quarta-feira, 25 de abril de 2012

As portas que Abril abriu








Era uma vez um país
onde entre o mar e a guerra
vivia o mais infeliz
dos povos à beira-terra. Onde entre vinhas sobredos
vales socalcos searas
serras atalhos veredas
lezírias e praias claras
um povo se debruçava
como um vime de tristeza
sobre um rio onde mirava
a sua própria pobreza.
Era uma vez um país
onde o pão era contado
onde quem tinha a raiz
tinha o fruto arrecadado
onde quem tinha o dinheiro
tinha o operário algemado
onde suava o ceifeiro
que dormia com o gado
onde tossia o mineiro
em Aljustrel ajustado
onde morria primeiro
quem nascia desgraçado.

Era uma vez um país
de tal maneira explorado
pelos consórcios fabris
pelo mando acumulado
pelas ideias nazis
pelo dinheiro estragado
pelo dobrar da cerviz
pelo trabalho amarrado
que até hoje já se diz
que nos tempos do passado
se chamava esse país
Portugal suicidado.
Ali nas vinhas sobredos
vales socalcos searas
serras atalhos veredas
lezírias e praias claras
vivia um povo tão pobre
que partia para a guerra
para encher quem estava podre
de comer a sua terra.
Um povo que era levado
para Angola nos porões
um povo que era tratado
como a arma dos patrões
um povo que era obrigado
a matar por suas mãos
sem saber que um bom soldado
nunca fere os seus irmãos.
Ora passou-se porém
que dentro de um povo escravo
alguém que lhe queria bem
um dia plantou um cravo.
Era a semente da esperança
feita de força e vontade
era ainda uma criança
mas já era a liberdade.
Era já uma promessa
era a força da razão
do coração à cabeça
da cabeça ao coração.
Quem o fez era soldado
homem novo capitão
mas também tinha a seu lado
muitos homens na prisão.
Esses que tinham lutado
a defender um irmão
esses que tinham passado
o horror da solidão
esses que tinham jurado
sobre uma côdea de pão
ver o povo libertado
do terror da opressão.
Não tinham armas é certo
mas tinham toda a razão
quando um homem morre perto
tem de haver distanciação
uma pistola guardada
nas dobras da sua opção
uma bala disparada
contra a sua própria mão
e uma força perseguida
que na escolha do mais forte
faz com que a força da vida
seja maior do que a morte.
Quem o fez era soldado
homem novo capitão
mas também tinha a seu lado
muitos homens na prisão.
Posta a semente do cravo
começou a floração
do capitão ao soldado
do soldado ao capitão.
Foi então que o povo armado
percebeu qual a razão
porque o povo despojado
lhe punha as armas na mão.
Pois também ele humilhado
em sua própria grandeza
era soldado forçado
contra a pátria portuguesa.
Era preso e exilado
e no seu próprio país
muitas vezes estrangulado
pelos generais senis.
Capitão que não comanda
não pode ficar calado
é o povo que lhe manda
ser capitão revoltado
é o povo que lhe diz
que não ceda e não hesite
– pode nascer um país
do ventre duma chaimite.
Porque a força bem empregue
contra a posição contrária
nunca oprime nem persegue
– é força revolucionária!
Foi então que Abril abriu
as portas da claridade
e a nossa gente invadiu
a sua própria cidade.
Disse a primeira palavra
na madrugada serena
um poeta que cantava
o povo é quem mais ordena.
E então por vinhas sobredos
vales socalcos searas
serras atalhos veredas
lezírias e praias claras
desceram homens sem medo
marujos soldados «páras»
que não queriam o degredo
dum povo que se separa.
E chegaram à cidade
onde os monstros se acoitavam
era a hora da verdade
para as hienas que mandavam
a hora da claridade
para os sóis que despontavam
e a hora da vontade
para os homens que lutavam.
Em idas vindas esperas
encontros esquinas e praças
não se pouparam as feras
arrancaram-se as mordaças
e o povo saiu à rua
com sete pedras na mão
e uma pedra de lua
no lugar do coração.
Dizia soldado amigo
meu camarada e irmão
este povo está contigo
nascemos do mesmo chão
trazemos a mesma chama
temos a mesma ração
dormimos na mesma cama
comendo do mesmo pão.
Camarada e meu amigo
soldadinho ou capitão
