segunda-feira, 23 de dezembro de 2024
terça-feira, 17 de setembro de 2024
Como é que a sociedade portuguesa vê a corrupção? (Trabalho da Fundação Francisco Manuel dos Santos)
Barómetro da Corrupção
terça-feira, 27 de agosto de 2024
SISMOS em Portugal. Ainda não aprendemos a lição!
"Os governantes estão fartos de ser avisados". Portugal tem um Sistema de Alerta Precoce de Sismos "construído" mas está "em fase de testes" desde 2021
Não se trata apenas de enviar SMS de alerta como a Proteção Civil já faz quando há risco de incêndios ou de cheias. Sem registo de vítimas nem danos, o sismo da madrugada de segunda-feira, o mais forte a atingir o território continental desde 1969, deixou a descoberto o que ainda está por fazer para o país estar mais bem preparado para um sismo potente, incluindo melhorar as infraestruturas e efetivar o chamado Sistema de Alerta Precoce de Sismos - que começou a ser instalado em 2021 ao largo de Sagres, mas cuja implementação ainda não está concluída
Existem mecanismos para emitir alertas preventivos de sismo, mas Portugal ainda não tem implementados os instrumentos necessários para tal. O sismo de 5,3 de magnitude na escala de Richter que abalou Portugal continental na madrugada desta segunda-feira veio relançar o debate sobre o que falta cumprir para o país estar mais bem preparado para um sismo de grandes dimensões – incluindo a implementação de um Sistema de Alerta Precoce de Sismos (EEWS, na sigla inglesa), que começou a ser instalado há alguns anos no barlavento algarvio, mas que continua por concretizar por “falta de investimento”, indica à CNN Portugal um especialista em risco sísmico.
“Um alerta preventivo seria uma possibilidade se houvesse em Portugal instrumentos para isso, instrumentos que Portugal não tem, aquilo a que chamamos Sistemas de Alerta Precoce, ou Earthquake Early Warning Systems”, diz Francisco Mota de Sá, investigador de risco sísmico do Instituto Superior Técnico (IST). “Já temos esse tipo de avisos para tsunamis, mas não para sismos. Nós quisemos instalar um desses sistemas para sismos, mas as coisas não andaram para a frente porque não havia financiamento.”
Países com elevada atividade sísmica, como o Japão, têm já em vigor os seus próprios Sistemas de Alerta Precoce de Sismos, que conseguem emitir um alerta de risco de tremor de terra entre cinco a 10 segundos antes do abalo. “O Japão tem isso tudo e mais alguma coisa, mal deteta que vai ocorrer um episódio envia imediatamente avisos para os telemóveis, para os media e por aí fora”, explica o engenheiro. “O México também tem, consegue enviar alertas com entre cinco e 10 segundos de antecedência, e os Estados Unidos também têm o seu sistema. Por cá, os governantes estão fartos de ser avisados, muitos dos meus colegas desta área, de várias universidades, já fizeram vários avisos a vários governos e ainda nada aconteceu, ninguém parece interessado…”
Em fase de testes desde 2021
Em março de 2021, a Universidade de Évora anunciava a instalação dos primeiros quatro sismómetros do país a entre 20 e 30 metros de profundidade ao largo de Sagres, no Algarve, para detetar potenciais abalos gravosos, incluindo sismos gerados “na região atlântica adjacente ao território português”, naquela que seria a primeira fase de implementação de um EEWS no país.
Na altura, a instituição sublinhou em comunicado que a ideia era “capacitar a rede nacional de monitorização sísmica” através da instalação desse sistema de alerta precoce, que viria reforçar os sismómetros já existentes à superfície, um passo que definiu como “fundamental não só para Portugal, mas também para a Europa”. Mas mais de três anos depois, o projeto continua em fase de testes.
“Creio que o Sistema de Alerta Precoce está seguramente em fase de testes, entretanto saí do instituto e perdi o contacto com o projeto, mas sei que está construído, está desenvolvido, e quando se considerar que é fiável será colocado em funcionamento”, garante à CNN Portugal Miguel Miranda, ex-diretor do Instituto Português do Mar e da Atmosfera (IPMA). “Num sismo como este, a cerca de 60 quilómetros da costa de Sines, provavelmente não ganhávamos grande coisa com esse sistema, porque um sismo de 5,3 tem um tempo de desenvolvimento curto”, adianta o sismólogo. “Mas num com magnitude de 8 ou mais, que é aquilo que nos aterroriza, já podemos perder logo um quarto de hora na rutura, porque as ondas sísmicas são instantâneas, e com esse Sistema de Alerta Precoce ganhamos uns bons minutos entre sabermos que é um sismo importante e esse mesmo sismo atingir zonas mais críticas.”
