quarta-feira, 18 de dezembro de 2024
Quem quero ser? Mulher Guerreira ou mulher que se quer bem?
quarta-feira, 28 de agosto de 2024
terça-feira, 27 de agosto de 2024
"Caro professor"
Foto: Getty Images
O processo de avaliação dos alunos é curioso. Imagine uma pessoa que conheça uma série de ferramentas, a forma como são feitas, a forma como funcionam – mas não saiba para que servem. Os saberes que se ensinam nas escolas são ferramentas. Frequentemente os alunos dominam abstractamente os saberes, sem entretanto conhecerem a sua relação com a vida.
Como aconteceu com aquela assistente de bordo a quem perguntei o nome de um rio perto de Londrina, no norte do Paraná. Ela respondeu-me: Acho que é o São Francisco. Apanhei um susto. Pensei que tinha apanhado o voo errado e que estava a chegar ao norte de Minas… Garanto que, numa prova, a rapariga responderia certo. No mapa saberia onde se encontra São Francisco. Mas não aprendera a relação entre o símbolo e a realidade.
É possível que os alunos acumulem montanhas de conhecimentos que os levarão a passar nos exames, sem saber para que servem. Como acontece com os “vasos comunicantes” que qualquer pedreiro sabe para que servem sem, entretanto, conhecerem o seu nome. O pedreiro seria reprovado na avaliação escolar, mas construiria a casa no nível certo. Mas você não é culpado. Você é contratado para ensinar a disciplina.
Cada professor ensina uma disciplina diferente: Física, Química, Matemática, Geografia, etc. Isso é parte da tendência que dominou o desenvolvimento da ciência: especialização, fragmentação. A ciência não conhece o todo, conhece as partes. Essa tendência teve consequências para a prática da medicina: o corpo como uma máquina formada por partes isoladas. Mas o corpo não é uma máquina formada por partes isoladas.
Às vezes, as escolas fazem-me lembrar o Vaticano. O Vaticano, 400 anos depois, penitenciou-se sobre Galileu e está prestes a fazer as pazes com Darwin. Os currículos, só agora, muito depois da hora, estão a começar a falar de “interdisciplinaridade”. “Interdisciplinaridade” é isto: uma maçã é, ao mesmo tempo, uma realidade matemática, física, química, biológica, alimentar, estética, cultural, mitológica, económica, geográfica, erótica…
Mas o facto é que você é o professor de uma disciplina específica. Ano após ano, hora após hora, ensina aquela disciplina. Mas, como ser de dever, tem de fazer de forma competente aquilo que lhe foi ordenado. A fim de sobreviver, faz o que deve fazer para passar na avaliação. A disciplina é o deus a quem você e os alunos se devem submeter. O pressuposto desse procedimento é que o saber é sempre uma coisa boa e que, mais cedo ou mais tarde, fará sentido.
São sobretudo os adolescentes que, movidos pela inteligência da contestação, perguntam sobre o sentido daquilo que têm de aprender. Mas frequentemente os professores não sabem dar respostas convincentes. Para quê aprender o uso dessa ferramenta complicadíssima se não sei para que serve e não vou usá-la? A única resposta é: Tens de aprender porque sai no exame – resposta que não convence por não ser inteligente mas simplesmente autoritária.
O que está pressuposto, nos nossos currículos, é que o saber é sempre bom. Isso talvez seja abstractamente verdade. Mas, nesse caso, teríamos de aprender tudo o que há para ser aprendido – o que é tarefa impossível. Quem acumula muito saber só prova um ponto: que é um idiota de memória boa. Não faz sentido aprender a arte de escalar montanhas nos desertos, nem a arte de fazer iglos nos trópicos. Abstractamente, todos os saberes podem ser úteis. Mas, na vida, a utilidade dos saberes subordina-se às exigências práticas do viver. Como diz Cecília Meireles: O mar é longo, a vida é curta.
Eu penso a educação ao contrário. Não começo com os saberes. Começo com a criança. Não julgo as crianças em função dos saberes. Julgo os saberes em função das crianças. É isso que distingue um educador. Os educadores olham primeiro para o aluno e depois para as disciplinas a serem ensinadas. Os educadores não estão ao serviço de saberes. Estão ao serviço de seres humanos – crianças, adultos, velhos. Dizia Nietzsche: Aquele que é um mestre, realmente um mestre, leva as coisas a sério – inclusive ele mesmo – somente em relação aos seus alunos. (Nietzsche, Além do bem e do mal).
Eu penso por meio de metáforas. As minhas ideias nascem da poesia. Descobri que o que penso sobre a educação está resumido num verso célebre de Fernando Pessoa: Navegar é preciso. Viver não é preciso.
Navegação é ciência, conhecimento rigoroso. Para navegar, são necessários barcos. E os barcos fazem-se com ciência, física, números, técnica. A própria navegação se faz com ciência: mapas, bússolas, coordenadas, meteorologia. Para a ciência da navegação é necessária a inteligência instrumental, que decifra o segredo dos meios. Barcos, remos, velas e bússolas são meios.
Já o viver não é coisa precisa. Nunca se sabe ao certo. A vida não se faz com ciência. Faz-se com sapiência. É possível ter a ciência da construção de barcos e, ao mesmo tempo, o terror de navegar. A ciência da navegação não nos dá o fascínio dos mares e os sonhos de portos onde chegar. Conheço um erudito que tudo sabe sobre filosofia, sem que a filosofia jamais tenha tocado a sua pele. A arte de viver não se faz com a inteligência instrumental. Ela faz-se com a inteligência amorosa.
A palavra amor tornou-se maldita entre os educadores que pensam a educação como ciência dos meios, ao lado de barcos, remos, velas e bússolas. Envergonham-se de que a educação seja coisa do amor-piegas. Mas o amor – Platão, Nietzsche e Freud sabiam-no – nada tem de piegas. O amor marca o impreciso círculo de prazer que liga o corpo aos objectos. Sem o amor tudo nos seria indiferente – inclusive a ciência.
Não teríamos sentido de direcção, não teríamos prioridades. A inteligência instrumental precisa de ser educada. Parte da educação é ensinar a pensar. Mas essa educação, sendo necessária, não é suficiente. Os meios não bastam para nos trazer prazer e alegria – que são o sentido da vida. Para isso é preciso que a sensibilidade seja educada. Fernando Pessoa fala, então, na educação da sensibilidade.
Educação da sensibilidade: Marx, nos Manuscritos de 1844, dizia que a tarefa da História, até então, tinha sido a de educar os sentidos: aprender os prazeres dos olhos, dos ouvidos, do nariz, da boca, da pele, do pensamento (Ah! O prazer da leitura!). Se fôssemos animais, isso não seria necessário. Mas somos seres da cultura: inventamos objectos de prazer que não se encontram na natureza: a música, a pintura, a culinária, a arquitectura, os perfumes, os toques.
