sábado, 11 de agosto de 2012

O genocídio de Srebrenica




Falar em Srebrenica é lembrar os 520 muçulmanos mortos em 1995 pelas forças sérvio-bósnias, num massacre considerado pela justiça internacional como genocídio, passados que foram 17 anos.
Falar em Srebrenica é, infelizmente, recordar o holocausto nazi e lembrar que o perigo e a ameaça da extrema-direita permanecem nesta Europa falsamente ancorada em princípios e valores unionistas e, sobretudo, constatar que o Mundo continua a não olhar para a História, a História recente escrita com o vermelho do sangue de inocentes e envolvida com a mortalha negra da monstruosidade e do ódio sem limites que um genocídio sempre foi e sempre será.
Aqui, na Europa, como em qualquer parte do mundo, onde ditadores sanguinários continuam a enveredar pelo massacre como forma de limpar e excluir o que diferente lhes parece porque diferenças não admitem, sejam diferenças étnicas, religiosas, políticas, culturais e até sexuais.
Estamos no século XXI, perigosamente iludidos com o brilho efémero de uma civilização tecnológica que no essencial não tem unido, pelo contrário, mas marcado as grandes diferenças que têm tornado o nosso mundo num mundo cada vez mais desigual e desumano.
Coexiste a solidariedade e o sentido humanitário de tanta gente e de tantos países, sim, mas também a crueldade, a perversão e os crimes inimagináveis de gente dita normal que mata inocentes por puro prazer ou diversão.
Estamos muito longe de atingir um estádio civilizacional e um diálogo multicultural do qual nos orgulhemos, estádio esse que marcaria, sem dúvida, a diferença, quando ao olharmos à nossa volta e, em matéria de relações internacionais, não víssemos a desconfiança apoderar-se dos acordos efetuados ou até mesmo das negociações que se fazem, fracassadas quase de imediato num claro desrespeito por palavras e atos, assinaturas e apertos de mão sorridentes.
Cada vez é mais notória a falta de uma cultura humanista, que olhe  o outro de igual para igual e o respeite até na diferença, vendo nessa diferença um meio de enriquecimento cívico e cultural, único, forte e duradouro, e o fortalecimento de verdadeiros acordos diplomáticos firmados com seriedade, inteligência e respeito mútuo.
Continuamos a assistir a ameaças constantes à Paz e aos Direitos Humanos. Aos jogos de guerra, à Diplomacia de ocasião, aos acordos de interesses no papel que fugazmente desaparecem no campo de operações e às mentiras que se forjam no mundo paralelo da corrupção, tráfico de armas e dos nacionalismos que à destruição tem levado gentes e terras por esse mundo fora.
Veja-se a realidade dos campos de refugiados, o horror das mulheres e meninas violadas e perseguidas nesses cenários de medo e terror, o horror da infância roubada às crianças-soldado e os assassinatos impiedosos de velhos para quem a vida mais morte lhes foi.
Pela primeira vez, desde o fim do conflito étnico de 1992-95, o aniversário do genocídio acontece com os principais responsáveis pelo massacre, Ratko Mladic e Radovan Karadzic atrás das grades e que, depois de vários anos foragidos, enfrentam agora a justiça internacional.
Srebrenica é considerada a pior atrocidade cometida na Europa desde a segunda guerra mundial, onde, aproximadamente 8.000 homens e adolescentes foram assassinados em poucos dias. Segundo o jornal ÚltimoSegundo (br), milhares de homens e meninos com idades de 10 a 77 anos foram cercados e assassinados. Aqueles que tentaram esconder-se nas suas casas foram, de acordo com as evidências apresentadas no julgamento do general sérvio Radislav Krstic, em Haia, em 2000, "caçados como cães e massacrados".
"Presenteamos a Srebrenica sérvia ao povo sérvio. Chegou o momento de vingar os 'turcos' (nome depreciativo para os muçulmanos bósnios)", disse Mladic em Srebrenica, aos repórteres de rádio e televisão.
Mais de 60 camiões com os refugiados saíram de Srebrenica para locais de execução onde foram vendados, tiveram as mãos atadas e foram mortos a tiro. Algumas das execuções foram feitas à noite sob a luz de refletores. Posteriormente, escavadoras industriais empurraram os corpos para valas comuns. Alguns foram enterrados vivos, disse em 1996 ao tribunal de Haia o polícia francês. Segundo ele, há provas de que as forças sérvias mataram e torturaram os refugiados à vontade. Muitos cometeram suicídio para evitar que seus narizes, lábios e orelhas fossem cortados e também há relatos de adultos que foram forçados a matar os seus filhos ou a assistir ao assassinato dos mesmos pelos soldados.
Há tantas Srebrenicas pelo mundo fora! Tantas Srebrenicas para combater!

Nazaré Oliveira


Mais informação aqui e neste vídeo (não deixem de ver):

quinta-feira, 9 de agosto de 2012

Parabéns, Universidade do Porto!





A U.Porto entre as 8 melhores da Europa no Webometrics! A única universidade portuguesa no top 100 mundial!

A Universidade do Porto continua a subir nos rankings e, desta feita, surge na 8ª posição entre as 100 universidades com maior popularidade online da Europa, de acordo com o ranking Webometrics.

A lista mundial é liderada pela norte-americana Universidade de Harvard (as universidades norte-americanas dominam o top 50, ocupando 41 destas posições) e a Universidade do Porto surge na 69ª posição. No que concerne às universidades europeias, o ranking é encabeçado pela Universidade de Cambridge.

