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André Ventura na Igreja de Santa Cruz (Coimbra)
Fonte da imagem: https://www.noticiasdecoimbra.pt/andre-ventura-reza-na-igreja-de-santa-cruz-em-coimbra/
Abondar
Não, não tem nada que ver com “abundar”, apesar de ser muito semelhante. O
verbo “abondar” significa o mesmo que dar, ou chegar, no sentido de dar objetos
em mão. Por exemplo: “Ó António, chega-me/dá-me aí o comando da televisão” será
o mesmo que “ó António, abonda-me aí o comando da televisão”. É parvo? É.
Amanhã ou passado
Se não és transmontano, deves estar a pensar que
isto não faz sentido nenhum. E realmente não faz. Mas se vens de
Trás-os-Montes, entendes perfeitamente o que diremos a seguir! “Amanhã ou
passado” é exatamente o mesmo que dizer “amanhã ou depois [de amanhã]“! Mas
porquê, se “passado” é precisamente o contrário de “depois de amanhã”? Ninguém
sabe porquê. Por mais voltas que demos à expressão, não vamos conseguir
encontrar uma explicação plausível para isto.
Barduada
Esta não tem muito que se lhe diga. Pode parecer uma coisa muito estranha (se
não fores transmontano podes estar a imaginar uma trovoada ou um bicho muito
feio com três cornos nas costas), mas é muito simples: “barduada” é o mesmo que
“paulada”. Ex.: “deu-lhe uma barduada que o tombou”!
Bô
Eis que chegamos à palavra mais pedida pelos fãs. A palavra mais comum do
léxico transmontano, aquela que tem mais significados e que é praticamente
impossível de explicar o que significa, ainda que na cabeça do pessoal
transmontano faça todo o sentido – “bô”. Quando queres dizer algo como “ora
essa!”, podes dizer, simplesmente “bô”! Quando desconfias de algo que te
acabaram de dizer, podes simplesmente dizer “bô”, com uma entoação ligeiramente
diferente. Se preferires, também podes simplesmente substituir a palavra “bom”
(que não poderias usar nos casos anteriores) por “bô”. Afinal, o que é, então,
o “bô”? É uma palavra mítica que é quase tudo, sem ser nada!
Embuligar/Embuldrigar
Um verbo absolutamente parvo que significa, basicamente, fazer figura de porco.
“Embuligar” significa rebolar no chão, mais propriamente na sujeira do chão”.
Alguém que esteja todo embuligado está, portanto, todo porco, cagado, larego,
cheio de surro (não conheces esta palavra? Então continua a ler o artigo). Se
preferires (isto das palavras transmontanas é tudo à vontade do freguês), podes
dizer “embuldrigar”, que é exatamente o mesmo, mas com mais duas letras parvas.
Lapantim
Lapantim é o que os mais velhos costumam chamar aos rapazes (ou raparigos, que
também se usa em Trás-os-Montes) novos. “Lapantim” é o que se chama a um miúdo
irrequieto ou de maus costumes, que só faz asneira e nada que sirva! Assim,
esta palavra vem quase sempre a seguir a “está quieto”! “Está quieto,
lapantim!”
Uliar
E esta? Apesar de parecer (ao dizer a palavra), não tem nada que ver com óleo.
Uliar é aquilo que os cães fazem quando se põem a cantar, virados para a Lua.
Isso mesmo. “Uliar” é sinónimo de uivar, e, apesar de já ter sido mais comum do
que é hoje em dia, ainda se usa em algumas regiões transmontanas!
Arrebunhar
“Arrebunhar” é exactamente o mesmo que “arranhar”,
só que com mais uma sílaba gratuita. Em vez de “O azeiteiro do teu gato
arranhou-me o braço todo”, podes dizer “O azeiteiro do teu gato arrebunhou-me o
braço todo”, mas com pronúncia transmontana, claro.
Albarda
A palavra vem do espanhol (o que é comum acontecer nas expressões do nordeste
transmontano, visto que a região sofre bastante influência de Espanha) e
designa as selas que se colocam nos cavalos, burros e outros animais de carga.
