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terça-feira, 17 de setembro de 2024

Como é que a sociedade portuguesa vê a corrupção? (Trabalho da Fundação Francisco Manuel dos Santos)

 



Barómetro da Corrupção

Como é que a sociedade portuguesa vê a corrupção? A Fundação lança um novo barómetro para compreender o fenómeno, considerado um dos problemas mais graves que o país enfrenta. A maioria dos inquiridos acredita que a política corrompe, considerando a integridade dos candidatos fundamental na hora de ir às urnas. Entre nesta experiência interativa e conheça os resultados do inquérito.  infografia está disponível no final da página.
Para ler o relatório, clicar aqui

terça-feira, 27 de agosto de 2024

"Caro professor"

 

Foto: Getty Images


Caro professor: compreendo a sua situação. Foi contratado para ensinar uma disciplina e ganha para isso. A escolha do programa não foi sua. Foi imposta. Veio de cima. Talvez tenha ideias diferentes. Mas isso é irrelevante. Tem de ensinar o que lhe foi ordenado. Será julgado pelos resultados do seu ensino – e disso depende o seu emprego. A avaliação do seu trabalho faz-se por meio da avaliação do desempenho dos seus alunos. Se, de uma forma sistemática, os seus alunos não aprenderem, é porque não tem competência.

O processo de avaliação dos alunos é curioso. Imagine uma pessoa que conheça uma série de ferramentas, a forma como são feitas, a forma como funcionam – mas não saiba para que servem. Os saberes que se ensinam nas escolas são ferramentas. Frequentemente os alunos dominam abstractamente os saberes, sem entretanto conhecerem a sua relação com a vida.

Como aconteceu com aquela assistente de bordo a quem perguntei o nome de um rio perto de Londrina, no norte do Paraná. Ela respondeu-me: Acho que é o São Francisco. Apanhei um susto. Pensei que tinha apanhado o voo errado e que estava a chegar ao norte de Minas… Garanto que, numa prova, a rapariga responderia certo. No mapa saberia onde se encontra São Francisco. Mas não aprendera a relação entre o símbolo e a realidade.

É possível que os alunos acumulem montanhas de conhecimentos que os levarão a passar nos exames, sem saber para que servem. Como acontece com os “vasos comunicantes” que qualquer pedreiro sabe para que servem sem, entretanto, conhecerem o seu nome. O pedreiro seria reprovado na avaliação escolar, mas construiria a casa no nível certo. Mas você não é culpado. Você é contratado para ensinar a disciplina.

Cada professor ensina uma disciplina diferente: Física, Química, Matemática, Geografia, etc. Isso é parte da tendência que dominou o desenvolvimento da ciência: especialização, fragmentação. A ciência não conhece o todo, conhece as partes. Essa tendência teve consequências para a prática da medicina: o corpo como uma máquina formada por partes isoladas. Mas o corpo não é uma máquina formada por partes isoladas.

Às vezes, as escolas fazem-me lembrar o Vaticano. O Vaticano, 400 anos depois, penitenciou-se sobre Galileu e está prestes a fazer as pazes com Darwin. Os currículos, só agora, muito depois da hora, estão a começar a falar de “interdisciplinaridade”. “Interdisciplinaridade” é isto: uma maçã é, ao mesmo tempo, uma realidade matemática, física, química, biológica, alimentar, estética, cultural, mitológica, económica, geográfica, erótica…

Mas o facto é que você é o professor de uma disciplina específica. Ano após ano, hora após hora, ensina aquela disciplina. Mas, como ser de dever, tem de fazer de forma competente aquilo que lhe foi ordenado. A fim de sobreviver, faz o que deve fazer para passar na avaliação. A disciplina é o deus a quem você e os alunos se devem submeter. O pressuposto desse procedimento é que o saber é sempre uma coisa boa e que, mais cedo ou mais tarde, fará sentido.

São sobretudo os adolescentes que, movidos pela inteligência da contestação, perguntam sobre o sentido daquilo que têm de aprender. Mas frequentemente os professores não sabem dar respostas convincentes. Para quê aprender o uso dessa ferramenta complicadíssima se não sei para que serve e não vou usá-la? A única resposta é: Tens de aprender porque sai no exame – resposta que não convence por não ser inteligente mas simplesmente autoritária.

O que está pressuposto, nos nossos currículos, é que o saber é sempre bom. Isso talvez seja abstractamente verdade. Mas, nesse caso, teríamos de aprender tudo o que há para ser aprendido – o que é tarefa impossível. Quem acumula muito saber só prova um ponto: que é um idiota de memória boa. Não faz sentido aprender a arte de escalar montanhas nos desertos, nem a arte de fazer iglos nos trópicos. Abstractamente, todos os saberes podem ser úteis. Mas, na vida, a utilidade dos saberes subordina-se às exigências práticas do viver. Como diz Cecília Meireles: O mar é longo, a vida é curta.

Eu penso a educação ao contrário. Não começo com os saberes. Começo com a criança. Não julgo as crianças em função dos saberes. Julgo os saberes em função das crianças. É isso que distingue um educador. Os educadores olham primeiro para o aluno e depois para as disciplinas a serem ensinadas. Os educadores não estão ao serviço de saberes. Estão ao serviço de seres humanos – crianças, adultos, velhos. Dizia Nietzsche: Aquele que é um mestre, realmente um mestre, leva as coisas a sério – inclusive ele mesmo – somente em relação aos seus alunos. (Nietzsche, Além do bem e do mal).