No corpo de cada aluno encontram-se, adormecidos, os sentidos. Como na história da Bela Adormecida… É preciso despertá-los, para que a sua capacidade de sentir prazer e alegria se expanda.
in https://contadoresdestorias.wordpress.com/2012/02/19/caro-professor-rubem-alves/
Rubem Alves Gaiolas ou Asas - A arte do voo ou a busca da alegria de aprender
Porto, Edições Asa, 2004 (excertos adaptados)
SISMOS em Portugal. Ainda não aprendemos a lição!
"Os governantes estão fartos de ser avisados". Portugal tem um Sistema de Alerta Precoce de Sismos "construído" mas está "em fase de testes" desde 2021
Não se trata apenas de enviar SMS de alerta como a Proteção Civil já faz quando há risco de incêndios ou de cheias. Sem registo de vítimas nem danos, o sismo da madrugada de segunda-feira, o mais forte a atingir o território continental desde 1969, deixou a descoberto o que ainda está por fazer para o país estar mais bem preparado para um sismo potente, incluindo melhorar as infraestruturas e efetivar o chamado Sistema de Alerta Precoce de Sismos - que começou a ser instalado em 2021 ao largo de Sagres, mas cuja implementação ainda não está concluída
Existem mecanismos para emitir alertas preventivos de sismo, mas Portugal ainda não tem implementados os instrumentos necessários para tal. O sismo de 5,3 de magnitude na escala de Richter que abalou Portugal continental na madrugada desta segunda-feira veio relançar o debate sobre o que falta cumprir para o país estar mais bem preparado para um sismo de grandes dimensões – incluindo a implementação de um Sistema de Alerta Precoce de Sismos (EEWS, na sigla inglesa), que começou a ser instalado há alguns anos no barlavento algarvio, mas que continua por concretizar por “falta de investimento”, indica à CNN Portugal um especialista em risco sísmico.
“Um alerta preventivo seria uma possibilidade se houvesse em Portugal instrumentos para isso, instrumentos que Portugal não tem, aquilo a que chamamos Sistemas de Alerta Precoce, ou Earthquake Early Warning Systems”, diz Francisco Mota de Sá, investigador de risco sísmico do Instituto Superior Técnico (IST). “Já temos esse tipo de avisos para tsunamis, mas não para sismos. Nós quisemos instalar um desses sistemas para sismos, mas as coisas não andaram para a frente porque não havia financiamento.”
Países com elevada atividade sísmica, como o Japão, têm já em vigor os seus próprios Sistemas de Alerta Precoce de Sismos, que conseguem emitir um alerta de risco de tremor de terra entre cinco a 10 segundos antes do abalo. “O Japão tem isso tudo e mais alguma coisa, mal deteta que vai ocorrer um episódio envia imediatamente avisos para os telemóveis, para os media e por aí fora”, explica o engenheiro. “O México também tem, consegue enviar alertas com entre cinco e 10 segundos de antecedência, e os Estados Unidos também têm o seu sistema. Por cá, os governantes estão fartos de ser avisados, muitos dos meus colegas desta área, de várias universidades, já fizeram vários avisos a vários governos e ainda nada aconteceu, ninguém parece interessado…”
Em fase de testes desde 2021
Em março de 2021, a Universidade de Évora anunciava a instalação dos primeiros quatro sismómetros do país a entre 20 e 30 metros de profundidade ao largo de Sagres, no Algarve, para detetar potenciais abalos gravosos, incluindo sismos gerados “na região atlântica adjacente ao território português”, naquela que seria a primeira fase de implementação de um EEWS no país.
Na altura, a instituição sublinhou em comunicado que a ideia era “capacitar a rede nacional de monitorização sísmica” através da instalação desse sistema de alerta precoce, que viria reforçar os sismómetros já existentes à superfície, um passo que definiu como “fundamental não só para Portugal, mas também para a Europa”. Mas mais de três anos depois, o projeto continua em fase de testes.
“Creio que o Sistema de Alerta Precoce está seguramente em fase de testes, entretanto saí do instituto e perdi o contacto com o projeto, mas sei que está construído, está desenvolvido, e quando se considerar que é fiável será colocado em funcionamento”, garante à CNN Portugal Miguel Miranda, ex-diretor do Instituto Português do Mar e da Atmosfera (IPMA). “Num sismo como este, a cerca de 60 quilómetros da costa de Sines, provavelmente não ganhávamos grande coisa com esse sistema, porque um sismo de 5,3 tem um tempo de desenvolvimento curto”, adianta o sismólogo. “Mas num com magnitude de 8 ou mais, que é aquilo que nos aterroriza, já podemos perder logo um quarto de hora na rutura, porque as ondas sísmicas são instantâneas, e com esse Sistema de Alerta Precoce ganhamos uns bons minutos entre sabermos que é um sismo importante e esse mesmo sismo atingir zonas mais críticas.”
Ter um EEWS em vigor permitiria, entre outras coisas, emitir alertas de risco sísmico, à semelhança do que a Proteção Civil já faz quando há risco de incêndios ou de cheias, através do envio automático de mensagens SMS à população. “Pelas nossas contas, conseguiríamos enviar um aviso entre cinco a 10 segundos antes [do sismo]”, explica Francisco Mota de Sá. “Cinco segundos parece pouco tempo mas dá para muita coisa, sobretudo no que toca a sistemas automatizados, por exemplo, dá para interromper processos que envolvem máquinas variadas e que estão a acontecer” quando é emitido o alerta.
Para Miguel Miranda, o sismo desta madrugada provou que os sistemas de observação sísmica “estão a funcionar muito bem”, mas acima de tudo deve servir para “impulsionar uma melhoria dos sistemas”, nomeadamente concretizar a implementação do primeiro EEWS em Portugal, e adaptar as infraestruturas para que esse sistema seja eficaz. “O sistema de alerta precoce ainda precisa de uma outra coisa, que é infraestruturas preparadas para, por exemplo, de uma forma automática, ligarem geradores de emergência, cortarem pipelines de gás natural, diminuírem a velocidade dos comboios de alta velocidade – infelizmente ainda não os temos, mas quando tivermos, esse sistema será absolutamente essencial.”
"Um sismo no mesmo sítio com magnitude superior a 6 seria diferente"
O sismo desta madrugada, o mais forte a atingir o território continental em mais de meio século, foi localizado com rapidez, mas é incerta a profundidade do seu epicentro. O Serviço Geológico dos EUA fala em 10,7 quilómetros de profundidade, o Centro Sismológico Euro-Mediterrânico refere uma profundidade de cinco quilómetros, a rede nacional sísmica aponta para 19 quilómetros de profundidade. Como refere Francisco Mota de Sá, “normalmente é o IPMA que tem equipamentos para calcular esses dados, mas seria preciso ter uma rede sísmica mais bem montada para conseguir localizar o epicentro de forma mais rápida”.