Em Trás-os-Montes, refere-se também ao vestuário de alguém, mais frequentemente
para falar de casacos grandes ou algo do género. Por exemplo: ” Não te metas
nesse caminho de lama que dás cabo da albarda, rapaze!”.
Amarrar
A palavra existe e é conhecida para toda a gente, certo? Significa, obviamente,
atar com cordas, por exemplo. Contudo, em Trás-os-Montes, a palavra é utilizada
como um sinónimo – ou substituto – de “agachar”. Se algum dia um gajo de
Bragança te gritar “cuidado, amarra-te!”, não é suposto pegares numa corda e
prenderes-te a um poste com ela (exceto em casos de sadomasoquismo brigantino).
A única coisa que tens que fazer é baixar-te, ou ainda bater com o caco nalgum
sítio.
Carranha
É a palavra mais nojenta da lista e significa, simplesmente, “macaco do nariz”,
ou monca. Se és daquelas pessoas que não se assoa, é bem provável que ouças
alguém dizer-te “Pega lá um lenço, que tens aí uma carranha!”. Contudo, também
é provável que ninguém te diga nada e que andes o dia inteiro a fazer uma
figura triste com uma monca de fora.
Cibo
Esta palavra significa exatamente o mesmo que “bocado”, podendo substituí-la em
qualquer contexto. Ao lanche, numa terra transmontana, será comum oferecerem-te
um “cibo de pão com manteiga”, por exemplo.
C’moquera
Esta é uma das expressões mais difíceis de explicar. Quer dizer, mais ou menos,
“pode ser que sim”, sendo utilizada tanto em tom “normal” como em tom de
ameaça. Por exemplo, se não fizeres as cadeiras todas este ano – nós sabemos
que estás à rasca – “c’moquera” que ainda perdes a bolsa de estudos, se a
tiveres. Se se meterem contigo, poderás também só dizer “c’moquera!”, em tom de
ameaça, como quem diz “Pode ser que leves uma saronda!” O que é uma saronda? Já
lá vamos. Só mais um cibo.
C’mássim
Esta tem mais ou menos o mesmo significado que “assim sendo” com a vantagem de
não precisar necessariamente de qualquer antecedente. Se a conversa estiver
fraca podes simplesmente dizer “C’mássim, vou-me andando para casa”. Também
pode significar algo como “tem que ser”, como no exemplo: “Bem, vou limpar aqui
o chão da cozinha, c’mássim…”
Emplouricar
Significa ir para cima de alguma coisa. Os gatos, por exemplo, gostam de andar
sempre “emplouricados” nas mesas, nos armários, nas portas, nas janelas, na
televisão, nos móveis da casa de banho, na bacia…..enfim, já percebeste a
ideia. E uma coisa é certa: os gatos são mais fofos quando se andam a
emplouricar do que quando nos estão a arrebunhar o couro por completo.
Ele é
Esta é um cibo difícil de explicar porque não tem jeito nenhum. Basicamente, é
o mesmo que “é”, mas por vezes junta-se o “ele” mesmo que não se justifique. Em
vez de perguntares “É aqui o festival?”, poderás perguntar “Ele é aqui o
festival?”. Qual é a vantagem? Nenhuma. E a necessidade? Também nenhuma.
Fai
Isto é uma variante de “faz”, pelo que tem mais que ver com a pronúncia do que
com a palavra em si. Por exemplo: “Ó Sandra, fai-me aí um sumo de laranja!”. Há
quem diga que o verbo “fazer” pode ser conjugado nas outras formas verbais, ao
estilo de “fai” (“fais”, “faem”) mas também há quem diga que não, por isso não
nos vamos pronunciar no que toca a esse assunto.
Massim
Não há uma correspondência 100% correta para isto mas é parecido com “não mas
sim”, o que, por si só, já não faz sentido nenhum. Por exemplo, se disseres que
não queres salada, a tua mãe pode dizer-te: “Massim, que te faz bem!”
