sábado, 30 de janeiro de 2016

O que esperam (quase) sempre de ti, mulher...




Que cases. Que te juntes numa cerimónia branca e imaculada, rodeada de família e amigos. Que tenhas filhos depois. Só depois. Esperam de ti, mulher, que saibas, no mínimo, estrelar ovos e que gostes de homens. Mas que sejas fiel. Ordeira e arrumada. Limpa e asseada. E que dês de mamar. Que sejas incansável na função de mãe, sem lágrimas ou dúvidas. Mãe que é mãe nunca se arrepende de nada. Nem de os ter. Nem do que faz. Nunca questiona os conselhos dos mais velhos.
Esperam de ti isso e mais. Que qualquer sensação de fraqueza é para erradicar do peito e da cabeça. Esperam que se te dizem que deves dar peito até aos dois anos, é para cumprir. Que se não sentes qualquer gozo nisso, és menos mãe. Menos capaz. Menos mulher. Esperam de ti um parto normal. Gaja que é gaja, tem parto vaginal. As outras são umas “meninas”. Esperam de ti a boçalidade da pré-história.
Esperam que tenhas os filhos sempre limpos e que lhes dês banho todos os dias após uma refeição sem fritos ou salsichas. Esperam que a roupa do homem com quem casas, porque é suposto gostares de homens, esteja passada a ferro. Que se não podes, contrata alguém.
Esperam que não haja vincos na tua camisola quando vais trabalhar todos os dias nem nódoas de ranho ou papa. Esperam que tires um curso. Que sejas “alguma coisa” mas que consigas ter a casa num brinco, sem pingo de pó ou brinquedos fora do sítio.
Esperam que sejas magra. Atlética. Que corras todos os dias. Ou dia sim, dia não, vá. De depilação feita e unhas coloridas. Que faças bolos ao sábado. E que não tenhas as raízes do cabelo por fazer. Esperam que te comportes bem e que nunca bebas um copo a mais para não caíres em figuras ridículas. Que nunca sejas daquelas que urina entre dois carros, no meio do Cais do Sodré.
Esperam isso. Esperam mais. Que nunca adormeças maquilhada porque sujas a fronha da almofada. E que não te separes. Aguenta. É suposto aguentares porque tudo dá trabalho na vida. Por isso, é suposto esforçares-te. Pelos filhos. Por ti, não. Não carece. Por ti, não. E pela imagem. A imagem. E o que gastaram naquele casamento sumptuoso! Não. Aguenta, se faz favor. Pelos teus pais e pelos teus filhos. Esmera-te. É capaz de ser culpa tua.
Esperam isso de ti. E não convém falhares. Esperam que tenhas sempre a louça na máquina e a roupa estendida. Que a cama esteja sempre feita. Todos os dias. Esperam de ti pouco rasgo. Se pensares demasiado, vais questionar demasiado. Ser curiosa ainda vá. Reflectir é evitável. Não esperam que sejas uma grande intelectual ou que fumes charutos ou que gostes de brandy. Vais beber licor de café ou vinho do porto e fumar qualquer coisa com sabor a mentol. Esperam de ti a dignidade. Que aceites o assédio como um galanteio. Esperam que uses saltos altos todos os dias e que uses um perfume que enche o elevador. Esperam que sejas isto. E mais. Só não esperam que sejas feliz.



Rita Marrafa de Carvalho

Uma lição sobre democracia, municipalismo e Europa (Varoufakis)




Varoufakis - Pisarello

Una conversación sobre democracia, municipalismo y Europa.

La Unió Europea comandada por la troika amenaza con destruir el sueño de Europa.
Cómo impulsar un nuevo debate constituyente antre esta crisis continental?
Puede el municipalismo jugar un papel clave en ello?
Hablan sobre estos asuntos el economista y exministro de finanzas griego, Yannis Varoufakis, y jurista y primer teniente de alcalde de Barcelona, Gerardo Pisarello.



Aguarda-se nova reforma curricular





Uma real e profunda reforma curricular

Um leitor, a quem, desde já, agradeço, alertou-nos para o facto de no dia 8 deste mês ter sido aprovada na Assembleia da República a "resolução de abertura de um processo de debate com vista à definição de objetivos para uma real e profunda reforma curricular":


A Assembleia da República resolve, nos termos do n.º5 do artigo 166.º da Constituição, recomendar ao Governo que inicie um processo de reflexão e debate democrático amplo e alargado a toda a comunidade educativa, de modo a que se definam objetivos para uma real e profunda reforma curricular.
Aprovada em 8 de janeiro de 2016.