este povo está contigo
a malta dá-te razão.
Foi esta força sem tiros
de antes quebrar que torcer
esta ausência de suspiros
esta fúria de viver
este mar de vozes livres
sempre a crescer a crescer
que das espingardas fez livros
para aprendermos a ler
que dos canhões fez enxadas
para lavrarmos a terra
e das balas disparadas
apenas o fim da guerra.
Foi esta força viril
de antes quebrar que torcer
que em vinte e cinco de Abril f
ez Portugal renascer.
E em Lisboa capital
dos novos mestres de Aviz
o povo de Portugal
deu o poder a quem quis.
Mesmo que tenha passado
às vezes por mãos estranhas
o poder que ali foi dado
saiu das nossas entranhas.
Saiu das vinhas sobredos
vales socalcos searas
serras atalhos veredas
lezírias e praias claras
onde um povo se curvava
como um vime de tristeza
sobre um rio onde mirava
a sua própria pobreza.
E se esse poder um dia
o quiser roubar alguém
não fica na burguesia
volta à barriga da mãe.
Volta à barriga da terra
que em boa hora o pariu
agora ninguém mais cerra
as portas que Abril abriu.
Essas portas que em Caxias
se escancararam de vez
essas janelas vazias
que se encheram outra vez
e essas celas tão frias
tão cheias de sordidez
que espreitavam como espias
todo o povo português.
Agora que já floriu
a esperança na nossa terra
as portas que Abril abriu
nunca mais ninguém as cerra.
Contra tudo o que era velho
levantado como um punho
em Maio surgiu vermelho
o cravo do mês de Junho.
Quando o povo desfilou
nas ruas em procissão
de novo se processou
a própria revolução.
Mas eram olhos as balas
abraços punhais e lanças
enamoradas as alas
dos soldados e crianças.
E o grito que foi ouvido
tantas vezes repetido
dizia que o povo unido
jamais seria vencido.
Contra tudo o que era velho
levantado como um punho
em Maio surgiu vermelho
o cravo do mês de Junho.
E então operários mineiros
pescadores e ganhões
marçanos e carpinteiros
empregados dos balcões
mulheres a dias pedreiros
reformados sem pensões
dactilógrafos carteiros
e outras muitas profissões
souberam que o seu dinheiro
era presa dos patrões.
A seu lado também estavam
jornalistas que escreviam
actores que se desdobravam
cientistas que aprendiam
poetas que estrebuchavam
cantores que não se vendiam
mas enquanto estes lutavam
é certo que não sentiam
a fome com que apertavam
os cintos dos que os ouviam.
Porém cantar é ternura
escrever constrói liberdade
e não há coisa mais pura
do que dizer a verdade.
E uns e outros irmanados
na mesma luta de ideais
ambos sectores explorados
ficaram partes iguais.
Entanto não descansavam
entre pragas e perjúrios
agulhas que se espetavam
silêncios boatos murmúrios
risinhos que se calavam
palácios contra tugúrios
fortunas que levantavam
promessas de maus augúrios
os que em vida se enterravam
por serem falsos e espúrios
maiorais da minoria
que diziam silenciosa
e que em silêncio fazia
a coisa mais horrorosa:
minar como um sinapismo
e com ordenados régios
o alvor do socialismo
e o fim dos privilégios.
Foi então se bem vos lembro
que sucedeu a vindima
quando pisámos Setembro
a verdade veio acima.
E foi um mosto tão forte
que sabia tanto a Abril
que nem o medo da morte
nos fez voltar ao redil.
Ali ficámos de pé
juntos soldados e povo
para mostrarmos como é
que se faz um país novo.
Ali dissemos não passa!
E a reacção não passou.
Quem já viveu a desgraça
odeia a quem desgraçou.
Foi a força do Outono
mais forte que a Primavera
que trouxe os homens sem dono
de que o povo estava à espera.
Foi a força dos mineiros
pescadores e ganhões
operários e carpinteiros
empregados dos balcões
mulheres a dias pedreiros
reformados sem pensões
dactilógrafos carteiros
e outras muitas profissões
que deu o poder cimeiro
a quem não queria patrões.
Desde esse dia em que todos
nós repartimos o pão
é que acabaram os bodos
— cumpriu-se a revolução.
Porém em quintas vivendas
palácios e palacetes
os generais com prebendas
caciques e cacetetes
os que montavam cavalos
para caçarem veados
