domingo, 8 de abril de 2012

Luxos na Assembleia da República


 

O Paulo Pinto Mascarenhas, jornalista do CM, publicou dia 8 Dez 2011 o seguinte texto:

“Fomos espreitar os dois restaurantes de luxo que existem na Assembleia da República, mais a cantina e os bares. E revelamos os preços que se praticam. Há dois restaurantes de luxo na Assembleia da República reservados a deputados e respectivos convidados. Por cerca de 10 euros por pessoa podem experimentar no almoço buffet, do restaurante do edifício novo do Parlamento, um belo arroz de tamboril com gambas e umas salsichas em couve lombarda. Mas tem também direito a uma mesa de fritos, a outra vegetariana, mais uma de doces e frutas ou de queijos. Tudo isto antecedido, se assim o entender, de uma bela sopa de cebola.
Este é um menu normal, não é de dia de festa, mas sabendo que nem todos os deputados almoçam como deve ser, fomos ver os preços nos bares a que têm acesso e também na cantina, onde vão sobretudo os funcionários da casa.
Começando pela cantina, por apenas 3,80 € têm acesso a uma refeição completa, incluindo iguarias como um arroz de polvo - "malandrinho", como convém - ou à dieta de vitela simples, mais sonhos de peixe. Sopa de ervilha ou Juliana de legumes também constam da variada ementa. Já nos bares de serviço, para uma refeição ligeira, aconselha-se o belo prego, a bifana ou o hambúrguer da casa a apenas 1,01 €. Os croquetes também são em conta: 0,40 cêntimos cada um. Pode optar, é claro, por uma sandes mista a 0,66, ou em forma de tosta a 0,76. Tudo isto pode ser regado com uma cerveja a 0,55 ou uma mini a 0,40. Já percebeu porque é que eles engordam?”
Ao ler isto, nem queria acreditar!
Embora sabendo das mordomias dos deputados, só porque são deputados, fiquei chocada com o que acabei de constatar, num país onde a esmagadora maioria recebe um subsídio de alimentação vergonhoso, ou não o recebe, onde o desemprego atinge famílias inteiras e números assustadores e dramáticos e onde a maioria, quando ganha, ganha “mal e porcamente”, caso da função pública, daquela função pública que não tem cargos de chefia e, mesmo quando os tem, enfim, em nada se compara com as benesses de luxo deste e de outro tipo, neste caso, preços - menús “de reis”, para uma camada da população que deveria dar o exemplo da contenção e austeridade que apregoa e das “boas práticas” que sistematicamente defendem mas das quais a Assembleia da República exemplo não é mas exemplo deveria ser..

O que é isto, meus senhores? Que raio de políticos e políticas sociais são estas que cada vez mais olham “para dentro” de si? Que se esquecem de quem mal ganha para comer minimamente em condições ou anda a pedir para isso ou para aguentar a cada vez maior obstinação de um governo/de governos, abusando e insistindo que a recuperação do país tem de passar pelo contínuo roubo de direitos adquiridos, um deles, o salário digno, e que carregar com mais impostos e mais cortes em bens essenciais é uma inevitabilidade?
Estou farta destas (e de outras) “inevitabilidades”!
As “evitabilidades” é que os deveriam preocupar, caso das mordomias principescas de ministros, secretários de estado, conselheiros disto e daquilo, amigalhaços deste e daquele gabinete ou desta e daquela Fundação ou PPPs, gestores e administradores públicos, ex governantes, ex ministros, ex disto e daquilo…
Quanto mais sabemos destas nuances mais nos revoltamos. É verdade! Mas, o que fazemos? O que deveríamos fazer? Impingem sistematicamente soluções, à boca cheia, em nome da Economia, das regras da Economia, em nome da crise e da urgência da sua resolução, mas eles, eles não olham para si!
Estão a cumprir-se, brevemente, 38 anos da queda da ditadura salazarista mas, por favor, já chega de salazarentos! Os partidos são fundamentais para a manutenção de um regime democrático, particularmente, partidos que saibam fazer uma oposição séria, inteligente e oportuna mas, por favor, partidocracia não, muito menos interesses político-partidários acima dos da Nação!
Como JP Pereira dizia num dos seus últimos posts do seu blogue, só se discute economia, macro, micro, nano, pico, mega, giga, e por aí adiante. Cada vez se sabe menos e se analisa menos o que está a acontecer. O que realmente interessa, acrescento eu, que são as pessoas, as pessoas que nesta gente confiaram e que, com o seu voto, nelas viram a alternativa para uma mudança digna de um país há muito profundamente desigual e injusto. Em termos económicos e em termos políticos.
Chega a ser revoltante ver as “cabecinhas pensadoras” à roda com a troika mas completamente divorciadas daquela que é, afinal, a sua principal missão: evitar que a pobreza seja cada vez maior entre os que sempre asseguraram o país com os seus parcos rendimentos, esses que, como sabemos, não têm a esperteza dos que habitualmente fogem ao fisco das maneiras mais incríveis que ninguém sonha e que, claro, sempre se safaram e continuam a safar! Vem agora dar lições de Moral quem sempre esbanjou ou impulsionou ao esbanjamento! E muitas maneiras houve: desde a autorização para publicidade enganosa que aos bancos se deu, prometendo este mundo e o outro ao comum dos portugueses que do crédito se serviu, até ao dinheiro (perdido) que muito se injectou nos bolsos de banqueiros espertalhões ou de accionistas sem escrúpulos que, hoje, de nós se riem e de nós se aproveitam, salvaguardadas que continuam a estar as suas continhas na “estranja” ou branqueadas de todas as formas e feitios!