O Presidente da Assembleia da República, Eduardo Ferro Rodrigues

Situando-me na Escola Pública, a escola que é para todos, 
digo sim se essa reforma curricular se traduzir num compromisso simples e honesto entre o Ministério da Educação, as Escolas e os Professores em ensinar às crianças e aos jovens o que, para seu próprio bem, a escola tem o dever de lhes ensinar e de modo que eles efectivamente aprendam. Será uma "profunda reforma curricular" centrada no "currículo que se ensina" e no "currículo que se aprende", que nessa medida, passará despercebida, sem suscitar títulos de jornais, sem se socorrer de estratégias demagógicas, sem ter ganhos eleitorais.
digo não se essa reforma curricular se traduzir na recorrente insistência em revogar e homologar mais umas dezenas de documentos curriculares, que se irão juntar às muitas centenas de orientações e de directrizes acumuladas (e esquecidas) na página online da Direcção Geral da Educação. É certo que o "currículo que se determina" tem de se encontrar actualizado, mas também tem de ser estável e, sobretudo, tem de assentar numa reflexão filosófica segura e em conhecimento pedagógico e disciplinar fiável. A determinação política do currículo não pode (não deveria) continuar a depender como depende da orientação partidária de momento e do interesse que lhe está agregado de ostentar a ideia de mudança inequivocamente melhor do que a anterior.




in http://dererummundi.blogspot.pt/2016/01/uma-real-e-profunda-reforma-curricular.html

Não há dinheiro para os mais pobres mas há benefícios fiscais para os mais ricos


Clicar no documento para ampliar.

in http://info.portaldasfinancas.gov.pt/pt/dgci/divulgacao/estatisticas/Contribuintes_com_benef%C3%ADcios_fiscais_2014.htm



Os ricos filhos do fisco


Foi publicada a lista das empresas que receberam benefícios fiscais do IRC em 2014.
Ver lista em formato Excel no site da AT. São mais de 16.000 e, no total, são mil milhões de euros, o suficiente para evitar o corte nas pensões  e para repor os vencimentos dos funcionários.

 A lista das empresas com benefícios superiores a 4 milhões de euros de benefício é a seguinte:

O valor global das receitas que o Estado perdeu com 35 empresas foi de cerca de 400 milhões de euros.

Um benefício fiscal é um privilégio fiscal, um tratamento de favor, uma exceção que distingue uns portugueses de outros.
Uma exceção, afinal, ao princípio da igualdade entre todos os portugueses.

Um benefício fiscal é igual a um subsídio do Estado, e quem paga estes benefícios fiscais são os portugueses. Cada um deles.

Por que razão não há dinheiro para o pagamento das pensões da Segurança Social aos mais pobres, tendo-se cortado nas pensões mais baixas, e, ao mesmo tempo, se entrega de bandeja 50 milhões de euros ao Fundo de Pensões do Banco de Portugal, 24 milhões à EDP e 7 milhões à PT da zona franca da Madeira?

O que é que o país ganha com isto? Será justo que se obriguem os portugueses mais pobres a pagar valores brutais de impostos e depois se entreguem assim, 50 milhões por ano a uma empresa da zona franca da Madeira?

Esta lista mostra-nos que a austeridade não é uma fatalidade. Nem o défice. E que Portugal até podia ter um défice anual igual a zero... Mas para isso era necessário que todos pagássemos por igual, claro, incluindo as grandes empresas.
Essa, seria a reforma das reformas que, provavelmente, nunca vai acontecer.

É para dar milhões em benefícios fiscais em sede de IRC que aumentaram o IVA sobre bens essenciais ou sobre a eletricidade?

É para dar benefícios fiscais aos fundos de pensões que pagam as pensões de Cavaco Silva, Campos e Cunha, Ricardo Salgado, Teodora Cardoso, Oliveira e Costa, Jardim Gonçalves e muitos, muitos mais?


Triste país, este, que mereceu desta gente!






domingo, 10 de janeiro de 2016

Sobre o debate entre Sampaio da Nóvoa e Marcelo Rebelo de Sousa




Só ontem vi o debate na SIC (gravação) entre Sampaio da Nóvoa e Marcelo Rebelo de Sousa.
Incrível, a arrogância de Marcelo autoproclamando-se como o melhor político, o melhor candidato, o que tem mais experiência política!

