sábado, 3 de agosto de 2013

Zeca Afonso


Um concerto que uma despedida foi.
Memorável, único, emocionante, pela postura e força demonstradas por Zeca Afonso, pelas palavras ditas e pelas que, não sendo ditas se adivinhavam de despedida, dor, particularmente quando, neste tema que aqui publico, refere "que eu não volto a cantar".
Ainda hoje me perturba profundamente este momento.
Permanecerá, para sempre, este lutador, este homem que da música e do canto armas fez para combater o fascismo em Portugal.
Permanecerá, para sempre!





 

sexta-feira, 2 de agosto de 2013

Pouca vergonha (versão Miguel Relvas)

 
 



Continua o descalabro financeiro, social, político e, como vemos, também cultural e moral! VERGONHOSO!

Acabada de ler a notícia que nos dá conta que Miguel Relvas vai assumir o cargo de Alto-comissário da Casa Olímpica da Língua Portuguesa, criada no Brasil, fica-me a revolta, a revolta e o vómito que a falta de vergonha e a falta de Ética e de Moral deste governo me causam.

Colocar um homem que provocou o que nós tão bem sabemos e pelas razões que tão bem soubemos, neste lugar, para estas funções, é insultar os portugueses, a sua cultura, a Língua Portuguesa e até a nossa História, uma vez que, tal como se atreveram a dizer, “a ideia deste projecto é tornar a língua portuguesa uma das línguas de trabalho do Comité Olímpico Internacional que vigorará até ao final dos Jogos Olímpicos de 2016”. Vergonhoso!

Já não chegavam os casos de corrupção passiva e ativa que nos chegam e a morosidade cúmplice da Justiça cega, surda e muda que redige e aprova leis ao ritmo dos interesses corporativos e político-partidários, designadamente os atuais interesses eleitoralistas autárquicos, com tristes mas célebres candidatos cujo apego à cadeira do poder os leva a concorrer até a outras câmaras do país, ou até os que, vergonhosa e para sempre cadastrados como nocivos e potencialmente perigosos para a gestão do bem comum sorriem para as fotos de jornais e câmaras de TV, impunemente, branqueando a sua imagem continuamente apadrinhada pelo resistente e multifacetado caciquismo tradicional, como se nós é que fossemos (e muitos de nós são!) uma cambada de bananas que tudo aceita e a nada ou quase nada se opõe!

Mas a oposição, a demonstração da nossa oposição, deve ser rápida, firme, inequívoca.

Não pactuar com este tipo de situações, enfrentá-las e condená-las na rua, em manifestações, em ações de protesto, nas redes sociais, num artigo que se escreve, num comentário que se faz a uma notícia, num “like” ou “deslike”, num partilhar apressado que alerte consciências ou as crie, desesperadamente à procura de um caminho que não faça ruir de vez a democracia nem as conquistas de Abril ameaçadas.

Não sejamos cúmplices da desgraça muito menos da pouca-vergonha, venha ela de onde vier ou em que termos vier, mesmo que, como é o caso, se chegue ao cúmulo de se afirmar que "Como condições prévias, exijo fazê-lo a título não oneroso (…)”!

Ao ponto que se chega! Ao ponto que estamos a deixar que esta gente chegue!

Este indivíduo, que envergonhou o nosso país pelas razões que sabemos, que fez o que fez e como o fez, continua a envergonhar-nos e é publicitado, agora, no âmbito cultural e até cívico!

Vai divulgar a cultura dos países de língua portuguesa "promovendo para isso eventos culturais, encontros, exposições, seminários, palestras, fóruns, mostras, colóquios, vivências, festas e celebrações", reforçando o papel destes países no quadro das relações desportivas internacionais e do olimpismo em geral? Ele? Com que Moral? Porquê ele? Quem o promoveu, outra vez, ao arrepio das mais elementares regras da decência e da transparência?

É por causa de gente como esta, de atores e farsantes como este e de toda a comandita parasitária que os apoia e deles benefícios e mordomias recolhe, de governos como este e de políticos e instituições que os apadrinham, que cada vez mais pessoas se afastam da Política e desacreditam, até, os bons políticos que, felizmente, ainda vai havendo!

Felizmente, apesar da dura batalha que travamos para defender a democracia ameaçada, quer pela boçalidade e perigosidade dos cada vez mais ricos quer pela arrogância e mediocridade dos cada vez mais estúpidos.
 