Ter um EEWS em vigor permitiria, entre outras coisas, emitir alertas de risco sísmico, à semelhança do que a Proteção Civil já faz quando há risco de incêndios ou de cheias, através do envio automático de mensagens SMS à população. “Pelas nossas contas, conseguiríamos enviar um aviso entre cinco a 10 segundos antes [do sismo]”, explica Francisco Mota de Sá. “Cinco segundos parece pouco tempo mas dá para muita coisa, sobretudo no que toca a sistemas automatizados, por exemplo, dá para interromper processos que envolvem máquinas variadas e que estão a acontecer” quando é emitido o alerta.
Para Miguel Miranda, o sismo desta madrugada provou que os sistemas de observação sísmica “estão a funcionar muito bem”, mas acima de tudo deve servir para “impulsionar uma melhoria dos sistemas”, nomeadamente concretizar a implementação do primeiro EEWS em Portugal, e adaptar as infraestruturas para que esse sistema seja eficaz. “O sistema de alerta precoce ainda precisa de uma outra coisa, que é infraestruturas preparadas para, por exemplo, de uma forma automática, ligarem geradores de emergência, cortarem pipelines de gás natural, diminuírem a velocidade dos comboios de alta velocidade – infelizmente ainda não os temos, mas quando tivermos, esse sistema será absolutamente essencial.”
"Um sismo no mesmo sítio com magnitude superior a 6 seria diferente"
O sismo desta madrugada, o mais forte a atingir o território continental em mais de meio século, foi localizado com rapidez, mas é incerta a profundidade do seu epicentro. O Serviço Geológico dos EUA fala em 10,7 quilómetros de profundidade, o Centro Sismológico Euro-Mediterrânico refere uma profundidade de cinco quilómetros, a rede nacional sísmica aponta para 19 quilómetros de profundidade. Como refere Francisco Mota de Sá, “normalmente é o IPMA que tem equipamentos para calcular esses dados, mas seria preciso ter uma rede sísmica mais bem montada para conseguir localizar o epicentro de forma mais rápida”.
“Falta precisão e, para isso, precisamos de estações no fundo do mar, e isso não temos, porque é muito caro”, acrescenta Mourad Bezzeghoud, professor catedrático da Universidade de Évora que esteve envolvido no projeto de instalação das quatro estações sísmicas em furos ao largo de Sagres. “Essas quatro estações foram instaladas no âmbito de um projeto europeu, graças aos fundos europeus conseguimos comprar as estações, mas não há investimento a longo prazo do próprio Estado, só a curto prazo, o prioritário é o dia a dia, mas não se olha para o futuro.”
Confirmando que o EEWS português está ainda em fase de testes, Bezzeghoud destaca que “os alertas precoces são obviamente importantes em qualquer evento catastrófico, mas o mais importante é a prevenção, é ter a população preparada e os edifícios preparados” e aí Portugal continua atrasado. Zonas com elevada atividade sísmica, como o Japão e a Califórnia, lidam com sismos como o desta madrugada e com magnitudes superiores “com poucos danos porque tudo está preparado, e o problema aqui em Portugal, e na Europa de forma geral, é esta falta de preparação”, refere o geofísico.
“O mais problemático nem são os SMS, porque acho que a população hoje em dia já está mais preparada do que há 10, 20 ou 30 anos, com as alterações climáticas acho que toda a gente já está sensibilizada para estes fenómenos. Agora, ouvimos o Governo a dizer que está tudo bem, mas não está tudo bem, desta vez tivemos um sismo de 5,3 a 19 quilómetros de profundidade, por isso não aconteceu nada, mas um sismo no mesmo sítio com magnitude superior a 6 seria diferente, há uma ordem de grandeza diferente.”
“Atualmente”, refere Francisco Mota de Sá, “a Proteção Civil não tem meios para enviar alertas prévios à população, só consegue depois de o sismo já ter ocorrido” – o que também não foi o caso esta madrugada. Sentido às 05:11 da manhã, com epicentro a 58 quilómetros a oeste de Sines, a Autoridade Nacional de Emergência e Proteção Civil (ANEPC) só emitiu um primeiro comunicado pelas 05:40, tendo “privilegiado o Facebook” para passar informações à população.