Manhuço
Manhuço é um aglomerado de qualquer coisa, numa quantidade que seja possível
pegar com uma mão mas sem ser possível esconder. Um manhuço de cereais, por
exemplo, seria quando metes mão na caixa dos Chocapitos do Lidl e tiras uma mão
cheia deles. Um manhuço de terra é quando agarras numa mão cheia de terra. Um
manhuço de cibos de pão é…é uma estupidez, já.
Lapouço
Quer dizer sujo/porco/labrego. Se és uma daquelas pessoas que não consegue ir
ao McDonald’s sem deixar cair metade do hambúrguer ao chão e na barriga inchada
enquanto metes a boca no outro lado do pão, pode dizer-se que és um “lapouço”.
Outras palavras com significado semelhante – ainda que o destas seja um pouco
mais forte, significando que a pessoa é mesmo porca – são “Larego” ou
“Cochino”.
Ladradeira
Isto é o que se chama àquelas senhoras coscuvilheiras, que passam o dia a dar à
língua para cá e para lá, a falar da vida do Sr. Francisco, do carro novo da
Dona Teresa, da filha bastarda da Maria Cigana. Dedicada a todas essas
senhoras, e palavra “ladrar” foi adaptada, de forma pejorativa, para esta bela
forma: Ladradeira.
Guicho/a
A pronúncia é “guitcho/a” e é o equivalente a “fino”, que descreve alguém
inteligente, ou esperto! Em vez de dizer “e és pouco fino, ó Zé!”, dirias “E és
pouco guitcho, ó Zé! C’moquera!”.
Refustedo/Chaldraria
Ambas as palavras querem dizer confusão, ou barulheira. “Isto é que vai para
aqui um refustedo/uma chaldraria do caraças!”. Contudo, “refustedo” pode também
ser utilizado em substituição de uma palavra parecida, mais feia: “p**edo”. Por
exemplo: “Não te metas nessa lanchonete que só há lá refustedo…”
Larpar
Esta palavra significa o mesmo que comer, mas de uma maneira ligeiramente mais
torgueira. Não há muito mais a dizer acerca desta palavra, por isso não nos
vamos alongar, até porque esta mesma frase foi feita precisamente para meter
aqui mais um bocadinho de texto desnecessário.
Engranhado/a
Uma pessoa engranhada – ou, noutra variante, engaranhada – é uma pessoa cheia
de frio, ou que está toda encolhida por causa do mesmo. Por exemplo: “Aquela
ladradeira está ali toda engaranhada e mesmo assim não se cala! C’moquera ainda
apanha uma constipação.”
Arreguichada/o
Arreguichar é mais ou menos sinónimo de empinar. Como tal, para dizer que
alguém tem a mania, diz-se que anda de nariz “arreguichado”, em vez de
empinado, e as raparigas mais oferecidas normalmente “arreguicham” a saia mais
frequentemente….é um refustedo.
Birolho/a
Um gajo birolho é, basicamente, alguém que tem os olhos tortos. Apesar de
parecido, não é sinónimo de zarolho, que isso é alguém que só tem um olho. Por
exemplo: “O Pedro é birolho, tem um olho no pão e outro no repolho”. Os
birolhos são, portanto, mais frequentes. A Rita Pereira é um exemplo de uma
leve birolhice.
Furgalhos
Isto é exactamente o mesmo que migalhas. É uma questão de preferência. Poderás
dizer, por exemplo, “Não deites os forgalhos na cama pá! És birolho ou quê?”,
ou “Parte aí um cibo de pão com cuidado, para não esfurgalhar”.
Porí
Porí é uma expressão que pode ser utilizada no lugar de “se calhar”. “- Porque
é que a Maria está ali amarrada? – Não sei, está engaranhada, porí”. Em
português de Lisboa isto seria equivalente a “- Porque é que a Maria está ali
agachada? – Não sei, está com frio, se calhar”.
Saronda/Tunda
“Saronda” (já referida anteriormente) é sinónimo de tareia, assim como “tunda”.