os que davam dois estalos
na cara dos empregados
os que tinham bons amigos
no consórcio dos sabões
e coçavam os umbigos
como quem coça os galões
os generais subalternos
que aceitavam os patrões
os generais inimigos
os generais garanhões
teciam teias de aranha
e eram mais camaleões
que a lombriga que se amanha
com os próprios cagalhões.
Com generais desta apanha
já não há revoluções.
Por isso o onze de Março
foi um baile de Tartufos
uma alternância de terços
entre ricaços e bufos.
E tivemos de pagar
com o sangue de um soldado
o preço de já não estar
Portugal suicidado.
Fugiram como cobardes
e para terras de Espanha
os que faziam alardes
dos combates em campanha.
E aqui ficaram de pé
capitães de pedra e cal
os homens que na Guiné
aprenderam Portugal.
Os tais homens que sentiram
que um animal racional
opõe àqueles que o firam
consciência nacional.
Os tais homens que souberam
fazer a revolução
porque na guerra entenderam
o que era a libertação.
Os que viram claramente
e com os cinco sentidos
morrer tanta tanta gente
que todos ficaram vivos.
Os tais homens feitos de aço
temperado com a tristeza
que envolveram num abraço
toda a história portuguesa.
Essa história tão bonita
e depois tão maltratada
por quem herdou a desdita
da história colonizada.
Dai ao povo o que é do povo
pois o mar não tem patrões.
– Não havia estado novo
nos poemas de Camões!
Havia sim a lonjura
e uma vela desfraldada
para levar a ternura
à distância imaginada.
Foi este lado da história
que os capitães descobriram
que ficará na memória
das naus que de Abril partiram
das naves que transportaram
o nosso abraço profundo
aos povos que agora deram
novos países ao mundo.
Por saberem como é
ficaram de pedra e cal
capitães que na Guiné
descobriram Portugal.
E em sua pátria fizeram
o que deviam fazer:
ao seu povo devolveram
o que o povo tinha a haver:
Bancos seguros petróleos
que ficarão a render
ao invés dos monopólios
para o trabalho crescer.
Guindastes portos navios
e outras coisas para erguer
antenas centrais e fios
dum país que vai nascer.
Mesmo que seja com frio
é preciso é aquecer
pensar que somos um rio
que vai dar onde quiser
pensar que somos um mar
que nunca mais tem fronteiras
e havemos de navegar
de muitíssimas maneiras.
No Minho com pés de linho
no Alentejo com pão
no Ribatejo com vinho
na Beira com requeijão
e trocando agora as voltas
ao vira da produção
no Alentejo bolotas
no Algarve maçapão
vindimas no Alto Douro
tomates em Azeitão
azeite da cor do ouro
que é verde ao pé do Fundão
e fica amarelo puro
nos campos do Baleizão.
Quando a terra for do povo
o povo deita-lhe a mão!
É isto a reforma agrária
em sua própria expressão:
a maneira mais primária
de que nós temos um quinhão
da semente proletária
da nossa revolução.
Quem a fez era soldado
homem novo capitão
mas também tinha a seu lado
muitos homens na prisão.
De tudo o que Abril abriu
ainda pouco se disse
um menino que sorriu
uma porta que se abrisse
um fruto que se expandiu
um pão que se repartisse
um capitão que seguiu
o que a história lhe predisse
e entre vinhas sobredos
vales socalcos searas
serras atalhos veredas
lezírias e praias claras
um povo que levantava
sobre um rio de pobreza
a bandeira em que ondulava
a sua própria grandeza!
De tudo o que Abril abriu
ainda pouco se disse
e só nos faltava agora
que este Abril não se cumprisse.
Só nos faltava que os cães
viessem ferrar o dente
na carne dos capitães
que se arriscaram na frente.
Na frente de todos nós
povo soberano e total
que ao mesmo tempo é a voz
e o braço de Portugal.
Ouvi banqueiros fascistas
agiotas do lazer
latifundiários machistas
balofos verbos de encher
e outras coisas em istas
que não cabe dizer aqui
que aos capitães progressistas
o povo deu o poder!
E se esse poder um dia
o quiser roubar alguém
não fica na burguesia
volta à barriga da mãe!
Volta à barriga da terra
que em boa hora o pariu
agora ninguém mais cerra
as portas que Abril abriu!