Mas o que mais me revolta é fazerem de nós estúpidos, isto é, como se eles, estes, nada disto soubessem!
Obrigada, PPM. É fundamental esclarecer e, aqui, o jornalismo tem lugar de destaque e de enorme responsabilidade, sobretudo num Estado de Direito, colocando-se ao lado dos cidadãos e esclarecendo-os quanto aos meandros da Política, Política e políticos manhosos, escondidos "sob o manto diáfano" dos pretensos sacrifícios que fazem pelo povo e pelo país!!! Afinal, estes discursos de vitimização que têm encontrado o seu expoente máximo no último do Prof Cavaco Silva já vêm de longe e a filosofia dos coitadinhos, incluindo deputados e outros afins, está já, como vemos, a ser tida em conta nos bares e restaurantes da Assembleia da República!!! E nós só sabemos (só sabemos sempre) "parte da coisa"!!! Que falta de sentido de estado e de Ética! Que falta de vergonha!
Voltem a olhar a lista de menus e os preços! Sim, os preços para quem subsídios tem para tudo e mais alguma coisa.

Agora, olhem para o vosso recibo de vencimento e para o subsídio de alimentação que recebem.
Eu não tenho que pactuar com isto nem aceito a existência de “castas”. Só na viticultura!

Nazaré Oliveira

Páscoa na aldeia


"Anjinhos" na procissão

Rosmaninho
Alecrim
Folar transmontano





Minha aldeia na Páscoa...

Infância, mês de Abril!
 Manhã primaveril!
 A velha igreja.
 Entre as árvores alveja,
 Alegre e rumorosa
 De povo, luzes, flores...
 E, na penumbra dos altares cor-de-rosa .
 Rasgados pelo sol os negros véus.
 Parece até sorrir a Virgem-Mãe das Dores.
 Ressurreição de Deus! (...)
 Em pleno azul, erguida
 Entre a verde folhagem das uveiras.
 Rebrilha a cruz de prata florescida...
 Na igreja antiga a rir seu branco riso de cal.
 Ébrias de cor, tremulam as bandeiras...
 Vede! Jesus lá vai, ao sol de Portugal!
 Ei-lo que entra contente nos casais;
 E, com amor, visita as rústicas choupanas.
 É ele, esse que trouxe aos míseros mortais
 As grandes alegrias sobre-humanas.
 Lá vai, lá vai, por íngremes caminhos!
 Linda manhã, canções de passarinhos!
 A campainha toca: Aleluia! Aleluia! (...)
 Velhos trabalhadores, por quem sofreu Jesus.
 E mães, acalentando os filhos no regaço.
 Esperam o COMPASSO...
 E, ajoelhando com séria devoção.
 Beijam os pés da Cruz."

TEIXEIRA DE PASCOAES

Tocam os sinos da torre da igreja,
Há rosmaninho e alecrim pelo chão.
Na nossa aldeia que Deus a proteja!
Vai passando a procissão.

Mesmo na frente, marchando a compasso,
De fardas novas, vem o solidó.
Quando o regente lhe acena com o braço,
Logo o trombone faz popó, popó.

Olha os bombeiros, tão bem alinhados!
Que se houver fogo vai tudo num fole.
Trazem ao ombro brilhantes machados,
E os capacetes rebrilham ao sol.

Tocam os sinos na torre da igreja,
Há rosmaninho e alecrim pelo chão.
Na nossa aldeia que Deus a proteja!
Vai passando a procissão.

Olha os irmãos da nossa confraria!
Muito solenes nas opas vermelhas!
Ninguém supôs que nesta aldeia havia
Tantos bigodes e tais sobrancelhas!

Ai, que bonitos que vão os anjinhos!
Com que cuidado os vestiram em casa!
Um deles leva a coroa de espinhos.
E o mais pequeno perdeu uma asa!

Tocam os sinos na torre da igreja,
Há rosmaninho e alecrim pelo chão.
Na nossa aldeia que Deus a proteja!
Vai passando a procissão.