“Falta precisão e, para isso, precisamos de estações no fundo do mar, e isso não temos, porque é muito caro”, acrescenta Mourad Bezzeghoud, professor catedrático da Universidade de Évora que esteve envolvido no projeto de instalação das quatro estações sísmicas em furos ao largo de Sagres. “Essas quatro estações foram instaladas no âmbito de um projeto europeu, graças aos fundos europeus conseguimos comprar as estações, mas não há investimento a longo prazo do próprio Estado, só a curto prazo, o prioritário é o dia a dia, mas não se olha para o futuro.”
Confirmando que o EEWS português está ainda em fase de testes, Bezzeghoud destaca que “os alertas precoces são obviamente importantes em qualquer evento catastrófico, mas o mais importante é a prevenção, é ter a população preparada e os edifícios preparados” e aí Portugal continua atrasado. Zonas com elevada atividade sísmica, como o Japão e a Califórnia, lidam com sismos como o desta madrugada e com magnitudes superiores “com poucos danos porque tudo está preparado, e o problema aqui em Portugal, e na Europa de forma geral, é esta falta de preparação”, refere o geofísico.
“O mais problemático nem são os SMS, porque acho que a população hoje em dia já está mais preparada do que há 10, 20 ou 30 anos, com as alterações climáticas acho que toda a gente já está sensibilizada para estes fenómenos. Agora, ouvimos o Governo a dizer que está tudo bem, mas não está tudo bem, desta vez tivemos um sismo de 5,3 a 19 quilómetros de profundidade, por isso não aconteceu nada, mas um sismo no mesmo sítio com magnitude superior a 6 seria diferente, há uma ordem de grandeza diferente.”
“Atualmente”, refere Francisco Mota de Sá, “a Proteção Civil não tem meios para enviar alertas prévios à população, só consegue depois de o sismo já ter ocorrido” – o que também não foi o caso esta madrugada. Sentido às 05:11 da manhã, com epicentro a 58 quilómetros a oeste de Sines, a Autoridade Nacional de Emergência e Proteção Civil (ANEPC) só emitiu um primeiro comunicado pelas 05:40, tendo “privilegiado o Facebook” para passar informações à população.
“O sismo foi sentido às 05:11 e às 05:40 foi quando tivemos a confirmação dos diferentes comandos regionais e subregionais de que, de facto, não houve danos pessoais nem materiais”, indicou o porta-voz da ANEPC, André Fernandes, numa conferência de imprensa durante a manhã. No rescaldo imediato do sismo, foi detetado um “pico de chamadas” para os serviços de Proteção Civil, período durante o qual o site do IPMA esteve em baixo, levando o grupo Iniciativa Cidadãos pela Cibersegurança a alertar para as “fragilidades” da morada online do único organismo capacitado para detetar e recolher dados precisos sobre sismos em território português. “Numa ocorrência deste tipo seria de esperar que o site do IPMA fosse a principal, mais fiável e segura fonte de informação, [mas] infelizmente não foi”, referiu o grupo, notando que o site esteve em baixo “entre as 05:11 e, pelo menos, as 05:40/05:55”.
Ao longo desse período de mais de meia hora, apenas os utilizadores Android receberam alertas para o abalo que acordou inúmeras pessoas em sobressalto, sobretudo na região de Lisboa e Vale do Tejo. O Google também disponibilizou de imediato informações sobre o sismo e recomendações à população para quem recorreu ao motor de busca no rescaldo do tremor de terra.
Os responsáveis da ANEPC dizem que foi dada primazia ao Facebook para a divulgação das primeiras informações sobre o sismo porque os dados mostram que “as pessoas acorrem mais a essa rede social” nestes eventos. Também adiantaram que a comunicação imediata com a população só está prevista quando estão em causa sismos com uma magnitude mínima de 6,1 na escala de Richter, por acarretarem maior risco de tsunamis – mas “a questão não se limita à magnitude”, destaca Francisco Mota de Sá.
“Não é só a magnitude que, por si só, torna útil o envio de um alerta, é a magnitude e a localização, a que distância está o epicentro. Este sismo de 5,3, se tivesse sido em terra ou muito próximo de alguma povoação, poderia ter causado danos muito graves – 5,3 de magnitude debaixo dos pés já causa muitas chatices.”
"Surpreendidos por um sismo moderado"
Os especialistas são unânimes a considerar que é preciso concretizar um sistema de alerta precoce também para sismos, nas palavras de Mourad Bezzeghoud “para que as autoridades, as forças de emergência e de segurança, possam rapidamente preparar o país para esse impacto e minimizar a destruição e as consequências” do abalo – incluindo emitir um aviso imediato à população que permita reduzir o número de feridos, de vítimas mortais e de danos à propriedade.
“Seria bom melhorar o sistema de alerta via SMS que, aliás, já existe, mas é sabido que não podemos impedir a ocorrência de um sismo”, observa o especialista da Universidade de Évora. “O que podemos fazer é tomar as devidas precauções para minimizar as suas consequências, quer no plano económico, quer no plano humano. A redução do número de vítimas durante um sismo passa por adaptar as estruturas dos edifícios e de outros tipos de obras” – e aqui ainda há trabalho a fazer. “O Estado faz auditorias, há planos de construção, mas não me parece que haja cuidado com isto. Há, aliás, poucos países com este cuidado, só aqueles com grande sismicidade. Acompanho a sismicidade nesta zona, o IPMA faz um acompanhamento automático também, e sabemos que esta é uma zona com sismicidade fraca a moderada, o que não significa que não vamos ter sismos mais fortes no futuro. Este sismo veio confirmar a suspeita de que há falhas geológicas também nesta zona, e acabámos por ser surpreendidos por um sismo moderado quando antes havia sismos de mais fraca magnitude nesta zona.”
Numa visita à sede nacional da Proteção Civil esta manhã, Paulo Rangel, o ministro de Estado e da Presidência que está a acumular funções como primeiro-ministro durante as férias de Luís Montenegro, disse que o sismo sentido esta madrugada foi “um teste real às nossas capacidades de resposta no caso de uma catástrofe grave” e sublinhou que esteve em contacto “estreitíssimo” com a Proteção Civil desde o primeiro momento.
