terça-feira, 4 de julho de 2017

Escolas seguem orientações da tutela e há alunos a passar de ano tendo negativa a metade das disciplinas?

Foto do jornal I 

Li esta notícia.

Nem tudo o que parece é, mas...

São os professores que conhecem os alunos, que conhecem a realidade.
Avaliar é algo muito sério. Transitarem ou não, é uma decisão que cabe aos professores, decisão tantas vezes limitada, é certo, por regulamentação da tutela muito desajustada do terreno.
Também é verdade que as escolas continuam a ter demasiada burocracia, demasiadas grelhas e planos, como se o aluno e a turma e o processo de aprendizagem se pudessem restringir a linhas rectas e perpendiculares, que pouco ou muito pouco cruzam ou sequer tangem com a verdadeira realidade.
Parece que o professor não tem autoridade, segurança e independência no seu trabalho, tal é a necessidade incrível de tudo ter passado a ser justificável por números e mais números, planos e mais planos, grelhas e mais grelhas Excel, lindas, coloridas, mas tão perversamente esclarecedoras e realistas.
Nem tudo tem ou deve ser quantificável.
Muita coisa (há muito!) devia ser ser revista no âmbito da avaliação, seguramente, das tarefas mais difíceis de um professor mas, também, das que mais tem sofrido nas mãos deste ou daquele governo, deste ou daquele ministro da educação. 
Enquanto tivermos nas escolas professores acólitos, subservientes à tutela e aos pais, com falta de profissionalismo (porque também disto se trata), falta de personalidade, acríticos, que fingem fazer aquilo que de facto só a realidade turma evidencia, porque, aí, é que se joga o tudo ou nada, o que se sabe ou não, o que se faz ou finge saber... enquanto tivermos nas escolas gente que não se sente professor mas que o diz ser, gente que não gosta de ensinar mas que o diz fazer... teremos esta situação que a notícia transmite, e não só. 
Numa profissão cada vez mais exigente e mais dura, porque a sua essência parte da realidade social, ela própria, cada vez mais desestruturada e complexa à qual vai buscar o seu objecto de trabalho, teremos todos estes males a ensombrarem a missão extraordinária de quem ensina porque gosta mas também porque sabe.
Convém continuar a lembrar que os problemas na Educação e nas Escolas passam sobretudo (e muito) pela resolução dos grandes problemas e das grandes e legítimas reivindicações dos professores, leia-se, dos professores que gostam de o ser e que na realidade isso têm provado àqueles que de facto mais próximos de si estão - os seus alunos -, apesar das condições em que o fazem, quer materiais quer salariais.
Os bons professores precisam de uma tutela que os ouça e que com eles colabore e neles reconheça a imprescindibilidade de um trabalho que missão chega a ser, o mesmo se aplicando a certos 
alunos e a certos encarregados de educação, tantas vezes, eles próprios, obstáculos a uma sã e desejável relação  de proximidade responsável.