“O ladrão armou-se em guicho mas levou uma saronda que ficou lá estendido!”
Bardino/Gandulo
“Bardino”, bem como “gandulo”, são palavras utilizadas para descrever um
indivíduo vadio, meio delinquente. o Justin Bieber, por exemplo, é um bardino.
Surro
Quando alguém tem algum tipo de sujidade na pele, por exemplo (os lapouços têm
frequentemente sujidade que vem da comida que espalham), pode dizer-se que tem
surro. “Ó garota vai-te lavar que estás cheia de surro na cara!” é uma
expressão que se ouve várias vezes, quando se lida com crianças.
Bilhó
Bilhó é uma maneira de designar castanhas assadas sem casca. Tão simples quanto
isto. No outono, pela altura do S. Martinho, é frequente comer um manhuço de
bilhós depois de almoçar. A palavra pode também ser usada para referir a uma
criança pequena, atrevida, guicha. “Este bilhó não sabe estar quieto!”
Zorra
Talvez das mas engraçadas, é uma palavra que significa “filha bastarda”, como,
por exemplo, a filha da Maria Cigana da qual já falamos no slide da Ladradeira.
A Maria Cigana tem, portanto, uma zorra em casa.
A maneira de dizer as horas
Não, neste caso o título não é uma expressão
transmontana. Neste caso, o que acontece é o seguinte: sempre que ouvires
alguém dizer a preposição “as” ao dizer as horas (por exemplo: “são as 3h da
manhã”, em vez de “são 3h da manhã), podes assumir, com 99% de certeza, que
essa pessoa vem de Trás-os-Montes. Os transmontanos teimam que faz mais sentido
assim, quem não é de lá teima que não. Contudo, achamos que ambas as formas são
corretas.
Conhece outras expressões? Partilhe connosco: geral@amontesinho.pt
Fonte: Ser Transmontano - https://amontesinho.pt/tras-os-montes/algumas-das-expressoes-que-so-vai-ouvir-em-tras-os-montes/
Barómetro da Corrupção
"Os governantes estão fartos de ser avisados". Portugal tem um Sistema de Alerta Precoce de Sismos "construído" mas está "em fase de testes" desde 2021
Existem mecanismos para emitir alertas preventivos de sismo, mas Portugal ainda não tem implementados os instrumentos necessários para tal. O sismo de 5,3 de magnitude na escala de Richter que abalou Portugal continental na madrugada desta segunda-feira veio relançar o debate sobre o que falta cumprir para o país estar mais bem preparado para um sismo de grandes dimensões – incluindo a implementação de um Sistema de Alerta Precoce de Sismos (EEWS, na sigla inglesa), que começou a ser instalado há alguns anos no barlavento algarvio, mas que continua por concretizar por “falta de investimento”, indica à CNN Portugal um especialista em risco sísmico.
“Um alerta preventivo seria uma possibilidade se houvesse em Portugal instrumentos para isso, instrumentos que Portugal não tem, aquilo a que chamamos Sistemas de Alerta Precoce, ou Earthquake Early Warning Systems”, diz Francisco Mota de Sá, investigador de risco sísmico do Instituto Superior Técnico (IST). “Já temos esse tipo de avisos para tsunamis, mas não para sismos. Nós quisemos instalar um desses sistemas para sismos, mas as coisas não andaram para a frente porque não havia financiamento.”
Países com elevada atividade sísmica, como o Japão, têm já em vigor os seus próprios Sistemas de Alerta Precoce de Sismos, que conseguem emitir um alerta de risco de tremor de terra entre cinco a 10 segundos antes do abalo. “O Japão tem isso tudo e mais alguma coisa, mal deteta que vai ocorrer um episódio envia imediatamente avisos para os telemóveis, para os media e por aí fora”, explica o engenheiro. “O México também tem, consegue enviar alertas com entre cinco e 10 segundos de antecedência, e os Estados Unidos também têm o seu sistema. Por cá, os governantes estão fartos de ser avisados, muitos dos meus colegas desta área, de várias universidades, já fizeram vários avisos a vários governos e ainda nada aconteceu, ninguém parece interessado…”
Em março de 2021, a Universidade de Évora anunciava a instalação dos primeiros quatro sismómetros do país a entre 20 e 30 metros de profundidade ao largo de Sagres, no Algarve, para detetar potenciais abalos gravosos, incluindo sismos gerados “na região atlântica adjacente ao território português”, naquela que seria a primeira fase de implementação de um EEWS no país.