“Sobre aquilo que são os planos que estão já testados e vistos há muito tempo, que têm de ser constantemente atualizados e renovados, houve aqui alguma projeção para o futuro no sentido de preparar as estruturas portuguesas, a proteção civil nacional e regional, e a população em geral para termos capacidade de resposta”, disse Rangel. Questionado sobre o eventual resultado desse teste, o ministro fez uma “avaliação muito positiva quanto à capacidade de resposta, à prontidão da resposta, à forma como a informação circulou”.
Em declarações aos jornalistas, o Presidente da República teceu os mesmos elogios à “capacidade de resposta muito rápida” das autoridades e à “muito boa coordenação entre o Governo e a Proteção Civil”, adiantando que o Palácio de Belém foi informado do sucedido minutos depois de o abalo se ter feito sentir. “Funcionou aquilo que devia ter funcionado”, assegurou Marcelo Rebelo de Sousa.
Ecoando a mesma ideia de Miguel Miranda, o engenheiro Francisco Mota de Sá admite que, na zona onde foi registado este sismo, “no vale inferior do Tejo, um Sistema de Alerta Precoce, mesmo que avançado, não conseguiria avisar com antecedência, porque as ondas sísmicas chegam sempre mais depressa do que os alertas”. Contudo, destaca que a instalação desse sistema em Sagres “faria todo o sentido” – “devia haver pelo menos um sistema no sul de Portugal, no sudoeste algarvio, no cabo de Sagres, que tem uma localização ótima para instalar um sistema destes”, refere o especialista.
A CNN questionou a ANEPC e o IPMA sobre em que fase se encontra o Sistema de Alerta Precoce de Sismos no território continental e como respondeu durante este sismo, mas não obteve resposta até à publicação deste artigo. Também não recebeu resposta do Governo sobre se vão ser dados passos para melhorar os sistemas de comunicação de risco sísmico após o abalo desta madrugada.
domingo, 18 de junho de 2023
A tragédia de Pedrógão e o esquecimento do governo
16 de junho de 2023 - Memorial aberto sem inauguração. Seis anos depois, Pedrógão Grande sente-se esquecido
Para espanto e mágoa dos que ainda choram a tragédia do fogo de 2017, a
abertura do memorial às vítimas aconteceu sem a presença dos mais altos
representantes da nação
Silêncio, lágrimas e suspiros. A primeira reacção de quem perdeu familiares ou
amigos no fogo de 2017, assim que dá de caras com o muro no qual foram gravados
os nomes das vítimas, oscila entre a saudade e o respeito. “Ainda mexe muito,
está tudo muito presente”, confessava Maria Graciete, depois de reconhecer
vários nomes de amigos e vizinhos, de Castanheira de Pêra, cravados naquele
bloco de pedra cinzenta. Não que eles estivessem esquecidos. Pelo contrário.
“Não temos outra estrada para passar e não há dia em que não me lembre deles”,
reforçava, com os olhos postos no grande lago artificial que, juntamente com o
mural, constitui o memorial de homenagem às vítimas dos incêndios de 2017.
https://www.publico.pt/2023/06/16/sociedade/reportagem/memorial-aberto-inauguracao-seis-anos-pedrogao-sentese-esquecido-2053629
Maria José Santana (Texto) e Adriano Miranda (Fotos)
sábado, 15 de abril de 2023
Democracia não é assim tão simples
terça-feira, 14 de março de 2023
Debate sobre a extinção das touradas em 1821
Na sessão de 4 de agosto de 1821 das Cortes Constituintes, as touradas estiveram em debate.
Borges Carneiro apresentou um projeto de lei para a proibição dos espetáculos tauromáquicos, entendidos como contrários “às luzes do século, e à natureza humana”. Em causa, estava um entretenimento baseado no sofrimento dos animais, criados para servir o homem, mas não para serem martirizados.
in https://www.parlamento.pt/Parlamento/Paginas/Debate-sobre-a-extincao-das-touradas-1821.aspx
quinta-feira, 1 de dezembro de 2022
José Gomes Ferreira e o ensino da História
Ocasionalmente, apareceu-me este vídeo... https://www.msn.com/pt-pt/entretenimento/tv/novo-livro-de-jos%C3%A9-gomes-ferreira-%C3%A9-um-grito-de-revolta-contra-a-maneira-como-a-nossa-hist%C3%B3ria-%C3%A9-contada/vi-AA14JI3r?rc=1&ocid=winp1taskbar&cvid=efadb45d04e54cf39f098277b4b2e47f
Santa ignorância, quer do autor quer, até, da apresentadora!...
Este jornalista, que habitualmente faz um programa sobre Economia/Finanças na SIC, anda agora a vestir a roupagem de historiador e a revisitar a História, à sua maneira, claro, criticando a torto e a direito (como é habitual nas suas intervenções) desconhecendo, efetivamente, os programas atuais de História/os conteúdos e a forma crítica como os mesmos são dados e até referenciados pelo Ministério da Educação.
Nem 8 nem 80!
Não escondemos a verdade histórica mas também não mentimos aos nossos alunos nem mascaramos a realidade histórica ao nosso gosto ou ao gosto da nossa ideologia político-partidária.
A visão deste jornalista, que revela o desconhecimento daquilo que se faz neste âmbito, integra-se claramente numa perspetiva saudosista, imperialista, colonialista… Já é o 2º livro que escreve desta forma sensacionalista-nacionalista, como se o que ele escreve ("investigou") tenha que ser, agora, uma verdade científica comumente aceite e uma espécie de cartilha para o seguidismo de má memória.
Que pedantismo! Que desconhecimento da realidade!
Fala em manuais, manuais... Que manuais? De que anos de escolaridade?
Que fontes históricas consultou para apresentar este discurso?
Leu as orientações do Ministério da Educação relativamente ao ensino da História?
Por exemplo:
- as aprendizagens essenciais da História A - 10º ano
https://www.dge.mec.pt/sites/default/files/Curriculo/Aprendizagens_Essenciais/10_historia_a.pdf;
- as aprendizagens essenciais da História A - 11º ano
https://www.dge.mec.pt/sites/default/files/Curriculo/Aprendizagens_Essenciais/11_historia_a.pdf
- as aprendizagens essenciais da História A - 12º ano
https://www.dge.mec.pt/sites/default/files/Curriculo/Aprendizagens_Essenciais/12_historia_a.pdf
- as aprendizagens essenciais da História B - 10º ano
https://www.dge.mec.pt/sites/default/files/Curriculo/Aprendizagens_Essenciais/10_historia_b.pdf
- as aprendizagens essenciais da História B - 11º ano
https://www.dge.mec.pt/sites/default/files/Curriculo/Aprendizagens_Essenciais/11_historia_b.pdf
Nazaré Oliveira
terça-feira, 27 de setembro de 2022
"Não há volta a dar-lhe": ou se é pela Rússia ou se é pela Ucrânia
"A ONU
apresentou como confirmados desde o início da guerra 5.916 civis mortos e 8.616
feridos, sublinhando que estes números estão muito aquém dos reais".