A U.Porto, que surge no 8º lugar, é a única universidade portuguesa a figurar nos primeiros cinquenta lugares. Ainda neste top 100, surge a Universidade Técnica de Lisboa (61ª posição), a Universidade de Coimbra (74ª), a Universidade de Lisboa (84ª) e, por fim, a Universidade do Minho (98ª).

O Webometrics é um ranking que avalia a presença e o impacto das universidades na internet, incluindo critérios como a presença, o impacto, a abertura ao acesso e a excelência científica.

PARABÉNS À MINHA UNIVERSIDADE, AOS SEUS PROFESSORES E AOS SEUS ALUNOS!

quarta-feira, 8 de agosto de 2012

Os bancos também são culpados




Questiono-me todos os dias e fico revoltada por continuar a não ver os bancos a ajudar as pessoas mas as empresas, as grandes, os grandes, chegando-se a situações-limite que obrigam as famílias a ficar sem as suas casas, sem o dinheiro que até agora entregaram através das prestações mensais, a ir viver “como calha”, metidas em “quartos alugados” ou numa situação de claro desespero junto de velhos familiares, dependentes das pequenas reformas dos seus pais, sujeitas a tudo e mais alguma coisa para sobreviver à humilhação que é, ao fim de uma vida, ao fim de tantos sacrifícios, verem ser-lhes retiradas as casas que com tanto sacrifício iam pagando para algo aos seus filhos deixar.
Segundo dados oficiais atuais do Banco de Portugal, o número de famílias com dificuldades em pagar os seus empréstimos continuar a aumentar.
Em março, os valores do crédito malparado voltaram a atingir novos recordes e só no primeiro trimestre deste ano 27.800 portugueses entraram em situação de incumprimento, ou seja, por dia, há mais de 300 portugueses que deixam de pagar os seus empréstimos. Que não conseguem, digo eu!
Segundo o PÚBLICO de 6 deste mês, mais de 15% das famílias devedoras à banca estão nessa situação, e a crise, no segundo trimestre, arrastou mais 10 mil famílias para a mesma e há também mais empresas que não conseguem pagar os empréstimos à banca.
De acordo com os dados da Central de Responsabilidade de Crédito, divulgados esta segunda-feira pelo Banco de Portugal, no final do segundo trimestre havia 708.515 famílias com crédito vencido, o que corresponde a 15,6% do total. É o número mais alto desde que a instituição tem registo dos dados, ou seja, desde o início de 2009.
Depois do aumento recorde de 4,1% no primeiro trimestre do ano, o incumprimento entre particulares voltou a subir no segundo trimestre, mas bem menos – 1,4%. Ou seja, mais 10.093 famílias deixaram de conseguir pagar os seus créditos.
O incumprimento está a aumentar, sobretudo, no crédito ao consumo, onde havia, no final do segundo trimestre, mais 13.525 famílias com crédito vencido do que nos três primeiros meses do ano (um aumento de 2,1%). No total, há mais de 649 mil famílias com este tipo de crédito em atraso, o que corresponde a 17,5% do universo total.
No crédito à habitação, o número de devedores em incumprimento superou os 150 mil, mais 1,1% do que no primeiro trimestre. Cerca de 6% dos devedores com empréstimos para compra de casa apresentam crédito vencido. Nas empresas, o cenário também tem vindo a degradar-se. Segundo os dados do Banco de Portugal, no final de Junho, 27,4% das empresas tinham crédito em atraso, o que é, também, o valor mais alto de sempre. Este valor é superior, não só, ao do trimestre anterior (26,1%), mas também ao do final de 2011 (24,4%).

Embora o crédito ao consumo represente a maior fatia do incumprimento, o crédito à habitação tem vindo a ganhar cada vez mais relevância, uma situação que os especialistas garantem ter um impacto social maior, sobretudo se o cenário continuar a agravar-se.
Do total de famílias com crédito malparado, um terço corresponde a portugueses que deixaram de pagar o empréstimo da casa. Só no período entre janeiro e março deste ano o número total de famílias com crédito vencido na habitação ascendeu a 148.717, o que significa que há mais de 8.800 famílias que entraram em incumprimento com a prestação do crédito à habitação. Por dia, quase 100 famílias deixaram de pagar a casa no primeiro trimestre deste ano em relação aos três meses anteriores.
Estes dados refletem sobretudo a subida do desemprego e a perda de rendimentos, já que o crédito à habitação é aquele que as famílias, por norma, só deixam de pagar em última instância.
Os pobres e desgraçados do costume já vêm o crédito “mais do que vencido” e quase vencida a sua força para conseguir sobreviver: grande parte destes vive em más condições de habitabilidade, estão desempregados, têm filhos menores, estudantes, comem mal, fingem que estão bem (repare-se na notícia do PÚBLICO de hoje: “a crise já é causa de doença!”) e ainda vão tendo uma réstia de esperança quando se arrastam até aos Centros de Emprego ou esperam a  ajuda que tarda de um governo  eleito democraticamente e que tudo prometeu menos a miséria em que os/nos colocou.
De facto, por que razão não se penalizam esses bancos e esses gestores, esses primeiros-ministros, esses ministros e esses presidentes da República que durante estes últimos anos consentiram e calaram a escalada mortal que se avizinhava, permitindo a queda brutal acontecida? Que, afinal, venderam o Eldorado aos seus clientes, os assediaram com uma panóplia de serviços e bens apelativos, taxas e spreads, o paraíso… apoiados pelo Governo… até ao golpe final, agora avassalador, deixando-os entregues à sua sorte, criminosamente indiferentes e sadicamente alheados do(s) pedido(s) de ajuda, feito(s) como um grito prestes a soltar-se ou uma raiva mal contida que dos olhos em lágrimas sai?
Entram nos bancos, quase a medo, com esperança, envergonhados, pedindo a renegociação da sua dívida, pedindo dignidade, mas saem vazios e voltam a mergulhar no horror de mais um “não” que os despedaça.
Choca esta contínua falta de responsabilidade que deveria ser assacada aos bancos e a quem os autorizou a chegar a este ponto, pois foi a banca que criou este monstro que, atualmente, aos pobres tem engolido o que de pouco e confiante lhes haviam prometido e facilitado.
Não é correto culpabilizar os cidadãos que a eles recorreram, quando esses mesmos bancos, de forma terrivelmente agressiva, lhes facultavam este mundo e o outro, com facilidades de pagamento e taxas apelativas. Não! Qualquer pessoa sonha e quer bem-estar e é legítimo que o tenha quando para tal trabalhava. O que não é correto é esta cobardia dos bancos, do governo, a demarcarem-se escandalosamente do seu papel de Estado Social, como se não ouvissem o clamor do povo e a sua indignação pela crise gerada e pela democracia corrompida. É criminosa, esta atitude. Desleal.
Chocam-me as impunidades no nosso país, as exceções, as desigualdades sociais cada vez mais visíveis, os jogos de bastidores, o espírito oligárquico (de má memória!) na História de Portugal!
Os bancos criaram isto e sabiam que isto ia acontecer. Aos outros, claro! Inclusivamente, a "nossa" banca cooperou, com conhecimento e aval do estado português em negociações com a finança mundial, estabelecidas pelos bancos norte-americanos que, como sabemos, foram o cerne desta crise.
Dando crédito às grandes empresas vai animar uma economia que vive de uma vasta rede de médias, pequenas e microempresas ou vai contribuir para a queda da produção e a perda de postos de trabalho?
nazaré oliveira

