sexta-feira, 20 de maio de 2011

A propósito da Marcha por uma nova lei de protecção dos animais em Portugal


É através do verdadeiro esclarecimento que mais gente se juntará a nós, em Portugal e no Mundo, para criar legislação que defenda e proteja os animais não humanos!Dos maus tratos, da exploração, do abandono...
Acabemos com este horror (e tantos outros) e esta desumanidade para com aqueles que não têm voz, não se podem defender e têm direito a existir, como tu, como nós, com dignidade!
É o caso das touradas: Para além do tipo de torturas a que são submetidos muitos e muitos dias antes de irem para a arena, inimagináveis para a esmagadora maioria das pessoas, estes animais são expostos e humilhados perante um público sedento de sangue, que ovaciona um ser arrogante e cobarde, fingindo-se desportista, a cavalo ou a pé, armado com bandarilhas (nem imaginam por que se "prendem" e como despedaçam o corpo do touro!), numa luta desigual...que atacam e gozam um ser indefeso e que, como qualquer animal, humano e não humano, merece respeito e o direito à dignidade, até na morte!
E os forcados? Em poses patéticas de falsa valentia, só entram em cena no fim, para continuar a torturar e a espezinhar ainda mais aquele ser, já estoiradíssimo e a escorrer sangue mas heroicamente a tentar resistir à brutalidade dos rapazolas que o prendem e quase asfixiam... armados em "heróis".
Em Portugal temos tido o papel importante de Associações de Defesa dos Animais, caso da ANIMAL, mas a PETA, do Reino Unido, pode chegar mais longe neste nosso objectivo de acabar com esta barbárie!

O Cairo (cão) no combate contra a AL-Qaeda

O Cairo (na foto), cão que caçou Bin Laden, tinha colete tecnológico à prova de bala. Entrou para a história do exército dos EUA ao participar com 80 soldados na missão que eliminou o líder da Al Qaeda Osama Bin Laden. Espírito canino e um colete cheio de tecnologias foi tudo o que precisou.
Hoje, Cairo é referido nos média norte-americanos como um destemido herói de quatro patas - pela bravura demonstrada e também pela mestria com que passou a usar um colete que, além de resistir a balas de 9 milímetros, também serve para transportar microfones e altifalantes que permitem receber as ordens de humanos, e uma câmara de filmar de alta definição preparada para funcionar durante a noite, ou mesmo debaixo de água.
Todos estes dispositivos integrados no colete transmitem através de comunicações de rádio para um dispositivo portátil que é transportado por um soldado, que é responsável por emitir ordens e ditar direções, enquanto escuta os sons e vê as imagens captadas pelos soldados de quatro patas.
As comunicações de rádio entre o dispositivo portátil e o cão são encriptadas e podem atravessar túneis, aço ou outros locais que dificultam as transmissões de imagens e sons, informa a FastCompany.
A farda canina, que foi desenvolvida pela K9 Storm, do Canadá, tem um custo que oscila entre os 20 mil e os 30 mil dólares (entre 14 mil e 21 mil euros).
Além de Cairo, há muitos outros cães ao serviço do exército dos EUA que já usam esta vestimenta que alia à proteção às comunicações operacionais.
Luis Reyes, mestre no treino de cães militares que se encontra com as forças aliadas no Afeganistão, dá uma ideia da importância que soldados como Cairo já alcançaram nos dias que correm: "Nenhum dinheiro substitui a vida de um cão que salva as vidas das nossas tropas".





Aqui deixo, em jeito de homenagem, ao CAIRO e a tantos CAIROS por esse país e esse mundo fora, abandonados, humilhados e explorados...

Aos meus queridos animais que já partiram (o PACO, o SNOOPY, a RUBY e a RONRON) e ao MOUSSE E TOBIAS.
Mais uma prova de que, indiscutivelmente, e neste caso concreto os cães, são seres inteligentes e muito melhores que muitos homens e muitas organizações.
Pena é que ainda não se respeitem estes e todos os outros animais não humanos, como todos merecem (com respeito e dignidade). Pena é que continuemos a olhar para eles ainda numa perspectiva estupidamente arrogante e terrívelmente medievalista e desumana, sem legislação que os proteja do pior dos seus inimigos: os animais humanos.

Precisa-se de matéria-prima para construir um país


Antes de falecer (25/08/2007), EDUARDO PRADO COELHO teve a lucidez de nos deixar esta reflexão. No jornal PÚBLICO.