Pelas janelas, as mães e as filhas,
As colchas ricas, formando troféu.
E os lindos rostos, por trás das mantilhas,
Parecem anjos que vieram do Céu!

Com o calor, o Prior aflito.
E o povo ajoelha ao passar o andor.
Não há na aldeia nada mais bonito
Que estes passeios de Nosso Senhor!

Tocam os sinos na torre da igreja,
Há rosmaninho e alecrim pelo chão.
Na nossa aldeia que Deus a proteja!
Já passou a procissão.


 ANTÓNIO LOPES RIBEIRO

domingo, 1 de abril de 2012

Somos piegas, Passos Coelho?



Quando os nossos políticos, particularmente os políticos europeus, os políticos da Europa-rica ao toque de comando de Angela Merkel e Sarkozy vêm com a sua verborreia habitual falar da crise, quero dizer, da austeridade que é preciso ter face à crise, também os nossos, sobretudo os nossos políticos que têm a desfaçatez de chamar piegas a quem já comida e medicamentos não podem comprar, deveriam ter um pingo de vergonha ao perceberem que a austeridade há muito é sentida e vivida pelos do costume e que já está a ser criminoso continuar cinicamente nos mass-media a sorrir e a pedir como quem da verdade dono é, pacotes contínuos de austeridade aos que quase sempre nada de seu tiveram e que, agora, nada de seu jamais terão.

Sobretudo dignidade. Roubada. Sistematicamente roubada pelos diversos partidos que têm rondado o poder, cá como an U.E, decretando sacrifícios aos que mais apoio precisam (e sempre precisaram), adiando sistematicamente o que afinal seria legítimo esperar: ir buscar “o dinheiro” onde ele existe (nunca deixou de existir!), sem complexos de direita ou de esquerda quando o bem último que todo e qualquer governo deveria ter presente era o bem-estar dos cidadãos, naturalmente, dos mais pobres, e dos que, agora, escondidos ou à vista, passam fome, ficam sem casa ou acabam com a vida porque mais morte se lhes apresentava.
Como se costuma dizer, já está a passar das marcas estes sistemáticos pedidos de “aperto do cinto” em nome dos "troikanos"!

Mas por que é que isso não se aplica a todos, isto é, aos tais que continuam a esbanjar e a gastar, cada vez mais, escandalosamente contrastantes com um país à beira da falência, também, por erros e erros seguidos de governação enganosa, dinheiro mal parado das contas públicas, benesses e compadrios, empresas e parcerias público-privadas de origem duvidosa ou desconhecida, gestores públicos virtuais, reformas chorudas perfeitamente obscenas e injustificáveis para quem da política ou cargos políticos gratificação já teve ou levou, mas que, sinceramente, nem agora nem nunca se justificarão à luz de uma Justiça Social apregoada mas quase nunca visível às massas para quem as promessas eleitorais continuam por cumprir – com a crise e antes dela!

Onde pára a tomada de consciência? Melhor, a consciência?

Onde pára o sentido de justiça?

Quando Passos Coelho referia, há dias, com a retórica do costume, que conseguiria conciliar austeridade e crescimento e que só assim resolveria o problema da dívida externa, e que, para garantir a sustentabilidade da dívida pública o país teria de se cingir ao indispensável, pois só assim seria possível financiar crescimento com poupança, eu pergunto-lhe: É justo continuar a fazê-lo tirando e cortando a torto e a direito a quem já pouco tem ou pouco sempre teve?

Um nojo! Uma vergonha! Ter a ousadia de cortar em salários de trezentos e tal euros e até de mil e tal euros por mês! Um nojo! Uma injustiça quando olhamos para “o outro país” que continua a arrotar à grande e à francesa!

E com o seu semblante e os seus tiques de quem “sabe-mais-que-tudo”, com aqueles trejeitos de quem pensa que para atrasados mentais está a falar, diz, do cimo do seu púlpito: «Uma sociedade que está permanentemente a endividar-se não pode crescer. Nós temos crescido à custa da poupança do exterior, mas ela tem um limite».

Pois tem, Dr. Passos Coelho, e esse limite é o fim da estupidez  e da falta de vergonha de certos políticos que, de tão entranhada, nem dela se dão conta, especialmente o senhor.

Nem dará, porque, salvo raras exceções, quando chegam ao poder, ou dele vivem ou nele logo se esquecem da verdadeira dimensão do seu existir: servir os outros, com espírito de entrega e de missão.

Enquanto a Política estiver subordinada às diretrizes da Finança e Banca mundial e enquanto servilmente se agir sem pensar no bem comum, continuaremos a destruir a harmonia entre povos e nações e a adiar, infelizmente, aquilo que ainda hoje continua por concretizar: a igualdade de todos. A igualdade verdadeira. Social mas também jurídica, política e económica.