Na altura, a instituição sublinhou em comunicado que a ideia era “capacitar a rede nacional de monitorização sísmica” através da instalação desse sistema de alerta precoce, que viria reforçar os sismómetros já existentes à superfície, um passo que definiu como “fundamental não só para Portugal, mas também para a Europa”. Mas mais de três anos depois, o projeto continua em fase de testes.
“Creio que o Sistema de Alerta Precoce está seguramente em fase de testes, entretanto saí do instituto e perdi o contacto com o projeto, mas sei que está construído, está desenvolvido, e quando se considerar que é fiável será colocado em funcionamento”, garante à CNN Portugal Miguel Miranda, ex-diretor do Instituto Português do Mar e da Atmosfera (IPMA). “Num sismo como este, a cerca de 60 quilómetros da costa de Sines, provavelmente não ganhávamos grande coisa com esse sistema, porque um sismo de 5,3 tem um tempo de desenvolvimento curto”, adianta o sismólogo. “Mas num com magnitude de 8 ou mais, que é aquilo que nos aterroriza, já podemos perder logo um quarto de hora na rutura, porque as ondas sísmicas são instantâneas, e com esse Sistema de Alerta Precoce ganhamos uns bons minutos entre sabermos que é um sismo importante e esse mesmo sismo atingir zonas mais críticas.”
Ter um EEWS em vigor permitiria, entre outras coisas, emitir alertas de risco sísmico, à semelhança do que a Proteção Civil já faz quando há risco de incêndios ou de cheias, através do envio automático de mensagens SMS à população. “Pelas nossas contas, conseguiríamos enviar um aviso entre cinco a 10 segundos antes [do sismo]”, explica Francisco Mota de Sá. “Cinco segundos parece pouco tempo mas dá para muita coisa, sobretudo no que toca a sistemas automatizados, por exemplo, dá para interromper processos que envolvem máquinas variadas e que estão a acontecer” quando é emitido o alerta.
Para Miguel Miranda, o sismo desta madrugada provou que os sistemas de observação sísmica “estão a funcionar muito bem”, mas acima de tudo deve servir para “impulsionar uma melhoria dos sistemas”, nomeadamente concretizar a implementação do primeiro EEWS em Portugal, e adaptar as infraestruturas para que esse sistema seja eficaz. “O sistema de alerta precoce ainda precisa de uma outra coisa, que é infraestruturas preparadas para, por exemplo, de uma forma automática, ligarem geradores de emergência, cortarem pipelines de gás natural, diminuírem a velocidade dos comboios de alta velocidade – infelizmente ainda não os temos, mas quando tivermos, esse sistema será absolutamente essencial.”
"Um sismo no mesmo sítio com magnitude superior a 6 seria diferente"
O sismo desta madrugada, o mais forte a atingir o território continental em mais de meio século, foi localizado com rapidez, mas é incerta a profundidade do seu epicentro. O Serviço Geológico dos EUA fala em 10,7 quilómetros de profundidade, o Centro Sismológico Euro-Mediterrânico refere uma profundidade de cinco quilómetros, a rede nacional sísmica aponta para 19 quilómetros de profundidade. Como refere Francisco Mota de Sá, “normalmente é o IPMA que tem equipamentos para calcular esses dados, mas seria preciso ter uma rede sísmica mais bem montada para conseguir localizar o epicentro de forma mais rápida”.