Nazaré Oliveira


domingo, 2 de julho de 2017

Portugal é um paiol roubado



 Já viram o que ultimamente se anda a passar em Portugal?
Cada vez mais crimes, cada vez mais criminosos, cada vez mais irresponsáveis, cada vez mais gente "do topo" com brutas mordomias e brutas remunerações a mostrar escandalosamente que não cumpre minimamente o seu dever, que nos envergonha como povo e nos ensombra a democracia e as conquistas que abril nos deu.
Escalpelizam cada vez mais o Estado Social, para nosso infortúnio, e nada fazem para merecer aquilo que altivamente ostentam: os títulos, as condecorações, os lugares na sociedade, na política... 
Ainda mal refeitos dos horrores de Pedrogão e do terror que se viveu, aguardando com ansiedade que a justiça corra célere e a verdade também, recordo, igualmente, a morte daqueles jovens que nos Comandos perderam a vida graças à estupidificação de treinos militares, e de militares que nunca o deveriam ser, ao ponto de terem contribuído para desfecho tão doloroso e ao mesmo tempo revoltante porque inadmissível.
Mergulhada nestes pensamentos, lendo o que tenho lido, vendo o que tenho visto, deparo-me hoje, mais uma vez pela imprensa, com o cenário negro de um país continuamente adiado em princípios e valores humanistas, concluindo quão lamacento anda Portugal e os seus "mandantes" mais os que ainda dormem o sono da razão.
O que chama logo a atenção e nos revolve as entranhas e nos revolta, são os títulos, claro, mas sobretudo, saber, neste caso, que o perímetro que circunda as unidades ficara sem a habitual vigilância das rondas feitas por militares da base na noite de terça para quarta-feira, quando se deu o assalto, que dentro das instalações estavam quase 20 paióis e apenas três foram assaltados, precisamente aqueles que tinham material relevante, sem a habitual vigilância de militares durante quase 20 horas e que, pasmem-se outra vez, que a vedação estava danificada  além de o sistema de videovigilância estar inoperacional há pelo menos dois anos!
Que é isto? Onde estão ou andavam os responsáveis? Que têm feito ao longo dos anos?
Se fosse um professor a faltar às aulas, por razões de força maior, justificadas, "caía o Carmo e a Trindade"!
Se fosse um médico "apanhado" a descansar a cabeça por breves momentos, numa urgência, de madrugada, "caía o Carmo e a Trindade”!
Um indivíduo que fora apanhado a roubar um champô (noticiado pelos jornais) foi logo preso. Estes militares...
Triste país! Parece que o que interessa mesmo é saber que o Ronaldo tem mais 2 filhos encomendados, que o Benfica está assim e assado, que o tal do Sporting casou outra vez, que se transferiu o jogador A para o clube B e que isso rendeu milhões e milhões ...
Estou farta disto! Nunca mais acabam estas merdices e estes merdosos.
Para ajudar, temos à porta as eleições autárquicas: todos "bentos e santos", sorridentes, bem-falantes, honestos, sérios, "limpinhos"...
Mas eu vou votar. Sim, vou votar mas não "nesta tropa".

Nazaré Oliveira

Ler notícia do PÚBLICO aqui.

Simone Veil

Simone Veil (1927-2017), a sobrevivente que fez história pelas mulheres

Foi protagonista da lei que em 1974 despenalizou o aborto, europeísta convicta, magistrada e uma das figuras políticas mais amadas de França. Antes de tudo isso, sobreviveu ao inferno dos campos de concentração.


Foi a 26 de Novembro de 1974 que Simone Veil subiu à tribuna da Assembleia Nacional francesa para falar em nome das 300 mil mulheres que todos os anos abortavam clandestinamente no país. “Não podemos continuar a fechar os olhos”, disse a então ministra da Saúde, num discurso que seria repetido por muitas outras depois dela e que a França voltou a recordar no dia em que chorou a morte de uma das suas personalidades políticas mais amadas.
Há muitas dimensões nos 89 anos de vida de Veil, a jovem judia deportada para os campos de concentração nazi que sobreviveu para se tornar magistrada e ministra, a combatente pelos direitos reprodutivos das mulheres, a primeira Presidente do Parlamento Europeu eleito por sufrágio universal, a constitucionalista e voz empenhada em todas as causas em que acreditava.
“Possa o seu exemplo inspirar os nossos compatriotas, que nele encontrarão o melhor de França”, reagiu o Presidente Emmanuel Macron, logo depois de a família ter anunciado a sua morte. “Que a sua vida exemplar permaneça uma referência para todos os jovens de hoje. Era uma mulher excepcional que conheceu as maiores felicidades e as maiores tragédias na vida”, escreveu o antigo Presidente Valéry Giscard d'Estaing, que em 1974 lhe entregou a pasta da Saúde e a tarefa – então quase suicida, sobretudo para um Governo de direita – de fazer aprovar a despenalização da interrupção voluntária da gravidez com que ele se comprometera na campanha.
Ela não o desiludiu, mesmo que já no final da vida tivesse confessado que acreditava que “não iria durar mais de umas semanas” no cargo, o tempo necessário “para cometer alguma asneira”.
Mas em vez de insegurança, mostrou convicção, mesmo perante os piores insultos. “Nenhuma mulher recorre de ânimo leve ao aborto. Ele continuará a ser sempre um drama”, afirmou a jovem ministra, perante um hemiciclo onde apenas nove dos 490 lugares eram ocupados por mulheres. O debate demorou três dias, mas a lei – que assumiria o seu nome – acabou por ser aprovada por 284 votos a favor, fazendo de França o primeiro país de maioria católica a despenalizar a IVG. “Se sinto orgulho? Não, mas sinto uma grande satisfação porque isto era muito importante para as mulheres, porque era um problema que me era caro há muito tempo”, responderia anos mais tarde.