Que é isto, meus senhores? Um indivíduo que passou a vida a pavonear-se nas TVs, no Conselho de Estado, nos jornais, um indivíduo claramente parcial no tocante à sua família partidária, vem agora querer humilhar S da Nóvoa porque, segundo aquele, este não tem a sua experiência política?

Felizmente que S da Nóvoa não tem a experiência política de MR de Sousa, um homem de direita e da direita perigosamente consensual e interclassista!

S da Nóvoa tem aquilo que muitos nunca terão, a começar por MRS: a experiência cidadã genuína que faz parte da sua própria natureza humanista, de um humanismo que à esquerda democrática enobrece, engrandece e ao país também. 

Sampaio da Nóvoa não precisou de construir o seu currículo nos media nem de propagandear o que tinha e não tinha, o que sabia ou não sabia: conquistou quem não o conhecia pela sua posição serena, pela sua educação, pelos valores que transparece e pela convicção com que os tem sempre firmado e afirmado, discretamente, seguramente, a começar pelos seus alunos, os primeiros arautos da sua mensagem e da veracidade da mesma.

S da Nóvoa é o homem da mudança esperada e no momento certo, tal como o fora Eanes, para cuja candidatura orgulhosamente também trabalhei.

Nenhum político será um bom político ou um bom candidato a um cargo político se se ancorar continuamente, simplesmente, no cargo ou títulos que tem, nos convites que lhe fazem, nos eventos onde aparece, nas pessoas com as quais se deixa fotografar, no populismo balofo e de mau gosto, nos velhos pergaminhos, na vaidade estupidamente arrogante e brejeira, na humilhação dos outros, nos golpes baixos ou na baixeza das palavras que cinicamente lhes dirige, como fez M R de Sousa a S da Nóvoa no debate de 5ª feira, na SIC.

Jamais a verborreia trará sustentação ao discurso, sobretudo ao discurso político, particularmente ao discurso de alguém que se candidata ao cargo de Presidente da República Portuguesa.

Eu quero um PR culto e dialogante, serenamente atento mas ativamente crítico.

Estou farta da mudança na continuidade.
Está na hora, pessoal! Sampaio da Nóvoa a Presidente da República!



Nazaré Oliveira

domingo, 3 de janeiro de 2016

Instabilidade política



"(...) A instabilidade está inscrita em todos os sistemas políticos e eleitorais dos países que passaram por processos de "ajustamento". Não é conjuntural, é estrutural. Significa que os estragos do "ajustamento" não se verificaram apenas na economia e na sociedade, mas também na representação política. Fragilizaram os partidos do chamado "arco da governação", secaram a alternância dos partidos socialistas face aos conservadores e a direita, moldaram -nos à mesma política "sem alternativa", reforçaram os extremos, à direita e à esquerda, e varreram o centro político do mapa. Isto acontece com diferentes graus e diferentes velocidades, um pouco por todo o lado na Europa. Virou os trabalhistas ingleses para a esquerda, reforçou e depois matou o Syriza, reforçou a Aurora Dourada e a Frente Nacional, criou o Podemos, mas, acima de tudo, aumentou a abstenção (a grande mentira da noite eleitoral foi a "descida" da abstenção) e, ao subordinar a vontade do eleitorado a um poder transnacional que não é controlado democraticamente, a "Europa", tornou o votar um acto que não é inteiramente livre. O facto de estes movimentos e processos ainda não terem tido, com excepção na Grécia, uma significativa expressão eleitoral que lhes permita "ganhar" eleições, não impede que as perturbações no sistema político não estejam já adquiridas e que não haja uma crise de representação profunda na Europa. (...)"

J Pacheco Pereira in http://www.sabado.pt/opiniao/detalhe/semper_fi.html

Sobre autonomia das escolas públicas



SOBRE AUTONOMIA DAS ESCOLAS PÚBLICAS

Margarida Olazabal Cabral[1] | Ana Rita Bessa[2] | Número 2 | Junho 2014

Sumário: 1. Introdução. 2. Uma história de centralismo. 3. Um conceito de autonomia. 3.1. Distinções e uma definição. 3.2. A contratualização como instrumento de execução. 4. Algumas limitações e possíveis soluções para uma autonomia efetiva. 5. Conclusões

 RESUMO: A autonomia das escolas públicas tem sido amplamente discutida, nas mais diversas perspetivas, e parece ser uma ideia consensual. No entanto, se analisarmos a realidade somos levados a concluir que as nossas escolas não são verdadeiramente autónomas. Neste trabalho procuram-se perceber as razões que levam a que assim seja, e defende-se um conceito de autonomia baseado na ideia de atribuição, através de contrato, de efetivos poderes às escolas que lhes permitam prosseguir um projeto próprio que as diferencie umas das outras. Esta visão determina que as funções do Estado, em especial do Ministério da Educação e Ciência (e a sua própria orgânica), devam ser repensadas. Apontam-se algumas das dificuldades que se colocam a uma efetiva autonomia, e sugerem-se caminhos possíveis para as superar.