segunda-feira, 6 de agosto de 2012

Nada justifica a crueldade

Haja respeito pelos animais! Respeito e dignidade ao longo da sua existência, sejam humanos ou não humanos.

A realidade que este vídeo da PETA apresenta é mesmo REALIDADE. É horrível, remexe-nos as entranhas, revolta-nos, enoja-nos, faz-nos chorar, gritar e pensar que nada disto faz sentido porque nunca a crueldade sentido fará. A crueldade e a tortura.

As pessoas que comem carne, que não conseguem (ainda) prescindir da carne, devem ver o vídeo até ao fim, pois só assim ficarão a saber o que se passa nestes lugares aterradores que são os matadouros (no vídeo abatedouros) e, sobretudo, constatar como é dolorosa a falta de compaixão para com aqueles seres que sentem profunda e dolorosamente a morte, que são golpeados e esquartejados ainda vivos, perante o olhar frio e impiedoso de mãos que prendem, atam, esfaqueiam, golpe a seguir a golpe, num cenário impiedoso que ao lucro e gula servirão.

Compreendo não ser fácil as pessoas deixarem de comer carne "de um dia para o outro" mas, também não considero impossível que essas pessoas o deixem de fazer, pois tudo passa pelo esforço e a vontade que cada um de nós tem em mudar este estado de coisas, de uma nova postura perante a Natureza, o Ambiente e até a própria Vida.

Querer é poder.

Nada justifica a crueldade, a humilhação e o sadismo. Nada nem ninguém.





 No vídeo "Glass Walls" (Paredes de Vidro), produzido pela PETA, Paul McCartney expõe de forma detalhada e contundente a indústria de carnes, ovos e leite. Legendado por Aline Caliman e Guilherme Carvalho.

domingo, 5 de agosto de 2012

A dissolução da Europa


Esta semana, o primeiro-ministro italiano alertava a Alemanha para o risco de "dissolução da Europa". É perturbador ler isto mas não me surpreendeu.

De facto, numa União Europeia que deveria cumprir aquilo a que se destinou e que tanto apregoou, isto é, aproximar a Europa dos seus cidadãos e os povos da União entre si, e que considera primordial assegurar a paz, prosperidade e estabilidade às suas populações, consolidar a reunificação do continente, garantir a segurança dos cidadãos, promover um desenvolvimento económico e social equilibrado, vencer os desafios da globalização e preservar a diversidade dos povos europeus, e ainda, fomentar o desenvolvimento sustentável, a qualidade do ambiente, os direitos humanos e a economia social de mercado, a União Europeia está a falhar na política de solidariedade e de coesão que deveria ser, sempre, a prioridade das prioridades.

A Europa não conseguirá viver unida nem sobreviverá como UE se mantiver a posição atual de subordinação aos interesses dos poderosos que a integram, caso da Alemanha e da França. Afinal, não foi com este espírito que esta União foi criada nem assim se justifica a posição dos que nela sonharam concretizar a formação de um espaço territorial forte, próspero e solidário, económica mas também socialmente.

Nunca o económico deveria impor-se ao social como temos visto, com a clara opressão e dependência dos mais fracos, dos de menos recursos ou dos que maiores adversidades sofrem.

Nesta contabilidade da desgraça, aquilo a que assistimos atualmente é à afirmação nada desejável e até preocupante de países como a Alemanha com um acentuado nacionalismo de má memória, que mais imperialismo parece querer voltar a ser, esquecida que está do mal que fez e dos males que deixou quando também permitiu lideranças de gente obcecada pelo poder a qualquer preço. E esse mal foi o nazismo - o pior dos fascismos -, foi a aceitação de um monstro ao qual serviram e ao qual nunca se opuseram, inebriados pela ideia de um mundo ariano omnipotente assente numa Mein Kamft de horror, sangue e morte e na crença de um mundo que humilhasse (como humilhou) e que escravizasse (como escravizou), agindo pela força das armas mas também pela força da ignomínia e do genocídio que ao desespero e à “solução final” milhões levou.