Eu penso por meio de metáforas. As minhas ideias nascem da poesia. Descobri que o que penso sobre a educação está resumido num verso célebre de Fernando Pessoa: Navegar é preciso. Viver não é preciso.

Navegação é ciência, conhecimento rigoroso. Para navegar, são necessários barcos. E os barcos fazem-se com ciência, física, números, técnica. A própria navegação se faz com ciência: mapas, bússolas, coordenadas, meteorologia. Para a ciência da navegação é necessária a inteligência instrumental, que decifra o segredo dos meios. Barcos, remos, velas e bússolas são meios.

Já o viver não é coisa precisa. Nunca se sabe ao certo. A vida não se faz com ciência. Faz-se com sapiência. É possível ter a ciência da construção de barcos e, ao mesmo tempo, o terror de navegar. A ciência da navegação não nos dá o fascínio dos mares e os sonhos de portos onde chegar. Conheço um erudito que tudo sabe sobre filosofia, sem que a filosofia jamais tenha tocado a sua pele. A arte de viver não se faz com a inteligência instrumental. Ela faz-se com a inteligência amorosa.

A palavra amor tornou-se maldita entre os educadores que pensam a educação como ciência dos meios, ao lado de barcos, remos, velas e bússolas. Envergonham-se de que a educação seja coisa do amor-piegas. Mas o amor – Platão, Nietzsche e Freud sabiam-no – nada tem de piegas. O amor marca o impreciso círculo de prazer que liga o corpo aos objectos. Sem o amor tudo nos seria indiferente – inclusive a ciência.

Não teríamos sentido de direcção, não teríamos prioridades. A inteligência instrumental precisa de ser educada. Parte da educação é ensinar a pensar. Mas essa educação, sendo necessária, não é suficiente. Os meios não bastam para nos trazer prazer e alegria – que são o sentido da vida. Para isso é preciso que a sensibilidade seja educada. Fernando Pessoa fala, então, na educação da sensibilidade.

Educação da sensibilidade: Marx, nos Manuscritos de 1844, dizia que a tarefa da História, até então, tinha sido a de educar os sentidos: aprender os prazeres dos olhos, dos ouvidos, do nariz, da boca, da pele, do pensamento (Ah! O prazer da leitura!). Se fôssemos animais, isso não seria necessário. Mas somos seres da cultura: inventamos objectos de prazer que não se encontram na natureza: a música, a pintura, a culinária, a arquitectura, os perfumes, os toques.

No corpo de cada aluno encontram-se, adormecidos, os sentidos. Como na história da Bela Adormecida… É preciso despertá-los, para que a sua capacidade de sentir prazer e alegria se expanda.


in https://contadoresdestorias.wordpress.com/2012/02/19/caro-professor-rubem-alves/

Rubem Alves Gaiolas ou Asas - A arte do voo ou a busca da alegria de aprender

Porto, Edições Asa, 2004 (excertos adaptados)


domingo, 14 de abril de 2024

Mulheres, em casa, a reproduzir filhos e preconceitos

 



14 de abril de 2024 

Mulheres, em casa, a reproduzir filhos e preconceitos

Bárbara Wong

Passaram quase 30 anos. Estávamos sentadas no bar da faculdade, a um semestre de terminar o curso, cheias de dúvidas sobre o que iríamos fazer a seguir, se iríamos trabalhar, onde, a fazer o quê. Ela, com uma écharpe e umas argolas pejadas de pérolas disse, segura, com a sua voz anasalada: "Eu vou casar, bem, e ficar em casa a educar os meus filhos." Houve quem se risse, quem gozasse. Eu fiquei atónita porque percebi que aquele era mesmo o plano: casar, "bem", ficar em casa e ter filhos.

Anos depois, encontrei-a na praia, num fato de banho preto com bolas brancas, escondido por detrás de um páreo branco, não trazia pérolas nas orelhas, mas ao pescoço, e tentava controlar uma ninhada, toda vestida aos quadradinhos, eles de azul-bebé, elas de rosa clarinho e folhos. Atrapalhadíssima e nuns decibéis acima das ondas que batiam na areia, chamava, com a sua voz anasalada, petit nom atrás de petit nom, tratando-os por "você" — já se sabe, como contam Ana e Isabel Stilwell, há sempre guerras entre irmãos. Com os olhos varri a praia, à procura do pai (que não conhecia), percebi mais tarde que estava sentado debaixo do toldo da família.

Reconhecemo-nos, mas não falámos. Eu só tinha uma pergunta em mente, "sempre cumpriste o teu plano?", e achei por bem não a fazer. Sorrimos e acenámos. Mas tinha de colocar a questão a alguém. Liguei a uma amiga comum, que me respondeu que o marido da colega das pérolas era um advogado de sucesso, que eram uma família ultraconservadora (a indumentária de mãe e filhos já o tinha denunciado) e que, quando ela tinha um jantar de amigas, ele ligava e mandava mensagens a pedir-lhe para voltar para casa, que ele e os filhos estavam "cheios de saudades".

Vivemos um momento em que, aparentemente, os homens se sentem inseguros e têm medo das mulheres, têm medo da sua inteligência (elas estudam mais que eles, é certo), da sua independência e, Liliana Carona acrescenta, da sua beleza. Na sua crónica, a jornalista cita estudos norte-americanos que revelam que "os homens distanciam-se e mostram menos interesse pelas mulheres que os ultrapassavam, a nível de inteligência/capacidades". E assistimos a este movimento entre os jovens rapazes, muitos votantes na extrema-direita não democrática.