A crença geral anterior era de que Santana Lopes não servia, bem como Cavaco, Durão e Guterres.

Agora dizemos que Sócrates não serve.

E o que vier depois de Sócrates também não servirá para nada.

Por isso começo a suspeitar que o problema não está no trapalhão que foi Santana Lopes ou na farsa que é o Sócrates.

O problema está em nós. Nós como povo. Nós como matéria-prima de um país.

Porque pertenço a um país onde a ESPERTEZA é a moeda sempre valorizada, tanto ou mais do que o euro.
Um país onde ficar rico da noite para o dia é uma virtude mais apreciada do que formar uma família baseada em valores e respeito aos demais.

Pertenço a um país onde, lamentavelmente, os jornais jamais poderão ser vendidos como em outros países, isto é, pondo umas caixas nos passeios onde se paga por um só jornal
E SE TIRA UM SÓ JORNAL, DEIXANDO-SE OS DEMAIS ONDE ESTÃO.

Pertenço ao país onde as EMPRESAS PRIVADAS são fornecedoras particulares dos seus empregados pouco honestos, que levam para casa, como se fosse correcto, folhas de papel, lápis, canetas, clips e tudo o que possa ser útil para os trabalhos de escola dos filhos... e para eles mesmos.

Pertenço a um país onde as pessoas se sentem espertas porque conseguiram comprar um descodificador falso da TV Cabo, onde se frauda a declaração de IRS para não pagar ou pagar menos impostos.

Pertenço a um país:

-Onde a falta de pontualidade é um hábito;

-Onde os directores das empresas não valorizam o capital humano.

-Onde há pouco interesse pela ecologia, onde as pessoas atiram lixo nas ruas e, depois,
reclamam do governo por não limpar os esgotos.

-Onde pessoas se queixam que a luz e a água são serviços caros.

-Onde não existe a cultura pela leitura (onde os nossos jovens dizem que é 'muito chato ter que ler') e não há consciência nem memória política, histórica nem económica.
-Onde os nossos políticos trabalham dois dias por semana para aprovar projectos e leis que só servem para caçar os pobres, arreliar a classe média e beneficiar alguns.

Pertenço a um país onde as cartas de condução e as declarações médicas podem ser 'compradas', sem se fazer qualquer exame.

-Um país onde uma pessoa de idade avançada, ou uma mulher com uma criança nos braços, ou um inválido, fica em pé no autocarro, enquanto a pessoa que está sentada finge que dorme para não lhe dar o lugar.

-Um país no qual a prioridade de passagem é para o carro e não para o peão.

-Um país onde fazemos muitas coisas erradas, mas estamos sempre a criticar os nossos governantes.

Quanto mais analiso os defeitos de Santana Lopes e de Sócrates, melhor me sinto como pessoa, apesar de que ainda ontem corrompi um guarda de trânsito para não ser multado.

Quanto mais digo o quanto o Cavaco é culpado, melhor sou eu como português, apesar de que ainda hoje pela manhã explorei um cliente que confiava em mim, o que me ajudou a pagar algumas dívidas.

Não. Não. Não. Já basta.

Como 'matéria prima' de um país, temos muitas coisas boas, mas falta muito para sermos os homens e as mulheres que o nosso país precisa.

Esses defeitos, essa 'CHICO-ESPERTERTICE PORTUGUESA' congénita, essa desonestidade em pequena escala, que depois cresce e evolui até se converter em casos escandalosos na política, essa falta de qualidade humana, mais do que Santana, Guterres, Cavaco ou Sócrates, é que é real e honestamente má, porque todos eles são portugueses como nós, ELEITOS POR NÓS. Nascidos aqui, não noutra parte...

Fico triste.

Porque, ainda que Sócrates se fosse embora hoje, o próximo que o suceder terá que continuar a trabalhar com a mesma matéria-prima defeituosa que, como povo, somos nós mesmos.

E não poderá fazer nada...

Não tenho nenhuma garantia de que alguém possa fazer melhor, mas enquanto alguém não sinalizar um caminho destinado a erradicar primeiro os vícios que temos como povo, ninguém servirá.

Nem serviu Santana, nem serviu Guterres, não serviu Cavaco, nem serve Sócrates e nem servirá o que vier.

Qual é a alternativa?

Precisamos de mais um ditador, para que nos faça cumprir a lei com a força e por meio do terror?

Aqui faz falta outra coisa. E enquanto essa 'outra coisa' não comece a surgir de baixo para cima, ou de cima para baixo, ou do centro para os lados, ou como queiram, seguiremos igualmente condenados, igualmente estancados... igualmente abusados!