A Alemanha não tem moral para ter a arrogância que tem tido relativamente aos outros países da UE. A Alemanha (e não só!) deve rever os compromissos a que é obrigada por via das disposições comunitárias e rever, sobretudo, os objetivos dessa união.

A Alemanha atual que é a Alemanha da arrogância e do nacionalismo de pendor ditatorial, nunca cumpriu os seus compromissos desde a 1ª guerra mundial sendo exatamente os seus incumprimentos a razão principal do deflagrar das duas guerras mundiais iniciadas na nossa Europa.

Quando a própria UE diz e reforça a necessidade que os países que a compõem continuem a trabalhar em conjunto, para assegurarem o seu crescimento económico e serem capazes de concorrer a nível mundial com outras grandes economias, quando afirma que isoladamente nenhum país da União tem dimensão suficiente para fazer valer os seus interesses na arena do comércio mundial, quando pretende que o mercado interno europeu proporcione às empresas uma plataforma essencial para uma concorrência eficaz nos mercados mundiais, quando defende que este grande espaço de livre concorrência tem de ter como corolário uma política de solidariedade de dimensão europeia que beneficie de forma clara e concreta os cidadãos europeus, e que os fundos estruturais, geridos pela Comissão Europeia incentivem e complementem os esforços das autoridades nacionais e regionais da União para reduzirem as desigualdades existentes entre as diferentes partes da Europa… Olhamos para a atualidade e que vemos?  

Vemos o servilismo da Europa face à Alemanha, a exigir e a regulamentar financeira e despoticamente todos os outros, esquecida que está da vertente fundamental que a União Europeia jamais deveria secundarizar, e muito menos, alhear-se, que é a da SOLIDARIEDADE entre os seus estados.

A aplicação dos fundos estruturais e dos fundos de coesão é cada vez mais urgente e, numa fase de depressão mundial como a que vivemos, a transferências de fundos dos países ricos para os países pobres é cada vez mais pertinente, sem que isso leve à humilhação de uns países sobre os outros ou de políticas financeiras suicidas, como o que se passa com a Alemanha face à Europa em geral e à do sul em particular.

Robert Schuman, Konrad Adenauer, Alcide de Gasperi e Winston Churchill, quiseram uma nova era para os europeus libertando-os de totalitarismos que desgraçadamente separaram e dizimaram gentes e valores.

Recentemente,  o primeiro-ministro italiano Mario Monti alertou a Alemanha para o risco de um "confronto entre Norte e Sul" na Europa, numa entrevista hoje publicada pela revista alemã Der Spiegel. Este estadista falava em tensões que "contêm "a semente da dissolução psicológica da Europa", considerando "muito preocupante" o aumento das tendências nacionalistas que cada vez se fazem sentir mais. E nós também vemos e sentimos isso. Monti chega a referir que, mais do que financiamento, o sul da Europa precisa de solidariedade, apoio moral. E é verdade, sim.

 Segundo a Lusa desta semana, Draghi, presidente do Banco Central Europeu, afirmou que o "conselho de governadores desse Banco poderá aplicar mais medidas não convencionais para restaurar a transmissão de política monetária”, uma referência à possibilidade de o BCE voltar a comprar títulos de dívida europeia e assim reduzir as taxas de juro pagas por países como a Espanha e a Itália. Acrescentou que qualquer nova compra de obrigações pelo BCE terá de ser precedida por um pedido de ajuda a um dos fundos de estabilidade financeira. No entanto, a ideia de o BCE financiar diretamente os Estados da zona euro não agrada a todos os membros do Banco, particularmente à Alemanha.

"Essas preocupações são infundadas", disse Monti ao Spiegel. "É exatamente essa desconfiança que nos impediu de encontrar uma solução clara para esta crise. Temos que a superar e voltar a confiar uns nos outros."

Só a união fará a força da UNIÃO. Mas uma união séria, onde o compromisso e  a ética por todos seja assumida e não só por alguns, como aconteceu com as disposições do Tratado de Versalhes, lembram-se?


Nazaré Oliveira

Como os Políticos enriquecem em Portugal

Alguns exemplos, alguns exemplos!



Como os Políticos Enriquecem em Portugal, um livro de António Sérgio Azenha com prefácio e apresentação de Henrique Neto.
Ministros e secretários de Estado em Portugal que ganhavam menos de 6.000 euros mensais mas que, depois de saírem do Governo, passaram (muitos deles) para empresas tuteladas pelo Estado onde os seus salários duplicaram, triplicaram, quadruplicaram...
Essa transferência milionária dos políticos para a esfera empresarial é legal face a um quadro legislativo permissivo. Mas será eticamente correta? A passagem pelo Governo, em demasiados casos, não será apenas um trampolim para a riqueza? Como os Políticos Enriquecem em Portugal dá-nos a conhecer uma amostra representativa.
Desde 1995, os rendimentos da classe podem ser consultados no Tribunal Constitucional, e há casos em que os aumentos rondaram os 3.000%, o que equivale a, por exemplo, ganhar cerca de 22.000 € anuais antes de entrar para o Governo e perto de 700.000 € anuais depois dele sair.
Num trabalho de enorme rigor, António Sérgio Azenha dá-nos a conhecer o percurso de 15 casos emblemáticos, com todos os factos, números, percursos profissionais, que afinal parecem ser apenas um, tal a perturbante semelhança entre eles.