 
Nazaré Oliveira

quinta-feira, 1 de agosto de 2013

Calinadas nos exames nacionais!




Ricardo Reis, heterónimo de Fernando Pessoa, passava a roupa a ferro e havia uma corrente artística chamada ‘pintelhismo’.
Estes foram os dois erros mais dramáticos dos exames nacionais deste ano. Nos testes ou nas aulas, os disparates são muitos: há quem tenha dito que Lenine e Stalone eram líderes comunistas e que Salazar foi um rei.
 

“ (...) E assim, Lídia, à lareira, como estando/deuses lares, ali na eternidade/Como quem compõe roupas/O outrora componhamos/Nesse desassossego que o descanso/Nos traz às vidas quando só pensamos/Naquilo que já fomos/E há só noite lá fora”.
O poema de Ricardo Reis, impresso no enunciado do exame nacional de Português do 12.ºano, fez a vida negra aos estudantes; foi-lhes pedido para explicitarem os valores simbólicos do espaço e do tempo em que ocorrem as recordações do passado, mas alguns dos alunos, em vez de se referirem à lareira como símbolo de tranquilidade e de segurança e à noite como tempo de eleição em Ricardo Reis para representar a velhice e a aproximação da morte, preferiram explorar uma interpretação mais livre.

Alguns responderam que Ricardo Reis “pôs-se à lareira porque tinha vindo do trabalho e estava cansado”. Outros optaram por argumentar que o heterónimo de Fernando Pessoa “esteve a compor a roupa” e foi para a lareira para “descansar das lides domésticas”. Houve quem dissesse que “tinha acabado de passar a ferro”.

E ainda: “O tempo em que ocorreram as recordações estava mau e por isso ele foi para a lareira”.

A má prestação generalizada nesta resposta, que valia quatro pontos e meio, contribuiu para que a média do exame de Português igualasse o pior resultado de sempre: 8,9 valores.
 
“Acho que as provas tinham duas ou três perguntas dúbias, que davam azo a respostas disparatadas. Essa, por exemplo, requeria um conhecimento simbólico que muitos dos alunos não possuem”, diz Ediviges Ferreira, da Associação de Professores de Português. A docente constata, porém, que apesar de as avaliações nos exames serem mais baixas, os estudantes não cometem tantas calinadas como no período de aulas. “Num teste já li que o sermão do Padre António Vieira não era actual porque hoje os peixes vivem em aquários e, durante a exibição do filme do Frei Luís de Sousa, quando o romeiro fala do Dia do Juízo Final, chegaram a perguntaram-me a que dia da semana calhava esse Dia do Juízo”, conta.

Mas nem só a língua portuguesa foi maltratada nos exames nacionais. A média de 12 das 19 disciplinas do secundário que contemplam exames nacionais foi negativa. O resultado da prova de Matemática foi o pior dos últimas sete anos: média de 8,2 com uma taxa de reprovações de 20%.

Já num exame do ensino profissional, na cadeira de História da Cultura e das Artes, um estudante, questionado sobre o papel das universidades na Idade Média, disse servirem para “conviver e socializar”. Outro, numa tirada para maiores de 18, confundiu a corrente artística do “pontilhismo” com “pintelhismo”.

Contudo, foi nas disciplinas científicas que se registaram os resultados mais fracos.
Física e Química A, com uma média de 7,8, continua a ser o exame mais aziago no universo do ensino secundário. Carlos Caldeira, da Sociedade Portuguesa de Física, diz que a cadeira é extremamente exigente, pois condensa a matéria das ciências experimentais com conhecimentos de cálculo matemático e de português. “No exame deste ano, muitos alunos falharam numa questão que lhes pedia para explicar a taxa de transferência de energia de uma cafeteira de água quente para o meio ambiente. Muitos deles sabiam a resposta mas careciam de capacidade argumentativa para invocar e desenvolver as leis, baseando-se em demasia no senso-comum”.

Irene Mota, professora de Física em Lisboa, não esquece o teste em que um aluno, a quem foi pedido para escrever sobre a gravidade lunar, respondeu: “Na Lua não há gravidade, mas sim ‘lunidade’”.