Sobrevivente
O carácter que a definiria – “uma rocha”, na descrição do Libération – atribuiu-o ela própria à sua infância e, sobretudo, à experiência inimaginável do Holocausto, que foi a sua companhia permanente. “Tenho a convicção que no dia em que morrer, será na Shoah que pensarei”, disse ao Le Monde em 2009.
Simone nasceu em 1927, a mais nova de quatro filhos de uma família judia burguesa – o pai um arquitecto premiado, a mãe forçada pelas regras da sociedade a abandonar os estudos de Química para cuidar da família. Uma infância feliz brutalmente interrompida pela II Guerra e a invasão nazi. A família foi presa e deportada em Março de 1944, o pai e o irmão num comboio com destino à Lituânia, onde acabariam por morrer em circunstâncias nunca apuradas; ela, a mãe e uma das irmãs enviadas para Auschwitz-Birkenau. Sobreviveu aos trabalhos forçados – contou que foi protegida por uma guarda prisional que lhe disse que “era demasiado bonita para morrer ali” – aos quilómetros da fuga forçada através da neve que terminou no campo de Bergen-Belsen, onde a mãe, doente com tifo, morreria dias antes da libertação.
Com o número de prisioneira – 78651 – para sempre tatuado no braço, Simone regressou a França, matriculou-se na Sciences Po, onde conheceu Antoine Veil, seu marido em pouco tempo. Tiveram três filhos e foi então que, após duras discussões conjugais, convenceu Antoine de que não iria ficar em casa. Ele aceitou na condição que ela fosse magistrada e sua ascensão foi imparável: em 1969 foi nomeada conselheira do então ministro da Justiça, no ano seguinte tornou-se a primeira mulher secretária-geral do Conselho Superior da Magistratura. Em 1974 chegaria o convite que marcou a sua carreira política.

Europeísta convicta
Alguns sobreviventes do Holocausto “ficaram para sempre esmagados pela imensa catástrofe. Outros demonstraram uma energia incrível, como se o facto de terem filhos ou dedicarem-se a uma profissão constituísse uma espécie de vitória sobre o nazismo, como se quisessem que os seus pais desaparecidos tivessem orgulho neles. Simone Veil pertencia sem dúvida a estes últimos”, escreveu Serge Klarsfeld, amigo e presidente da Associação de Filhos e Filhas dos Judeus Deportados de França, citado pelo Le Monde.
Mas a experiência do Holocausto tornou também Simone Veil numa europeísta convicta. “A Europa arrastou por duas vezes o mundo inteiro para a guerra. Ela deve encarnar agora a paz”, era uma das suas favoritas, recorda o Libération. A pedido de Giscard d'Estaing concorre às primeiras eleições europeias e acaba por assumir a presidência do Parlamento Europeu. Jacques Delors, futuro presidente da Comissão Europeia, recorda que entre o entusiasmo desses dias iniciais da integração europeia Simone Veil “demonstrou ter uma qualidade rara, a do discernimento”, sublinhando sempre as dificuldades do caminho.
Regressaria ao Governo francês em 1993, mas seria no Conselho Constitucional, a mais alta instância judicial, que passaria a última década da sua vida activa. Acumulou distinções – a Legião de Honra, a Academia Francesa, a presidência da Fundação para a Memória da Shoah. Nos últimos anos, a idade e a doença foram-na afastando da vida pública, mas não do imaginário dos franceses, que continuavam a considerá-la uma das figuras políticas mais populares.
“Continuo a acreditar que vale sempre a pena batermo-nos por qualquer coisa. Digam o que disserem, a humanidade está hoje mais suportável do que no passado”, afirmou há alguns anos ao Libération. “Acusam-me de ser autoritária. Mas só me arrependo de não me ter batido por esta ou aquela questão”. 