O socialismo é uma doutrina triunfante

Uma entrevista muito interessante feita a António Cândido. É brasileiro. Fala do Brasil mas, o que diz, pode muito bem aplicar-se ao nosso país. Vale a pena ler e pensar sobre tudo isto.

in http://airantunes.com.br/?p=7562

Aos 93 anos, Antonio Candido explica a sua concepção de socialismo, fala sobre literatura e revela não se interessar por novas obras

Crítico literário, professor, sociólogo, militante. Um adjetivo sozinho não consegue definir a importância de Antonio Candido para o Brasil. Considerado um dos principais intelectuais do país, ele mantém a postura socialista, a cordialidade, a elegância, o senso de humor, o otimismo. Antes de começar nossa entrevista, ele diz que viveu praticamente todo o conturbado século 20. E participou ativamente dele, escrevendo, debatendo, indo a manifestações, ajudando a dar lucidez, clareza e humanidade a toda uma geração de alunos, militantes sociais, leitores e escritores.

Tão bom de prosa como de escrita, ele fala sobre seu método de análise literária, dos livros de que gosta, da sua infância, do começo da sua militância, da televisão, do MST, da sua crença profunda no socialismo como uma doutrina triunfante. “O que se pensa que é a face humana do capitalismo é o que o socialismo arrancou dele”, afirma.

Brasil de Fato – Nos seus textos é perceptível a intenção de ser entendido. Apesar de muito erudito, sua escrita é simples. Por que esse esforço de ser sempre claro?

Antonio Candido – Acho que a clareza é um respeito pelo próximo, um respeito pelo leitor. Sempre achei, eu e alguns colegas, que, quando se trata de ciências humanas, apesar de serem chamadas de ciências, são ligadas à nossa humanidade, de maneira que não deve haver jargão científico. Posso dizer o que tenho para dizer nas humanidades com a linguagem comum. Já no estudo das ciências humanas eu preconizava isso. Qualquer atividade que não seja estritamente técnica, acho que a clareza é necessária inclusive para pode divulgar a mensagem, a mensagem deixar de ser um privilégio e se tornar um bem comum.

Brasil de Fato – O seu método de análise da literatura parte da cultura para a realidade social e volta para a cultura e para o texto. Como o senhor explicaria esse método?

Antonio Candido – Uma coisa que sempre me preocupou muito é que os teóricos da literatura dizem: é preciso fazer isso, mas não fazem. Tenho muita influência marxista – não me considero marxista – mas tenho muita influência marxista na minha formação e também muita influência da chamada escola sociológica francesa, que geralmente era formada por socialistas. Parti do seguinte princípio: quero aproveitar meu conhecimento sociológico para ver como isso poderia contribuir para conhecer o íntimo de uma obra literária. No começo eu era um pouco sectário, politizava um pouco demais minha atividade. Depois entrei em contato com um movimento literário norte-americano, a nova crítica, conhecido como new criticism. E aí foi um ovo de colombo: a obra de arte pode depender do que for, da personalidade do autor, da classe social dele, da situação econômica, do momento histórico, mas quando ela é realizada, ela é ela. Ela tem sua própria individualidade. Então a primeira coisa que é preciso fazer é estudar a própria obra. Isso ficou na minha cabeça. Mas eu também não queria abrir mão, dada a minha formação, do social. Importante então é o seguinte: reconhecer que a obra é autônoma, mas que foi formada por coisas que vieram de fora dela, por influências da sociedade, da ideologia do tempo, do autor. Não é dizer: a sociedade é assim, portanto a obra é assim. O importante é: quais são os elementos da realidade social que se transformaram em estrutura estética. Me dediquei muito a isso, tenho um livro chamado “Literatura e sociedade” que analisa isso. Fiz um esforço grande para respeitar a realidade estética da obra e sua ligação com a realidade. Há certas obras em que não faz sentido pesquisar o vínculo social porque ela é pura estrutura verbal. Há outras em que o social é tão presente – como “O cortiço” [de Aluísio Azevedo] – que é impossível analisar a obra sem a carga social. Depois de mais maduro minha conclusão foi muito óbvia: o crítico tem que proceder conforme a natureza de cada obra que ele analisa. Há obras que pedem um método psicológico, eu uso; outras pedem estudo do vocabulário, a classe social do autor; uso. Talvez eu seja aquilo que os marxistas xingam muito que é ser eclético. Talvez eu seja um pouco eclético, confesso. Isso me permite tratar de um número muito variado de obras.

Brasil de Fato – Teria um tipo de abordagem estética que seria melhor?

Antonio Candido – Não privilegio. Já privilegiei. Primeiro o social, cheguei a privilegiar mesmo o político. Quando eu era um jovem crítico eu queria que meus artigos demonstrassem que era um socialista escrevendo com posição crítica frente à sociedade. Depois vi que havia poemas, por exemplo, em que não podia fazer isso. Então passei a outra fase em que passei a priorizar a autonomia da obra, os valores estéticos. Depois vi que depende da obra. Mas tenho muito interesse pelo estudo das obras que permitem uma abordagem ao mesmo tempo interna e externa. A minha fórmula é a seguinte: estou interessado em saber como o externo se transformou em interno, como aquilo que é carne de vaca vira croquete. O croquete não é vaca, mas sem a vaca o croquete não existe. Mas o croquete não tem nada a ver com a vaca, só a carne. Mas o externo se transformou em algo que é interno. Aí tenho que estudar o croquete, dizer de onde ele veio.

Brasil de Fato – O que é mais importante ler na literatura brasileira?

Antonio Candido – Machado de Assis. Ele é um escritor completo.

Brasil de Fato – É o que senhor mais gosta?

Antonio Candido – Não, mas acho que é o que mais se aproveita.

Brasil de Fato – E de qual o senhor mais gosta?