Infelizmente, agravar-se-á este número com a mobilização de milhares de russos
decidida por Putin para continuar o seu programa de crueldade e morte contra
ucranianos e contra os que, mesmo russos, se opõem ao seu ideário extremista e
belicista.
Esta guerra que Putin iniciou, porque de guerra se trata, também nos diz
respeito e nos merece a maior atenção e apreensão, uma vez que estão em causa
valores e princípios completamente espezinhados pelo mesmo, como o respeito
pela soberania das nações, pela sua independência, pelas disposições da Carta
das Nações Unidas, pelos Direitos Humanos e pelo Direito Internacional.
Nada justifica o que está a acontecer, exceto o desejo imperialista de um homem
que, pela violência e pela força, negando a História recente da Europa a a
partir de 1989, quer fazer renascer os horrores pelos quais passaram as ditas
democracias populares e ressuscitar a velha e prepotente URSS.
Quem não critica abertamente Putin por tudo isto que tem feito também é como
ele.
Neste contexto, e perante os factos e esta terrível realidade, não há lugar
para os que, estranha e cobardemente se escondem na "abstenção" ou
comodamente se viram contra os países que estão a ajudar a Ucrânia.
Isto nunca foi operação militar especial, mas guerra. Guerra!
"Não há volta a dar-lhe": ou se é pela Rússia ou se é pela Ucrânia.
Nazaré Oliveira
Já agora, para consulta
terça-feira, 16 de agosto de 2022
Incêndios em Portugal
terça-feira, 15 de março de 2022
O presidente Vladimir Putin está a abusar da História para justificar a invasão da Ucrânia
É com choque e horror que testemunhamos os acontecimentos que se desenrolam na Ucrânia, iniciados por ordem do presidente russo, Vladimir Putin, de invadir o país.
O presidente Vladimir Putin está a abusar da História para justificar esta invasão e o ataque armado ao estado soberano da Ucrânia. Baseia-se numa visão unilateral da História que glorifica a Rússia e caracteriza erroneamente o povo ucraniano e o seu governo democraticamente eleito. Ele abusa da História para deslegitimar as atuais fronteiras da Ucrânia.
Putin, a sua liderança e os mídia controlados pelo Estado, promoveram o sentimento anti-ucraniano ao disseminar falsidades centradas numa narrativa de “desnazificação” do governo. A equação da atual administração e do povo da Ucrânia com nazis e colaboradores nazis é a-histórica. As alegações de que a Ucrânia não tem tradição de Estado são falsas.
A EuroClio posiciona-se firmemente contra o abuso da História – o uso da História com a intenção de enganar. O uso da violência que testemunhamos atualmente mostra até onde isso pode levar. Acreditamos que é imperativo que historiadores e educadores de História estejam vigilantes e se manifestem contra tais abusos sempre que possível, tanto dentro quanto fora dos ambientes educacionais.
Estamos solidários com o povo da Ucrânia, que viu o seu território invadido e a sua segurança ameaçada. Também estamos com todas as pessoas que, na Rússia, também estão em choque e protestam contra as ações do seu governo.
Os nossos pensamentos vão, em particular, para os nossos colegas na Ucrânia que estão em perigo e com quem trabalhamos há décadas para promover o entendimento mútuo por meio da Educação. Esperamos vê-los em breve, com segurança.
Que possamos testemunhar o fim deste sofrimento o mais cedo possível.
Artigo disponível em https://euroclio.eu/2022/02/27/statement-against-the-abuse-of-history-and-in-solidarity-with-the-people-of-ukraine/ (consultado dia 15.03.2022)
quarta-feira, 10 de novembro de 2021
Maldade responde-se com Humanidade (Gustavo Carona)
sexta-feira, 24 de setembro de 2021
O tempo e a Terra
Minha palestra no Vale das Buracas do Camilo no dia
18/9/2021 a abrir um concerto do ensemble da Orquestra Clássica do Centro:
Estamos num lugar
espectacular, o vale das Buracas, no Camilo, é uma paisagem calcária,
pertencente ao maciço calcário de Sicó. Conheço-o bem, porque entre os 15 e os
20 anos pratiquei espeleologia, o desporto-aventura da exploração de grutas que
é ao mesmo tempo uma disciplina científica. Andei por estas serras, dormi em
tendas, desci ao interior da Terra. Era membro do centro de espeleologia em
Coimbra e o principal responsável pelo boletim A Gruta, onde
publicávamos as descobertas que fazíamos nesta região. Lembro-me de ter ido à
Biblioteca Geral da Universidade consultar revistas e livros antigos sobre as
grutas de Condeixa. Há um artigo em 1854 intitulado “Grutas de Condeixa” na
revista “O Instituto” de António Augusto da Costa Simões que foi
professor de Medicina, presidente da Câmara de Coimbra, em 1856-1867, e reitor
da Universidade, muito mais tarde, entre 1892 e 1898. Trata-se de um dos
documentos científicos mais antigas sobre grutas portuguesas.
Os vazios da
Terra
Posso até contar
uma história que na altura não foi nada divertida: fiquei uma vez preso nas
profundidades da maior gruta portuguesa. As Grutas de Mira de Aire, que hoje os
turistas podem percorrer em parte. Só ao fim de umas horas é que os meus
colegas me conseguiram desentalar de um aperto numa passagem estreita. As
Grutas de Mira de Aire, descobertas em 1947, são hoje a gruta mais comprida em
Portugal: estendem-se por mais de 11 km, indo até mais de 110 m de
profundidade. Mais profundas são os Olhos de Água do Alviela, uma das mais notáveis
nascentes do país e mesmo do mundo pois os espeleólogos subaquáticos já
conseguiram descer, no ano ano passado, sempre debaixo de água, a mais de 115 m
de profundidade sem conseguirem encontrar a volta em U em que a água remonta no
sifão. Nas regiões calcárias como esta a água que contém dióxido de carbono ,
dissolve a rocha calcária, que é formada por carbonato de cálcio, abrindo
grutas, por vezes sem entrada para a superfície. O terreno é uma verdadeira
esponja. A água acaba por aparecer na periferia do maciço em nascentes ou olhos
de água. A gruta maior aqui do Sicó é o Soprador do Carvalho, em Ferrarias,
Penela, que tem um rio subterrâneo, e que se estende por mais de 3 km. O
interior da Terra tem muitos segredos por nos revelar… Nem o Soprador do Carvalho
nem as Grutas de Mira de Aire se podem porém comparar com as maiores grutas do
mundo. A maior é a Mammoth Cave, a gruta mamute, no Kentucky, EUA, cujas
galerias subterrâneas se estendem por mais de 600 km. E a gruta mais profunda
do mundo situa-se nas montanhas da Geórgia, na Europa de Leste, que alcança a
profundidade de 2200 m. Uma descida até ao fundo dessa cavidade fará lembrar
a Viagem ao Centro da Terra de Júlio Verne.