É muito bom ser português. Mas quando essa portugalidade autóctone começa a ser um empecilho às nossas possibilidades de desenvolvimento como Nação, então tudo muda...

Não esperemos acender uma vela a todos os santos, a ver se nos mandam um messias.

Nós temos que mudar. Um novo governante com os mesmos portugueses nada poderá fazer.

Estão muito claro... Somos nós que temos que mudar. Sim, creio que isto encaixa muito bem em tudo o que anda a acontecer-nos:

Desculpamos a mediocridade de programas de televisão nefastos e, francamente, somos tolerantes com o fracasso.

É a indústria da desculpa e da estupidez.

Agora, depois desta mensagem, francamente, decidi procurar o responsável, não para o castigar, mas para lhe exigir (sim, exigir) que melhore o seu comportamento e que não se faça de mouco, de desentendido.

Sim, decidi procurar o responsável e ESTOU SEGURO DE QUE O ENCONTRAREI QUANDO ME OLHAR NO ESPELHO.

AÍ ESTÁ. NÃO PRECISO PROCURÁ-LO NOUTRO LADO.

E você, o que pensa? MEDITE!


EDUARDO PRADO COELHO

domingo, 15 de maio de 2011

Para uma neutralidade crítica



A propósito do post A pedagogização do sexo, um leitor disse o seguinte: "A ideia de neutralidade não é absurda. Acredito que, dentro do possível, não devo levar para a sala de aula as minhas posições políticas, religiosas, etc."
Em certa medida, o leitor tem razão pelo facto de não ter explicado em que sentido estava a usar a expressão neutralidade e, de modo mais concreto, neutralidade axiológica.

Deixarei neste blogue um conjunto de textos que discutem o sentido dessa expressão e que, no meu entender, a clarificam suficientemente.

Começo por um do filósofo Fernando Savater, retirado do seu livro O valor de educar. (Edições Presença ou Dom Quixote).

"É compreensível o temor face a um ensino sobrecarregado de conteúdos ideológicos, face a uma escola mais preocupada em suscitar fervores e adesões inquebrantáveis do que em favorecer o pensamento crítico autónomo. A formação em valores cívicos pode converter-se, muito facilmente, em doutrinamento para uma docilidade bem pensante, que levaria ao marasmo se chegasse a triunfar; a explicação necessária dos nossos principais valores políticos pode, também facilmente, resvalar para a propaganda, reforçada pelas manias castradoras do «politicamente correcto» (…).

Daqui que alguma «neutralidade» escolar seja justificadamente desejável, face às opções eleitorais concretas, oferecidas pelos partidos políticos, face às diversas confissões religiosas, face a propostas estéticas ou existenciais que surjam na sociedade. Terá de ser uma neutralidade relativa, sem dúvida, porque não pode recusar a consideração crítica dos temas do momento (que os próprios alunos, frequentemente, irão solicitar e que o mestre competente terá de fazer, sem pretender situar-se fora, mas declarando a sua tomada de posição, enquanto fomenta a exposição razoável das outras) ainda que deva evitar converter a sala de aulas numa fastidiosa e logomaquia sucursal do Parlamento. É importante que na escola se ensine a discutir mas é imprescindível deixar bem claro que a escola não é um foro de debates nem um púlpito.

Não obstante, essa mesma neutralidade crítica corresponde, por sua vez, a uma determinada forma política, perante a qual não é possível ser neutral no ensino democrático: refiro-me à própria democracia. Seria suicida que a escola renunciasse a formar cidadãos democratas, inconformistas mas em conformidade com o que o modelo democrático estabelece, inquietos pelo seu destino pessoal mas não desconhecendo as exigências harmonizadoras do público. Na desejável complexidade ideológica e étnica da sociedade moderna (…) fica a escola como o único âmbito geral que pode fomentar o apreço racional por aqueles valores que permitem a convivência conjunta aos que são satisfatoriamente diversos. E essa oportunidade de inculcar o respeito pelo nosso mínimo denominador comum não deve, de modo algum, ser desperdiçada.

Não pode nem deve haver neutralidade, por exemplo, no que corresponde à recusa da tortura, do racismo, do terrorismo, da pena de morte, da prevaricação dos juízes ou da impunidade da corrupção em cargos públicos, nem tão-pouco na defesa das protecções sociais da saúde ou da educação, da velhice ou da infância, nem no ideal de uma sociedade que corrija o mais possível o abismo entre opulência e miséria. Por quê? Porque não se trata de simples opções partidárias mas sim de benefícios da civilização humanizadora que já não é possível renunciar sem se incorrer em concessão à barbárie.