Lembrei-me da colega das pérolas quando, nesta semana, se deu a apresentação do livro Identidade e Família — é possível que ela lá estivesse —, e ouvimos tantas palavras vindas do passado, sobre famílias tradicionais e da função da mulher dona de casa. Lembrei-me dela ao ler o texto de Monica Hesse sobre mulheres que ficam em casa e o lazer feminino. A jornalista norte-americana destaca as mulheres que perceberam que a vida pode ser mais fácil se ficarem dependentes de alguém. Se casarem "bem", acreditam que não terão problemas. Há um movimento de influencers nas redes sociais que louvam os benefícios de ser dona de casa. O que Hesse não refere é que muitas destas mulheres são evangélicas ou apoiadas por movimentos evangélicos, os mesmos que apoiam Trump, os mesmos que, por cá, aparentemente estão por detrás do ADN, como escreveu Carmen Garcia há umas semanas.

Mas Hesse foca também a falta de tempo das mulheres trabalhadoras para o lazer (queixa que os homens também terão). No fundo, tudo isto é um pau de dois bicos. Por um lado, conquistámos o direito ao trabalho fora de casa; por outro, o de dentro de casa mantém-se. Por um lado, conquistámos o direito a uma carreira; por outro, somos mal remuneradas — é entre os jovens que o fosso salarial é mais grave. Por um lado, sonhamos com promoções; por outro, estamos exaustas quando chegamos a casa. Diz Monica Hesse: "As mulheres que foram educadas sobre as virtudes da independência feminina foram enganadas. Sim, podemos ter carreiras de sucesso. Mas ninguém diminuiu a quantidade de roupa suja ou de tarefas que ainda precisam de ser feitas. Ninguém acrescentou mais horas ao relógio.​"

Fomos enganadas porque ainda há homens que "ajudam" lá em casa e não percebem que têm de dividir tarefas. Monica Hesse dá exemplos de mulheres que optaram pela casa até sonharem com um trabalho. "E ela é feliz?", perguntei à minha amiga sobre a colega das pérolas. Fez-se um silêncio: "Eu acredito que o feminismo também é isto, o teres liberdade para viveres a vida que planeaste." Sem dúvida, eu concordo que tens liberdade para viveres o teu sonho, mas não tens de o impor aos outros, não tens de pôr em causa todos os direitos conquistados e quereres que todas tenhamos de ficar em casa, a reproduzir filhos e preconceitos. Além disso, não foi isso que perguntei. "Não a vejo a ter momentos de dúvida. Eles são ultraconservadores", responde a nossa amiga comum. 

Assustam-me sempre as pessoas que não têm dúvidas (ou raramente as têm), como é o caso do "cara valente" sobre o qual Ana Lázaro escreve, em mais um dos seus contos. É um homem capaz de tudo, menos de viver emoções — porque os homens não são educados para falarem sobre as suas emoções. "Faltava-lhe o atrevimento, a coragem para o amor. Porque para o amor é preciso bravura. É preciso audácia para mergulhar no desconhecido de uma escuridão profunda que se esconde para dentro de nós." Foi mais uma relação que não resultou na vida da nossa narradora.

Inês Meneses fala-nos da "prateleira da vergonha", aquela onde colocamos as relações que não foram felizes, mas como essas foram importantes para crescermos: "É preciso rir para que o amor possa ser sempre melhor e nos tornemos mais exigentes com ele. Connosco." O psicólogo Jason Wu explica como combater a vergonha pode ajudar a construir um sentido de identidade saudável. Por isso, cara colega das pérolas, se algum dia tiveres dúvidas, não tenhas vergonha e sabe que podes pedir uma indemnização pelo trabalho em casa não remunerado e recomeçar uma nova vida. 

Boa semana!

Bárbara Wong

bwong@publico.pt

terça-feira, 14 de março de 2023

Debate sobre a extinção das touradas em 1821


Na sessão de 4 de agosto de 1821 das Cortes Constituintes, as touradas estiveram em debate.

Borges Carneiro apresentou um projeto de lei para a proibição dos espetáculos tauromáquicos, entendidos como contrários “às luzes do século, e à natureza humana”. Em causa, estava um entretenimento baseado no sofrimento dos animais, criados para servir o homem, mas não para serem martirizados.

 “Os homens não devem combater com os brutos, e é horroroso estar martirizando o animal, cravando-lhe farpas, fazendo-lhe mil feridas, e queimando-lhe estas com fogo: tão bárbaro espetáculo não é digno de nós, nem da nossa civilização.”

 Também o Deputado Teixeira Girão classifica as touradas como um” bárbaro divertimento”, uma “tolice em expor a vida sem fim útil, sem necessidade, uma “traição em inutilizar aos touros as armas que lhes deu a natureza” e uma “crueldade e cobardia em atormentá-los depois”.

 Em sentido contrário, vários Deputados argumentam com a tradição e popularidade do espetáculo, mas também pela existência de outros costumes que agridem os animais, como a caça ou, noutros países as “carreiras de cavalos e o combate dos galos”. Referindo-se ao projeto de lei de Borges Carneiro, Lemos Bettencourt afirma:

 “Admira-me, como levado de tão filosóficas tenções, não incluiu no mesmo projeto a proibição da caça, pois sendo todos os animais e aves entes sensitivos, não deviam ser objeto de divertimento do homem; e não devia o caçador matar a ave inocente”.

 Outros Deputados entendem que a sociedade portuguesa não está ainda preparada para a decisão de extinguir as corridas de touros. Assim pensa Serpa Machado, que defende ainda a diminuição da barbaridade do espetáculo e a abolição dos “touros de morte”:

 “Eu não seria de opinião que desde já fossem proibidas as festas de touros, porque ainda não é tempo; é necessário ir preparando os costumes. Entretanto apoio que o projeto vá à discussão, não para se abolir esse espetáculo, senão para diminuir a sua barbaridade. Vamos por ora preparando os costumes, que lá virá tempo em que ele caia por si mesmo.”