Aqui as grutas são
mais pequena. Lembro-me de ter descido varias vezes ao Algar das Quintas, perto
da capela da Senhora da Estrela, na Redinha, aqui um pouco mais a Sul. São 75 m
a descer a pique e depois, o que é pior, outros 75 m para subir.
As buracas que
aqui vêem, não muito grandes mas muito abertas, deviam fazer parte de espaços
subterrâneos, que foram escavados por um rio que cavou este vale ou canhão. A
certa altura caíram as paredes e o interior subterrâneo ficou a descoberto,
enquanto ao longo do tempo, o rio se ia afundando e o vale ia crescendo. O
trabalho de erosão - a chuva e o vento -ajudaram a fazer esta paisagem. Demorou
milhões e milhões de anos. Como diz Margareth Yourcenar, o tempo é o grande
construtor.
Este vales são
típicos da regiões calcárias. Aqui mais a baixo há outro ainda maior e também
com buracas, o Vale do Poio Novo, um sitio onde nos divertíamos a fazer eco
entre uma vertente e a outra. Esta paisagem chama-se carso, o que vem da
palavra eslovena karst, a região da Eslovénia, perto de
Itália, onde a paisagem calcária está toda escavada. Já lá andei: há até uma
gruta turística onde se anda de comboio lá dentro. Esta modelação da pedra a
superfície, chama-se lapiás. Há também depressões circulares chamadas dolinas e
depressões maiores chamadas poljes – há um em Mira de Aire - Minde
que alaga no Inverno por a água ficar retida pelo leito de argilas. E as grutas
podem ser mais horizontais – chamamos-lhe lapas, ou mais verticais – chamamos
lhe algares.
As eras geológicas
Falei do tempo, o
grande construtor e também destruidor. A Terra é obra do tempo. Quando foram
formadas estes estratos calcários? Os geólogos ensinam-nos que este calcário é
do período Jurássico, mais propriamente de andares estratigráficos conhecidos
como Bajociano e Batoniano que pertencem ao Jurássico médio, que por
sua vez pertence à era do Mesozóico que por sua vez pertence a uma divisão
temporal maior, dita éon, chamado o Fanerozóico – palavra que significa vida
visível, é o tempo no qual passou a haver marcas visíveis da vida. O Jurássico
médio ocorreu há cerca de 170 milhões de anos. Napoleão disse aos seus soldados
no Egipto: “Do alto destas pirâmides 4000 anos vos contemplam”. Aqui poderia
dizer: “Do alto destes penhascos 170 milhões de anos vos contemplam.” Há marcas
de vida dessa altura e a vida era dominada poe esses grandes répteis que eram
os dinossauros. Toda a gente viu os filmes Parque Jurássico de
Steven Spielberg. Estes grandes sáurios apareceram há cerca de 230 milhões de
anos, no Triássico, antes do Jurássico, e desapareceram no Cretácico, já depois
do Jurássico, há cerca de de 68 milhões de anos. Julga-se que foi um gigantesco
meteorito que caiu na região do Iucatão do México combinado com invulgar
atividade vulcânica que levou ao fim dos dinossauros. Com o seu fim, puderam
triunfar os mamíferos. Em Portugal há marcas de dinossauros: ninhos na
Lourinhã, pistas na Pedreira do Galinha na Serra de Aire, pegadas no cabo
Mondego, Tudo isso são marcas do Jurássico,
Mas nessa altura,
quando a terra era comunicada pelos dinossauros, já a história da Terra ia
adiantada. Quando começou a Terra? Quantas velas devemos por no bolo se
houvesse um dia de anos da Terra? Sabemos hoje que é contemporânea do sistema
solar que tem cerca de 4,5 mil milhões de anos. Essa é a idade das rochas mais
antigas da Terra, que podemos dar usando técnicas de radioatividade. É cerca de
um terço da idade do Universo, pois de acordo com a teoria do Big Bang, o
Universo terá começado há cerca de 14 mil milhões de anos. A melhor teoria que
temos da formação do sistema solar é a de uma nuvem, formada principalmente por
hidrogénio, mas tendo muitos outros elementos químicos pesados, que comprimida
pela gravidade, e sempre em rotação rápida levou à formação do Sol, no centro,
onde se acendeu uma fornalha termonuclear graças a forças de pressão incríveis.
Perto ficaram planetas rochosos: Mercúrio, Vénus, Terra e Marte, os dois
últimos com possibilidade de vida no sentido em que existiu ou existe água em
várias fases: líquida, gelo e vapor de água. E, depois de uma
cintura de meteoritos, ficaram grandes planetas que são gasosos: Júpiter,
Saturno, Úrano e Neptuno. A terra no inicio era mais pequena e foi crescendo
com o bombardeamento de meteoritos. No início do sistema solar não havia a
ordem que hoje há. A Lua, o nosso satélite natural, formou-se devido a colisão de
um corpo celeste com a proto Terra: as pedras que os astronautas trouxeram da
Lua são tão antigas como rochas muito antigas da Terra. Facto curioso: o Sol
transforma hidrogénio em hélio irradiando energia, e há-se transformar hélio em
carbono, mas não tem capacidade para produzir cálcio que existe no carbonato de
cálcio destas rochas e, já agora, do cálcio que existe nos nossos ossos. Teve
de haver por isso um outro sol anterior ao nosso que explodiu espalhando átomos
pesados pelo espaço. Nós somos filhos dessa estrela mais remota. Essa explosão
violenta de uma estrela chama-se supernova. Houve mais do que tempo para haver
estrelas que explodiram, antes que o nosso sol se formasse.