PALAVRAS-CHAVE: serviço público de educação; escolas; autonomia; descentralização; desconcentração


1. INTRODUÇÃO

O tema da autonomia das escolas do ensino não superior tem sido sobejamente tratado desde há vários anos, através de diversas lentes de análise, sejam políticas, jurídicas, académicas, sociológicas, e sob diversos formatos, normativos legais, projetos-piloto, efetivos contratos, inúmeros fóruns de debate e um sem-fim de teses de mestrado e doutoramento.

Paradoxalmente, onde menos parece ter sido tratado – ou pelo menos, bem tratado – é exatamente no terreno, nas escolas, onde deveria ter expressão e concretização, sob pena de se tornar num conceito vazio, desgastado e sem propósito.

Neste trabalho, não nos arrogamos a pretensão de trazer uma visão particularmente inovadora, nem tão-pouco uma solução simplista para um tópico há tanto tempo em debate. Procurámos, sim, levantar as questões que nos parecem centrais para a clarificação do conceito. Tentámos perceber o que inibe a realização efetiva da autonomia, designadamente através da análise dos instrumentos legais, iniciativas discursivas ou impreparações de facto, que justificam poder-se dizer com propriedade que não existe, na generalidade dos casos, uma verdadeira escola pública com autonomia.

No presente trabalho, começamos por olhar para a história da escola pública, para percebermos que ela tem sido, como em tantos outros campos da nossa Administração Pública, uma história de centralismo. Um centralismo que, no caso das escolas, não terminou, mesmo quando se tornou consensual no discurso a defesa da sua autonomia. Em seguida, procuramos delimitar o conceito de autonomia, designadamente face aos de descentralização e de desconcentração, e avançamos com a noção de autonomia que entendemos ser de defender para as nossas escolas, bem como o modo de a implementar. Em seguida, arriscamos apontar razões reais de fracasso da autonomia, e os efetivos limites da mesma, para, finalmente, procurarmos apontar caminhos de futuro para uma verdadeira autonomia das escolas.

 2. UMA HISTÓRIA DE CENTRALISMO

Por razões históricas, o sistema de escolas públicas em Portugal nasceu e cresceu de forma centralizada, a partir de um Ministério, muito de acordo com o modelo francófono.

A nossa política de educação tem uma tradição muitíssimo centralizadora, que se acentua na segunda metade do século XX e que não recua verdadeiramente depois disso, apesar do regime democrático parecer reclamar o contrário. Não existe, como no caso dos países anglo-saxónicos, a tradição de uma escola que é dominada por uma comunidade local e que, por essa razão, tem uma dose de autonomia inata no seu DNA. Pelo contrário, as nossas escolas não têm prática de serem autónomas, estando mais habituadas a ter de cumprir aquilo que lhes é ditado pelo Ministério da Educação e Ciência (MEC).

Durante o regime liberal oitocentista, aquilo que caracteriza o sistema de ensino português é uma enorme tensão entre a tradição centralizadora e algumas experiências de descentralização. Em abril de 1890 é criado o Ministério da Instrução Pública e Belas-Artes, antecessor do atual MEC, marcando a opção centralizadora. A razão invocada era o insucesso da descentralização da política de educação.

Na I República, começa-se por se hesitar ainda em defender a descentralização, mas a experiência dura pouco (Sidónio Pais, em 1918, põe-lhe termo). “O centralismo na administração do sistema educativo consolidar-se-á no Estado Novo, aproximando-se do modelo extremado de uma regulação coerciva, autoritária e de pendor fortemente nacionalista e endoutrinadora. Com esse modelo, o conceito de Estado Educador ganha a sua máxima expressão, em que o papel das escolas, das comunidades e das autarquias se remete à estrita concretização das orientações superiores. A imagem da descentralização ficaria, entretanto, associada às efémeras experiências dos regimes liberal e republicano e ao seu insucesso real ou, pelo menos, à não consensualização de um modelo cujos resultados são, no mínimo duvidosos.”[3]