José Carlos Ary dos Santos
Lisboa, Julho-Agosto de 1975



 

Até sempre, Miguel Portas!



Soube agora.
Miguel Portas “partiu”.

"Partiu" um homem. Um homem e um político que sempre admirei.

Na minha memória ficará a tua inteligência, a tua alegria de viver, a tua força e a tua bondade, a tua humanidade e a tua dedicação postas sempre ao serviço dos mais pobres, dos mais esquecidos e das lutas que continuaremos a travar.… o teu combate e a tua energia contra os que do poder se apoderaram e apoderam para  não mais dele se despegarem, prontos que estão para o saque contínuo de direitos e liberdades legitimamente conquistados num dia 25 de Abril de 1974.

Deste sempre a cara pelas causas que nos uniram e continuarão a unir e fizeste-nos acreditar que a luta por um mundo novo jamais se desvanecerá enquanto o Homem livre não for e escravo de outro estiver.
Lutaste por um mundo novo, uma Europa solidária, justa, onde a Política e a Economia estivessem, verdadeiramente, ao serviço de todos e do bem comum.

Saíste à rua connosco.

Gritaste connosco a urgência de um combate difícil mas não impossível dessa política de rosto humano, como um abraço que acolhe, protegendo, envolve e fortalece.

O teu sorriso resistente e a força das tuas ideias permanecerão.

Perdemos-te mas não as perdemos.

Soube agora.

Choro por ti, Miguel, como quem chora quem sempre falta fará.

ATÉ SEMPRE, MIGUEL!


Ver aqui um excelente artigo sobre ele.

terça-feira, 17 de abril de 2012

Homenagem ao 17 de Abril



Cada ano regressa o mesmo dia,
Também ele escrevendo-se em Abril
E em nós com o estilete da memória.

Voltamos ao princípio do que fomos,
Ao gesto que fizemos, quando erguemos
A própria nudez da liberdade.

E ali ficámos quando a noite veio,
Como a primeira hora de outro dia,
Uma hora do sonho e da verdade.

Alguém nos desenhou com esse mês,
Novos braços de um vento desregrado,
Sabendo ser irmãos e sermos nós.

Por isso, descobrimos esses dias,
Esquecendo a flor da mágoa, da saudade
E a sombra já esbatida de outras horas.

Mas não ficámos presos nesse tempo,
Castelos pelo musgo corroídos,
Cercados pelos espectros da glória.

Fomos portas abertas ao que vinha,
Colhendo as asas do que mais voasse,
Sementes do incerto em movimento.

Tatuagem do tempo em todos nós,
Palavra sempre escrita no futuro,
Guardemos o perfume desse dia.