A maior sumidade na recolha dos disparates dos estudantes portugueses é Luís Mascarenhas Gaivão, 64 anos, que compilou em três livros – História de Portugal em Disparates, Nova e Inédita História de Portugal em Disparates e História Desatinada de Portugal – as alarvidades redigidas pelos seus pupilos durante os seus 26 anos de carreira.

“Há gafes que são muito frequentes. Uma delas está relacionada com o poder dos media e com o que os miúdos ouvem a toda a hora.
Se hoje perguntasse num exame quem é Jesus, muitos responderiam que é treinador do Benfica”, diz Gaivão. “No início dos anos 80, o treinador do Benfica era o Lajos Baróti e cheguei a ler respostas como ‘Portugal expulsou os espanhóis na Batalha de Lajos Baróti’, quando queriam dizer ‘batalha de Aljubarrota’”. “Também era conhecida como Batalha de Alves Barrota”, conta o professor.

Gaivão leu as coisas mais inacreditáveis; que os maiores monumentos manuelinos são “a Sé da Catedral, o Mosteiro do São Jerónimo e a Janela do Ventre do Cristo”, que “Marcello Caetano foi o Rei que sucedeu ao Rei Salazar” e que Humberto Delgado “foi o soldado português que se revoltou contra a República”. A este último, ouviu chamarem-lhe tudo: Alberto Delgado, Humberto Delegado e até Humberto Coelho. Tal como Zeca Afonso, que um rapaz chamou de “Seca Afonso” ou Otelo Saraiva de Carvalho, apelidado de “Otovelo” e “Hotelo”.

“A História é uma das disciplinas mais propícias às respostas disparatadas”, diz Gaivão. “Há uma grande confusão de tempos históricos, há muita dificuldade na análise do tempo recuado e muita tentativa de memorização sem compreensão dos factos”.

O professor levou centenas de vezes as mãos à cabeça, mas também se lembra de algumas gargalhadas. Leu que os primeiros colonizadores dos Açores tinham sido os “flamingos” e os “almaricanos” e que a Cabo Verde chegaram os “finlandésios”, que a União Nacional “era o livro do Salazar com as ideias dele” e que a PIDE “prendia os que estavam contra o Estado Novo e triturava-os”.
Mas a lista de imprecisões históricas é muito extensa. Dos quatro professores desta disciplina com que o SOL falou, todos tinham memória de disparates épicos: “Os escravos dos romanos eram fabricados em África, mas não eram de boa qualidade”; “Ao princípio os índios eram muito atrasados mas com o tempo foram-se sifilizando”; “Os utensílios usados no neolítico eram tachos e panelas”; “Os antigos egípcios desenvolveram a arte funerária para que os mortos vivessem melhor”; “Na II guerra mundial toda a Europa foi vítima de barbie (barbárie)” ou “Lenini e Stalone eram comunistas na Rússia”.
Estela Gaspar, professora de Lisboa, jamais esquecerá a resposta de uma aluna à pergunta: “Qual o ideal do homem do Renascimento?”. “O homem ideal do Renascimento é o João, do 10.ºA, porque renasceu para mim”.

Também em Geografia se cometem erros crassos. Este ano a média desceu de uma fasquia positiva (10,3) para a zona de chumbo (9,4). “O principal problema é não haver hábitos de leitura. Há alunos inteligentes que sabem a matéria mas perdem tudo por não terem capacidade de escrita”, diz Emília Lemos, presidente da Associação de Professores de Geografia. “Têm mais dificuldade com conceitos abstractos. Confundem o aquecimento global com o buraco do ozono. E as matérias em que erram mais são o estado do tempo e a circulação geral da atmosfera e a Política Agrícola Comum”. No entanto, há gafes em temas mais simples.
Emília Lemos já leu num teste que “os climas temperados não têm continentes a sul do Equador”. E, no passado, outros professores de Geografia embasbacaram-se com frases como: “A Latitude é um circo que passa por o Equador, dos zero aos 90º” e “o caudal de um rio, é quando um rio vai andando e deixa um bocadinho para trás”.
No ano passado, uma aluna da região norte do país teimou durante uma apresentação que Miami ficava na Alemanha.

Em alguns fóruns dedicados ao ensino, também há registos das respostas mais estapafúrdias nas matérias ligadas à Biologia e às Ciências Naturais. Frases como: “A Terra vira-se nela mesmo e a esse difícil movimento chama-se arrotação”, “as aves têm um dente na boca que se chama bico” ou “O coração é o único órgão que funciona 24 horas por dia”.