David Justino afirma, em seguida, que “uma das questões mais enigmáticas relativas à evolução do sistema de ensino em Portugal prende-se com a transição do modelo de organização do ensino herdado do Estado Novo para o modelo do regime democrático. As transformações ocorridas logo após a revolução, sendo profundas no que diz respeito ao currículo, à administração das escolas e ao controlo macro das novas instituições democráticas, revelaram-se superficiais no que respeita a qualquer reconfiguração descentralizadora. Aparentemente os mecanismos de regulação coerciva, de caráter burocrático e administrativo, mantiveram-se praticamente intactos, o mesmo é dizer, fortemente centralizados. Ousaríamos dizer que o conceito de Estado Educador se poderia aplicar a preceito a dois regimes políticos de tão contrária natureza”. [4]

Os vários estudos confirmam que a “organização centralizadora e burocrática (...) continua a dominar a administração da educação em Portugal”[5]. Nas palavras de Gomes Canotilho, terá prevalecido uma “alegada conceção jacobina de ensino, traduzida na unicidade e uniformidade da oferta escolar[6].

Na verdade, a democracia traz um discurso a favor da descentralização e da autonomia das escolas, mas a prática (muitas vezes, suportada por normas jurídicas) foi a de continuar a desconfiar da capacidade das escolas se autodeterminarem, não abdicando o Estado de tudo regular e determinar. A par do aumento da escolaridade obrigatória, esta prática levou à criação de sistema administrativo central, com grande dimensão e peso.

É verdade que nos últimos anos se acentuou a afirmação de uma política pública de concessão de autonomia às escolas. Na atual legislatura, o Governo fez mesmo da concessão de autonomia às escolas uma “bandeira” da sua política educativa.

É também certo que a legislação reflete esse discurso, pelo menos – embora não só – na terminologia utilizada. Desde 1989 (com o Decreto-Lei n.º 43/89, de 3 de fevereiro)[7] que o Estado português legisla no sentido de conferir autonomia às escolas. Em 1998, prevê-se pela primeira vez o “contrato de autonomia”. No entanto, paralelamente a essa autonomia consagrada, o legislador continuou a regular, de modo uniforme, e não permitindo opções da própria escola, uma série de matérias que se diria deverem ser atribuídas às escolas com autonomia.

Essa “ambivalência” do Estado legislador e do Estado Administração – que quer dar poder de autodeterminação mas simultaneamente desconfia da capacidade de escolas autónomas prestarem um bom serviço público de educação – mantém-se até hoje.

O legislador tem reforçado o enquadramento legal da autonomia, estendendo-o recentemente a uma maior liberdade de configuração do currículo. Os 22 contratos de autonomia existentes em 2007 deram lugar a mais de 300 contratos de autonomia em 2014.

Paralelamente, e paradoxalmente, continua-se a não se resistir à tentação centralizadora de tudo regular e continuamos a ter portarias, decretos-regulamentares, despachos normativos e todas as formas de regulamentos administrativos (e mesmo de atos administrativos) emanados do MEC que não permitem o exercício de uma verdadeira autonomia.

Pode dizer-se, por um lado, que a realidade declarada pelo legislador é contrariada pela prática administrativa, em especial do próprio Ministério. Mas, por outro lado, podemos mesmo ir mais longe e duvidar de que aquilo que se proclama – e que as diversas leis regulam – seja verdadeiramente a atribuição dos poderes às escolas que lhes permitam auferir de uma verdadeira autonomia.

Importa então perceber de que tratamos quando falamos de autonomia.

 3. UM CONCEITO DE AUTONOMIA

3.1. DISTINÇÕES E UMA DEFINIÇÃO

Pese embora tratar-se de um termo aparentemente banal no contexto da política de Educação, a verdade é que não existe uma visão clara, ou consensual, sobre o conceito de autonomia das escolas, o que este inclui e em que deve ser limitado, qual o seu objetivo último, como se realiza e efetiva e em benefício de quem.

Aliás, e ao longo do tempo, a sua definição tem sido revista pelo legislador por diversas vezes. Por exemplo, nos termos do Decreto-Lei n.º 43/89, a autonomia da escola foi definida como “(…) a capacidade de elaboração e realização de um projeto educativo em benefício dos alunos e com a participação de todos os intervenientes no processo educativo (…)” (n.º 1 do artigo 2.º).

