quinta-feira, 10 de julho de 2014

Como um rio que nunca se repete assim também é a vida






Já aqui falei uma vez do Yangtse, um dos maiores rios da China; falei de quando o atravessei, não na zona desta fotografia, que é de X'ian, mas bem mais próximo da costa e, por isso, com muita mais água, também ela feita emoção.
Não, a minha intenção não é falar agora nem do rio nem do país que o mesmo, para além de atravessar, em grande medida conforma e até modela. A minha intenção é outra, pois quero simplesmente dar expressão ao que vejo quando vejo uma imagem assim (Reuters): dialéctica do incomensurável, neste caso entre o que possa ser a superfície ou a profundidade que a mesma sempre encobre; transitoriedade das formas, imagem do que se passa com os sentimentos; dificuldade da navegação, quando se trata de evitar escolhos; importância da Amizade para não tropeçar e, de preferência, poder progredir.
Como um rio que nunca se repete, assim também é a vida que temos: transitória, fluida, dinâmica, crescentemente decrescente, para além de ser o que sabemos ela ter de ser: decrescentemente crescente!
O rio, desemboca no mar; a vida, para uns, apenas leva à morte; para os crentes na Pessoa de Jesus Cristo Ressuscitado, a vida leva à Vida, o amor a mais Amor, a alegria à Festa que nunca acaba.
Como o Yangtze que move as areias escondidas daquela Xian que ainda não conheço, assim também o Mistério que nos percorre move os átomos do que somos, as porções da nossa vida, os escolhos que nos moldam.
Com muita ou pouca água, um rio nunca deixa de o ser. Mas nós? Nós, para além de sermos «rio» somos algo infinitamente mais, pois somos: Liberdade! E contudo, sendo livres, permanecemos focos de uma Esperança que só pode ser dinâmica, que só mostra bem quando se sente e que, claro, nunca se sente tanto como quando dela temos saudade ou falta. Por isso, mesmo quando «secos», ou até sem vontade, uma coisa temos de saber fazer: continuar, passo-a-passo, em direcção à Meta, correndo para a Foz em que, desembocando, se encontra a Vida; ou, ainda mais, se revela o Amor que não pode mais ter fim, pois o Fim é ele mesmo. Sem mais, já que só o Amor é fonte e razão de ser da Esperança. E da corrida que fazemos em direcção ao Oceano da nossa mais profunda, inequívoca e transcendente realização. Em Deus!


Pe. Vila-Chã 

quarta-feira, 9 de julho de 2014

As cores do equipamento da Alemanha no Mundial de futebol 2014



Não gostei das cores do equipamento da Alemanha neste mundial de futebol:
preto, vermelho e branco.
Infelizmente, levaram-me a recordar as mesmas cores utilizadas pela Alemanha num passado histórico bem trágico e doloroso para o mundo...

Brasil - Alemanha 2014





Custa muito perder mas, que me desculpem os brasileiros: perante a Colômbia, a confusão, a desorganização, a estranha euforia, até as faltas constantes e incríveis contra o adversário, deram bom resultado, mas, perante uma equipa tecnicamente irrepreensível como foi sempre a da Alemanha, concentrada no jogo, com passes de bola fabulosos, com uma distribuição do jogo certeira e uma atitude coletiva claramente assertiva e racional, com uma movimentação em campo excecional como quase nenhuma apresentou... 
 
Já agora, não sei se reconheceram também a diferença na postura dos dois treinadores. Na atitude.
 
Paciência, Brasil. Quando se joga, perde-se ou ganha-se, seja com golos, dinheiro e não só. Mas, mesmo perdendo, todos os jogadores de todas as seleções arrecadaram milhares, particularmente em campeonatos como este.

Tenho pena é de mim e de milhões como eu que fazem as contas a meio do mês para esticar os tostões até ao fim!