[Rui Namorado]

A Crise Académica de 1962





Em 1921 os estudantes da Universidade de Coimbra estavam em luta por melhores instalações. O espaço destinado à academia era muito reduzido, sobretudo quando comparado com as generosas acomodações dos professores. Estes tinham no Clube dos Lentes um símbolo do seu poder e da tradição universitária, pelo que os estudantes lhe chamavam "Bastilha". Demonstrando um espírito de união e solidariedade sem precedentes, os estudantes ocuparam o Clube dos Lentes no dia 25 de Novembro desse ano, marcando o seu protesto. Esse dia passou a ser conhecido como a "Tomada da Bastilha" e os seus aniversários comemorados como Dia do Estudante.

Foi assim até 1961. Nesse ano, como era hábito, as comemorações do 25 de Novembro reuniram em Coimbra estudantes de todo o País. Mais de duzentos participaram num jantar, durante o qual a frase "Queremos paz!" ecoou em protesto contra a Guerra Colonial, inspirando um animado cortejo pela cidade. A polícia apareceu e vários estudantes foram presos, o que suscitou uma vaga de apoio e indignação em todo o país. A tensão era visível nas academias do Porto e de Lisboa e marcou a inauguração da nova Reitoria na Cidade Universitária.

Foi neste clima que, já em 1962, se realizaram vários encontros de dirigentes associativos que deram origem a um Secretariado Nacional de Estudantes Portugueses e à realização, em Coimbra, do primeiro Encontro Nacional de Estudantes, ignorando a proibição que o Governo tinha decretado. Essa rebeldia foi paga pelos membros da direção da Associação Académica, com a instauração de processos disciplinares e a correspondente suspensão. Os estudantes de Coimbra responderam com o luto académico e a greve às aulas.

Em Lisboa, as associações de estudantes pretendiam comemorar o Dia do Estudante no final de Março. E, mesmo sem autorização do Ministério da Educação Nacional, as comemorações iniciaram-se a 24 de Março de 1962. O regime respondeu com a sua brutalidade habitual. A cantina foi encerrada e a Cidade Universitária invadida pela polícia de choque, ignorando a autonomia universitária. Estudantes foram espancados e presos, desencadeando uma reação de repúdio que levou a que fosse decretado o luto académico e a greve às aulas.

Marcelo Caetano era Reitor da Universidade de Lisboa e mediou uma solução negociada para o problema. Os estudantes voltavam às aulas, mas realizar-se-ia um segundo Dia do Estudante nos dias 7 e 8 de Abril. Assim fizeram os estudantes mas, chegada essa data, o Ministério voltou a proibir as comemorações. O Reitor sentiu-se desautorizado e demitiu-se. O luto académico foi reposto e os estudantes desceram do Campo Grande ao Ministério (então no Campo Mártires da Pátria) ao som do grito "Autonomia!".

A agitação continuou até ao fim desse ano letivo, continuando a greve às aulas e repetindo-se confrontos entre estudantes e polícia em Lisboa, Porto e Coimbra. Em resposta, o Governo, demonstrando a sua habitual inflexibilidade, aprovou um decreto-lei que permitia ao Ministro da Educação proceder disciplinarmente contra os estudantes. Aplicando esses novos poderes, os dirigentes associativos foram suspensos e inúmeros estudantes presos.

Face a estes novos desenvolvimentos os estudantes dificilmente poderiam continuar a sua luta nos moldes que estavam a utilizar. Ainda assim, reuniram-se no Instituto Superior Técnico no dia 14 de Junho, onde aprovaram um resolução que enquadrava a sua luta pela autonomia universitária e a passou a orientar também para a autonomia associativa. Passou assim a estar em causa o Decreto-Lei n.º 40900, aprovado pelo Governo em 1956. Este diploma só permitia a tomada de posse dos dirigentes associativos depois de autorização do Ministério, previa a participação de um "delegado permanente do diretor da escola" em todas as reuniões associativas e dava ao Ministro o poder de substituir as direções eleitas por "comissões administrativas" nomeadas por ele, suspender o seu funcionamento ou mesmo extingui-las.