“O sismo foi sentido às 05:11 e às 05:40 foi quando tivemos a confirmação dos diferentes comandos regionais e subregionais de que, de facto, não houve danos pessoais nem materiais”, indicou o porta-voz da ANEPC, André Fernandes, numa conferência de imprensa durante a manhã. No rescaldo imediato do sismo, foi detetado um “pico de chamadas” para os serviços de Proteção Civil, período durante o qual o site do IPMA esteve em baixo, levando o grupo Iniciativa Cidadãos pela Cibersegurança a alertar para as “fragilidades” da morada online do único organismo capacitado para detetar e recolher dados precisos sobre sismos em território português. “Numa ocorrência deste tipo seria de esperar que o site do IPMA fosse a principal, mais fiável e segura fonte de informação, [mas] infelizmente não foi”, referiu o grupo, notando que o site esteve em baixo “entre as 05:11 e, pelo menos, as 05:40/05:55”.
Ao longo desse período de mais de meia hora, apenas os utilizadores Android receberam alertas para o abalo que acordou inúmeras pessoas em sobressalto, sobretudo na região de Lisboa e Vale do Tejo. O Google também disponibilizou de imediato informações sobre o sismo e recomendações à população para quem recorreu ao motor de busca no rescaldo do tremor de terra.
Os responsáveis da ANEPC dizem que foi dada primazia ao Facebook para a divulgação das primeiras informações sobre o sismo porque os dados mostram que “as pessoas acorrem mais a essa rede social” nestes eventos. Também adiantaram que a comunicação imediata com a população só está prevista quando estão em causa sismos com uma magnitude mínima de 6,1 na escala de Richter, por acarretarem maior risco de tsunamis – mas “a questão não se limita à magnitude”, destaca Francisco Mota de Sá.
“Não é só a magnitude que, por si só, torna útil o envio de um alerta, é a magnitude e a localização, a que distância está o epicentro. Este sismo de 5,3, se tivesse sido em terra ou muito próximo de alguma povoação, poderia ter causado danos muito graves – 5,3 de magnitude debaixo dos pés já causa muitas chatices.”
"Surpreendidos por um sismo moderado"
Os especialistas são unânimes a considerar que é preciso concretizar um sistema de alerta precoce também para sismos, nas palavras de Mourad Bezzeghoud “para que as autoridades, as forças de emergência e de segurança, possam rapidamente preparar o país para esse impacto e minimizar a destruição e as consequências” do abalo – incluindo emitir um aviso imediato à população que permita reduzir o número de feridos, de vítimas mortais e de danos à propriedade.
“Seria bom melhorar o sistema de alerta via SMS que, aliás, já existe, mas é sabido que não podemos impedir a ocorrência de um sismo”, observa o especialista da Universidade de Évora. “O que podemos fazer é tomar as devidas precauções para minimizar as suas consequências, quer no plano económico, quer no plano humano. A redução do número de vítimas durante um sismo passa por adaptar as estruturas dos edifícios e de outros tipos de obras” – e aqui ainda há trabalho a fazer. “O Estado faz auditorias, há planos de construção, mas não me parece que haja cuidado com isto. Há, aliás, poucos países com este cuidado, só aqueles com grande sismicidade. Acompanho a sismicidade nesta zona, o IPMA faz um acompanhamento automático também, e sabemos que esta é uma zona com sismicidade fraca a moderada, o que não significa que não vamos ter sismos mais fortes no futuro. Este sismo veio confirmar a suspeita de que há falhas geológicas também nesta zona, e acabámos por ser surpreendidos por um sismo moderado quando antes havia sismos de mais fraca magnitude nesta zona.”
Numa visita à sede nacional da Proteção Civil esta manhã, Paulo Rangel, o ministro de Estado e da Presidência que está a acumular funções como primeiro-ministro durante as férias de Luís Montenegro, disse que o sismo sentido esta madrugada foi “um teste real às nossas capacidades de resposta no caso de uma catástrofe grave” e sublinhou que esteve em contacto “estreitíssimo” com a Proteção Civil desde o primeiro momento.
“Sobre aquilo que são os planos que estão já testados e vistos há muito tempo, que têm de ser constantemente atualizados e renovados, houve aqui alguma projeção para o futuro no sentido de preparar as estruturas portuguesas, a proteção civil nacional e regional, e a população em geral para termos capacidade de resposta”, disse Rangel. Questionado sobre o eventual resultado desse teste, o ministro fez uma “avaliação muito positiva quanto à capacidade de resposta, à prontidão da resposta, à forma como a informação circulou”.
