-feira, 26 de dezembro de 2017

A democratização dos textos primeiros da cultura portuguesa: O acontecimento editorial do ano



Com a devida vénia transcrevo o artigo de Beja Santos que saiu no programa "Vida Alternativa" da Rádio Zero:


Esperei até meados de Dezembro para avaliar a importância dos projetos editoriais mais relevantes. De tudo quanto apareceu no mercado livreiro nada se aproxima das “Obras Pioneiras da Cultura Portuguesa”, com direção de José Eduardo Franco e Carlos Fiolhais, edição do Círculo de Leitores, início em 2017, projeto de fôlego, constituído por 80 obras em 30 volumes. O que aqui se dá à estampa são textos e documentos que revelam o pioneirismo em Portugal nos domínios da arte, ciências exatas e ciências humanas, na literatura, na música e noutros domínios do conhecimento. Falamos do mesmo Círculo de Leitores que anos atrás publicou pela primeira vez em Portugal todas as obras do padre António Vieira, empreendimento grandioso que estranhamente nem uma menção ou prémio recebeu. Este projeto envolveu um grande exército, 174 elementos entre investigadores, coordenadores dos volumes, consultores nacionais e internacionais, envolveu universidades nacionais e internacionais, centros de investigação e academias. Um labor sem precedentes e com resultados surpreendentes: os textos de todas as obras foram transcritos, fixados e criteriosamente atualizados a partir das suas versões primeiras.
Trinta volumes com uma seleção dos primeiros textos em português, de história, heráldica edificação moral e crónica biográfica, viagens e descobrimento, ética social e política, geografia e ecologia, e muitíssimo mais. É um registo admirável de 800 anos de história comum, estão aqui os fundamentos que podem permitir uma maior amplitude para o conhecimento da cultura portuguesa, ao alcance do chamado leitor médio., que em circunstância alguma teria acesso a estes textos primigénios. A propósito deste projeto, Carlos Fiolhais esclareceu numa entrevista o que há de transcendente nesta articulação entre a produção cultural e a ciência na história de Portugal: “Os Descobrimentos Portugueses dos séculos XV e XVI constituíram um prelúdio da Revolução Científica, que se deu no século XVII, com Galileu, Newton e outros grandes nomes. No empreendimento marítimo dos portugueses, que pode ser considerado uma primeira globalização, estavam já presentes a observação e a experiência, fundadas na curiosidade, que haveriam de presidir à Revolução Científica. Os portugueses encontraram novas terras, novas espécies minerais, zoológicas e botânicas e novas gentes, com culturas assaz distintas, e souberam reportar o que viram e o que viveram. Alguns instrumentos científicos introduzidos por cientistas seiscentistas, como o telescópio e o relógio mecânico, foram introduzidos na Índia, na China e no Japão pelos navegadores lusos. O mesmo se passou com os conhecimentos matemáticos, astronómicos e físicos do Ocidente, que foram nalguns casos traduzidos para línguas orientais. Mais tardem, no Iluminismo, ocorreu em Portugal uma ressuscitação da Ciência. E foi nessa altura que foram escritos em português os primeiros tratados de anatomia, de física, de química e de engenharia, que não estavam muito desfasados de obras similares que então surgiram noutras línguas nacionais”. O meso investigador dirá mais adiante que “a nossa preocupação foi mesmo oferecer os originais, pedindo a especialistas uma introdução integradora e as notas explicativas necessárias. Cada época histórica tem direito a uma leitura renovada dos textos fundadores da sua cultura e estava na hora de dar aos portugueses e a outros interessados um acesso fácil a esses textos, de modo a que pudessem fazer um juízo atualizado”.
No prefácio ao primeiro livro destas obras pioneiras, e dedicado a cantigas trovadorescas, prosa literária e documentação instrumental, os coordenadores lembram a dificuldade que existe em encontrar nas livrarias edições contemporâneas das obras dos sábios do Renascimento português, que se traduzia numa perda de autoestima cultural, classificado por muitos como o “atraso português”. E esclarece a organização dos 30 volumes, para aguçar o apetite aos leitores. E não se esquecem de anunciar a contingência deste projeto, a seleção não é definitiva nem completa, nele não entraram mais obras das disciplinas aqui representadas, e deixam uma mensagem para um projeto futuro: “Seria interessante fazer uma outra série com obras pioneiras de boa parte dos séculos XIX e XX, de modo a abarcar as áreas do saber que emergiram nessa época, nomeadamente as ciências naturais, a sociologia, a psicologia, a antropologia, a ciências políticas, entre outras”.
Falando dos primeiros textos em português, constata-se a preocupação em enquadrar o leitor quanto à seleção dos textos, situando a lírica, as suas origens, os poetas, as cantigas de diferentes tipos e temas, a prosa literária e os testemunhos escritos que têm a ver com compras-vendas, permutas, doações, testamentos, arrendamentos, e algo mais. O leitor será surpreendido pela beleza das cantigas profanas, pelas cantigas de Santa Maria, pela prosa literária e por um conjunto de documentos que registam a matriz da língua. Lê-se com emoção a cantiga de amigo “Eu, velida, não dormia” onde aparece uma expressão de todo enigmática “Edoi lelia doura”, que Herberto Helder escolheu para título de uma antologia de poesia portuguesa por ele organizada, entende-se que essa expressão era proveniente do árabe e significaria “hoje é a minha vez”. E é bem português o testamento de D. Afonso II, com data de 1214, que assim começa: “Eno nome de Deus. Eu rei don Afonso pela gracia de Deus rei de Portugal, seendo sano e salvo, temente o dia de mia morte, a saude de mia alma e a proe de mia molier reina dona Urraca, e de meus filios, e de meus vassalos e de todo meu reino, fiz mia manda per que, depois mia morte, mia molier e meus filios e meus vassalos e meu reino e todas aquelas cosas que Deus me deu en poder sten en paz e en folgancia”.
Há muitas décadas atrás, havia um recurso para suprir, com seríssimas lacunas, estas obras pioneiras, líamos alguns dos Clássicos da Sá da Costa, de saudosa memória. Este projeto é do maior alento, é um ambicioso grande arco sobre a nossa língua e a vastidão dos nossos conhecimentos.
Para um acontecimento editorial desta grandeza, o nosso agradecimento é coisa menor, um importante é chegar à biblioteca de todos nós.