 Manuel Fernandes Tomás, confessando ser “amigo deste divertimento” e espetador semanal de touradas, refere que não se pode, de repente, transformar o país numa “Nação de filósofos”, sendo necessário preparar a sociedade:

 “Para extinguir-se aqui este espetáculo, é preciso que os costumes se vão preparando, querer de repente reduzir uma Nação a Nação de filósofos não me parece correto, nem sensato; este costume há de acabar entre nós, quando se extinguir na Espanha. Eu o declaro francamente, sou amigo deste divertimento; não é por ser valoroso, nem deixar de o ser, nem querer que os outros o sejam, senão porque fui criado com isso. Na teoria sou dos mesmos sentimentos filantrópicos; mas na prática não posso. Confesso a minha fraqueza: vou ver os touros todos os domingos. Eu não pugnarei porque os haja; mas tão pouco me oporei diretamente a que deixe de havê-los."

 O projeto de lei de Borges Carneiro para a extinção das touradas seria rejeitado.

 

in https://www.parlamento.pt/Parlamento/Paginas/Debate-sobre-a-extincao-das-touradas-1821.aspx

 

quinta-feira, 1 de dezembro de 2022

José Gomes Ferreira e o ensino da História




Ocasionalmente, apareceu-me este vídeo... https://www.msn.com/pt-pt/entretenimento/tv/novo-livro-de-jos%C3%A9-gomes-ferreira-%C3%A9-um-grito-de-revolta-contra-a-maneira-como-a-nossa-hist%C3%B3ria-%C3%A9-contada/vi-AA14JI3r?rc=1&ocid=winp1taskbar&cvid=efadb45d04e54cf39f098277b4b2e47f

Santa ignorância, quer do autor quer, até, da apresentadora!...

Este jornalista, que habitualmente faz um programa sobre Economia/Finanças na SIC, anda agora a vestir a roupagem de historiador e a revisitar a História, à sua maneira, claro, criticando a torto e a direito (como é habitual nas suas intervenções) desconhecendo, efetivamente, os programas atuais de História/os conteúdos e a forma crítica como os mesmos são dados e até referenciados pelo Ministério da Educação. 

Nem 8 nem 80! 

Não escondemos a verdade histórica mas também não mentimos aos nossos alunos nem mascaramos a realidade histórica ao nosso gosto ou ao gosto da nossa ideologia político-partidária.

A visão deste jornalista, que revela o desconhecimento daquilo que se faz neste âmbito, integra-se claramente numa perspetiva saudosista, imperialista, colonialista… Já é o 2º livro que escreve desta forma sensacionalista-nacionalista, como se o que ele escreve ("investigou") tenha que ser, agora, uma verdade científica comumente aceite e uma espécie de cartilha para o seguidismo de má memória.

Que pedantismo! Que desconhecimento da realidade! 

Fala em manuais, manuais... Que manuais? De que anos de escolaridade?

Que fontes históricas consultou para apresentar este discurso?

Leu as orientações do Ministério da Educação relativamente ao ensino da História? 

Por exemplo:

- as aprendizagens essenciais da História A - 10º ano

https://www.dge.mec.pt/sites/default/files/Curriculo/Aprendizagens_Essenciais/10_historia_a.pdf; 

- as aprendizagens essenciais da História A - 11º ano

https://www.dge.mec.pt/sites/default/files/Curriculo/Aprendizagens_Essenciais/11_historia_a.pdf

as aprendizagens essenciais da História A - 12º ano

https://www.dge.mec.pt/sites/default/files/Curriculo/Aprendizagens_Essenciais/12_historia_a.pdf

- as aprendizagens essenciais da História B - 10º ano

https://www.dge.mec.pt/sites/default/files/Curriculo/Aprendizagens_Essenciais/10_historia_b.pdf

- as aprendizagens essenciais da História B - 11º ano

https://www.dge.mec.pt/sites/default/files/Curriculo/Aprendizagens_Essenciais/11_historia_b.pdf



Nazaré Oliveira


terça-feira, 16 de agosto de 2022

Incêndios em Portugal

 


Esta é a área ardida na Serra da Estrela.
Imaginem que ardia tudo desde o Parque da Nações até Cascais!!!
O combate aos incêndios passa pela prevenção, com muitas mais campanhas DURANTE TODO O ANO, nas escolas, junto das populações, mass media mas, sobretudo, por mais e melhores equipamentos e melhores salários dos bombeiros.
Se o recente contratado Sérgio Figueiredo vai ganhar mais do que o Medina, quanto deveria ganhar um bombeiro? Um professor? Um médico? Um enfermeiro? Um polícia?
Uma tristeza e uma revolta, estas decisões "vindas de cima"! Esta inversão de prioridades, esta falta de visão e sensatez política e social.
A extrema direita aproveitar-se-á de tudo isto para engrossar cada vez mais as suas hostes, para infortúnio da nossa democracia.
A quem pedir responsabilidades pelos próximos números da abstenção, pelos desafetos políticos, pela quebra de confiança no sistema pluripartidário?
Continuarei a lutar pela Democracia e pelo Estado de Direito. Sempre.

sexta-feira, 24 de setembro de 2021

O tempo e a Terra



Minha palestra no Vale das Buracas do Camilo no dia 18/9/2021 a abrir um concerto do ensemble da Orquestra Clássica do Centro:

Estamos num lugar espectacular, o vale das Buracas, no Camilo, é uma paisagem calcária, pertencente ao maciço calcário de Sicó. Conheço-o bem, porque entre os 15 e os 20 anos pratiquei espeleologia, o desporto-aventura da exploração de grutas que é ao mesmo tempo uma disciplina científica. Andei por estas serras, dormi em tendas, desci ao interior da Terra. Era membro do centro de espeleologia em Coimbra e o principal responsável pelo boletim A Gruta, onde publicávamos as descobertas que fazíamos nesta região. Lembro-me de ter ido à Biblioteca Geral da Universidade consultar revistas e livros antigos sobre as grutas de Condeixa. Há um artigo em 1854 intitulado “Grutas de Condeixa” na revista “O Instituto” de António Augusto da Costa Simões que foi professor de Medicina, presidente da Câmara de Coimbra, em 1856-1867, e reitor da Universidade, muito mais tarde, entre 1892 e 1898. Trata-se de um dos documentos científicos mais antigas sobre grutas portuguesas.

Os vazios da Terra 

Posso até contar uma história que na altura não foi nada divertida: fiquei uma vez preso nas profundidades da maior gruta portuguesa. As Grutas de Mira de Aire, que hoje os turistas podem percorrer em parte. Só ao fim de umas horas é que os meus colegas me conseguiram desentalar de um aperto numa passagem estreita. As Grutas de Mira de Aire, descobertas em 1947, são hoje a gruta mais comprida em Portugal: estendem-se por mais de 11 km, indo até mais de 110 m de profundidade. Mais profundas são os Olhos de Água do Alviela, uma das mais notáveis nascentes do país e mesmo do mundo pois os espeleólogos subaquáticos já conseguiram descer, no ano ano passado, sempre debaixo de água, a mais de 115 m de profundidade sem conseguirem encontrar a volta em U em que a água remonta no sifão. Nas regiões calcárias como esta a água que contém dióxido de carbono , dissolve a rocha calcária, que é formada por carbonato de cálcio, abrindo grutas, por vezes sem entrada para a superfície. O terreno é uma verdadeira esponja. A água acaba por aparecer na periferia do maciço em nascentes ou olhos de água. A gruta maior aqui do Sicó é o Soprador do Carvalho, em Ferrarias, Penela, que tem um rio subterrâneo, e que se estende por mais de 3 km. O interior da Terra tem muitos segredos por nos revelar… Nem o Soprador do Carvalho nem as Grutas de Mira de Aire se podem porém comparar com as maiores grutas do mundo. A maior é a Mammoth Cave, a gruta mamute, no Kentucky, EUA, cujas galerias subterrâneas se estendem por mais de 600 km. E a gruta mais profunda do mundo situa-se nas montanhas da Geórgia, na Europa de Leste, que alcança a profundidade de 2200 m. Uma descida até ao fundo dessa cavidade fará lembrar a Viagem ao Centro da Terra de Júlio Verne.

Aqui as grutas são mais pequena. Lembro-me de ter descido varias vezes ao Algar das Quintas, perto da capela da Senhora da Estrela, na Redinha, aqui um pouco mais a Sul. São 75 m a descer a pique e depois, o que é pior, outros 75 m para subir. 

As buracas que aqui vêem, não muito grandes mas muito abertas, deviam fazer parte de espaços subterrâneos, que foram escavados por um rio que cavou este vale ou canhão. A certa altura caíram as paredes e o interior subterrâneo ficou a descoberto, enquanto ao longo do tempo, o rio se ia afundando e o vale ia crescendo. O trabalho de erosão - a chuva e o vento -ajudaram a fazer esta paisagem. Demorou milhões e milhões de anos. Como diz Margareth Yourcenar, o tempo é o grande construtor. 

Este vales são típicos da regiões calcárias. Aqui mais a baixo há outro ainda maior e também com buracas, o Vale do Poio Novo, um sitio onde nos divertíamos a fazer eco entre uma vertente e a outra. Esta paisagem chama-se carso, o que vem da palavra eslovena karst, a região da Eslovénia, perto de Itália, onde a paisagem calcária está toda escavada. Já lá andei: há até uma gruta turística onde se anda de comboio lá dentro. Esta modelação da pedra a superfície, chama-se lapiás. Há também depressões circulares chamadas dolinas e depressões maiores chamadas poljes – há um em  Mira de Aire - Minde que alaga no Inverno por a água ficar retida pelo leito de argilas. E as grutas podem ser mais horizontais – chamamos-lhe lapas, ou mais verticais – chamamos lhe algares.

As eras geológicas

Falei do tempo, o grande construtor e também destruidor. A Terra é obra do tempo. Quando foram formadas estes estratos calcários? Os geólogos ensinam-nos que este calcário é do período Jurássico, mais propriamente de andares estratigráficos conhecidos como Bajociano e Batoniano que pertencem  ao Jurássico médio, que por sua vez pertence à era do Mesozóico que por sua vez pertence a uma divisão temporal maior, dita éon, chamado o Fanerozóico – palavra que significa vida visível, é o tempo no qual passou a haver marcas visíveis da vida. O Jurássico médio ocorreu há cerca de 170 milhões de anos. Napoleão disse aos seus soldados no Egipto: “Do alto destas pirâmides 4000 anos vos contemplam”. Aqui poderia dizer: “Do alto destes penhascos 170 milhões de anos vos contemplam.” Há marcas de vida dessa altura e a vida era dominada poe esses grandes répteis que eram os dinossauros. Toda a gente viu os filmes Parque Jurássico de Steven Spielberg. Estes grandes sáurios apareceram há cerca de 230 milhões de anos, no Triássico, antes do Jurássico, e desapareceram no Cretácico, já depois do Jurássico, há cerca de de 68 milhões de anos. Julga-se que foi um gigantesco meteorito que caiu na região do Iucatão do México combinado com invulgar atividade vulcânica que levou ao fim dos dinossauros. Com o seu fim, puderam triunfar os mamíferos. Em Portugal há marcas de dinossauros: ninhos na Lourinhã, pistas na Pedreira do Galinha na Serra de Aire, pegadas no cabo Mondego, Tudo isso são marcas do Jurássico,