Nazaré Oliveira

quarta-feira, 2 de julho de 2014

Artur Carlos de Barros Basto





Um dos actos mais chocantes de perseguição política e religiosa praticado pela ditadura do Estado Novo continua, 74 anos depois, a produzir os seus efeitos, uma vez que o Estado democrático ainda não corrigiu a injustiça. A vítima foi Artur Carlos de Barros Basto, um capitão do Exército português convertido ao judaísmo, que foi banido do Exército por praticar actos próprios desta religião. O caso é paradigmático por acção (do Estado Novo) e por omissão (do Estado democrático), uma vez que um pedido de reintegração formulado pela viúva do militar já depois do 25 de Abril foi rejeitado com base nas mesmas acusações que haviam fundamentado a injustiça.
Denunciado anonimamente por homossexualidade, Barros Basto foi totalmente ilibado em tribunal, mas o Exército, embora declarando também não provados os actos de homossexualidade, condenou-o, em Junho de 1937, por ter feito a circuncisão a vários alunos do Instituto Teológico Israelita do Porto (onde era professor) e por os cumprimentar com beijos nas faces como era normal entre os judeus sefarditas de Marrocos, onde Barros Basto se convertera ao judaísmo. Os militares acusaram-no, então, de não ter “a capacidade moral para prestígio da sua função oficial e decoro da sua farda” e aplicaram-lhe uma sanção que tem tanto de absurda como de degradante. Foi condenado na pena de “separação de serviço” que o afastou definitivamente do Exército, o privou das remunerações e respectivos benefícios sociais, o impediu de usar a farda, distintivos e insígnias militares, mas - pasme-se - manteve-o sujeito à disciplina militar, podendo a todo o momento voltar a ser julgado e condenado por qualquer facto que os militares julgassem incompatível com o “prestígio da função” (que já não exercia) ou ofensivo do “decoro da farda” (que já não vestia).
Contudo, o verdadeiro “crime” do capitão Barros Basto foi, de facto, o trabalho de “resgate” dos marranos, ou seja, dos descendentes dos judeus convertidos à força para escapar à expulsão decretada pelo rei português D. Manuel, em 1496, e às perseguições que se lhe seguiram, principalmente pela Inquisição. A maioria desses “convertidos”, também chamados “cristãos-novos”, manteve-se fiel às suas crenças e continuou a praticar secretamente os actos de culto do judaísmo. Barros Basto, o “apóstolo dos marranos” como foi designado, percorreu o país, identificando os descendentes clandestinos desses cripto-judeus, trazendo-os à luz do dia e fazendo com que eles não se sentissem civicamente diminuídos por professar a religião em que acreditavam. Foi um ousado trabalho de recuperação da dignidade de uma religião cruelmente perseguida durante séculos, mas sobretudo um audacioso combate ao medo e até à vergonha de a praticar em público. Na verdade, uma das facetas mais hedionda da perseguição aos judeus em Portugal foi a conversão forçada daqueles que, por falta de recursos, não puderam acatar a ordem de expulsão e abandonar o país. Muitos deles acabariam queimados nas fogueiras da Inquisição ou então linchados por turbas fanatizadas como aconteceu em Lisboa, em 1506, em frente da Igreja de São Domingos, onde milhares de judeus foram assassinados.
Ora, numa época em que (mais) uma onda de anti-semitismo varria a Europa e que iria conduzir ao holocausto nazi, a acção de Barros Basto não podia ser tolerada por um regime de características fascistas e germanófilas, cujas instituições mais representativas estavam, também elas, imbuídas de um milenar anti-semitismo e marcadas por séculos de intolerância religiosa e de perseguição aos judeus. Comparado a Alfred Dreyfus, por uns, ou a Aristides Sousa Mendes, por outros, Artur Barros Basto continua, porém, ao contrário desses, com a memória manchada por uma condenação infamante - talvez porque nunca houve em Portugal um Émile Zola que acusasse publicamente os seus acusadores.
E, assim, estranhamente, 37 anos depois do 25 de Abril, ainda ninguém teve a coragem de reparar a injustiça feita a um oficial do exército português, convertido à religião judaica, condecorado por actos de bravura durante a I Grande Guerra e que, em 1910, hasteara a bandeira da República na Câmara Municipal do Porto. Estranhamente!…


Marinho Pinto

terça-feira, 1 de julho de 2014

Locke

«Locke», a film with Tom Hardy as the sole «real» actor, deserves two things: to be seen; to be intensely, and carefully, discussed. We consider this «low cost» movie one of the filmic events of the present season! Very touching. Just amazing!