Mais do que as bacoradas, que a generalidade dos docentes atribui a lacunas de concentração, nervosismo, falta de bases de estudo e leitura e enunciados dúbios, os professores mostram-se preocupados com problemas mais estruturais, como a actualidade do sistema de ensino ou os erros derivados das transformações sociais.
 
Emília Lemos, por exemplo, considera que as empresas já não procuram as mesmas valências que as escolas privilegiam: “A nova geração está habituada a uma sociedade em que tudo se faz a uma grande velocidade e às consolas, em que se passa de nível num instante, num processo completamente diferente do da acumulação de saber, que é lento. Temos um sistema de ensino Fordista. Já não faz sentido ter os alunos sentados a ouvir o professor até às 17h. Isso já era!”, diz.
Por sua vez, Paulo Guinote, professor de Português e autor do blogue A Educação do Meu Umbigo, constata a emergência de alguns erros derivados das novas tecnologias da informação: “Em pequenos exercícios de produção escrita, como seja o pedido para escrever um convite ou uma pequena carta, foi-se tornando comum a escrita típica dos sms ou das mensagens de chat, incluindo abreviaturas como pk (porque), ou termos de origem inglesa, mais ou menos adulterados, como luv (love-amor)”.
 
 
31 de Julho, 2013, Tiago Carrasco
 

 

domingo, 28 de julho de 2013

"Democracia está em perigo"





O antigo Presidente da República Mário Soares considera que a "democracia está em baixa", porque as pessoas tem "muito medo", mas, adverte, o desespero é tal que aqueles que têm fome podem zangar-se.

Em entrevista ao jornal "Público", o histórico socialista afirma que os portugueses não reagem com veemência às dificuldades que estão a atravessar porque "há muito medo na sociedade portuguesa".

"É por isso que a democracia está em baixa, porque não havia medo e hoje há muito medo. As pessoas têm de pensar duas vezes quando têm filhos. Mas é uma coisa que pode levar a atos de violência", adverte. Mário Soares ressalva que é uma situação que não quer que suceda. No entanto, "pode acontecer, porque o desespero é tal que aqueles que têm fome podem zangar-se".

Fazendo um paralelismo sobre a reação dos portugueses às dificuldades que atravessam e o que se passa no Brasil, afirma que "no Brasil vieram para a rua de forma pacífica porque acham que há muita corrupção. Aqui, em Portugal, não há corrupção a rodos, porque a justiça não funciona. Ou por outra, a justiça só funciona para os pobres".

"Democracia está em perigo"

"Aos que roubam milhares de contos ao Estado, em bancos e fora de bancos, não lhes acontece nada", critica. Mário Soares receia que a seguir à crise política possa "vir uma revolução": "Eu esperaria que fosse pacífica, mas pode não ser". Pode também seguir-se uma ditadura, o que "era ainda pior", sublinha.

O antigo presidente considera que não existe uma relação entre o país e o Governo, que "ignora o povo", e que a "democracia está em perigo". "Neste momento, somos uma pseudodemocracia, porque a democracia precisa de ter gente que resolva os problemas", diz, questionando: "Quando o Presidente da República não é capaz de resolver nada a não ser estar de acordo com o Governo, e o Governo não faz nada porque não tem nada para fazer, nem sabe o que há-de fazer, o que é que se passa?"

Sobre o que faz a oposição, Mário Soares afirma: "protesta". "Eu não tenho nenhuma responsabilidade política, nem quero ter, mas penso, leio, escrevo e estou indignado, claro, porque estão a destruir o país", sublinha.

Críticas a Durão Barroso

Questionado pelo Público sobre se o Banco Central Europeu devia estar a emitir moeda, Mário Soares foi perentório: "pois claro". Não admite a saída do euro, frisando que é a "favor do euro e da União Europeia, embora não aceite que a chanceler Merkel seja uma pessoa não solidária com os outros países, é contra o espírito da União Europeia.

Relativamente ao presidente da Comissão Europeia, José Manuel Durão Barroso, Mário Soares acusa-o de ser "um camaleão", considerando que Portugal não ganhou nada em tê-lo naquele cargo. "Foi só desprestigiante para Portugal. Nunca achei que ele podia ser bom. Avisei sempre, escrevi que era um grande erro. Diziam que era português, mas na Europa não há portugueses, nem de qualquer outro país, há europeus", comenta.