Em declarações aos jornalistas, o Presidente da República teceu os mesmos elogios à “capacidade de resposta muito rápida” das autoridades e à “muito boa coordenação entre o Governo e a Proteção Civil”, adiantando que o Palácio de Belém foi informado do sucedido minutos depois de o abalo se ter feito sentir. “Funcionou aquilo que devia ter funcionado”, assegurou Marcelo Rebelo de Sousa.
Ecoando a mesma ideia de Miguel Miranda, o engenheiro Francisco Mota de Sá admite que, na zona onde foi registado este sismo, “no vale inferior do Tejo, um Sistema de Alerta Precoce, mesmo que avançado, não conseguiria avisar com antecedência, porque as ondas sísmicas chegam sempre mais depressa do que os alertas”. Contudo, destaca que a instalação desse sistema em Sagres “faria todo o sentido” – “devia haver pelo menos um sistema no sul de Portugal, no sudoeste algarvio, no cabo de Sagres, que tem uma localização ótima para instalar um sistema destes”, refere o especialista.
A CNN questionou a ANEPC e o IPMA sobre em que fase se encontra o Sistema de Alerta Precoce de Sismos no território continental e como respondeu durante este sismo, mas não obteve resposta até à publicação deste artigo. Também não recebeu resposta do Governo sobre se vão ser dados passos para melhorar os sistemas de comunicação de risco sísmico após o abalo desta madrugada.
domingo, 18 de junho de 2023
A tragédia de Pedrógão e o esquecimento do governo
16 de junho de 2023 - Memorial aberto sem inauguração. Seis anos depois, Pedrógão Grande sente-se esquecido
Para espanto e mágoa dos que ainda choram a tragédia do fogo de 2017, a
abertura do memorial às vítimas aconteceu sem a presença dos mais altos
representantes da nação
Silêncio, lágrimas e suspiros. A primeira reacção de quem perdeu familiares ou
amigos no fogo de 2017, assim que dá de caras com o muro no qual foram gravados
os nomes das vítimas, oscila entre a saudade e o respeito. “Ainda mexe muito,
está tudo muito presente”, confessava Maria Graciete, depois de reconhecer
vários nomes de amigos e vizinhos, de Castanheira de Pêra, cravados naquele
bloco de pedra cinzenta. Não que eles estivessem esquecidos. Pelo contrário.
“Não temos outra estrada para passar e não há dia em que não me lembre deles”,
reforçava, com os olhos postos no grande lago artificial que, juntamente com o
mural, constitui o memorial de homenagem às vítimas dos incêndios de 2017.
https://www.publico.pt/2023/06/16/sociedade/reportagem/memorial-aberto-inauguracao-seis-anos-pedrogao-sentese-esquecido-2053629
Maria José Santana (Texto) e Adriano Miranda (Fotos)
terça-feira, 14 de março de 2023
Debate sobre a extinção das touradas em 1821
Na sessão de 4 de agosto de 1821 das Cortes Constituintes, as touradas estiveram em debate.
Borges Carneiro apresentou um projeto de lei para a proibição dos espetáculos tauromáquicos, entendidos como contrários “às luzes do século, e à natureza humana”. Em causa, estava um entretenimento baseado no sofrimento dos animais, criados para servir o homem, mas não para serem martirizados.
in https://www.parlamento.pt/Parlamento/Paginas/Debate-sobre-a-extincao-das-touradas-1821.aspx
terça-feira, 16 de agosto de 2022
Incêndios em Portugal
quinta-feira, 29 de julho de 2021
Otelo Saraiva de Carvalho
Óscar e Otelo
“Não teve pelotões de fuzilamento”. É assim que Robert Fisk, no livro “A Grande Guerra pela Civilização”, se refere ao 25 de abril. Foi numa conversa com um conselheiro do Ministério dos Negócios Estrangeiros iraniano e para lhe dar um exemplo, uma demonstração, de que era possível. Não sabia que Robert Fisk tinha feito a cobertura da nossa revolução. Foi com orgulho que constatei que a sua excepcionalidade é reconhecida. Uma revolução que é referenciada pelo vermelho dos cravos e não pelo do sangue. Sangue. Já lá iremos.