No célebre 6 de Fevereiro deste ano, quando proferiu o seu célebre apelo aos portugueses para serem "mais exigentes", "menos complacentes" e "menos piegas" porque só assim, a seu ver, será possível ganhar credibilidade e criar condições para superar a crise, Passos Coelho perdeu o respeito pelos portugueses.

Pelos que sofrem. Doentes, sózinhos, sem medicação que já não conseguem pagar, sem uma refeição que os ajude a aguentar a quimioterapia, sem dinheiro para a renda ou hipoteca, que desmaiam nos hospitais porque não comem há dias, que não conseguem pagar às ambulâncias que os transportavam, que já não têm uma cama quente ou água ou luz…

Na Itália fascista de Mussolini, tal como no Portugal de Salazar, um dos princípios e lemas de culto era: “ Obedece porque deves obedecer.”

Calma aí, pessoal! Isto não pode continuar!

 Nazaré Oliveira

Faculdades para todos, mas quem paga?


AFP

A violenta manifestação estudantil de Londres, a 10 de novembro, nada tem de anódino, escreve o Dagens Nyheter. Porque a polémica sobre o aumento das propinas levanta a questão do financiamento da universidade para as massas.

As manifestações estudantis que rebentaram em Londres, a 10 de novembro, não tiveram a amplitude dos movimentos e dos protestos contra a guerra do Vietname, nos anos de 1960, nem a dos tumultos contra a “poll tax” do Governo de Thatcher, em 1990. Mas o facto de cerca de 50 mil pessoas terem descido à rua para protestarem contra o aumento das propinas do ensino universitário testemunha uma oposição crescente ao Governo liberal-conservador.

Infelizmente, as manifestações degeneraram quando um grupo de indivíduos recorreu à violência. Mas depois do regresso à calma, continua a existir um grande descontentamento contra o projeto de corte de fundos públicos destinados ao ensino superior e a compensação desta perca com um aumento drástico do preço das propinas pagas pelos estudantes.

A crise económica está diretamente relacionada com esta diminuição de fundos. Mas, de uma maneira mais geral, o conflito leva-nos a uma questão estrutural que atinge toda a Europa: quem deverá pagar o aumento da subida de nível dos estudos dos jovens?

Perto de metade dos jovens lança-se nos estudos superiores

Durante muito tempo, as “economias do bem-estar” contentavam-se com um número limitado de diplomados do ensino superior. A Suécia que, nos anos de 1950, era um dos países mais ricos do planeta, tinha um número relativamente baixo de licenciados e oferecia formações universitárias curtas.

Atualmente, em muitos países europeus, entre um terço e metade dos jovens lança-se nos estudos superiores. Primeiro, porque um número crescente de profissões exige diplomas universitários, depois, porque a democratização do acesso ao ensino superior é um objetivo desejável. O facto deste grande aumento de número de alunos nas universidades ter de ser pago pelo Estado também é julgado natural em muitos países europeus. Ora, ao contrário do que acontece nos Estados Unidos, onde a tendência para a universidade de massas começou no pós-guerra, estes países não encararam a possibilidade de transferirem o total ou parte dos custos dos estudos para os estudantes ou as suas famílias.

Assim, preservar a qualidade de um sistema em constante expansão custa muito caro. Em França, por exemplo, isto teve como resultado o seguinte fracionamento: o Estado sustenta generosamente um grupo de grandes escolas enquanto as universidades clássicas se degradam. O projeto de David Cameron tenta impor tem como objetivo reaproximar o sistema às leis do mercado. Enquanto os estudantes mais pobres têm direito a ajudas, os das classes médias têm a possibilidade de contrair um empréstimo cujo montante será proporcional ao seu rendimento futuro. Mas as propinas são dissuasoras e empurram as universidades para uma concorrência encarniçada para seduzir os estudantes.

A peste ou a cólera


Escolher entre o ensino superior financiado pelo Estado mas regressivo e um sistema baseado nas leis do mercado com propinas astronómicas é o mesmo que pedir a alguém que escolha entre a peste e a cólera. Neste sentido, o sistema sueco apresenta-se como um compromisso justo. O ensino superior é financiado pelo Estado, mas os recursos públicos recebidos pelas universidades dependem da sua capacidade de atrair os estudantes e – nos próximos anos – da obediência a certas exigências de qualidade. O inconveniente é que o sistema sueco sofre, ao mesmo tempo, das desvantagens da má gestão pública e da gestão baseada nas leis do mercado.

A caça aos estudantes é um risco que pode conduzir as universidades a proporem uma oferta de cursos sem saída, enquanto a gestão de qualidade feita pelo Estado abre a porta a um aumento do controlo político. Não existe uma solução fácil. Mas é importante manter o ideal de universidade como local de procura do saber, de liberdade de pensamento e de integridade intelectual. A verdadeira questão não é saber como utilizar melhor o ensino superior para reduzir o défice orçamental, mas como criar um mecanismo de financiamento sólido, capaz de garantir a independência da universidade.