Beja Santos, December 15th, 2017









in http://dererummundi.blogspot.pt/


segunda-feira, 15 de maio de 2017

PEREGRINAÇÃO DO PAPA FRANCISCO AO SANTUÁRIO DE NOSSA SENHORA DE FÁTIMA





PEREGRINAÇÃO DO PAPA FRANCISCO AO SANTUÁRIO DE NOSSA SENHORA DE FÁTIMA POR OCASIÃO DO CENTENÁRIO DAS APARIÇÕES DA BEM-AVENTURADA VIRGEM MARIA NA COVA DA IRIA (12-13 DE MAIO DE 2017)
SANTA MISSA COM O RITO DA CANONIZAÇÃO 
DOS BEATOS FRANCISCO MARTO E JACINTA MARTO
HOMILIA DO SANTO PADRE
Adro do Santuário de Fátima Sábado, 13 de maio de 2017

«Apareceu no Céu (…) uma mulher revestida de sol»: atesta o vidente de Patmos no Apocalipse (12, 1), anotando ainda que ela «estava para ser mãe». Depois ouvimos, no Evangelho, Jesus dizer ao discípulo: «Eis a tua Mãe» (Jo 19, 26-27). Temos Mãe! Uma «Senhora tão bonita»: comentavam entre si os videntes de Fátima a caminho de casa, naquele abençoado dia treze de maio de há cem anos atrás. E, à noite, a Jacinta não se conteve e desvendou o segredo à mãe: «Hoje vi Nossa Senhora». Tinham visto a Mãe do Céu. Pela esteira que seguiam os seus olhos, se alongou o olhar de muitos, mas… estes não A viram. A Virgem Mãe não veio aqui, para que A víssemos; para isso teremos a eternidade inteira, naturalmente se formos para o Céu.
Mas Ela, antevendo e advertindo-nos para o risco do Inferno onde leva a vida – tantas vezes proposta e imposta – sem-Deus e profanando Deus nas suas criaturas, veio lembrar-nos a Luz de Deus que nos habita e cobre, pois, como ouvíamos na Primeira Leitura, «o filho foi levado para junto de Deus» (Ap 12, 5). E, no dizer de Lúcia, os três privilegiados ficavam dentro da Luz de Deus que irradiava de Nossa Senhora. Envolvia-os no manto de Luz que Deus Lhe dera. No crer e sentir de muitos peregrinos, se não mesmo de todos, Fátima é sobretudo este manto de Luz que nos cobre, aqui como em qualquer outro lugar da Terra quando nos refugiamos sob a proteção da Virgem Mãe para Lhe pedir, como ensina a Salve Rainha, «mostrai-nos Jesus».
Queridos peregrinos, temos Mãe, temos Mãe! Agarrados a Ela como filhos, vivamos da esperança que assenta em Jesus, pois, como ouvíamos na Segunda Leitura, «aqueles que recebem com abundância a graça e o dom da justiça reinarão na vida por meio de um só, Jesus Cristo» (Rm 5, 17). Quando Jesus subiu ao Céu, levou para junto do Pai celeste a humanidade – a nossa humanidade – que tinha assumido no seio da Virgem Mãe, e nunca mais a largará. Como uma âncora, fundeemos a nossa esperança nessa humanidade colocada nos Céus à direita do Pai (cf. Ef 2, 6). Seja esta esperança a alavanca da vida de todos nós! Uma esperança que nos sustente sempre, até ao último respiro.
Com esta esperança, nos congregamos aqui para agradecer as bênçãos sem conta que o Céu concedeu nestes cem anos, passados sob o referido manto de Luz que Nossa Senhora, a partir deste esperançoso Portugal, estendeu sobre os quatro cantos da Terra. Como exemplo, temos diante dos olhos São Francisco Marto e Santa Jacinta, a quem a Virgem Maria introduziu no mar imenso da Luz de Deus e aí os levou a adorá-Lo. Daqui lhes vinha a força para superar contrariedades e sofrimentos. A presença divina tornou-se constante nas suas vidas, como se manifesta claramente na súplica instante pelos pecadores e no desejo permanente de estar junto a «Jesus Escondido» no Sacrário.