Mário Soares diz ainda que Durão Barroso "não pode" chegar ao cargo de secretário-geral da ONU, "depois de tudo o que disseram dele, a senhora Merkel, os franceses e tantos europeus". "Futuro político acho que não tem", remata.

Não há Justiça




Li, há pouco, este artigo.

É verdade, sim.
"Após ter semidestruído Portugal economicamente, socialmente, familiarmente, psicologicamente, com total impunidade e arrogância, Vítor Gaspar deixa, ao escapar-se, apontado um tiro de misericórdia aos idosos (e não só) ".

Falta só dizer que os ricos continuam ricos! E que lhe agradecem por tal.

De que é que este país está a precisar? De mudança. De políticos e de políticas. De uma revolução.

Uma revolução que reponha verdadeiramente aquilo pelo qual os nossos pais e avós lutaram e pelo qual lutei e continuarei a lutar: justiça!

Tanto comentador, tanto especialista a opinar sobre tudo e mais alguma coisa, tanto político com politiquices, tantas promessas por cumprir, tanta desgraça social, tanto roubo institucionalizado, tanta corrupção, tanto rico cada vez mais rico, tanta gente com fome, tanta gente endividada, tanta pobreza, tanta arrogância de uma minoria cada vez mais colada às elites governamentais, tanta humilhação dos mais fracos, dos mais vulneráveis, tanta calma aparente e tanto desespero já mal contido!
Eu queria ouvir a voz do povo porque a voz do povo é a voz da razão.
Eu queria ouvir a voz do povo porque é o povo que sofre, que chora a miséria e a penúria, o abandono e a indiferença.
Eu queria ouvir a voz do povo porque foi o povo o atraiçoado, o enganado e o ofendido.
Eu queria ouvir a voz do povo como “naquela manhã límpida e clara”, prenhe de esperança mas fortesna luta e no combate que afinal não terminou.

Completamente alheados da vida nacional cuja democracia em perigo colocaram, além da destruição do Estado Social assistimos cada vez mais à subserviência abjeta de um governo que não se inibe de matar o seu povo, lentamente, a troco desse servilismo hediondo que para o abismo, abruptamente, sem dó nem piedade, arrastou milhares e milhares de pessoas que do seu trabalho viviam, sem grandezas e sem mordomias.

Pedem-se sacrifícios aos sacrificados de sempre mas, quem lhos pede e exige, sacrifícios não fez nem fará. Porquê?
Por que razão continuamos a assistir a tudo isto?

Porque não há Justiça.
Singram as impunidades, a corrupção, as amnistias, a falta de Ética e de Moral.
Enoja-me este fazer de conta que não se está a ver aquilo que claramente visto é.


Nazaré Oliveira

Movimentos de protesto e esperança



 


 

Este é um artigo que pretende desmontar ideias feitas sobre os movimentos de protesto e esperança que nos acompanham há três anos.

O pretexto é duplo. Por um lado, os acontecimentos na Turquia e no Brasil e, por outro, um artigo de Moisés Naim no El País intitulado “Turquía, Brasil y sus protestas: seis sorpresas” a quem agradeço o desafio intelectual das perguntas feitas e a possibilidade de discordar das suas respostas.

A minha discordância com Naim resulta do facto de ele sugerir que há surpresas nestes acontecimentos e eu entender que não as há.

Há sim cegueiras analíticas no poder político e na cobertura jornalística face ao descontentamento - algo normal num mundo em radical mudança de paradigma como aquele em que estamos viver nesta década.

Optei por rebater ponto por ponto as seis surpresas apontadas por Naim, questionando-as e dando respostas que procuram mostrar um outro olhar sobre os acontecimentos na esperança de nos afastar do senso comum e das ideias feitas que parecem imperar em muitos meios de comunicação de massa e também em posts e tweets que circulam na rede.

1. Terão os protestos origem em pequenos incidentes que se tornam grandes?

Na realidade não se trata de pequenos incidentes que se tornam grandes. É o sentimento claro de injustiça que está na origem dos protestos. Pode parecer à primeira vista que não o é, pois tentamos dar sentido à diversidade contida nos protestos e é mais fácil, mas menos exacto, assumir que se parte do pequeno para o grande protesto.