Muito interessante este artigo que li aqui e, já agora, mais este


15 November 2010 Dagens Nyheter Stockholm

sábado, 31 de março de 2012

Marcelo Rebelo de Sousa e as Mulheres

"Jovem Mulher de Olhos Azuis" - Modigliani (1917)



Um destes domingos, no seu costumeiro programa na TVI, Marcelo Rebelo de Sousa falou do papel da mulher.

Ou, mais precisamente, das mudanças verificadas nesse papel nas últimas décadas.

Segundo Marcelo, a situação da mulher tem melhorado bastante. Hoje as mulheres são mais independentes, têm maior presença no mercado de trabalho, formam-se em maior número do que os homens nas universidades e são melhores alunas, ascendem com mais frequência a lugares de administração, etc., etc.

Tudo isto é verdade e tudo isto é estatístico. E, além disso, é politicamente correcto dizê-lo. Da direita à esquerda não há político que não faça hoje este discurso sobre as mulheres. Mas este fenómeno só teve aspectos positivos? Não há rosa que não tenha espinhos. Todas as medalhas têm um verso e um reverso.

A progressiva emancipação da mulher na sociedade ocidental, sendo naturalmente reconfortante para as mulheres, tem – como tudo – os seus custos. As mulheres casam hoje muito mais tarde do que há 20 ou 30 anos e têm menos filhos, a família perdeu estabilidade, os divórcios aumentaram em flecha, há muitas crianças a sofrer com a separação dos pais, há menos recém-nascidos amamentados nos primeiros meses, os bebés passam os dias longe de casa metidos em depósitos – as creches – onde apanham imensas doenças, etc.

Tudo isto aconteceu em simultâneo com o processo de emancipação das mulheres – o que leva muita gente a desejar que a História volte para trás. Só que isso não acontece. O tempo que passou é passado – não volta. E quando volta é sempre sob outra forma.

 Em duas gerações, a família mudou radicalmente. Quando eu era criança, a maior parte dos meus amigos tinha a mãe em casa. As mães eram domésticas, donas de casa, como se dizia, e asseguravam a gestão familiar. Quando os meus amigos chegavam da escola, a presença das mães em casa para os receber dava-lhes conforto e segurança.

A minha família era diferente – e, por isso, às vezes, eu invejava-os. O meu pai vivia no estrangeiro e a minha mãe era professora, pelo que eu não tinha em casa a mãe à espera. Mas tínhamos empregada (na altura dizia-se ‘criada’) que me assegurava a mim e aos meus irmãos a retaguarda. Abria-nos a porta quando voltámos das aulas, fazia-nos as refeições, ia às compras. E isso dava-nos algum equilíbrio. A casa funcionava o dia todo, nós sabíamos que lá havia sempre gente.

Esse mundo acabou. As casas das famílias da classe média estão hoje vazias durante todo o dia. Os miúdos acabam a escola e não podem ir para casa porque não há lá ninguém. Têm de ir para actividades extra-escolares, onde os pais – exaustos e sem paciência – os vão buscar ao fim do dia, esperando que os filhos não exijam muito deles.

É evidente que esta família não interessa a ninguém. O pai não tem pachorra para tratar da casa nem dos filhos – na família tradicional também não tinha –, pelo que a mãe acaba quase sempre por ter de acumular o trabalho no emprego com o trabalho em casa, sentindo-se uma escrava do lar e apetecendo-lhe, por vezes, bater com a porta. E este modelo de família também não interessa aos filhos, que passam o dia todo fora de casa e, quando vêem os pais à noite, estes já estão sem paciência para os aturar.

Conheci pessoalmente Maria Lamas, que foi uma das grandes referências da luta das mulheres portuguesas pela igualdade. Ela defendia intransigentemente os direitos do seu género. E no final da vida dizia amargamente que era uma violência as mulheres trabalharem fora de casa – porque continuavam a trabalhar o mesmo em casa, acabando por trabalhar o dobro.

As mulheres, segundo ela, eram ‘exploradas a dobrar’.

É verdade que, actualmente, os homens ajudam mais nas tarefas domésticas. Nem poderia ser de outra maneira. Mas, se não formos cínicos, temos de admitir que isso tem sido quase sempre mais um remendo do que uma solução. Nos primeiros tempos de casados alguns homens ajudam, mas com o passar do tempo regressa a divisão ancestral do trabalho doméstico – ou seja, a mulher a ocupar-se dos filhos e das tarefas caseiras tradicionais. E, quando isso não acontece – quando a mulher não aceita esse encargo –, o mais habitual é a separação do casal.