Antonio Candido – Gosto muito do Eça de Queiroz, muitos estrangeiros. De brasileiros, gosto muito de Graciliano Ramos… Acho que já li “São Bernardo” umas 20 vezes, com mentira e tudo. Leio o Graciliano muito, sempre. Mas Machado de Assis é um autor extraordinário. Comecei a ler com 9 anos livros de adulto. E ninguém sabia quem era Machado de Assis, só o Brasil e, mesmo assim, nem todo mundo. Mas hoje ele está ficando um autor universal. Ele tinha a prova do grande escritor. Quando se escreve um livro, ele é traduzido, e uma crítica fala que a tradução estragou a obra, é porque não era uma grande obra. Machado de Assis, mesmo mal traduzido, continua grande. A prova de um bom escritor é que mesmo mal traduzido ele é grande. Se dizem: “a tradução matou a obra”, então a obra era boa, mas não era grande.

Brasil de Fato – Como levar a grande literatura para quem não está habituado com a leitura?

Antonio Candido – É perfeitamente possível, sobretudo Machado de Assis. A Maria Vitória Benevides me contou de uma pesquisa que foi feita na Itália há uns 30 anos. Aqueles magnatas italianos, com uma visão já avançada do capitalismo, decidiram diminuir as horas de trabalho para que os trabalhadores pudessem ter cursos, se dedicar à cultura. Então perguntaram: cursos de que vocês querem? Pensaram que iam pedir cursos técnicos, e eles pediram curso de italiano para poder ler bem os clássicos. “A divina comédia” é um livro com 100 cantos, cada canto com dezenas de estrofes. Na Itália, não sou capaz de repetir direito, mas algo como 200 mil pessoas sabem a primeira parte inteira, 50 mil sabem a segunda, e de 3 a 4 mil pessoas sabem o livro inteiro de cor. Quer dizer, o povo tem direito à literatura e entende a literatura. O doutor Agostinho da Silva, um escritor português anarquista que ficou muito tempo no Brasil, explicava para os operários os diálogos de Platão, e eles adoravam. Tem que saber explicar, usar a linguagem normal.

Brasil de Fato – O senhor acha que o brasileiro gosta de ler?

Antonio Candido – Não sei. O Brasil pra mim é um mistério. Tem editora para toda parte, tem livro para todo lado. Vi uma reportagem que dizia que a cidade de Buenos Aires tem mais livrarias que em todo o Brasil. Lê-se muito pouco no Brasil. Parece que o povo que lê mais é o finlandês, que lê 30 volumes por ano. Agora dizem que o livro vai acabar, né?

Brasil de Fato – O senhor acha que vai?

Antonio Candido – Não sei. Eu não tenho nem computador… as pessoas me perguntam: qual é o seu… como chama?

Brasil de Fato – E-mail?

Antonio Candido – Isso! Olha, eu parei no telefone e máquina de escrever. Não entendo dessas coisas… Estou afastado de todas as novidades há cerca de 30 anos. Não me interesso por literatura atual. Sou um velho caturra. Já doei quase toda minha biblioteca, 14 ou 15 mil volumes. O que tem aqui é livro para visita ver. Mas pretendo dar tudo. Não vendo livro, eu dou. Sempre fiz escola pública, inclusive universidade pública, então é o que posso dar para devolver um pouco. Tenho impressão que a literatura brasileira está fraca, mas isso todo velho acha. Meus antigos alunos que me visitam muito dizem que está fraca no Brasil, na Inglaterra, na França, na Rússia, nos Estados Unidos… que a literatura está por baixo hoje em dia. Mas eu não me interesso por novidades.

Brasil de Fato – E o que o senhor lê hoje em dia?

Antonio Candido – Eu releio. História, um pouco de política… mesmo meus livros de socialismo eu dei tudo. Agora estou querendo reler alguns mestres socialistas, sobretudo Eduard Bernstein, aquele que os comunistas tinham ódio. Ele era marxista, mas dizia que o marxismo tem um defeito, achar que a gente pode chegar no paraíso terrestre. Então ele partiu da ideia do filósofo Immanuel Kant da finalidade sem fim. O socialismo é uma finalidade sem fim. Você tem que agir todos os dias como se fosse possível chegar no paraíso, mas você não chegará. Mas se não fizer essa luta, você cai no inferno.

Brasil de Fato – O senhor é socialista?

Antonio Candido – Ah, claro, inteiramente. Aliás, eu acho que o socialismo é uma doutrina totalmente triunfante no mundo. E não é paradoxo. O que é o socialismo? É o irmão-gêmeo do capitalismo, nasceram juntos, na revolução industrial. É indescritível o que era a indústria no começo. Os operários ingleses dormiam debaixo da máquina e eram acordados de madrugada com o chicote do contramestre. Isso era a indústria. Aí começou a aparecer o socialismo. Chamo de socialismo todas as tendências que dizem que o homem tem que caminhar para a igualdade e ele é o criador de riquezas e não pode ser explorado. Comunismo, socialismo democrático, anarquismo, solidarismo, cristianismo social, cooperativismo… tudo isso. Esse pessoal começou a lutar, para o operário não ser mais chicoteado, depois para não trabalhar mais que doze horas, depois para não trabalhar mais que dez, oito; para a mulher grávida não ter que trabalhar, para os trabalhadores terem férias, para ter escola para as crianças. Coisas que hoje são banais. Conversando com um antigo aluno meu, que é um rapaz rico, industrial, ele disse: “o senhor não pode negar que o capitalismo tem uma face humana”. O capitalismo não tem face humana nenhuma. O capitalismo é baseado na mais-valia e no exército de reserva, como Marx definiu. É preciso ter sempre miseráveis para tirar o excesso que o capital precisar. E a mais-valia não tem limite. Marx diz na “Ideologia Alemã”: as necessidades humanas são cumulativas e irreversíveis. Quando você anda descalço, você anda descalço. Quando você descobre a sandália, não quer mais andar descalço. Quando descobre o sapato, não quer mais a sandália. Quando descobre a meia, quer sapato com meia e por aí não tem mais fim. E o capitalismo está baseado nisso. O que se pensa que é face humana do capitalismo é o que o socialismo arrancou dele com suor, lágrimas e sangue. Hoje é normal o operário trabalhar oito horas, ter férias… tudo é conquista do socialismo. O socialismo só não deu certo na Rússia.