Olhando a esta distância, parece desenhar-se uma sombra de ironia sobre estes acontecimentos por ter sido a tentativa autoritária do Governo de controlar as associações que ajudou a que os estudantes se unissem e empreendessem uma luta pela preservação das suas associações como um espaço de genuína democracia, embora pequeno numa sociedade fascista e ditatorial. É também curioso encontrar nestes episódios distantes da luta estudantil várias caras nossas conhecidas. Desde o atual Presidente da República, Jorge Sampaio, que na altura era Secretário-Geral da Reunião Inter Associações ao atual Reitor da Universidade de Évora, Jorge Araújo, que pertencia à direção da Associação de Estudantes do Instituto Superior Técnico, que então frequentava e do qual foi expulso na sequência da sua participação no Dia do Estudante e nos acontecimentos que se lhe seguiram.

De tudo isto ficou a memória e a data: 24 de Março, escolhida pela Assembleia da República quando em 1987 fixou o Dia do Estudante. E que bom que é poder assistir à manifestação livre das reivindicações dos estudantes, quer se concorde ou não com todas elas, num ambiente democrático de respeito pelos seus direitos, liberdades e garantias.

Rui Grilo

(artigo publicado no Jornal da Universidade de Évora n.º 8, Abril de 1999)

domingo, 8 de abril de 2012

Luxos na Assembleia da República


 

O Paulo Pinto Mascarenhas, jornalista do CM, publicou dia 8 Dez 2011 o seguinte texto:

“Fomos espreitar os dois restaurantes de luxo que existem na Assembleia da República, mais a cantina e os bares. E revelamos os preços que se praticam. Há dois restaurantes de luxo na Assembleia da República reservados a deputados e respectivos convidados. Por cerca de 10 euros por pessoa podem experimentar no almoço buffet, do restaurante do edifício novo do Parlamento, um belo arroz de tamboril com gambas e umas salsichas em couve lombarda. Mas tem também direito a uma mesa de fritos, a outra vegetariana, mais uma de doces e frutas ou de queijos. Tudo isto antecedido, se assim o entender, de uma bela sopa de cebola.
Este é um menu normal, não é de dia de festa, mas sabendo que nem todos os deputados almoçam como deve ser, fomos ver os preços nos bares a que têm acesso e também na cantina, onde vão sobretudo os funcionários da casa.
Começando pela cantina, por apenas 3,80 € têm acesso a uma refeição completa, incluindo iguarias como um arroz de polvo - "malandrinho", como convém - ou à dieta de vitela simples, mais sonhos de peixe. Sopa de ervilha ou Juliana de legumes também constam da variada ementa. Já nos bares de serviço, para uma refeição ligeira, aconselha-se o belo prego, a bifana ou o hambúrguer da casa a apenas 1,01 €. Os croquetes também são em conta: 0,40 cêntimos cada um. Pode optar, é claro, por uma sandes mista a 0,66, ou em forma de tosta a 0,76. Tudo isto pode ser regado com uma cerveja a 0,55 ou uma mini a 0,40. Já percebeu porque é que eles engordam?”
Ao ler isto, nem queria acreditar!
Embora sabendo das mordomias dos deputados, só porque são deputados, fiquei chocada com o que acabei de constatar, num país onde a esmagadora maioria recebe um subsídio de alimentação vergonhoso, ou não o recebe, onde o desemprego atinge famílias inteiras e números assustadores e dramáticos e onde a maioria, quando ganha, ganha “mal e porcamente”, caso da função pública, daquela função pública que não tem cargos de chefia e, mesmo quando os tem, enfim, em nada se compara com as benesses de luxo deste e de outro tipo, neste caso, preços - menús “de reis”, para uma camada da população que deveria dar o exemplo da contenção e austeridade que apregoa e das “boas práticas” que sistematicamente defendem mas das quais a Assembleia da República exemplo não é mas exemplo deveria ser..