Nas suas Memórias (III, n. 6), a Irmã Lúcia dá a palavra à Jacinta que beneficiara duma visão: «Não vês tanta estrada, tantos caminhos e campos cheios de gente, a chorar com fome, e não tem nada para comer? E o Santo Padre numa Igreja, diante do Imaculado Coração de Maria, a rezar? E tanta gente a rezar com ele?» Irmãos e irmãs, obrigado por me acompanhardes! Não podia deixar de vir aqui venerar a Virgem Mãe e confiar-lhe os seus filhos e filhas. Sob o seu manto, não se perdem; dos seus braços, virá a esperança e a paz que necessitam e que suplico para todos os meus irmãos no Batismo e em humanidade, de modo especial para os doentes e pessoas com deficiência, os presos e desempregados, os pobres e abandonados. Queridos irmãos, rezamos a Deus com a esperança de que nos escutem os homens; e dirigimo-nos aos homens com a certeza de que nos vale Deus.
Pois Ele criou-nos como uma esperança para os outros, uma esperança real e realizável segundo o estado de vida de cada um. Ao «pedir» e «exigir» o cumprimento dos nossos deveres de estado (carta da Irmã Lúcia, 28/II/1943), o Céu desencadeia aqui uma verdadeira mobilização geral contra esta indiferença que nos gela o coração e agrava a miopia do olhar. Não queiramos ser uma esperança abortada! A vida só pode sobreviver graças à generosidade de outra vida. «Se o grão de trigo, lançado à terra, não morrer, fica ele só; mas, se morrer, dá muito fruto» (Jo 12, 24): disse e fez o Senhor, que sempre nos precede. Quando passamos através dalguma cruz, Ele já passou antes. Assim, não subimos à cruz para encontrar Jesus; mas foi Ele que Se humilhou e desceu até à cruz para nos encontrar a nós e, em nós, vencer as trevas do mal e trazer-nos para a Luz.
Sob a proteção de Maria, sejamos, no mundo, sentinelas da madrugada que sabem contemplar o verdadeiro rosto de Jesus Salvador, aquele que brilha na Páscoa, e descobrir novamente o rosto jovem e belo da Igreja, que brilha quando é missionária, acolhedora, livre, fiel, pobre de meios e rica no amor.


quinta-feira, 9 de fevereiro de 2017

Uma foto do Salazarismo

Vidago,Trás-os-Montes, 1952 *


(Clicar para ampliar)



Uma foto bonita mas dramática. 
A realidade brutal do Salazarismo bem patente na miséria que crianças e mulher evidenciam, quer pelo semblante que mostram, quer pelas roupas que usam, quer pela posição de profunda humildade que deixam transparecer.

Não havia infância para os pobres! Não havia nada para os pobres exceto trabalho miserável, sofrimento e exploração... apesar do sorriso puro e do olhar inocente dos que sonhavam com um amanhã diferente.



Nazaré Oliveira

*Foto gentilmente cedida pelo João Rodrigues Silva

sábado, 14 de janeiro de 2017

A extrema-direita em Portugal

Manifestação em Julho no Martim Moniz NUNO FERREIRA SANTOS


A extrema-direita em Portugal quer dar nas vistas, mas é “irrelevante”

Só salta para as páginas dos jornais quando há algum acontecimento ou quando o contexto internacional lança inquietações e levanta o medo de contágio. Mas politicamente, em Portugal, só à lupa a extrema-direita se consegue ver.