Morreu Otelo Saraiva de Carvalho, o homem que organizou a revolução do 25 de abril e a quem devemos um fim da ditadura inteiro e limpo. Terão sido as suas qualidades militares e as suas virtudes pessoais a permitir que um golpe militar se transformasse numa revolução e uma revolução numa festa que foi bonita. O reconhecimento por tal facto parece ser transversal, com as exceções, claro, de quem preferia que a revolução não tivesse acontecido. Temos aqui uma boa oportunidade para finalmente se fazer tal contagem, mas não é para esses que escrevo.
O que opõe as pessoas, e que não surpreende, é a medida do reconhecimento público e histórico que Otelo Saraiva de Carvalho merece; se a sua participação nas Forças Populares 25 de Abril, FP-25, é uma razão para que o país e a história não lhe concedam as honras que os seus feitos de abril exigem.
Diz-se de Otelo que matou e sempre com referência ao terrorismo das FP-25. Nunca vi interesse em saber se Otelo também matou na Guerra Colonial onde combateu. Ainda bem. Não seria justo. Otelo serviu Portugal em África, é assim que costuma dizer-se de quem combateu as forças organizadas pelos movimentos de libertação das antigas províncias ultramarinas de Angola, Guiné e Moçambique. O regime de Salazar, e depois de Marcelo Caetano, não cedeu às oposições internas nem às pressões internacionais, quis manter o império colonial e impedir a independência dos países africanos. Haverá quem se orgulhe deste passado, talvez os mesmos da contagem do parágrafo acima. A maioria dos portugueses não. É certo que a nossa democracia assenta no repúdio pelo colonialismo.
As mortes da Guerra do Ultramar não mancham currículos. Comprovámos isso mesmo quando a Assembleia da República aprovou um voto de pesar pela morte do Tenente-Coronel Marcelino da Mata. Um voto de pesar por um militar que matou e torturou, sem pejo, em nome da ditadura. Foram, aliás, os seus únicos feitos.
O governo e o Presidente da República foram unânimes na recusa ao luto nacional pela morte de Otelo. Assisti, e muito bem, ao luto pelas mortes de Gonçalo Ribeiro Telles, Agustina Bessa-Luís, Eduardo Lourenço e Carlos do Carmo. Houve mais. Já agora: também assisti ao luto nacional pela irmã Lúcia. Nunca o percebi, um estado laico não deveria prestar-se a isto, mas respeito quem é devoto. Assisti também ao luto nacional pela morte do General António de Spínola, que presidiu ao movimento de extrema-direita MDLP, ao qual foram atribuídos o atentado que vitimou o Padre Max e a Maria de Lurdes e mais algumas centenas de ações de luta armada.
O envolvimento de António Spínola na luta armada não foi impedimento ao decretar de luto nacional. No caso de Otelo foi. Recordar aqui que as lutas armadas que lhes foram atribuídas tinham várias semelhanças e uma grande diferença: a de Spínola pretendia a reposição da ditadura do antigo regime e a de Otelo a concretização da revolução de abril no seu radicalismo, a imposição da ditadura do proletariado.
Não é um caso de “venha o diabo e escolha” e ninguém se deve conformar que assim seja tratado. O sonho da ditadura do proletariado terá morrido e não acredito no seu retorno. As suas concretizações não foram boas. Mas ele não nos envergonha. Foi esse sonho que levou às revoluções igualitárias. Continuam a ser os seus princípios a orientar as políticas sociais nos dias de hoje. Foi sempre a aproximação a esses princípios que marcou os melhores momentos da história. Eles são a base da social democracia europeia.
Deve aceitar-se que Otelo Saraiva de Carvalho não tenha o justo reconhecimento pelo seu contributo único para a fundação da democracia portuguesa? Qual é a razão honesta para que o seu nome não fique inscrito na memória colectiva acompanhado desse reconhecimento?
A história escreve-se mesmo quando não nos apercebemos que isso está a ser feito. Não é o caso aqui. Sabemos todos que a forma como o Estado Português trata a morte de Otelo fará parte da história e influenciará o seu decurso. Não há inocentes. Assistimos a uma deslocação lenta mas firme, na política portuguesa, para a direita. Os maiores partidos portugueses assim o determinam. Como admitiu Rui Rio, o PSD está muito mais à direita do que o lugar que ocupou com Sá Carneiro. Este definia o PSD como um partido de esquerda não marxista.
O PS também acompanha esse movimento. Contrariamente ao que os seus ferozes críticos apontam não é rigoroso que se trate de um partido de ideologia socialista, prevalecendo sim o seu carácter liberal. Temos ainda o aparecimento com expressão da extrema-direita neofascista. Quem diria.