O que é isto, meus senhores? Que raio de políticos e políticas sociais são estas que cada vez mais olham “para dentro” de si? Que se esquecem de quem mal ganha para comer minimamente em condições ou anda a pedir para isso ou para aguentar a cada vez maior obstinação de um governo/de governos, abusando e insistindo que a recuperação do país tem de passar pelo contínuo roubo de direitos adquiridos, um deles, o salário digno, e que carregar com mais impostos e mais cortes em bens essenciais é uma inevitabilidade?
Estou farta destas (e de outras) “inevitabilidades”!
As “evitabilidades” é que os deveriam preocupar, caso das mordomias principescas de ministros, secretários de estado, conselheiros disto e daquilo, amigalhaços deste e daquele gabinete ou desta e daquela Fundação ou PPPs, gestores e administradores públicos, ex governantes, ex ministros, ex disto e daquilo…
Quanto mais sabemos destas nuances mais nos revoltamos. É verdade! Mas, o que fazemos? O que deveríamos fazer? Impingem sistematicamente soluções, à boca cheia, em nome da Economia, das regras da Economia, em nome da crise e da urgência da sua resolução, mas eles, eles não olham para si!
Estão a cumprir-se, brevemente, 38 anos da queda da ditadura salazarista mas, por favor, já chega de salazarentos! Os partidos são fundamentais para a manutenção de um regime democrático, particularmente, partidos que saibam fazer uma oposição séria, inteligente e oportuna mas, por favor, partidocracia não, muito menos interesses político-partidários acima dos da Nação!
Como JP Pereira dizia num dos seus últimos posts do seu blogue, só se discute economia, macro, micro, nano, pico, mega, giga, e por aí adiante. Cada vez se sabe menos e se analisa menos o que está a acontecer. O que realmente interessa, acrescento eu, que são as pessoas, as pessoas que nesta gente confiaram e que, com o seu voto, nelas viram a alternativa para uma mudança digna de um país há muito profundamente desigual e injusto. Em termos económicos e em termos políticos.
Chega a ser revoltante ver as “cabecinhas pensadoras” à roda com a troika mas completamente divorciadas daquela que é, afinal, a sua principal missão: evitar que a pobreza seja cada vez maior entre os que sempre asseguraram o país com os seus parcos rendimentos, esses que, como sabemos, não têm a esperteza dos que habitualmente fogem ao fisco das maneiras mais incríveis que ninguém sonha e que, claro, sempre se safaram e continuam a safar! Vem agora dar lições de Moral quem sempre esbanjou ou impulsionou ao esbanjamento! E muitas maneiras houve: desde a autorização para publicidade enganosa que aos bancos se deu, prometendo este mundo e o outro ao comum dos portugueses que do crédito se serviu, até ao dinheiro (perdido) que muito se injectou nos bolsos de banqueiros espertalhões ou de accionistas sem escrúpulos que, hoje, de nós se riem e de nós se aproveitam, salvaguardadas que continuam a estar as suas continhas na “estranja” ou branqueadas de todas as formas e feitios!

Mas o que mais me revolta é fazerem de nós estúpidos, isto é, como se eles, estes, nada disto soubessem!
Obrigada, PPM. É fundamental esclarecer e, aqui, o jornalismo tem lugar de destaque e de enorme responsabilidade, sobretudo num Estado de Direito, colocando-se ao lado dos cidadãos e esclarecendo-os quanto aos meandros da Política, Política e políticos manhosos, escondidos "sob o manto diáfano" dos pretensos sacrifícios que fazem pelo povo e pelo país!!! Afinal, estes discursos de vitimização que têm encontrado o seu expoente máximo no último do Prof Cavaco Silva já vêm de longe e a filosofia dos coitadinhos, incluindo deputados e outros afins, está já, como vemos, a ser tida em conta nos bares e restaurantes da Assembleia da República!!! E nós só sabemos (só sabemos sempre) "parte da coisa"!!! Que falta de sentido de estado e de Ética! Que falta de vergonha!
Voltem a olhar a lista de menus e os preços! Sim, os preços para quem subsídios tem para tudo e mais alguma coisa.