Mas nessa altura, quando a terra era comunicada pelos dinossauros, já a história da Terra ia adiantada. Quando começou a Terra? Quantas velas devemos por no bolo se houvesse um dia de anos da Terra? Sabemos hoje que é contemporânea do sistema solar que tem cerca de 4,5 mil milhões de anos. Essa é a idade das rochas mais antigas da Terra, que podemos dar usando técnicas de radioatividade. É cerca de um terço da idade do Universo, pois de acordo com a teoria do Big Bang, o Universo terá começado há cerca de 14 mil milhões de anos. A melhor teoria que temos da formação do sistema solar é a de uma nuvem, formada principalmente por hidrogénio, mas tendo muitos outros elementos químicos pesados, que comprimida pela gravidade, e sempre em rotação rápida levou à formação do Sol, no centro, onde se acendeu uma fornalha termonuclear graças a forças de pressão incríveis. Perto ficaram planetas rochosos: Mercúrio, Vénus, Terra e Marte, os dois últimos com possibilidade de vida no sentido em que existiu ou existe água em várias fases: líquida, gelo e vapor de água.  E, depois de uma cintura de meteoritos, ficaram grandes planetas que são gasosos: Júpiter, Saturno, Úrano e Neptuno. A terra no inicio era mais pequena e foi crescendo com o bombardeamento de meteoritos. No início do sistema solar não havia a ordem que hoje há. A Lua, o nosso satélite natural, formou-se devido a colisão de um corpo celeste com a proto Terra: as pedras que os astronautas trouxeram da Lua são tão antigas como rochas muito antigas da Terra. Facto curioso: o Sol transforma hidrogénio em hélio irradiando energia, e há-se transformar hélio em carbono, mas não tem capacidade para produzir cálcio que existe no carbonato de cálcio destas rochas e, já agora, do cálcio que existe nos nossos ossos. Teve de haver por isso um outro sol anterior ao nosso que explodiu espalhando átomos pesados pelo espaço. Nós somos filhos dessa estrela mais remota. Essa explosão violenta de uma estrela chama-se supernova. Houve mais do que tempo para haver estrelas que explodiram, antes que o nosso sol se formasse. 

Desde que a Terra se formou passaram-se cerca de 700 milhões de anos antes que aparecesse vida, que remonta a 3800 mil milhões de anos. Não sabemos como apareceu a vida da Terra. Nem sequer sabemos se veio de fora ou se apareceu primeiro aqui devido a reacções química, que em condições particulares num meio aquoso, permitiram, a moléculas autorreproduzirem-se, fazendo cópias de si próprias. Os primeiros seres vivos, na base da grande arvores da vida –  há  seres vivos muito variados, pelo que falamos de biodiversidade –  , foram microscópicos. Nessa altura a reprodução consistia na divisão das células ao meio. Só mais tarde a evolução biológica haveria de inventar o sexo, que permitiu acelerar a biodiversidade. Mas, no início da vida, nem sequer havia atmosfera com oxigénio. Havia azoto, dióxido de carbono e metano, mas o oxigénio que hoje sustenta boa parte da vida só foi a certa altura produzido por um certo tipo de bactérias. No princípio foi o éon Hadeano, durou até há 4 mil milhões de anos. Depois, quando apareceu a vida, foi o Arqueano, até há 2,5 mil milhões de anos. Depois veio o Proterozoico, que durou muito, até há 500 milhões de anos. Só depois é que foi o Fanerozóico, dividio no Paleozóico, tempo dos peixes, no Mesozoico, o tempo dos dinossauros, e no Cenozóico, tempo dos mamíferos. Os primeiros hominídeos, ainda muito distantes de nós, surgiram de há cerca de 10 milhões de anos. O género homo já apareceu no quaternário, há cerca de dois milhões de anos, um tempo muito pequeno na vida da Terra. E o homo sapiens só  há 350 000 anos. Terá coexistido com o homem de Neandertal como mostra a criança do Lapedo, encontrada no Vale do Lapedo perto de Leiria. Hoje estamos no período do Quaternário chamado Holoceno, mas há quem defenda que mudámos de tal maneira a Terra que o nosso tempo se deveria chamar Antropoceno. 

Bestas buracas há marcas de ocupação pré-histórica. Os arqueólogos encontraram vestígios do Paleolítico, a idade da pedra lascada. Há até algumas marcas de arte rupestre, nas paredes de certas buracas: não são paleolíticas, mas já da idade do bronze. Lembro que da época neolítica  há vestígios aqui em Condeixa, como necrópole de Eira Pedrinha, que eu visitei como espeleólogo tendo ficado admirado com a enorme quantidade de ossos. Foi no Neolítico, há 10 000 anos,  que se deu a revolução agrícola, com a sedentarização das comunidades humanas e a domesticação dos primeiros animais. A época dos caçadores-recolectores tinha ficado para trás.

O que é o tempo?