Quando as mulheres começam a olhar a vida em casa como uma escravatura, é natural que procurem alternativas fora da família. E elas agora existem. Antes, as mulheres casadas ficavam fechadas em casa e não conheciam ninguém. Mas hoje conhecem muita gente, privam no emprego com muitos homens, têm muitas oportunidades, têm mais independência financeira, têm termos de comparação em relação aos maridos – e, portanto, quando uma mulher começa a ver o marido como um chato, como um peso que não ajuda na lida da casa e a quem, ainda por cima, tem de lavar a roupa e fazer a comida, é fácil projectar os seus sonhos num companheiro de emprego.

E daí a tomá-lo como amante é um pequeno passo. A casa e o marido são o lado aborrecido da vida, o amante é uma fonte de prazer.

Partindo do princípio de que fora da família é fácil encontrar o prazer efémero mas muito difícil construir a felicidade, é então necessário procurar no Ocidente um novo equilíbrio da família.

Esta situação que agora se vive não é nada.

Não é bom as mulheres casarem mais tarde. Não é bom as mulheres terem cada vez menos filhos. Não é bom os bebés serem depositados em armazéns. Não é bom as crianças não terem ninguém em casa durante todo o dia e serem forçadas a andar de actividade em actividade para encher o tempo. Nada disto é bom.

É indispensável uma reequação da família que permita aos dois membros do casal (mulheres e homens) realizarem-se – mas que possibilite, também, que as mulheres tenham mais filhos (e os tenham mais cedo), que as crianças beneficiem de um maior apoio em casa, que os membros da família não andem cada um para seu lado.

Quando se fala no papel das mulheres na sociedade do futuro é preciso pensar nisto tudo. Não bastam juízos superficiais ou politicamente correctos. Enquanto não identificarmos bem os problemas nunca os solucionaremos.

Finalmente, é preciso pensar noutra coisa. A diminuição do ritmo de crescimento no Ocidente, que é irreversível porque a indústria e muitos serviços estão a transferir-se para outros lugares do Globo, vai levar a que nunca mais haja emprego para toda a gente.

É muito provável que, no futuro, em muitas famílias, só um dos membros do casal tenha emprego fixo fora de casa; o outro fará pequenos trabalhos por conta própria, deitará a mão a isto e àquilo, inventará negócios, mas não terá propriamente um emprego. E isso vai mudar muito o panorama das famílias.

A emancipação da mulher não é, pois, um tema do futuro – é já um tema do passado. A questão que hoje se coloca é saber como irá a sociedade ocidental resolver os problemas resultantes do ‘progresso’, de que a emancipação da mulher foi um dos aspectos marcantes.

No pressuposto de que, sem famílias equilibradas, será impossível construir sociedades estáveis.


26.Março.2012 - José António Saraiva - SOL

sexta-feira, 30 de março de 2012

Viva a República!



Quando relembro a 1ª República, relembro a luta e a força daqueles portugueses, homens e mulheres, que na madrugada de 4 de Outubro, animados pelo sonho de um país livre e justo, com coragem e abnegação, ousaram, heroicamente, tornar realidade a construção de um Portugal progressista e solidário.

Lutaram contra os privilégios e contra o obscurantismo, contra a oligarquia reinante e as desigualdades, a favor dos humilhados e dos que, pela voz silenciada pela fome, miséria e ignorância, eram reprimidos pelos horrores de uma governação que voltara costas à liberdade, igualdade e fraternidade.
A República realizava em 5 de Outubro de 1910 os grandes ideais que, afinal, não puderam ser cumpridos em 1820 com a Revolução Liberal.

Joaquim de Carvalho, citado por Jesus Pábon na sua obra A Revolução Portuguesa, tinha inclusive afirmado que “quanto às origens ideológicas o republicanismo português procede da fonte viva do liberalismo”, e mesmo A.H. de Oliveira Marques refere a República envolvida numa certa mística e carisma, uma vez que se pensava que bastaria proclamá-la para libertar o país de injustiças e males que o assolavam. Exemplifica com a história de um soldado, implicado na Revolta de 31 de Janeiro, que em tribunal diz “Eu, meu senhor, não sei o que é a República, mas não pode deixar de ser uma coisa santa, pois nunca na igreja senti um calafrio assim”.

De facto, a República e o 5 de Outubro acabaram por ser aquela força há tanto esperada de um povo e de uma gente amordaçada pela Monarquia, uma força interior e uma vontade capaz de lhe devolver a esperança e a dignidade, imparável na sua marcha heróica para a libertação.

