O antigo Presidente da República Mário Soares considera que
a "democracia está em baixa", porque as pessoas tem "muito
medo", mas, adverte, o desespero é tal que aqueles que têm fome podem
zangar-se.
Em entrevista ao jornal "Público", o histórico socialista
afirma que os portugueses não reagem com veemência às dificuldades que estão a
atravessar porque "há muito medo na sociedade portuguesa".
"É por isso que a democracia está em baixa, porque não
havia medo e hoje há muito medo. As pessoas têm de pensar duas vezes quando têm
filhos. Mas é uma coisa que pode levar a atos de violência", adverte.
Mário Soares ressalva que é uma situação que não quer que suceda. No entanto,
"pode acontecer, porque o desespero é tal que aqueles que têm fome podem
zangar-se".
Fazendo um paralelismo sobre a reação dos portugueses às
dificuldades que atravessam e o que se passa no Brasil, afirma que "no
Brasil vieram para a rua de forma pacífica porque acham que há muita corrupção.
Aqui, em Portugal, não há corrupção a rodos, porque a justiça não funciona. Ou
por outra, a justiça só funciona para os pobres".
"Democracia está em perigo"
"Aos que roubam milhares de contos ao Estado, em bancos
e fora de bancos, não lhes acontece nada", critica. Mário Soares receia
que a seguir à crise política possa "vir uma revolução": "Eu
esperaria que fosse pacífica, mas pode não ser". Pode também seguir-se uma
ditadura, o que "era ainda pior", sublinha.
O antigo presidente considera que não existe uma relação
entre o país e o Governo, que "ignora o povo", e que a
"democracia está em perigo". "Neste momento, somos uma
pseudodemocracia, porque a democracia precisa de ter gente que resolva os
problemas", diz, questionando: "Quando o Presidente da República não
é capaz de resolver nada a não ser estar de acordo com o Governo, e o Governo
não faz nada porque não tem nada para fazer, nem sabe o que há-de fazer, o que
é que se passa?"
Sobre o que faz a oposição, Mário Soares afirma:
"protesta". "Eu não tenho nenhuma responsabilidade política, nem
quero ter, mas penso, leio, escrevo e estou indignado, claro, porque estão a
destruir o país", sublinha.
Críticas a Durão Barroso
Questionado pelo Público sobre se o Banco Central Europeu
devia estar a emitir moeda, Mário Soares foi perentório: "pois claro".
Não admite a saída do euro, frisando que é a "favor do euro e da União
Europeia, embora não aceite que a chanceler Merkel seja uma pessoa não
solidária com os outros países, é contra o espírito da União Europeia.
Relativamente ao presidente da Comissão Europeia, José
Manuel Durão Barroso, Mário Soares acusa-o de ser "um camaleão",
considerando que Portugal não ganhou nada em tê-lo naquele cargo. "Foi só
desprestigiante para Portugal. Nunca achei que ele podia ser bom. Avisei
sempre, escrevi que era um grande erro. Diziam que era português, mas na Europa
não há portugueses, nem de qualquer outro país, há europeus", comenta.
Mário Soares diz ainda que Durão Barroso "não
pode" chegar ao cargo de secretário-geral da ONU, "depois de tudo o
que disseram dele, a senhora Merkel, os franceses e tantos europeus".
"Futuro político acho que não tem", remata.