Brasil de Fato – Por quê?

Antonio Candido – Virou capitalismo. A revolução russa serviu para formar o capitalismo. O socialismo deu certo onde não foi ao poder. O socialismo hoje está infiltrado em todo lugar.

Brasil de Fato – O socialismo como luta dos trabalhadores?

Antonio Candido – O socialismo como caminho para a igualdade. Não é a luta, é por causa da luta. O grau de igualdade de hoje foi obtido pelas lutas do socialismo. Portanto ele é uma doutrina triunfante. Os países que passaram pela etapa das revoluções burguesas têm o nível de vida do trabalhador que o socialismo lutou para ter, o que quer. Não vou dizer que países como França e Alemanha são socialistas, mas têm um nível de vida melhor para o trabalhador.

Brasil de Fato – Para o senhor é possível o socialismo existir triunfando sobre o capitalismo?

Antonio Candido – Estou pensando mais na técnica de esponja. Se daqui a 50 anos no Brasil não houver diferença maior que dez do maior ao menor salário, se todos tiverem escola… não importa que seja com a monarquia, pode ser o regime com o nome que for, não precisa ser o socialismo! Digo que o socialismo é uma doutrina triunfante porque suas reivindicações estão sendo cada vez mais adotadas. Não tenho cabeça teórica, não sei como resolver essa questão: o socialismo foi extraordinário para pensar a distribuição econômica, mas não foi tão eficiente para efetivamente fazer a produção. O capitalismo foi mais eficiente, porque tem o lucro. Quando se suprime o lucro, a coisa fica mais complicada. É preciso conciliar a ambição econômica – que o homem civilizado tem, assim como tem ambição de sexo, de alimentação, tem ambição de possuir bens materiais – com a igualdade. Quem pode resolver melhor essa equação é o socialismo, disso não tenho a menor dúvida. Acho que o mundo marcha para o socialismo. Não o socialismo acadêmico típico, a gente não sabe o que vai ser… o que é o socialismo? É o máximo de igualdade econômica. Por exemplo, sou um professor aposentado da Universidade de São Paulo e ganho muito bem, ganho provavelmente 50, 100 vezes mais que um trabalhador rural. Isso não pode. No dia em que, no Brasil, o trabalhador de enxada ganhar apenas 10 ou 15 vezes menos que o banqueiro, está bom, é o socialismo.

Brasil de Fato – O que o socialismo conseguiu no mundo de avanços?

Antonio Candido – O socialismo é o cavalo de Troia dentro do capitalismo. Se você tira os rótulos e vê as realidades, vê como o socialismo humanizou o mundo. Em Cuba eu vi o socialismo mais próximo do socialismo. Cuba é uma coisa formidável, o mais próximo da justiça social. Não a Rússia, a China, o Camboja. No comunismo tem muito fanatismo, enquanto o socialismo democrático é moderado, é humano. E não há verdade final fora da moderação, isso Aristóteles já dizia, a verdade está no meio. Quando eu era militante do PT – deixei de ser militante em 2002, quando o Lula foi eleito – era da ala do Lula, da Articulação, mas só votava nos candidatos da extrema esquerda, para cutucar o centro. É preciso ter esquerda e direita para formar a média. Estou convencido disso: o socialismo é a grande visão do homem, que não foi ainda superada, de tratar o homem realmente como ser humano. Podem dizer: a religião faz isso. Mas faz isso para o que são adeptos dela, o socialismo faz isso para todos. O socialismo funciona como esponja: hoje o capitalismo está embebido de socialismo. No tempo que meu irmão Roberto – que era católico de esquerda – começou a trabalhar, eu era moço, ele era tido como comunista, por dizer que no Brasil tinha miséria. Dizer isso era ser comunista, não estou falando em metáforas. Hoje, a Federação das Indústrias, Paulo Maluf, eles dizem que a miséria é intolerável. O socialismo está andando… não com o nome, mas aquilo que o socialismo quer, a igualdade, está andando. Não aquela igualdade que alguns socialistas e os anarquistas pregavam, igualdade absoluta é impossível. Os homens são muito diferentes, há uma certa justiça em remunerar mais aquele que serve mais à comunidade. Mas a desigualdade tem que ser mínima, não máxima. Sou muito otimista. (pausa). O Brasil é um país pobre, mas há uma certa tendência igualitária no brasileiro – apesar da escravidão – e isso é bom. Tive uma sorte muito grande, fui criado numa cidade pequena, em Minas Gerais, não tinha nem 5 mil habitantes quando eu morava lá. Numa cidade assim, todo mundo é parente. Meu bisavô era proprietário de terras, mas a terra foi sendo dividida entre os filhos… então na minha cidade o barbeiro era meu parente, o chofer de praça era meu parente, até uma prostituta, que foi uma moça deflorada expulsa de casa, era minha prima. Então me acostumei a ser igual a todo mundo. Fui criado com os antigos escravos do meu avô. Quando eu tinha 10 anos de idade, toda pessoa com mais de 40 anos tinha sido escrava. Conheci inclusive uma escrava, tia Vitória, que liderou uma rebelião contra o senhor. Não tenho senso de desigualdade social. Digo sempre, tenho temperamento conservador. Tenho temperamento conservador, atitudes liberais e ideias socialistas. Minha grande sorte foi não ter nascido em família nem importante nem rica, senão ia ser um reacionário. (risos).