E toda aquela gente lutou e confraternizou, como referiu José Relvas, quando diz que o espectáculo nas ruas de Lisboa era maravilhoso, e que aquele dia glorioso que amanhecera em Portugal com a Monarquia terminava com o estabelecimento da República. Mas, interessante é também verificar que ele próprio não deixa de pensar nas incertezas das lutas que naturalmente poderiam acontecer (e aconteceram), embora se mantivessem íntegras todas as ilusões que acompanham a gestação de uma causa generosa e bela, daquela beleza que, em rigor, só existe na obra irrealizada. 

Quando falo da 1ª República, falo de revolução, sonhos, coragem, ousadia, justiça, lutas e vitórias, heroicidade e bravura, orgulho e determinação, esforço e vontade, inteligência, responsabilidade e amor pátrio.

Não foi fácil o caminho nem se esperava que assim fosse a seguir à queda da Monarquia:
A entrada de Portugal na 1ª Guerra Mundial, sobretudo por causa do medo de se perderem as colónias em África, e todas as consequências desastrosas económico-financeiras daí resultantes, adiaram e interferiram fatalmente no caminho do progresso almejado, designadamente, as que levaram à contestação e crispação social, visível na alta dos preços, nos milhares de jovens soldados portugueses mortos nas trincheiras, na falta de bens essenciais, no aumento dos impostos, na frequente violência pública, repressão e insegurança que motivava cada vez mais a intervenção militar e a instauração de uma ditadura, tal o caos e anarquia que então surgia a todos os níveis e até na base de apoio da República, que, agora, também a acusava de incumprimentos, caso da classe média urbana e do operariado, divorciados que estavam, agora, de quem os cativara com promessas que, afinal, se mostravam impossíveis de conciliar e realizar.

Os anarquistas (os anarco-sindicalistas), a força mais importante e numerosa do operariado, dominava os sindicatos e, inevitavelmente, surge o confronto político, social, agressivo, não só nas manifestações como nas e práticas que, compreensívelmente, produzirão choques, não só na Assembleia, entre as diversas forças partidárias, como, também, na imprensa e nas revoltas de rua, espontâneas, muitas delas com recurso à luta armada, a ataques bombistas e assassinatos.

Era difícil, à República, apesar das melhorias que trouxera, sobretudo no âmbito da Educação e, em geral, em matéria legislativa, travar este descontentamento. Um descontentamento que punha frente-a-frente frustrações e medos de um e outro lado: “o pequeno burguês da cidade, bem pensante e de chapéu, convencido de que tinha feito uma revolução para o bem da Pátria”, e o “operário de boné e calças amarrotadas” que ameaça sistematicamente com greves e bombas.

3.000, possivelmente 4.000 a 5.000 portugueses, morreram em consequência de conflitos civis durante a 1ª República e milhares de outros ficaram feridos. Milhares de cidadãos monárquicos e republicanos foram presos e vários milhares foram deportados para as colónias africanas. Várias greves gerais foram reprimidas violentamente e a revolta de 14 de Maio de 1915, que se destinou a restabelecer a República (o Presidente Pimenta de Castro havia levado a cabo, quatro meses antes, um golpe de Estado "palaciano" para retirar o poder ao Partido Democrático), causara centenas de mortos e feridos.

Nem tudo correu bem, sobretudo o anticlericalismo particularmente obsessivo de Afonso Costa que ao considerar os sacerdotes "símbolos do obscurantismo e opositores ao uso da livre razão”, vai abrindo uma luta em duas frentes, cada vez mais agravada e demasido sensível num país como o Portugal de então: contra a Igreja como instituição e contra a classe operária organizada em sindicatos.
Atribuem-lhe, também a alcunha de racha-sindicalistas, instabilizando cada vez mais um país à beira de uma guerra civil, com greves e atentados bombistas, aos quais os (vários) governos vão respondendo com prisões e encerramento das sedes sindicais e jornais. Além disso, as ideias políticas do Integralismo Lusitano emergiam cada vez e, as forças tradicionais, monárquicas e católicas, vão igualmente reagir através de intentonas militares, chefiadas sobretudo por Paiva Couceiro, como as invasões do Norte de Portugal em 1911 e 1912.
As classes mais abastadas não confiavam na República e assiste-se a uma vasta fuga de capitais e, os 45 governos, 8 eleições gerais e 8 presidentes em quinze anos e oito meses, tornavam Portugal o país com o regime parlamentar mais problemático da Europa ocidental, com um Parlamento caótico, inoperante e um poder judicial claramente manipulado e comprometido com o poder executivo.