“Falta precisão e, para isso, precisamos de estações no fundo do mar, e isso não temos, porque é muito caro”, acrescenta Mourad Bezzeghoud, professor catedrático da Universidade de Évora que esteve envolvido no projeto de instalação das quatro estações sísmicas em furos ao largo de Sagres. “Essas quatro estações foram instaladas no âmbito de um projeto europeu, graças aos fundos europeus conseguimos comprar as estações, mas não há investimento a longo prazo do próprio Estado, só a curto prazo, o prioritário é o dia a dia, mas não se olha para o futuro.”
Confirmando que o EEWS português está ainda em fase de testes, Bezzeghoud destaca que “os alertas precoces são obviamente importantes em qualquer evento catastrófico, mas o mais importante é a prevenção, é ter a população preparada e os edifícios preparados” e aí Portugal continua atrasado. Zonas com elevada atividade sísmica, como o Japão e a Califórnia, lidam com sismos como o desta madrugada e com magnitudes superiores “com poucos danos porque tudo está preparado, e o problema aqui em Portugal, e na Europa de forma geral, é esta falta de preparação”, refere o geofísico.
“O mais problemático nem são os SMS, porque acho que a população hoje em dia já está mais preparada do que há 10, 20 ou 30 anos, com as alterações climáticas acho que toda a gente já está sensibilizada para estes fenómenos. Agora, ouvimos o Governo a dizer que está tudo bem, mas não está tudo bem, desta vez tivemos um sismo de 5,3 a 19 quilómetros de profundidade, por isso não aconteceu nada, mas um sismo no mesmo sítio com magnitude superior a 6 seria diferente, há uma ordem de grandeza diferente.”
“Atualmente”, refere Francisco Mota de Sá, “a Proteção Civil não tem meios para enviar alertas prévios à população, só consegue depois de o sismo já ter ocorrido” – o que também não foi o caso esta madrugada. Sentido às 05:11 da manhã, com epicentro a 58 quilómetros a oeste de Sines, a Autoridade Nacional de Emergência e Proteção Civil (ANEPC) só emitiu um primeiro comunicado pelas 05:40, tendo “privilegiado o Facebook” para passar informações à população.
“O sismo foi sentido às 05:11 e às 05:40 foi quando tivemos a confirmação dos diferentes comandos regionais e subregionais de que, de facto, não houve danos pessoais nem materiais”, indicou o porta-voz da ANEPC, André Fernandes, numa conferência de imprensa durante a manhã. No rescaldo imediato do sismo, foi detetado um “pico de chamadas” para os serviços de Proteção Civil, período durante o qual o site do IPMA esteve em baixo, levando o grupo Iniciativa Cidadãos pela Cibersegurança a alertar para as “fragilidades” da morada online do único organismo capacitado para detetar e recolher dados precisos sobre sismos em território português. “Numa ocorrência deste tipo seria de esperar que o site do IPMA fosse a principal, mais fiável e segura fonte de informação, [mas] infelizmente não foi”, referiu o grupo, notando que o site esteve em baixo “entre as 05:11 e, pelo menos, as 05:40/05:55”.
Ao longo desse período de mais de meia hora, apenas os utilizadores Android receberam alertas para o abalo que acordou inúmeras pessoas em sobressalto, sobretudo na região de Lisboa e Vale do Tejo. O Google também disponibilizou de imediato informações sobre o sismo e recomendações à população para quem recorreu ao motor de busca no rescaldo do tremor de terra.
Os responsáveis da ANEPC dizem que foi dada primazia ao Facebook para a divulgação das primeiras informações sobre o sismo porque os dados mostram que “as pessoas acorrem mais a essa rede social” nestes eventos. Também adiantaram que a comunicação imediata com a população só está prevista quando estão em causa sismos com uma magnitude mínima de 6,1 na escala de Richter, por acarretarem maior risco de tsunamis – mas “a questão não se limita à magnitude”, destaca Francisco Mota de Sá.
“Não é só a magnitude que, por si só, torna útil o envio de um alerta, é a magnitude e a localização, a que distância está o epicentro. Este sismo de 5,3, se tivesse sido em terra ou muito próximo de alguma povoação, poderia ter causado danos muito graves – 5,3 de magnitude debaixo dos pés já causa muitas chatices.”