Desde que a Terra
se formou passaram-se cerca de 700 milhões de anos antes que aparecesse vida,
que remonta a 3800 mil milhões de anos. Não sabemos como apareceu a vida da
Terra. Nem sequer sabemos se veio de fora ou se apareceu primeiro aqui devido a
reacções química, que em condições particulares num meio aquoso, permitiram, a
moléculas autorreproduzirem-se, fazendo cópias de si próprias. Os primeiros
seres vivos, na base da grande arvores da vida – há seres
vivos muito variados, pelo que falamos de biodiversidade – , foram
microscópicos. Nessa altura a reprodução consistia na divisão das células ao
meio. Só mais tarde a evolução biológica haveria de inventar o sexo, que
permitiu acelerar a biodiversidade. Mas, no início da vida, nem sequer havia
atmosfera com oxigénio. Havia azoto, dióxido de carbono e metano, mas o oxigénio
que hoje sustenta boa parte da vida só foi a certa altura produzido por um
certo tipo de bactérias. No princípio foi o éon Hadeano, durou até há 4 mil
milhões de anos. Depois, quando apareceu a vida, foi o Arqueano, até há 2,5 mil
milhões de anos. Depois veio o Proterozoico, que durou muito, até há 500
milhões de anos. Só depois é que foi o Fanerozóico, dividio no Paleozóico,
tempo dos peixes, no Mesozoico, o tempo dos dinossauros, e no Cenozóico, tempo
dos mamíferos. Os primeiros hominídeos, ainda muito distantes de nós, surgiram
de há cerca de 10 milhões de anos. O género homo já apareceu
no quaternário, há cerca de dois milhões de anos, um tempo muito pequeno na
vida da Terra. E o homo sapiens só há 350 000
anos. Terá coexistido com o homem de Neandertal como mostra a criança do
Lapedo, encontrada no Vale do Lapedo perto de Leiria. Hoje estamos no período
do Quaternário chamado Holoceno, mas há quem defenda que mudámos de tal maneira
a Terra que o nosso tempo se deveria chamar Antropoceno.
Bestas buracas há
marcas de ocupação pré-histórica. Os arqueólogos encontraram vestígios do
Paleolítico, a idade da pedra lascada. Há até algumas marcas de arte rupestre,
nas paredes de certas buracas: não são paleolíticas, mas já da idade do bronze.
Lembro que da época neolítica há vestígios aqui em Condeixa, como
necrópole de Eira Pedrinha, que eu visitei como espeleólogo tendo ficado
admirado com a enorme quantidade de ossos. Foi no Neolítico, há 10 000
anos, que se deu a revolução agrícola, com a sedentarização das
comunidades humanas e a domesticação dos primeiros animais. A época dos
caçadores-recolectores tinha ficado para trás.
O que é o tempo?
O que é o tempo?
Bem, de um modo operacional, é o que marca um relógio. Um segundo é uma fracção
da hora, que é uma fracção do dia, que é uma fracção do ano, tudo isto marcado
pelo movimentos astronómicos. Hoje em dia define-se os segundo com base em
medidas atómicas, mas a definição inicial veio do movimento dos astros.
Podemos medir, mas
nós não sabemos definir o tempo. É dos nossos grandes mistérios. Santo
Agostinho dizia que se não lhe perguntassem o que era o tempo ele sabia, mas
que se lhe perguntassem ele não sabia. Trago aqui uma citação de Eça
de Queiroz quando ele fala dos almanaques em “Notas Contemporâneas”:
O tempo,
essa impressão misteriosa a que chamamos tempo, é para o homem como uma
planície sem forma, sem caminho, sem fim, sem luz, onde ele transita guiado
pelo almanaque, que o segura pela mão, o vai puxando e a cada passo murmurando:
"Aqui, estás em setembro!... Além, finda a semana!... Em breve alcanças o
vinte e oito... Hoje é sábado..." Se o almanaque de repente, por facécia
ou perfídia, lhe soltasse a mão, o abandonasse, o homem vaguearia
irremissivelmente confuso e perdido dentro da vacuidade de o não ser do tempo.
Sumida a noção do ano, do mês, do dia, ele não poderia mais cumprir, com ordem
proveitosa, os atos da sua vida urbana, rural, religiosa, política, social — e
logo se arriscaria àqueles dois erros de que galhofava o provérbio antigo: a semear
o seu trigo em julho e a celebrar a sua Páscoa em novembro. Só com o almanaque,
sempre presente e sempre vigilante, pode existir regularidade na vida
individual ou coletiva.”
De facto, sem os
calendários estaríamos perdidos no tempo. A nossa vida nãio estaria organizada.
Por um lado há no tempo um lado de continuação, eternidade. Houve um
início e provavelmente não haverá fim. Mas, por outro lado, ao contrário das
viagens no espaço, no tempo não se pode ir e voltar. As
viagens são num só sentido. Todos nós andamos para a frente no
tempo. Os físicos descobriram uma lei - a 2ª. Lei da Termodinâmica.
que diz precisamente isso: que só se pode andar para a frente no tempo.
Define-se uma grandeza, a entropia, que é uma medida da desordem. Num sistema
isolado a entropia só pode crescer. Este Vale das Buracas é resultado da erosão
do tempo, do crescimento da entropia. E nós que nos deslumbramos com o vale?
Bem nós não somos sistemas fechados, recebemos energia do exterior, pelo que a
desordem não cresce em nós.
Há uma história
curiosa de um dos descobridores da 2.ª Lei da Termodinâmica. O britânico
William Thomson, lorde Kelvin (há numa relação com Portugal: ele casou com a
filha do cônsul inglês no Funchal, que conheceu quando andava a instalar linhas
de telégrafo eléctrico entre Portugal e o Brasil). Pois
Kelvin, um dos maiores sábios do século XIX, cometeu um
importante erro na avaliação da idade da Terra. Fez umas contas a partir do
tempo que um corpo quente, como a Terra primitiva, demora a arrefecer e falhou
por muito. Os geólogos conheciam o enorme tempo que é preciso para formar
paisagens como este estavam mais certos do que os físicos quanto à idade da
Terra. Vale a pena contar a história da disputa científica sobre a idade do
nosso planeta.
O erro da idade da
Terra
Quando falamos em
história da Terra, estamos a falar de longos períodos de tempo. A busca do
relógio da Terra iniciou-se há muito tempo. O alemão Abraham Werner, que viveu
entre os séculos XVII e XIX, foi um dos” avôs” da
geologia. Werner defendia que a formação da Terra teria sido um
processo rápido e que todas as rochas se teriam depositado num oceano
primordial, num espaço de tempo muito curto – esta é a chamada cronologia curta
da Terra. A teoria werniana estava de acordo com os ensinamentos bíblicos (Deus
teria criado todo o Universo, incluindo a Terra, em apenas alguns dias). E foi
por isso que permaneceu, durante algum tempo, inabalada.
Acabou por
ser questionada nos finais do século XVIII pelo geólogo inglês James Hutton.
Hutton, ao observar rochas sedimentares depositadas horizontalmente, concluiu
que estas teriam sido depositadas em diferentes épocas e que, portanto, era
longa a história da Terra – esta é a chamada cronologia longa da Terra. Já
antes um médico dinamarquês do século XVII, Nicolau Steno, tinha
intuído isso: Os estratos por baixo são mais antigos do que os que estão por
cima. Marcas de vegetais ou animais nesses estratos são mais antigas que marcas
de animais por cima. Em 1795, Hutton publicou o livro Theory of Earth, no
qual fala de uma história geológica uniforme, permanente, sem início nem fim:
poder-se-ia mesmo falar de uma idade infinita! Claro que para as pessoas que
levavam à letra a palavra da Bíblia, a ideia de um tempo infinito era uma
verdadeira heresia, uma vez que proibia o cato criador reportado nas
Escrituras. Hoje sabe-se que a teoria de Hutton estava essencialmente correcta,
tendo servido de base para as teorias de geologia e biologia que se lhe
seguiram.