Um filme, ou uma qualquer outra Obra, é apenas isso? Por definição, não. Uma obra de arte nunca existe sozinha, pois ela exige sempre a presença do intérprete, seja ele leitor, espectador, ouvinte, ou como se lhe queira chamar. Neste momento partilho um facto: fui ao cinema; e ofereço a razão desta minha intervenção: acabo de ver um dos filmes mais «impressionantes» de sempre. Digo «impressionante» a propósito de um filme em que, «ao vivo», entra apenas um actor (Tom Hardy). Faz sentido? Sim, precisamente na medida em que se trata de um filme que declama as horas dramáticas, simultaneamente calmas e «furiosas», esperançosas e dramáticas, de um homem chamado Ivan Locke, um encarregado de obra (capataz) em Birmingham, que por um motivo muito pessoal decide, no fim de um longo e complexo dia de trabalho e na véspera de uma das maiores operações de construção civil na Europa, ainda da sua responsabilidade, se mete no seu BMW e navega a auto-estrada que liga Birmingham a Londres. Na prática, o filme começa com a troca da direcção do pisca-pisca: estava primeiro para um lado; de repente mudou para o outro! Assim começa o drama de um homem que, como diria Kant, movido por um apurado sentido do DEVER e da RESPONSABILIDADE PESSOAL, toma uma decisão, da qual não abdica, uma decisão certamente justa e que ele pensa ser absolutamente correcta mas que o vai levar, em poucas horas, a perder (quase) tudo: o emprego onde é brilhante, a mulher que ama... tudo menos o carro que guia do princípio ao fim do filme! Tudo, por uma simples razão: o dever de assumir a sua responsabilidade como pai de uma criança que lhe está para nascer fora do matrimónio e de uma mulher que não ama, num mundo que não se poderia interessar menos por uma decisão como a sua. Simplesmente profundo! Tão profundo como, arrisco dizer, nunca antes vi numa simples pantalha de cinema, ainda por cima, neste caso, com um filme de baixo custo, com apenas um actor «real» (dos outros temos apenas a voz através do telefone do BMW em marcha constante, por vezes quase errante, numa motorway britânica em hora de ponta). Numa classificação de 1 a 5, dou, no mínimo, seis estrelas a este filme! Verdadeiramente excelente! Um filme que merece ser usado em todos os Cursos de Ética que se façam nos próximos anos; um filme que não pode deixar de fazer pensar; um filme memorável com Tom Hardy a fazer uma performance como nunca antes vi. Simplesmente dito: um verdadeiro fora-de-série, este filme intitulado «LOCKE» e que agora, felizmente, posso dizer que já vi. Dito isto, a minha recomendação: quem para isso tiver oportunidade, não perca um filme que, como poucos, tem o condão de fazer pensar: no que sejam as coisas da vida, no que seja ou não o amor, no que sejam o sentido do dever e da responsabilidade, no que seja, enfim, a razão de ser e o sentido que, de verdade, a algures nos pode levar. Pela comoção, nunca aplaudiria um filme como este. Mas se pudesse dava um Abraço a todos os que o fizeram, ou não fosse este um daqueles filmes que, como sempre de novo vai acontecendo, resgatam a Sétima Arte para o que esta tem de melhor ou mais importante, e que julgo ser isto: a capacidade de nos ajudar, ou fazer pensar! E se alguém me disser que o filme não é perfeito, terá certamente a minha concordância. Mas com uma condição: que o filme seja visto com olhos de gente adulta, numa atitude de investigação interior,numa disposição para a empatia iluminada pela razão. Pelo que repito: a ideia do Filme, mais do que tudo, é... simplesmente brilhante! Mas que ninguém se iluda: o filme não é fácil e a mim só não me fez chorar porque não podia!


domingo, 29 de junho de 2014

Economia para totós





O nosso “ajustamento” está a chegar ao fim e, aos poucos, vamos regressando aos “mercados”.  
Desse tal “ajustamento”, o resultado está à vista: baixa de salários, cortes nas pensões, desemprego, emigração, cortes na saúde, cortes na educação, cortes nos apoios sociais, empobrecimento geral, destruição da classe média, fome, exclusão, suicídios e, claro, aumento da dívida pública, como não podia deixar de ser, bem como a privatização da ANA, dos CTT e dos Estaleiros de Viana. 

Mas ainda não lhes chega, é preciso baixar ainda mais os salários, é preciso cortar mais nas pensões e tornar os cortes definitivos, é preciso entregar a saúde e a educação aos privados, é preciso concretizar o retrocesso civilizacional que se propuseram levar a cabo, é preciso entregar a TAP aos amigos, bem como as Águas de Portugal e, pasme-se, já se fala até da privatização da Segurança Social. É já a seguir, com o “programa cautelar”. 

Num futuro próximo estaremos “ajustados” ao Bangladesh. Nessa altura, a nossa economia será concorrencial mas, regressemos então aos “mercados”. 
Nos tempos que correm, as palavras já não querem dizer nada. São como bolinhas de sabão, paroles, paroles… deixemo-nos de eufemismos e tratemos os bois pelos nomes: mercados é sinónimo de alta finança, nacional e internacional. Ponto final!
Tempos houve em que tínhamos um Banco de Portugal que servia para alguma coisa, que podia imprimir moeda, que controlava a economia, que regulava o sistema financeiro e que fiscalizava a banca. Hoje, o Banco de Portugal não serve para nada a não ser atribuir reformas principescas, não temos independência económica, temos uma moeda que nos é desfavorável e estamos subjugados pelo Banco Central Europeu, governado por um mafioso que empresta dinheiro aos “mercados” a 1%, para que estes “ajudem” os países a 5 e 6%.