O aparecimento do partido Chega mudou o tabuleiro da política em Portugal. Não foi para melhor. Não me refiro às razões que determinam a sua ilegalidade mas à nova dinâmica que veio imprimir. As forças políticas mais prejudicadas por esta praga, os partidos à direita, optaram por não excluir entendimentos. A partir daí, e mesmo para se justificarem perante o país, o seu discurso sobre o partido neofascista foi de aceitação; só precisa de se moderar um bocadinho. Uma espécie de: não sejam tão racistas, vamos lá suavizar isto. Esta aceitação do Chega pelos partidos tradicionais veio dar-lhe força. Resultado: a direita está refém do Chega para chegar ao poder. Bonito serviço.
O Partido Socialista agradece. Não poderia ter aparecido melhor forma de perpetuar o seu poder. Na verdade não poderia ter aparecido pior forma. Grande ironia aqui: os que tanto odeiam o governo de António Costa, e falo de toda a direita, facilitam-lhe a vida. Pagaremos todos por este erro, esta falta de coragem da direita. As minorias já estão a receber uma factura muito pesada.
Daqui resultam pelo menos três coisas: por um lado os partidos que se mantêm numa esquerda sem cedências liberais são considerados de extrema esquerda. Trata-se sobretudo de uma classificação que desconhece o conceito. Pacheco Pereira escreveu sobre o tema e de forma irrepreensível. Sugiro a sua leitura.
Por outro lado existe uma crescente relativização de tudo o que tem a ver com o 25 de abril e com as suas conquistas. É a constituição que precisa de ser alterada, são os capitães de abril que, como diz Vasco Lourenço, não estão na moda, são os princípios que precisam de ser atualizados, é a democracia que teria acabado por aparecer mesmo sem revolução.
E a terceira: a tolerância colectiva que é pedida perante o partido Chega. Todos sabem que se trata de um partido racista, muitos saberão que essa característica é fundamento para a extinção do partido nos termos da Lei dos Partidos mas muitos acreditam que seriam um ato muito radical extinguir um partido político com assento parlamentar. O sistema parece estar disposto a ignorar as suas próprias regras para proteger quem diz estar na vida política para o derrubar. Em cada esquina uma ironia.
Assim vai a política portuguesa.
O consentimento na existência de um partido político que viola a lei, e os princípios fundamentais da democracia, gera a radicalização política no espaço público. Não apenas a radicalização de quem a ele adere mas também a dos que a ele se opõem. Este fenómeno tem um aspecto positivo – o despertar de mais pessoas para a política – e muitos negativos. A existência de muitas tribos é certamente um bom exemplo dos aspectos negativos.
É aqui que voltamos ao Otelo. A sua morte, novamente como previu Pacheco Pereira, foi tribalizada. Sucede que nessa guerra tribal ganhou quem Otelo combateu. A sua partida poderia servir para lembrar os perigos do fascismo, a escuridão da ditadura e a fragilidade da paz. Mas não, como escreve um amigo: a única coisa que a história nos ensina é que a história não nos ensina nada.
António Costa afirmou que “o importante é não termos uma polémica sobre o tema”. Lamento, não é assim. Este nunca poderá ser o objectivo. As polémicas não matam a democracia, as cedências nos princípios sim.
Otelo Saraiva de Carvalho já foi julgado por crimes de sangue das FP-25 e foi absolvido. Já tinha sido julgado, e nesse caso condenado, por associação terrorista. Cumpriu uma pena de prisão de cinco anos.
Óscar acertou as suas contas com a sociedade.
Otelo parte sem que lhe tenha sido feita justiça. Só a dos seus amigos e a dos que escolheram não fazer parte do silêncio manso de quem consente. É preciso coragem para celebrar Otelo. Coragem, uma coisa que a ele nunca faltou.
Artigo de Carmo Afonso, in Expresso Diário, 28/07/2021
Foto in https://espalhafactos.com/2014/03/23/otelo-e-outros-militares-de-abril-em-conferencia-na-nova/
segunda-feira, 8 de fevereiro de 2021
sábado, 14 de novembro de 2020
O início da causa animal
quinta-feira, 19 de março de 2020
sexta-feira, 15 de novembro de 2019
sexta-feira, 24 de maio de 2019
Os alunos não podem continuar a ser meros recebedores de informação
Os alunos não podem continuar a ser meros recebedores de informação e nós, professores, não podemos continuar a ser meros funcionários’, não reflexivos e, ainda por cima, velhos e cansados.