Brasil de Fato – A Teresina, que inspirou um livro com seu nome, o senhor conheceu depois?

Antonio Candido – Conheci em Poços de Caldas… essa era uma mulher extraordinária, uma anarquista, maior amiga da minha mãe. Tenho um livrinho sobre ela. Uma mulher formidável. Mas eu me politizei muito tarde, com 23, 24 anos de idade com o Paulo Emílio. Ele dizia: “é melhor ser fascista do que não ter ideologia”. Ele que me levou para a militância. Ele dizia com razão: cada geração tem o seu dever. O nosso dever era político.

Brasil de Fato – E o dever da atual geração?

Antonio Candido – Ter saudade. Vocês pegaram um rabo de foguete danado.

Brasil de Fato – No seu livro “Os parceiros do Rio Bonito” o senhor diz que é importante defender a reforma agrária não apenas por motivos econômicos, mas culturalmente. O que o senhor acha disso hoje?

Antonio Candido – Isso é uma coisa muito bonita do MST. No movimento das Ligas Camponesas não havia essa preocupação cultural, era mais econômica. Acho bonito isso que o MST faz: formar em curso superior quem trabalha na enxada. Essa preocupação cultural do MST já é um avanço extraordinário no caminho do socialismo. É preciso cultura. Não é só o livro, é conhecimento, informação, notícia… Minha tese de doutorado em ciências sociais foi sobre o camponês pobre de São Paulo – aquele que precisa arrendar terra, o parceiro. Em 1948, estava fazendo minha pesquisa num bairro rural de Bofete e tinha um informante muito bom, Nhô Samuel Antônio de Camargos. Ele dizia que tinha mais de 90 anos, mas não sabia quantos. Um dia ele me perguntou: “ô seu Antonio, o imperador vai indo bem? Não é mais aquele de barba branca, né?”. Eu disse pra ele: “não, agora é outro chamado Eurico Gaspar Dutra”. Quer dizer, ele está fora da cultura, para ele o imperador existe. Ele não sabe ler, não sabe escrever, não lê jornal. A humanização moderna depende da comunicação em grande parte. No dia em que o trabalhador tem o rádio em casa ele é outra pessoa. O problema é que os meios modernos de comunicação são muito venenosos. A televisão é uma praga. Eu adoro, hein? Moro sozinho, sozinho, sou viúvo e assisto televisão. Mas é uma praga. A coisa mais pérfida do capitalismo – por causa da necessidade cumulativa irreversível – é a sociedade de consumo. Marx não conheceu, não sei como ele veria. A televisão faz um inculcamento sublimar de dez em dez minutos, na cabeça de todos – na sua, na minha, do Sílvio Santos, do dono do Bradesco, do pobre diabo que não tem o que comer – imagens de whisky, automóvel, casa, roupa, viagem à Europa – cria necessidades. E claro que não dá condições para concretizá-las. A sociedade de consumo está criando necessidades artificiais e está levando os que não têm ao desespero, à droga, miséria… Esse desejo da coisa nova é uma coisa poderosa. O capitalismo descobriu isso graças ao Henry Ford. O Ford tirou o automóvel da granfinagem e fez carro popular, vendia a 500 dólares. Estados Unidos inteiro começou a comprar automóvel, e o Ford foi ficando milionário. De repente o carro não vendia mais. Ele ficou desesperado, chamou os economistas, que estudaram e disseram: “mas é claro que não vende, o carro não acaba”. O produto industrial não pode ser eterno. O produto artesanal é feito para durar, mas o industrial não, ele tem que ser feito para acabar, essa é coisa mais diabólica do capitalismo. E o Ford entendeu isso, passou a mudar o modelo do carro a cada ano. Em um regime que fosse mais socialista seria preciso encontrar uma maneira de não falir as empresas, mas tornar os produtos duráveis, acabar com essa loucura da renovação. Hoje um automóvel é feito para acabar, a moda é feita para mudar. Essa ideia tem como miragem o lucro infinito. Enquanto a verdadeira miragem não é a do lucro infinito, é do bem-estar infinito.

Antonio Candido de Mello e Souza nasceu no Rio de Janeiro em 24 de julho de 1918, concluiu seus estudos secundários em Poços de Caldas (MG) e ingressou na recém-fundada Universidade de São Paulo em 1937, no curso de Ciências Sociais. Com os amigos Paulo Emílio Salles Gomes, Décio de Almeida Prado e outros fundou a revista Clima. Com Gilda de Mello e Souza, colega de revista e do intenso ambiente de debates sobre a cultura, foi casado por 60 anos. Defendeu sua tese de doutorado, publicada depois como o livro “Os Parceiros do Rio Bonito”, em 1954. De 1958 a 1960 foi professor de literatura na Faculdade de Filosofia de Assis. Em 1961, passou a dar aulas de teoria literária e literatura comparada na USP, onde foi professor e orientou trabalhos até se aposentar, em 1992. Na década de 1940, militou no Partido Socialista Brasileiro, fazendo oposição à ditadura Vargas. Em 1980, foi um dos fundadores do Partido dos Trabalhadores. Colaborou nos jornais Folha da Manhã e Diário de São Paulo, resenhando obras literárias. É autor de inúmeros livros, atualmente reeditados pela editora Ouro sobre Azul, coordenada por sua filha, Ana Luisa Escorel.

Transcrito do site de Luis Nassif

Marco Antônio L. articulista do “Brasil de Fato”