O próprio sistema democrático não é algo natural e espontâneo nos seres humanos, mas sim algo conquistado, através de muitos esforços revolucionários no campo intelectual e político: portanto, não pode ser dado como certo, mas deve ser ensinado com a maior persuasão didáctica compatível com o espírito de autonomia crítica. A socialização política democrática é um esforço complicado e resvaladiço, mas irrenunciável (…).

A recomendação racional de tais valores não deve ser uma mera litania edificante que, no melhor dos casos, acabará por aborrecê-los. Será preferível mostrar como conseguiram ser historicamente imprescindíveis, e o que ocorre onde, por exemplo, não há eleições livres, tolerância religiosa ou os juízes são venais. Seria absurdo mostrar às crianças as falhas do mundo em que vivemos (…) [sem lhes inspirar] uma prudente confiança nos mecanismos previstos para emendá-las."

Posted by Helena Damião at 00:35 - DE RERUM NATURA Labels: educação escolar, valores 9.5.11

Ontem como hoje a procura da dignidade


Quando fiz a pesquisa para uma selecção de textos sobre os escravos negros no Brasil, que trabalhei nas aulas com os meus alunos, desde as condições miseráveis como eram transportados até à desumanidade como eram tratados, eu pensava e penso sempre que, ontem como hoje, ainda muito há a fazer em prol da dignidade das pessoas. E que, afinal, não foi assim há tanto tempo! Ou que, afinal, pouco tempo medeia entre o ontem e o hoje em matéria de desrespeito por essa mesma dignidade.
A barbárie continua. Os Direitos Humanos continuam a não ser respeitados.
Quando, como li em Lúcio de Azevedo, se chamavam aos escravos “peças”, medidos como qualquer fazenda inerte… quando, como li em Oliveira Martins, os infelizes se amontoavam promiscuamente, de tal modo desesperados que ou caíam num torpor letal ou se mordiam furiosamente, estrangulando-se, quebrando os ossos nessas obscuras batalhas… amarrados em ferros que nunca lhes eram tirados, forçando sob a ameaça de um ferro em brasa os que se recusavam a comer, para assim terminar mais depressa o seu sofrimento… quando, como chamava esse autor, aquela “indústria assassina” alimentava o capitalismo comercial crescente com a visão do homem negro, não como homem mas como máquina e peça da engrenagem… quando se marcavam essas pessoas com um ferro em brasa no braço direito e se castigavam e açoitavam, e torturavam, esfregando-se limão e pimenta sobre as feridas que sangravam… quando se trabalhava até à exaustão, nus ou cobertos de farrapos e, vencidos pelo cansaço, as suas mãos esmagavam ou no tacho fervente caíam… quando a fome era uma forma de punição… quando a vida que o escravo levava e a vida do seu senhor, nas plantações, nos engenhos de açúcar, era a maior afronta à dignidade humana, sempre com violência sobre o mais vulnerável e o mais fraco…eu vejo quão importante foi esta luta pela conquista de direitos iguais para todos os homens e a urgência de pôr fim à escravatura.
Mas também, com mágoa o digo, constato que permanecem, embora muitas vezes encapotadas, formas de escravatura e de desumanidade, crueldades com o beneplácito de gente “muito importante” mas também muito corrupta, líderes de países com democracias “de ocasião”.
“Herança dos pensadores europeus do Direito Natural, do Estado de Direito e do universalismo dos séculos XVII e XVIII, a afirmação do ser humano como um ser pensante, com um fim em si mesmo de liberdade e de consciência moral”, está na base dos Direitos Humanos.
E, ontem como hoje, continua a luta pela defesa e pelo respeito incondicional do Homem.
Com o Humanismo, séculos XV e XVI, o antropocentrismo, abre-se o caminho para uma visão moderna do Homem, o Homem fazedor do seu destino, o Homem centro da Vida.
Com o Iluminismo, século XVIII, expande-se a noção de Direitos Humanos e traçam-se as metas que nos levarão até à igualdade jurídica do Homem e à afirmação do deu SER e do seu QUERER.
Desde o “Habeas Corpus”, lei inglesa de 1679, que garantia a liberdade e a segurança individual contra as prisões e julgamentos arbitrários, passando pela “Bill of Rights” de 1689, baseando a realeza na soberania nacional e não no direito divino, defendendo o primado da lei sobre o rei, a soberania do Parlamento, o direito de petição e de voto, a liberdade individual e as garantias jurídicas, e ainda, em 1789, com a Revolução Francesa, particularmente a sua Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão… passa a haver suporte legal para a defesa desses direitos individuais. Direitos como a liberdade e a igualdade, pois “todos os homens nascem e permanecem livres e iguais em direitos”.
Os ideais da Revolução Francesa de 1789 influenciaram o fim da escravatura negra em França no ano de 1791. Estava consagrado o princípio de que todo o Homem é sujeito de direitos mas também de deveres.
Em 1948, com o terror que fora a segunda guerra mundial, sobretudo a monstruosidade do holocausto nazi, a ONU sente que é urgente a união das nações em torno da defesa dos Direitos Humanos e da Declaração Universal dos Direitos do Homem, cuja base é a defesa da dignidade humana, o bem mais precioso a salvaguardar e a promover.
E essa defesa e essa promoção são um ponto de honra, pois continuamos a assistir nos nossos dias aos maiores atropelos e aos maiores crimes contra essa mesma dignidade.
Na era da globalização e da crescente influência e importância da economia, é esta mesma economia factor de desigualdade e de exclusão.