A irresponsabilidade e falta de sensibilidade política na tomada de decisões de muitos dirigentes republicanos torna ainda mais conflituoso o clima político-social, caso do  encerramento das sedes da União Operária Nacional, fundada em 1914 ou da Confederação da União Geral do Trabalho fundada em 1919, ambas de tendência anarquista, das suspensões de pessoas acusadas de apoiar a "monarquia do Norte" de 1919, como Salazar e o "grupo de Coimbra", acusados de apoiar a "monarquia do Norte" de 1919, e da libertação do assassino de Sidónio Pais durante a "noite sangrenta"( o promotor que deveria acusar os revolucionários de 1925 fez, ao invés, a sua defesa política,  e os réus foram todos absolvidos); as lutas políticas vão traduzir-se - entre muitos outros episódios - no assassinato do Presidente da República, Sidónio Pais, em Dezembro de 1918; nas greves de 1919 dos Caminhos-de-Ferro, que o Governo combateu obrigando a que o vagão que ia à cabeça das carruagens que circulavam fosse carregado de grevistas, guardados à vista por soldados armados, isto para evitar que estas sofressem atentados à bomba; na "noite sangrenta" de 19 de Outubro de 1921, em que vários dos fundadores da República foram fuzilados por soldados da Guarda Republicana e da Marinha, etc.

Estas e outras lutas políticas, o divisionismo, a desconfiança entre dirigentes republicanos (a “arena da República”) desacreditavam e fragilizavam cada vez mais o ideário republicano.

“Com uma direção corajosa e unida e umas bases disciplinadas, o PRP poderia ter sido capaz de lançar os fundamentos para as necessárias reformas, a fim de dar crédito ao sistema de partidos e desacreditar os extremistas da esquerda e da direita” mas, ao PRP ou àquilo que dele restava em 1926, faltaram esses requisitos que teriam proporcionado a tentativa de "metamorfosear o sistema político" do imobilismo, desbaratar os extremistas e impedir um golpe militar. Além disso, também a oposição não foi capaz de formar partidos estáveis que constituíssem uma alternativa ao PRP, pelo contrário, conspirou mais do que participou. Alguns deles em especial, mas não apenas partidos de direita, encorajaram a intervenção militar tendente a derrubar o PRP.

A insurreição armada tornou-se, assim, um substituto da procura de mudanças de governo por meios constitucionais.

Não se concretizaram todos os sonhos mas nem tudo foi decepção.

A Primeira República Portuguesa (1910-26) constituiu a primeira tentativa persistente de estabelecer e manter uma democracia parlamentar.

Lançou-se a semente do ideário republicano e é legítimo nunca esquecê-lo. Com a 1ª República começou a transformação das mentalidades num país espartilhado pela ruralidade e obscurantismo, controlado pelas oligarquias dominantes e esvaziado de consciência nacional e internacional.

Além disso, trouxe a necessidade e legitimidade de uma intervenção política e cívicas até então roubadas ao povo humilde e trabalhador, desencadeando a alegria da partilha e a vontade de caminhar em frente, com determinação e ousadia.
Procurou, como alguém disse em 1911, formar um povo moderno com uma mentalidade nova e aberta capaz de uma efectiva integração europeia assente no diálogo e cooperação entre países igualmente empenhados nos valores democráticos e, sobretudo, na defesa da justiça social.

Ninguém pode deixar de admirar e louvar, nesse sentido, o esforço legislativo da 1ª República especialmente em 1910-1911 e 1923-192525, com um programa de reformas notáveis no sector da Educação e na sociedade em geral, com clara preocupação pelos até aí mais desfavorecidos.

A 1ª República atribulada constituiu o prólogo do «Estado Novo», uma ditadura duradoura que, no momento do seu colapso, em 1974, representava o regime autoritário de mais longa persistência na Europa ocidental mas, desencadeou também, sem dúvida, uma explosão de energias que, embora tivessem levado a conflitos e tensões sem precedentes, deram igualmente lugar a uma mobilização ímpar da sociedade, fundamental para o processo geral de modernização e mudança.

Arrastou consigo todo um povo que via no movimento republicano o derrube dos monárquicos, do poder da Igreja, da corrupção, animando-o para a “causa sagrada da independência e da dignidade da pátria”, tal como fora dito pelo Directório do P.R.P. em 26 de Janeiro de 1908.
A 1ª República recuperou o orgulho nacional e mostrou que era possível e desejável aproximar os cidadãos da Política, humanizando-a, e mostrou que outro país era possível (e foi) apesar das dificuldades sentidas e vividas.

Infelizmente, nem sempre o QUERER é PODER e, a 26 de Maio de 1926, tombava o governo da 1ª República mas não os seus ideais.


A queda da Primeira República consumou-se entre 28 e 31 de Maio de 1926 pela mão do general Gomes da Costa que se revoltara em Braga no dia 28 e marchou para Lisboa com a adesão do exército.
O Governo demitiu-se a 30 de Maio e no dia seguinte o presidente da República, fazendo com que a (contra) revolução saísse vitoriosa.

Felizmente, reergueram-se os ideais republicanos no dia 25 de Abril de 1974, dia em que aquele QUERER, finalmente, PODER se tornava.

Reergueram-na, e nós não vamos deixá-la cair!  


Nazaré Oliveira