O geólogo inglês
oitocentista Charles Lyell seguiu na peugada das ideias de Hutton. Considerado
por muitos o pai da Geologia, publicou entre 1830 e 1833 o livro fundador dessa
ciência - Principes of Geology (em três volumes), onde
defendeu as conceções de Hutton contra as de Werner. Lyell datou rochas através
dos fósseis que continham, tendo concluído não só que a Terra teria vários
milhões de anos como também que teria mudado lentamente ao longo de todo esse
tempo, devido a factores como a erosão. O princípio do uniformismo defendido
por Hutton ganhou nesta altura tal preponderância que, a partir de meados do
século XIX, a Bíblia quase desapareceu do estudo da história da Terra.
Charles
Darwin, o autor da Origem daas Espécies (1859), foi um adepto
das ideias do seu amigo Lyell, tendo feito uso delas na sua teoria da evolução.
Por sua vez, Lyell, que antes acreditava que as espécies se tinham mantido
imutáveis ao longo dos tempos, quando toma conhecimento da teoria de Darwin,
tornou-se um dos seus maiores defensores. O desenvolvimento da estratigrafia e
da paleontologia, já preliminarmente estudadas por sábios como da Vinci e
Lavoisier, ajudou à aceitação das teses uniformistas de Hutton e Lyell. O
estudo dos fósseis permitiu datar sequências de estratos e conhecer melhor a
cronologia da história da Terra.
Em 1859, Darwin
estimou em 300 milhões de anos, um tempo claramente longo, o período de
escavação de um grande vale inglês. Esse cálculo concordava “grosso modo” com
outro relativo à salinidade dos oceanos, que fixava em 100 milhões de anos o
tempo necessário para salinizar toda a água do mar.
Mas, em
1863, o físico William Thomson, mais conhecido pelo seu título de Lorde Kelvin,
que na altura era considerado o “papa” da Física, voltou, embora sem invocar a
Bíblia, às ideias da cronologia curta presentes em Werner. Baseado na 1.ª Lei
da Termodinâmica – a Lei da Energia, que estipulava a conservação dessa
grandeza física – estudou o fluxo de calor emitido pela Terra, concluindo que o
nosso planeta teria, no máximo, 100 milhões de anos. Em 1987 Kelvin, com novos
cálculos, atribuiu à Terra cerca de 20 milhões de anos, um valor que provocou
um grande alvoroço entre geólogos. Lyell respondeu-lhe afirmando que haveria
reacções químicas no interior da Terra que não tinham sido consideradas nesses
cálculos mas não conseguiu demover o teimoso Kelvin, que, quando muito, estava
apenas disposto a admitir o valor de 400 milhões de anos.
Kelvin
estava rotundamente errado e a chave para mostrar o seu erro só apareceria mais
tarde, em 1896, com a descoberta da radioactividade pelo físico francês Henri
Becquerel. De facto, a radioactividade, que está associada à emissão de calor,
não entrava nos cálculos de Kelvin! E, curiosamente, foi a radioactividade de
algumas rochas naturais que permitiu finalmente datar com precisão o planeta
Terra. Um dos geólogos mais famosos do século XX que investigou o problema da
datação da Terra foi o britânico Arthur Holmes. Holmes concluiu que a Terra
teria uma idade entre 1400 e 3000 milhões de anos. Contudo, determinações mais
recentes dão à Terra, como de resto a todo o sistema solar, a provecta idade de
4,5 mil milhões de anos, como já referi. Não é um tempo infinito como defendia
Hutton, mas é muito maior do que o tempo bíblico ou do que o tempo de Kelvin.
Kelvin não viveu o suficiente para reconhecer o seu erro!
A ciência é feita
de erros, mas de erros que são corrigidos com o evoluir do tempo. Mas já falei
de mais. A mensagem mais importante é que o tempo é mudança – já dizia Camões –
“todo o mundo é composto de mudança, tomando sempre novas
qualidades”, - a Terra é um sitio dinâmico. No tempo do Jurássico foi quando o
grande continente único - a Pangeia - se começou a separar em duas grandes
parte. Foi quando se começou a formar o oceano Atlântico. Por falar em oceano,
estres estratos que aqui vemos formaram-se por deposição de carbonato de cálcio
no fundo de um oceano. A Terra está sempre a mudar a sua geografia, comos
sabemos da teoria da deriva dos continentes devido ao movimento das placas
tectónicas, que foi aventada elo alemão Alfred Wegener, levantando grande
controvérsia. Fiquei um dia muito impressionado porque numa placa à entrada de
um museu da Terra em Edimburgo dizia lá que aquele sitio já tinha estado no
equador. Não sabemos - apenas podemos fazer previsões, quando será a geografia
dos continentes daqui a 170 milhões de anos ainda ontem saiu um
artigo sobre isso no Expresso. É uma previsão, que pode falhar…
Porque há surpresas, a Terra é uma caixinha de surpresas!
Tempo da
música
Mas é tempo e dar
lugar a música, que obviamente está relacionada com o tempo. A música é uma
sucessão de sons no tempo e o ritmo com que se sucedem podem ser maiores ou
menores. Mas é curioso que há um tempo psicológico: perante uma bela peça de
música não vemos o tempo passa- já passou vinte minutos desde que
comecei a falar - com certeza que repararam que o tempo
nunca mais passava - e agora o tempo vai passar depressa – por vezes vai ficar
suspenso com estes artistas do ensemble da Orquestra Clássica do Centro.
Vamos ouvir
trechos antigos como a música de Vivaldi das Quatro Estações, que
nos lembra o clima e a meteorologia. Mas vamos também ouvir músicas de autores
contemporâneos como Asthor Piazolla, que se fosse vivo, faria este ano 100
anos. E como Enio Morricone, falecido há pouco tempo. Vamos também ouvir vários
temas de música rock. O rock and roll teve
origem nos EUA nos anos 30 e 40 e vem da música de blues e de
jazz. Rock and roll remete para o movimento rítmico: significa
á letra balança e rola. Música é movimento, como vamos ouvir já a seguir com o
grupo da Orquestra Clássica do Centro. Bom espectáculo!
Posted
by Carlos Fiolhais at 23:39
Disponível
em http://dererummundi.blogspot.com/