"Surpreendidos por um sismo moderado"
Os especialistas são unânimes a considerar que é preciso concretizar um sistema de alerta precoce também para sismos, nas palavras de Mourad Bezzeghoud “para que as autoridades, as forças de emergência e de segurança, possam rapidamente preparar o país para esse impacto e minimizar a destruição e as consequências” do abalo – incluindo emitir um aviso imediato à população que permita reduzir o número de feridos, de vítimas mortais e de danos à propriedade.
“Seria bom melhorar o sistema de alerta via SMS que, aliás, já existe, mas é sabido que não podemos impedir a ocorrência de um sismo”, observa o especialista da Universidade de Évora. “O que podemos fazer é tomar as devidas precauções para minimizar as suas consequências, quer no plano económico, quer no plano humano. A redução do número de vítimas durante um sismo passa por adaptar as estruturas dos edifícios e de outros tipos de obras” – e aqui ainda há trabalho a fazer. “O Estado faz auditorias, há planos de construção, mas não me parece que haja cuidado com isto. Há, aliás, poucos países com este cuidado, só aqueles com grande sismicidade. Acompanho a sismicidade nesta zona, o IPMA faz um acompanhamento automático também, e sabemos que esta é uma zona com sismicidade fraca a moderada, o que não significa que não vamos ter sismos mais fortes no futuro. Este sismo veio confirmar a suspeita de que há falhas geológicas também nesta zona, e acabámos por ser surpreendidos por um sismo moderado quando antes havia sismos de mais fraca magnitude nesta zona.”
Numa visita à sede nacional da Proteção Civil esta manhã, Paulo Rangel, o ministro de Estado e da Presidência que está a acumular funções como primeiro-ministro durante as férias de Luís Montenegro, disse que o sismo sentido esta madrugada foi “um teste real às nossas capacidades de resposta no caso de uma catástrofe grave” e sublinhou que esteve em contacto “estreitíssimo” com a Proteção Civil desde o primeiro momento.
“Sobre aquilo que são os planos que estão já testados e vistos há muito tempo, que têm de ser constantemente atualizados e renovados, houve aqui alguma projeção para o futuro no sentido de preparar as estruturas portuguesas, a proteção civil nacional e regional, e a população em geral para termos capacidade de resposta”, disse Rangel. Questionado sobre o eventual resultado desse teste, o ministro fez uma “avaliação muito positiva quanto à capacidade de resposta, à prontidão da resposta, à forma como a informação circulou”.
Em declarações aos jornalistas, o Presidente da República teceu os mesmos elogios à “capacidade de resposta muito rápida” das autoridades e à “muito boa coordenação entre o Governo e a Proteção Civil”, adiantando que o Palácio de Belém foi informado do sucedido minutos depois de o abalo se ter feito sentir. “Funcionou aquilo que devia ter funcionado”, assegurou Marcelo Rebelo de Sousa.
Ecoando a mesma ideia de Miguel Miranda, o engenheiro Francisco Mota de Sá admite que, na zona onde foi registado este sismo, “no vale inferior do Tejo, um Sistema de Alerta Precoce, mesmo que avançado, não conseguiria avisar com antecedência, porque as ondas sísmicas chegam sempre mais depressa do que os alertas”. Contudo, destaca que a instalação desse sistema em Sagres “faria todo o sentido” – “devia haver pelo menos um sistema no sul de Portugal, no sudoeste algarvio, no cabo de Sagres, que tem uma localização ótima para instalar um sistema destes”, refere o especialista.
A CNN questionou a ANEPC e o IPMA sobre em que fase se encontra o Sistema de Alerta Precoce de Sismos no território continental e como respondeu durante este sismo, mas não obteve resposta até à publicação deste artigo. Também não recebeu resposta do Governo sobre se vão ser dados passos para melhorar os sistemas de comunicação de risco sísmico após o abalo desta madrugada.