Em 1998, o mesmo conceito passou a ser entendido como “(…) o poder reconhecido à escola pela administração educativa de tomar decisões nos domínios estratégico, pedagógico, administrativo, financeiro e organizacional, no quadro do seu projeto educativo e em função das competências e dos meios que lhe estão consignados. (…)” (n.º 1 do artigo 3.º do Decreto‐Lei n.º 115‐A/98, de 4 de maio)[8].

Já em 2008, no Decreto-Lei n.º 75/2008, de 22 de abril (n.º 1 do artigo 8.º)[9], a abrangência passou a ser maior e a autonomia a ser entendida como “a faculdade reconhecida ao agrupamento de escolas ou à escola não agrupada pela lei e pela administração educativa de tomar decisões nos domínios da organização pedagógica, da organização curricular, da gestão dos recursos humanos, da ação social escolar e da gestão estratégica, patrimonial, administrativa e financeira, no quadro das funções competências e recursos que lhe estão atribuídos”.

Parece-nos importante começar por clarificar três ideias que, no debate público, tendem a confundir-se, a saber: descentralização, desconcentração e autonomia propriamente dita.

 A. DESCENTRALIZAÇÃO:

A descentralização, do ponto de vista jurídico, é um processo de atribuição de competências a pessoas coletivas territoriais para além do Estado, maxime as autarquias locais, as quais prosseguem fins próprios.

Para os melhores amigos



Miguel Esteves Cardoso defendeu, em “As Minhas Aventuras na República Portuguesa”, que o que distingue os seres humanos é “o esforço de fazer continuar no tempo coisas que se julgam boas”, sejam elas amores, passatempos, ou o melhor do mundo, as amizades.

Não há, para mim, sentimento mais nobre, mais puro e altruísta do que a amizade. Não somos amigos por ser, não coleccionamos amigos, muito menos nos obrigamos a manter amizades que não queremos. Se o fazemos, estamos a errar. A amizade, de tão nobre que é, permite-nos exactamente isso: ser autónomos e, mais que isso, verdadeiros. Sem tabus, sem politiquices, sem esquisitices. Somos amigos porque queremos aquela pessoa na nossa vida, porque queremos partilhar a nossa existência com ela e, acima de tudo, queremos que ela seja um agente activo nesta nossa jornada.

Ser amigo dá muito trabalho. Implica muito esforço e erramos muitas vezes. Não é um amor que um dia termina e fica longe do coração. Não é uma sociedade que cumpre normas. Não temos regras impostas, porque vivemos na fase da experimentação. Continuamente. O ambiente, a massa da amizade começa a formar-se e torna-se tão nossa que sabemos na perfeição como moldá-la.

Há vários tipos de amizade. Entre as quais, as de infância em que crescemos com aquela presença e, sem explicações – porque não as precisamos – somos amigos a vida toda. Para sempre.

Há as amizades paixão. São intensas mas muito fugazes. Conforme surgem na nossa vida também saem. E desaparecem.

Depois há as amizades-amor. São mais do que tudo. São meias pessoas. Aliás, são pessoas inteiras naquilo que somos, no nosso ser. Não precisam de saber tudo, mas sabem, mesmo sem contarmos. Vivem connosco mesmo que estejam a milhares de quilómetros de distância. Avançamos de mãos dadas sem, muitas vezes, nos tocarmos. Estamos ligados umbilicalmente, tal como uma mãe e o seu filho.

Amizades de anos, meses ou horas. São o que são. Mas arrebatam-nos o coração. Deixa de ser – permitam-me o egoísmo – um trabalho para o nosso bem. Ver aquele amigo feliz deixa-nos a jubilar, e isso é viciante. Olhar a felicidade naquele que amamos é elevar os pés do chão e provar um bocadinho do céu.

Não que precisasse, mas estar longe reforçou essa certeza. Os nossos amigos são os melhores do mundo. Mas são-no porque é um trabalho de equipa. Nosso e deles. Nós queremos ser amigos, e sabemos sê-lo. Somos muito bons nisto. Somos os melhores. E, por isso, uma vez mais, todos nós temos os melhores amigos do mundo. Porque amamos. Sabemos amar. É amor.


Isto é para vocês, melhores amigos do mundo, que longe ou perto não saem do meu coração. Que trabalham nesta nossa aventura juntos. Que apresentam as ideias mais idiotas com o ar mais sério de sempre. Que riem nos momentos inapropriados. Que silenciam as nossas vergonhas e nos empurram nos nossos medos. Isto é para vocês, melhores amigos do mundo.


in http://capazes.pt/cronicas/aos-melhores-amigos-do-mundo/view-all/