O que é o tempo? Bem, de um modo operacional, é o que marca um relógio. Um segundo é uma fracção da hora, que é uma fracção do dia, que é uma fracção do ano, tudo isto marcado pelo movimentos astronómicos. Hoje em dia define-se os segundo com base em medidas atómicas, mas a definição inicial veio do movimento dos astros.

Podemos medir, mas nós não sabemos definir o tempo. É dos nossos grandes mistérios. Santo Agostinho dizia que se não lhe perguntassem o que era o tempo ele sabia, mas que se lhe perguntassem ele não sabia. Trago aqui uma citação  de Eça de Queiroz quando ele fala dos almanaques em “Notas Contemporâneas”:

 O tempo, essa impressão misteriosa a que chamamos tempo, é para o homem como uma planície sem forma, sem caminho, sem fim, sem luz, onde ele transita guiado pelo almanaque, que o segura pela mão, o vai puxando e a cada passo murmurando: "Aqui, estás em setembro!... Além, finda a semana!... Em breve alcanças o vinte e oito... Hoje é sábado..." Se o almanaque de repente, por facécia ou perfídia, lhe soltasse a mão, o abandonasse, o homem vaguearia irremissivelmente confuso e perdido dentro da vacuidade de o não ser do tempo. Sumida a noção do ano, do mês, do dia, ele não poderia mais cumprir, com ordem proveitosa, os atos da sua vida urbana, rural, religiosa, política, social — e logo se arriscaria àqueles dois erros de que galhofava o provérbio antigo: a semear o seu trigo em julho e a celebrar a sua Páscoa em novembro. Só com o almanaque, sempre presente e sempre vigilante, pode existir regularidade na vida individual ou coletiva.”

De facto, sem os calendários estaríamos perdidos no tempo. A nossa vida nãio estaria organizada. Por um lado há no tempo um lado de continuação, eternidade. Houve um início e provavelmente não haverá fim. Mas, por outro lado, ao contrário das viagens  no espaço, no tempo não se pode ir e voltar. As viagens  são num só sentido. Todos nós andamos para a frente no tempo. Os físicos descobriram uma lei -  a 2ª. Lei da Termodinâmica. que diz precisamente isso: que só se pode andar para a frente no tempo. Define-se uma grandeza, a entropia, que é uma medida da desordem. Num sistema isolado a entropia só pode crescer. Este Vale das Buracas é resultado da erosão do tempo, do crescimento da entropia. E nós que nos deslumbramos com o vale? Bem nós não somos sistemas fechados, recebemos energia do exterior, pelo que a desordem não cresce em nós.

Há uma história curiosa de um dos descobridores da 2.ª Lei da Termodinâmica. O britânico William Thomson, lorde Kelvin (há numa relação com Portugal: ele casou com a filha do cônsul inglês no Funchal, que conheceu quando andava a instalar linhas de telégrafo eléctrico entre Portugal e  o Brasil). Pois Kelvin,  um dos maiores sábios do século XIX,  cometeu um importante erro na avaliação da idade da Terra. Fez umas contas a partir do tempo que um corpo quente, como a Terra primitiva, demora a arrefecer e falhou por muito. Os geólogos conheciam o enorme tempo que é preciso para formar paisagens como este estavam mais certos do que os físicos quanto à idade da Terra. Vale a pena contar a história da disputa científica sobre a idade do nosso planeta.

O erro da idade da Terra

Quando falamos em história da Terra, estamos a falar de longos períodos de tempo. A busca do relógio da Terra iniciou-se há muito tempo. O alemão Abraham Werner, que viveu entre os séculos XVII e XIX, foi  um dos” avôs” da geologia.  Werner defendia que a formação da Terra teria sido um processo rápido e que todas as rochas se teriam depositado num oceano primordial, num espaço de tempo muito curto – esta é a chamada cronologia curta da Terra. A teoria werniana estava de acordo com os ensinamentos bíblicos (Deus teria criado todo o Universo, incluindo a Terra, em apenas alguns dias). E foi por isso que permaneceu, durante algum tempo, inabalada.

 Acabou por ser questionada nos finais do século XVIII pelo geólogo inglês James Hutton. Hutton, ao observar rochas sedimentares depositadas horizontalmente, concluiu que estas teriam sido depositadas em diferentes épocas e que, portanto, era longa a história da Terra – esta é a chamada cronologia longa da Terra. Já antes um médico dinamarquês do século XVII,  Nicolau Steno, tinha intuído isso: Os estratos por baixo são mais antigos do que os que estão por cima. Marcas de vegetais ou animais nesses estratos são mais antigas que marcas de animais por cima. Em 1795, Hutton publicou o livro Theory of Earth, no qual fala de uma história geológica uniforme, permanente, sem início nem fim: poder-se-ia mesmo falar de uma idade infinita! Claro que para as pessoas que levavam à letra a palavra da Bíblia, a ideia de um tempo infinito era uma verdadeira heresia, uma vez que proibia o cato criador reportado nas Escrituras. Hoje sabe-se que a teoria de Hutton estava essencialmente correcta, tendo servido de base para as teorias de geologia e biologia que se lhe seguiram. 

O geólogo inglês oitocentista Charles Lyell seguiu na peugada das ideias de Hutton. Considerado por muitos o pai da Geologia, publicou entre 1830 e 1833 o livro fundador dessa ciência - Principes of Geology (em três volumes), onde defendeu as conceções de Hutton contra as de Werner. Lyell datou rochas através dos fósseis que continham, tendo concluído não só que a Terra teria vários milhões de anos como também que teria mudado lentamente ao longo de todo esse tempo, devido a factores como a erosão. O princípio do uniformismo defendido por Hutton ganhou nesta altura tal preponderância que, a partir de meados do século XIX, a Bíblia quase desapareceu do estudo da história da Terra.