Aquilo a que assistimos nas avenidas do Brasil (e que já antes vimos em praças de muitos países) resulta do somatório de múltiplas vozes que tomam o espaço público da cidade - mas já antes estavam presentes nas conversas de café ou em família.

O que ocorre é que o elemento mobilizador é normalmente percebido como pequeno, mas é pequeno apenas porque na realidade é a gota de água que faz transbordar o copo do descontentamento.

Quando muitas gotas de água se juntam altera-se a percepção individual, a injustiça passa a ser sentida e partilhada em conjunto e o resultado é que os indivíduos tomam consciência de que estão a fazer parte de um movimento de protesto.

O que junta então as pessoas? Primeiro, um pequeno grupo de pessoas altamente mobilizadas perante uma causa e depois o mimetismo da acção.

Um mimetismo associado à mera cobertura do evento pelos meios de comunicação de massa que possibilitam que surja na mente de muitos a pergunta "e se eu me juntasse a eles? Não será já hora de sermos ouvidos?".

Quando a TV e a Rádio não fazem o seu papel, ou são percebidas como controladas pelo poder, são as redes sociais, via Twitter e Facebook, que fazem o passa palavra necessário para quebrar o receio e induzir a confiança baseada no número – “nós já aqui estamos, vem ter connosco à praça!”.

Não há nada de surpreendente em as pessoas quererem mais justiça e dizerem publicamente na rua aquilo que vêm dizendo em maioria absoluta nos inquéritos de opinião.

Desde há uma década que, em países em desenvolvimento ou desenvolvidos, os inquéritos realizados por sociólogos, por institutos estatísticos ou por empresas de sondagens mostram que a desconfiança nos partidos e nos políticos é galopante – “não acreditamos nestas políticas e nestes políticos” é a afirmação comum aos diferentes estudos.

Algo que está anunciado globalmente há mais de uma década não constitui uma novidade, mas as instituições e os actores políticos têm preferido manter-se em negação acreditando que o descontentamento passa - um erro crasso, como podemos hoje percepcionar pelo que assistimos.

2. Será que os governos reagem mal perante os protestos?

Não podemos generalizar quanto à reacção dos governos. É verdade que todos se sentem mal com a crítica e o desafio ao seu poder. É verdade que podemos agrupar os governos em termos de democracias e não democracias. É também verdade que quase todos, através de um qualquer nível de governo, acabam por colocar a polícia na rua. Mas também é verdade que as polícias não reagem sempre do mesmo modo e se há confronto e provocação em muitas situações, também há respeito mútuo e distância pacífica em muitas outras – aliás, o confronto desencadeado por poucos é a excepção que confirma a regra pacífica dos movimentos.

Provavelmente, o principal problema dos governos é a incapacidade comunicativa. Marcelo Branco, activista e analista social brasileiro, captou bem esse fenómeno quando afirmou que o Governo brasileiro não sabia comunicar nas redes sociais. E eu adicionaria que os governos não sabem nem comunicar nas redes sociais nem comunicar em rede - a subjectividade (isto é, o olhar sobre a realidade) dos governos está moldado pela comunicação de massa.

É muito difícil para qualquer governo assumir que governa mas perdeu a capacidade de falar com muitos dos seus cidadãos, porque deixou de conseguir pensar como eles e, consequentemente, não sabe comunicar em rede. A maioria dos governos contemporâneos ainda não compreendeu que vive na era em que "A mensagem são as pessoas" e já não naquela em que “A mensagem são as políticas”.

3. Será que os protestos não têm nem líderes nem cadeias de comando?

Quem olha para os protestos a partir do olhar das lutas de classe ou da oposição de interesses entre sindicatos e associações patronais vê protestos sem líderes e sem cadeias de comando. Logo, ou os descarta como protestos sem interesse ou, quando se vê empurrado para ter de lidar com eles, busca caras e nomes na tentativa de recuperar o modelo que lhe dá segurança, por ser aquele com que sabe lidar.

Essa lógica não é apenas aquela em que está imbuído o poder político, é também a do jornalismo tradicional na sua busca de rostos e pertenças ideológicas ou associativas.

Quem está na rua não representa ninguém excepto a si próprio - que é o belo ideal de pensamento e acção na base da democracia.