Vivemos ao sabor dos humores das agências de ratting e da ganância dos “mercados”, e estes, que em tempos foram controlados pelos Estados, têm hoje o poder de colocar povos, países inteiros de joelhos, fazendo-o sem qualquer pudor. 

É esta a nossa economia, uma economia para totós, e os totós somos nós, são os nossos filhos e serão os nossos netos, que passarão as suas vidas a engordar os “mercados”.

Algures entre tratados, neste processo de integração europeia em que nunca acreditei porque já cá ando há muitos anos e sei de que massa somos feitos, fomos traídos. 
De uma Europa que se esperava solidária, para as pessoas, para a cultura, para o trabalho e o bem estar social, resultou uma Europa dos “mercados”, da ganância, do desemprego, da exclusão, da fome e dos suicídios.
 
Não tenhamos ilusões: os neo-liberais, para quem as pessoas não passam de números, estatísticas, e o que conta são os “mercados” e os cifrões, vieram para ficar e ficarão por muitos anos. Ganharam a batalha e não tiveram que se esforçar muito. Bastou-lhes colocar meia dúzia de marionetes em lugares chave e esperar que os “socialistas” e “sociais-democratas” europeus lhes entregassem a Europa de mão beijada. Um verdadeiro golpe palaciano do qual nos arrependeremos para sempre, porque esta gente causa mais estragos e mata mais gente que os ditadores. 

Quem não tiver seguro de saúde, morrerá à porta dos hospitais, os velhos, os improdutivos e os desempregados morrerão à fome ou ficarão entregues à caridade.  
Mas nem todos nos deixamos embalar por eufemismos. Pena é que sejamos poucos… por agora!


Carlos Galvão

sábado, 28 de junho de 2014

A Seleção de Portugal ou o Portugal da Seleção?

Um artigo que também nos põe a pensar. A pensar na Seleção mas, sobretudo, para além dela.

Já agora, a afirmação de Paulo Bento: "Tivemos o que merecemos". Lembram-se?

Oh, my God!





A comunicação social quase não falou no assunto, mas a selecção portuguesa de futebol foi eliminada do mundial do Brasil. E é uma tragédia nacional.

Pessoalmente, ainda estou que nem posso. Não me conformo com a ideia de deixar de ver directos nos telejornais sobre a chegada do autocarro da selecção ao hotel. Acompanhava com enorme comoção patriótica o destino daquelas litradas de azeite e daqueles quintais de bacalhau que nunca mais vou saber como terminarão. Vou ter que começar a conviver com a imprevisibilidade de mudar de canal sem saber o que me espera e tanta incerteza prejudica a minha estabilidade emocional. Ao menos que algum daqueles especialistas em tudo e mais alguma coisa, os tais que agora dizem de si próprios serem intelectuais de direita sem medo, se atrevesse a propor para os jogadores e equipa técnica da selecção a sua receita infalível para fazer aumentar a produtividade do país.

Não que defenda reduções de salários como estratégia para se conseguir mais do que desequilibrar contas públicas que são função de uma estrutura fiscal salário-dependente, rebentar com o consumo que sustenta a grande maioria das nossas empresas, concentrar ainda mais a riqueza e eternizar o atraso estrutural do país.

Ninguém trabalha melhor ou produz mais por receber menos, pelo contrário, e os jogadores de futebol não são excepção. Mas podia ser que, se algum destes génios tivesse coragem para tanto, a manada que se entusiasma com o espectáculo de um autocarro a chegar a um hotel e com os penteados do Cristiano Ronaldo se desse conta dos disparates debitados por esta tropa de elite.


Não digo que se revoltassem, o 12º jogador comprovadamente é gado manso. Mas podia ser que, confrontados com o que estão a permitir acontecer no país que deixarão a filhos e netos, se lembrassem deles na próxima vez que gritassem “viva Portugal”.

“Viva Portugal” não é aquilo. Viva Portugal é o país que poderíamos ser se não nos contentássemos com sonhos pequeninos como a conquista de uma porcaria de um mundial de futebol.  Ainda por cima um mundial feito com milhões roubados à Saúde, à Educação, à Habitação do país sonhado por tantos brasileiros que se organizaram para dizer ao mundo o significado do “viva o Brasil” que querem que viva, e que não é o Brasil do futebol.

Soubéssemos nós reaprender com eles a sonhar em vez de andarmos sempre a dizer adeus ao sonho. Teria sido o nosso melhor mundial de todos os tempos. "Não há-de ser nada". Fica para uma próxima. Fica sempre.


Filipe Tourais in http://opaisdoburro.blogspot.pt/