O Brexit já tinha provocado os seus efeitos. Depois Donald Trump vence as eleições nos Estados Unidos. Líderes nacionalistas europeus congratulam-se com a chegada de Trump à Casa Branca. Por cá, no mesmo dia em que o recém-eleito Presidente dos EUA insiste em expulsar dois a três milhões de imigrantes, há duas manifestações a acontecer no Martim Moniz, uma que luta pelos direitos dos imigrantes e outra, promovida pelo PNR, que não os quer no país. O que significam estes acontecimentos em Portugal? Há motivos para recear um contágio, para temer a extrema-direita? A resposta, para já, é não. Mas Trump também não ia ganhar, ironiza o politólogo Carlos Jalali.
Para o politólogo André Freire, a extrema-direita em Portugal é, pelo menos do ponto de vista estatístico e eleitoral, “inexistente”, “irrelevante”. “Não estou a dizer que deva ser desvalorizado, mas eles são bastante fracos. São grupos com pouco peso, não quer dizer que não possam ter mais, mas nós não temos muitos imigrantes”, diz.

A vitória de Trump inspira os populistas europeus

Em Portugal, o PNR tem uma expressão eleitoral reduzida (nas legislativas, ficou-se pelos 0,5%, ainda assim, mais do que os 0,32% em 2011. “Não quer dizer que não haja algumas atitudes mais difundidas, mas como conjunto coerente e projecto político não creio que haja grande alastramento na sociedade portuguesa”, acrescenta André Freire.
Ricardo Marchi, do Centro de Estudos Internacionais do ISCTE-IUL, explica essa falta de expressão com o facto de o PNR fazer um discurso anti-imigração e anti-islâmico referindo, que Portugal não se deve tornar como a França, a Bélgica, mas essa mensagem “de oposição a ‘o que poderia ser’ - e não ao que é - tem escassas possibilidades de atrair militantes e eleitores num país que não vive as emergências ligadas ao multi-culturalismo”.

“Medo da globalização”

O politólogo Carlos Jalali também entende que há “uma certa vaga de populismo nas democracias contemporâneas, que tem como núcleo central uma perspectiva antielitista”, segundo a qual os políticos “não ouvem o cidadão comum”. Neste universo, há dois temas recorrentes: o antieuropeísmo e a questão da imigração. Mas em Portugal esta última nem chega a ser uma questão, alerta Jalali: “28% dos europeus considera a imigração um dos dois temas mais importantes que o seu país enfrenta, de acordo com o Eurobarómetro de Maio de 2016. Em contrate com esta média europeia, Portugal surge com apenas 3%”. Se, continua, o tema é o segundo mais importante para os europeus (a seguir ao desemprego), em Portugal a imigração surge no fim da lista das preocupações, é a 10º em 13. Perigo de contágio? “Não me parece que vá haver grande politização dos temas da imigração em Portugal, no sentido de haver uma vaga de partidos com discurso anti-imigração a conseguir mobilizar muitos eleitores.”
Também a politóloga Marina Costa Lobo considera que “o peso da extrema-direita em Portugal é muito reduzido. O impacto é muito diminuto. Tem a ver com razões socioeconómicas, o peso dos migrantes é reduzido e tem vindo a diminuir com crise”. Mais: “As lideranças políticas do PNR tem tido muito pouca força e capacidade de chegar aos media principais.”

O “medo da globalização”, continua, leva o norte da Europa e os países mais ricos a um “populismo de direita, ligado à preservação de territórios e de fronteiras”. No sul, prossegue, leva a um “populismo de esquerda” que se traduz em discursos contra a Europa e pelo fechamento económico, mas sem questões identitárias. Marina Costa Lobo não teme a extrema-direita em Portugal: “Não me parece que seja uma questão de grande relevância em Portugal.”
O PNR não se formou como muitos outros partidos. O que fez foi pegar no PRD (Partido Renovador Democrático): “Resolveram utilizar o PRD que tinha tido algum sucesso parlamentar nos anos 80 à volta de Ramalho Eanes, mas que no final dos 90 já se encontrava sem actividade. Os militantes nacionalistas simplesmente ingressaram no partido, conquistaram a direcção, acertaram as dívidas e a seguir mudaram nome para PNR”, conta Riccardo Marchi. 

Para este investigador, o PNR não tem expressividade, porque “a realidade social portuguesa é muito diferente da que se vive na França, Bélgica, onde a sociedade multicultural e multirracial é evidente e há bairros com minorias muçulmanas, muito mais marcada do que a portuguesa”. Ora, diz, “fazer o discurso anti-imigração em 80% do território nacional, onde não há imigração, não afecta o cidadão, não consegue mobilizar. Tanto que o discurso do líder do PNR é sempre no futuro: ‘não queremos que Portugal se torne a França, Bélgica…’. É o discurso que ele faz há muitos anos.”


M e