O que se pede ao jornalismo e aos que gerem instituições de poder hierárquicas é que sejam capazes de interpretar as críticas e as perguntas feitas nas ruas e, aos governantes no poder, que as traduzam em propostas e políticas de acção.
A quem está nos gabinetes das prefeituras, dos governos estaduais, das câmaras municipais ou nos governos nacionais ou federais cabe olhar para os que se representam a si próprios nas praças e saber ouvir.

É claro que o problema reside no facto de nesses gabinetes raras vezes se compreender a sociedade em rede, o seu funcionamento e que a autonomia do sujeito é a matriz de intervenção e de vivência da maior parte daqueles que tomam as ruas para protestar - e não se tem de ter um telemóvel com ligação à Internet para o fazer e pensar diferente.

O que assistimos é a um conflito cultural em que quem governa não compreende quem protesta e em que quem protesta espera que quem o representa tenha a mesma percepção cultural da realidade - algo que nada tem a ver com esquerda nem direita, mas sim, por um lado, com a busca do uso da autonomia pelos actores individuais e, por outro, com a tentativa de manter o controlo da acção por parte do poder político.

4. Não há com quem negociar nem quem encarcerar nestes protestos?

Há de certeza quem encarcerar, como se nota pelas imagens e descrições com que somos brindados a partir do teatro da acção nas ruas e praças. Já quanto a não haver com quem negociar essa é a pergunta errada, pois o que se deveria perguntar é o que é negociar na sociedade em rede?

Se entendermos a negociação como pessoas que se sentam à mesa para expor reivindicações e tentar atingir um ponto de entendimento, temos de assumir que os movimentos de protesto são na sua estrutura o oposto desse modelo.

Há de facto plataformas organizadas que podem negociar questões claramente identificadas, sejam elas o travar a destruição de um parque ou o aumento do preço dos transportes. Mas essa é apenas uma das partes do movimento e sempre minoritária. Sendo essa uma das características deste movimento, negociar implica também os poderes interpretarem as queixas dos milhões que autonomamente se representam a si mesmos.

Ou seja, implica compreender que o poder tem de agir politicamente tal como quando usamos um motor de busca na Internet. Perante uma questão posta na rua, cabe ao poder encontrar a resposta certa para essa questão. Ou seja, o poder político tem de interpretar, dar sentido ao que ouve e vê e apresentar possíveis listagens de resposta - entre essas possíveis respostas estarão as que servem as diferentes questões colocadas e a vontade das pessoas que as fizeram.

Neste modelo de negociação não há lugar à reunião à volta da mesa, pois a negociação só termina quando a potencial resposta à crítica se transforma em política e acção governativa concreta - entretanto, os governos têm de ser menos opacos e mostrar que estão a fazer algo no sentido que lhes é solicitado, pois só assim se cria confiança.

Na sociedade em rede não são só as sondagens que são permanentes no escrutínio das opiniões dos cidadãos sobre o que pensam sobre dado assunto e dado actor politico. São também os protestos e reivindicações que são permanentes e que necessitam de ser pensadas e trabalhadas por parte do poder do mesmo modo que permanentemente estão a inquirir a opinião pública - a comunicação é em rede, já não flui num só sentido.

É claro que tal não se coaduna com a lentidão dos gabinetes, dos parlamentos ou senados, mas se há tantos a criticar essa lentidão e aparente ineficácia (quando não acção dolosa para impedir a resolução dos problemas) talvez valha pena os governos questionarem-se sobre se a negociação não passa também pela mudança estrutural do entendimento sobre o que é negociar e governar na sociedade em rede.

5. É impossível prognosticar as consequências dos protestos?

Não é impossível, pois todos nós, os que estudamos estes fenómenos, temos vindo a analisar que na sociedade em rede a máxima de que “onde há injustiça percebida há revolta” tem outras nuances e conotações quando à sua forma, o seu desencadeamento e a sua acção.

Sabemos que no contexto de abundância de informação e comunicação, a noção de injustiça está muito mais latente e é partilhada por muitos mais - mesmo que não seja experimentada na primeira pessoa, há a percepção de solidariedade face a algo que é percebido como errado.

Sabemos também que há sempre sinais fracos que antecedem os eventos e, em todas as situações até agora vividas, os mesmos foram perceptíveis para muitos dos que estudam movimentos sociais, só que políticos e governantes decidiram desvalorizar a probabilidade de os mesmos ocorrerem.