Agora, olhem para o vosso recibo de vencimento e para o subsídio de alimentação que recebem.
Eu não tenho que pactuar com isto nem aceito a existência de “castas”. Só na viticultura!

Nazaré Oliveira

Páscoa na aldeia


"Anjinhos" na procissão

Rosmaninho
Alecrim
Folar transmontano





Minha aldeia na Páscoa...

Infância, mês de Abril!
 Manhã primaveril!
 A velha igreja.
 Entre as árvores alveja,
 Alegre e rumorosa
 De povo, luzes, flores...
 E, na penumbra dos altares cor-de-rosa .
 Rasgados pelo sol os negros véus.
 Parece até sorrir a Virgem-Mãe das Dores.
 Ressurreição de Deus! (...)
 Em pleno azul, erguida
 Entre a verde folhagem das uveiras.
 Rebrilha a cruz de prata florescida...
 Na igreja antiga a rir seu branco riso de cal.
 Ébrias de cor, tremulam as bandeiras...
 Vede! Jesus lá vai, ao sol de Portugal!
 Ei-lo que entra contente nos casais;
 E, com amor, visita as rústicas choupanas.
 É ele, esse que trouxe aos míseros mortais
 As grandes alegrias sobre-humanas.
 Lá vai, lá vai, por íngremes caminhos!
 Linda manhã, canções de passarinhos!
 A campainha toca: Aleluia! Aleluia! (...)
 Velhos trabalhadores, por quem sofreu Jesus.
 E mães, acalentando os filhos no regaço.
 Esperam o COMPASSO...
 E, ajoelhando com séria devoção.
 Beijam os pés da Cruz."

TEIXEIRA DE PASCOAES

Tocam os sinos da torre da igreja,
Há rosmaninho e alecrim pelo chão.
Na nossa aldeia que Deus a proteja!
Vai passando a procissão.

Mesmo na frente, marchando a compasso,
De fardas novas, vem o solidó.
Quando o regente lhe acena com o braço,
Logo o trombone faz popó, popó.

Olha os bombeiros, tão bem alinhados!
Que se houver fogo vai tudo num fole.
Trazem ao ombro brilhantes machados,
E os capacetes rebrilham ao sol.

Tocam os sinos na torre da igreja,
Há rosmaninho e alecrim pelo chão.
Na nossa aldeia que Deus a proteja!
Vai passando a procissão.

Olha os irmãos da nossa confraria!
Muito solenes nas opas vermelhas!
Ninguém supôs que nesta aldeia havia
Tantos bigodes e tais sobrancelhas!

Ai, que bonitos que vão os anjinhos!
Com que cuidado os vestiram em casa!
Um deles leva a coroa de espinhos.
E o mais pequeno perdeu uma asa!

Tocam os sinos na torre da igreja,
Há rosmaninho e alecrim pelo chão.
Na nossa aldeia que Deus a proteja!
Vai passando a procissão.

Pelas janelas, as mães e as filhas,
As colchas ricas, formando troféu.
E os lindos rostos, por trás das mantilhas,
Parecem anjos que vieram do Céu!

Com o calor, o Prior aflito.
E o povo ajoelha ao passar o andor.
Não há na aldeia nada mais bonito
Que estes passeios de Nosso Senhor!

Tocam os sinos na torre da igreja,
Há rosmaninho e alecrim pelo chão.
Na nossa aldeia que Deus a proteja!
Já passou a procissão.


 ANTÓNIO LOPES RIBEIRO