sábado, 14 de maio de 2011

Excelente texto de José Cardoso Pires!


«Lá vai o português, diz o mundo, quando diz, apontando umas criaturas carregadas de História que formigam à margem da Europa.
Lá vai o português… lá anda. Dobrado ao peso da História, carregando-a de facto, e que remédio – índias, naufrágios, cruzes de padrão (as mais pesadas). Labuta a côdea do sol-a-sol e já nem sabe se sonha ou se recorda. Mal nasce deixa de ser criança: fica logo com oito séculos.
No grande atlas dos humanos talvez figure como um ser mirrado de corpo, mirrado e ressequido, mas que outra forma poderia ele ter depois de tantas gerações a lavrar sal e cascalho? Repare-se que foi remetido pelos mares a uma estreita faixa de litoral (Lusitânia, assim chamada) e que se cravou nela com unhas e dentes, com amor, com desespero, ou lá o que é. Quer isto dizer que está preso à Europa pela ponta, pelo que sobra dela, para não se deixar devolver aos oceanos que descobriu, com muita honra. E nisto não é como o coral que faz pé firme num ondular de cores vivas, mercados e joalharia; é antes como o mexilhão cativo, pobre e obscuro, já sem água, todo crespo, que vive a contra-corrente no anonimato do rochedo. (De modo que quando a tormenta varre a Europa é ele que a suporta e se faz pedra, mais obscuro ainda).
Tem pele de árabe, dizem. Olhos de cartógrafo, travo de especiarias. Em matéria de argúcias será judeu, porém não tenaz: paciente apenas. Nos engenhos da fome, oriental. Há mesmo quem lhe descubra qualquer coisa de grego, que é outra criatura de muitíssima História.
Chega-se a perguntar: está vivo? E claro que está: vivo e humilhado de tanto se devorar por dentro. Observado de perto pode até notar-se que escoa um brilho de humor por sob a casca, um riso cruel, de si para si, que lhe serve de distância para resistir e que herdou dos mais heróicos, com Fernão Mendes à cabeça, seu avô de tempestades. Isto porque, lá de quando em quando, abre muito em segredo a casca empedernida e, então sim, vê-se-lhe uma cicatriz mordaz que é o tal humor. Depois fecha-se outra vez no escuro, no olvidado.
Lá anda, é deixá-lo. Coberto de luto, suporta o sol africano que coze o pão na planície; mais a norte veste-se de palha e vai atrás da cabra pelas fragas nordestinas. Empurra bois para o mar, lavra sargaços; pesca dos restos, cultiva na rocha. Em Lisboa, é trepador de colinas e de calçadas; mouro à esquina, acocorado diante do prato. Em Paris e nos Quintos dos Infernos topa-a-tudo e minador. Mas esteja onde estiver, na hora mais íntima lembrará sempre um cismador deserto, voltado para o mar.
É um pouco assim o nosso irmão português. Somos assim, bem o sabemos.
Assim, como?
José Cardoso Pires, E Agora, José? (p. 19-21)

2011 - Ano Internacional das Florestas



Quando é que o HOMEM toma consciência do mal que causa ao planeta e à sobrevivência de TODOS OS SERES VIVOS?
O Homem, o pior dos predadores pelos motivos mais horríveis.