Quando hoje estudamos movimentos sociais sabemos que mal um sinal fraco de protesto é visível, deve ser percebido como potencialmente mobilizador. Sabemos que a probabilidade de se transformar em protesto efectivo é hoje muito maior. É uma forma diferente de lidar com a antecipação, mas também ela é produto da nossa sociedade em mudança.

No entanto, é verdade que os governos lidam mal com a leitura de sinais fracos, preferem quase sempre acreditar mais que estão certos do que assumir que podem estar errados e dar o benefício da dúvida aos cidadãos.

Quanto ao prognóstico sobre para onde nos levam os protestos, a prática diz-nos que há vários padrões.

Nos regimes democráticos, os partidos dos governos perdem sempre algo - esse algo vai da queda em sondagens à perda de eleições, dependendo da confluência do momento do protesto com o ciclo eleitoral.

As oposições tendem sempre a ganhar menos do que o que é perdido por quem está no poder e, por sua vez, muitos cidadãos retiram-se da participação eleitoral para a busca individual de soluções em rede com outros que partilham o mesmo problema ou visão - ou então colocam-se à espera de que a mudança se torne mais visível no seio da política tradicional e que nos aproximemos de uma democracia mais próxima do nosso tempo.

Nos regimes não democráticos ou demo-autoritários o resultado é o desgaste lento até à implosão violenta (ou não) e a chegada de novos actores governativos - mas sem certeza de mudança radical do que se buscava no protesto.

No cômputo geral, para os cidadãos há sempre um ganho, algo muda, algo é atendido. Mesmo que no processo algo que se dava por adquirido seja colocado em causa, percebe-se que o actor individual pode ter autonomia, que pode influenciar o rumo de algo e essa é uma dimensão iminentemente gratificante para o ser humano - uma vez experimentado o poder de contar para algo, o ser capaz de influenciar a prática passa também a moldar a nossa identidade.

6. Será verdade que a prosperidade não compra estabilidade?

A relação entre estabilidade e prosperidade não é causal. Ou seja, não se trata de quanto mais prosperidade mais reivindicação e, consequentemente, como os poderes não podem responder tão rápido quanto o desejado, daí resultar incompreensão entre eleitores e eleitos, o que, por sua vez, provoca protestos e quebras de estabilidade.

A relação é muito menos causal e muito mais assente na generalização de um menor grau de tolerância dos indivíduos face quer às assimetrias de poderes, que limitam a autonomia individual, quer quanto à desigualdade de rendimentos que alimenta as injustiças.

O que se passa, mas que escapa a muitos que não estejam directa ou indirectamente envolvidos na acção de rua ou empatia com os movimentos a partir de casa, é que aqueles que estão em protesto estão efectivamente em ruptura com as normas e instituições que temos. E estão-no, porque efectivamente estão a olhar o mundo de forma diferente e a dizer "estamos a afundar-nos, já todos vocês o viram, mas nós não iremos junto convosco, iremos lutar por algo diferente!".

Pela sua acção, pelo dizerem basta, estão também a mudar a nossa forma de pensar e a tornar-nos menos tolerantes e mais exigentes para com o (mau) funcionamento da democracia e para com os que não sabem governar em rede com os seus cidadãos.

É claro que o poder, seja ele de direita ou esquerda, não convive facilmente com a crítica mas tem de aprender rapidamente o que é a crítica em rede e é isso que lhe está a ser dito há três anos nas praças e avenidas por quem se junta pelas redes sociais, formando redes sociais nas ruas.

Não há surpresas nos protestos, há é cegueiras políticas e acima de tudo uma incapacidade comunicativa entre o poder e os cidadãos, porque estão a viver mundos diferentes.

Da Turquia ao Brasil (e outros) vivemos o nosso descontentamento com o que temos, mas estamos a demonstrar – a quem souber ouvir – que o mundo muda quando queremos que mude.

Para mudar não é preciso ter um programa de governo, basta saber o que é injusto. As medidas e os programas surgirão da experimentação. Pois, nem sempre é preciso saber que caminho seguir, basta saber para onde se quer ir.

 

 

Gustavo Cardoso é Directeur D’études Assossiés na Maison des Sciences de L’Homme e docente do ISCTE-IUL