 Charles Darwin, o autor da Origem daas Espécies (1859), foi um adepto das ideias do seu amigo Lyell, tendo feito uso delas na sua teoria da evolução. Por sua vez, Lyell, que antes acreditava que as espécies se tinham mantido imutáveis ao longo dos tempos, quando toma conhecimento da teoria de Darwin, tornou-se um dos seus maiores defensores. O desenvolvimento da estratigrafia e da paleontologia, já preliminarmente estudadas por sábios como da Vinci e Lavoisier, ajudou à aceitação das teses uniformistas de Hutton e Lyell. O estudo dos fósseis permitiu datar sequências de estratos e conhecer melhor a cronologia da história da Terra.

Em 1859, Darwin estimou em 300 milhões de anos, um tempo claramente longo, o período de escavação de um grande vale inglês. Esse cálculo concordava “grosso modo” com outro relativo à salinidade dos oceanos, que fixava em 100 milhões de anos o tempo necessário para salinizar toda a água do mar.

 Mas, em 1863, o físico William Thomson, mais conhecido pelo seu título de Lorde Kelvin, que na altura era considerado o “papa” da Física, voltou, embora sem invocar a Bíblia, às ideias da cronologia curta presentes em Werner. Baseado na 1.ª Lei da Termodinâmica – a Lei da Energia, que estipulava a conservação dessa grandeza física – estudou o fluxo de calor emitido pela Terra, concluindo que o nosso planeta teria, no máximo, 100 milhões de anos. Em 1987 Kelvin, com novos cálculos, atribuiu à Terra cerca de 20 milhões de anos, um valor que provocou um grande alvoroço entre geólogos. Lyell respondeu-lhe afirmando que haveria reacções químicas no interior da Terra que não tinham sido consideradas nesses cálculos mas não conseguiu demover o teimoso Kelvin, que, quando muito, estava apenas disposto a admitir o valor de 400 milhões de anos.

 Kelvin estava rotundamente errado e a chave para mostrar o seu erro só apareceria mais tarde, em 1896, com a descoberta da radioactividade pelo físico francês Henri Becquerel. De facto, a radioactividade, que está associada à emissão de calor, não entrava nos cálculos de Kelvin! E, curiosamente, foi a radioactividade de algumas rochas naturais que permitiu finalmente datar com precisão o planeta Terra. Um dos geólogos mais famosos do século XX que investigou o problema da datação da Terra foi o britânico Arthur Holmes. Holmes concluiu que a Terra teria uma idade entre 1400 e 3000 milhões de anos. Contudo, determinações mais recentes dão à Terra, como de resto a todo o sistema solar, a provecta idade de 4,5 mil milhões de anos, como já referi. Não é um tempo infinito como defendia Hutton, mas é muito maior do que o tempo bíblico ou do que o tempo de Kelvin. Kelvin não viveu o suficiente para reconhecer o seu erro!

A ciência é feita de erros, mas de erros que são corrigidos com o evoluir do tempo. Mas já falei de mais. A mensagem mais importante é que o tempo é mudança – já dizia Camões – “todo o mundo é composto de mudança, tomando sempre  novas qualidades”, - a Terra é um sitio dinâmico. No tempo do Jurássico foi quando o grande continente único - a Pangeia - se começou a separar em duas grandes parte. Foi quando se começou a formar o oceano Atlântico. Por falar em oceano, estres estratos que aqui vemos formaram-se por deposição de carbonato de cálcio no fundo de um oceano. A Terra está sempre a mudar a sua geografia, comos sabemos da teoria da deriva dos continentes devido ao movimento das placas tectónicas, que foi aventada elo alemão Alfred Wegener, levantando grande controvérsia. Fiquei um dia muito impressionado porque numa placa à entrada de um museu da Terra em Edimburgo dizia lá que aquele sitio já tinha estado no equador. Não sabemos - apenas podemos fazer previsões, quando será a geografia dos continentes  daqui a 170 milhões de anos ainda ontem saiu um artigo sobre isso no Expresso. É uma previsão, que pode falhar… Porque há surpresas, a Terra é uma caixinha de surpresas!

Tempo da música 

Mas é tempo e dar lugar a música, que obviamente está relacionada com o tempo. A música é uma sucessão de sons no tempo e o ritmo com que se sucedem podem ser maiores ou menores. Mas é curioso que há um tempo psicológico: perante uma bela peça de música não vemos o tempo passa- já passou vinte minutos desde que comecei  a falar - com certeza que repararam  que o tempo nunca mais passava - e agora o tempo vai passar depressa – por vezes vai ficar suspenso com estes artistas do ensemble da Orquestra Clássica do Centro.

Vamos ouvir trechos antigos como a música de Vivaldi das Quatro Estações, que nos lembra o clima e a meteorologia. Mas vamos também ouvir músicas de autores contemporâneos como Asthor Piazolla, que se fosse vivo, faria este ano 100 anos. E como Enio Morricone, falecido há pouco tempo. Vamos também ouvir vários temas de música rock. O rock and roll teve origem nos EUA nos anos 30 e 40 e vem da música de blues e de jazz. Rock and roll remete para o movimento rítmico: significa á letra balança e rola. Música é movimento, como vamos ouvir já a seguir com o grupo da Orquestra Clássica do Centro. Bom espectáculo!

 

Posted by Carlos Fiolhais at 23:39 

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