domingo, 25 de junho de 2017

A Verdadeira Origem da crise financeira e o futuro da economia global



Neste livro excepcional, o ex-ministro grego das Finanças no governo do Syriza, Yanis Varoufakis, um dos maiores expoentes antiausteridade na Europa, destrói o mito de que a regulamentação dos bancos é ruim para a saúde económica. Com rigor e profundidade, ele demonstra como a ganância global do sector financeiro foi a principal causa da última crise económica. Para ilustrar, Varoufakis recorre à imagem mitológica do Minotauro: uma monstruosidade financeira que não deveria existir e, por tal motivo, vive reclusa em um labirinto, exigindo periódicos sacrifícios dos humanos. Após a bulimia que causou o colapso de 2008 – uma crise pior que a Grande Depressão de 1929 e mais dramática internacionalmente que a crise do petróleo nos anos 1970 –, a besta se reergue levantando junto novas dúvidas: como os principais responsáveis pela crise saíram ainda mais poderosos? O que levou os Estados a torrarem suas reservas e comprometerem seus orçamentos para salvá-los? Varoufakis explica com clareza a falência deste complexo sistema que nos jogou na presente crise. E mais do que identificar o caminho deste processo kafkiano, aponta as saídas para reintroduzir a racionalidade numa ordem económica altamente irracional, jogando luzes neste labirinto histórico no qual se encontram não apenas os gregos, mas também todo mundo, inclusive os brasileiros.

Os economistas heterodoxos estão em moda. Primeiro o Pikkety, sobre a desigualdade, e agora é o Varoufakis, com um relato alternativo sobre a crise económica. – El País

Um escritor lúcido e cativante que faz críticas astutas ao modelo económico que causou o colapso financeiro e a amarga recessão mundial. Seu argumento tem uma envergadura ambiciosa. – The Times


Um livro espirituoso. O Minotauro Global é uma besta económica mantida enjaulada só pela constante movimentação mundial de dinheiro via Wall Street. – The New Yorker


Um ciclo económico está chegando ao fim. Ele começou no início dos anos 1970 com o nascimento do que Varoufakis chamou de “Minotauro Global”, o monstro motor que fez a economia mundial funcionar entre o começo dos anos 1980 até 2008. - Slavoj Zizek


O livro é uma daquelas publicações raríssimas que podemos dizer ser urgente, oportuna e absolutamente necessária. - Terry Eagleton



Sobre o autor
Yanis Varoufakis é um economista académico e blogueiro,  greco-australiano, nascido em 24 de março de 1961 em Atenas, na Grécia.
Realizou seus estudos superiores nas universidades de Essex e Birmingham, no Reino Unido, entre 1978 e 1987, mantendo em paralelo ativa militância política. Lecionou em importantes instituições de ensino superior britânicas, destacando-se nas áreas de Economia Política e Teoria dos Jogos, até se radicar na Austrália, em 1987, onde obteve cidadania.
 Retornou à Grécia em 2000. Tornou-se professor da Universidade de Atenas e ativo membro da esquerda do Partido Socialista Pan-helénico (Pasok), com o qual rompeu devido à guinada ideológica da agremiação que resultou no desastroso governo do primeiro-ministro Georgios Papandreu. Com o estouro da crise económica global, em 2008, Varoufakis passou a ser uma das vozes mais firmes contra as políticas de austeridade. No  seu blog, intitulado Thoughts for the post-2008 world (hospedado no endereço yanisvaroufakis.eu), criticou ferozmente as medidas governamentais que puniram populações mais carentes.
 Filiou-se na Coligação da Esquerda Radical (Syriza), colaborando com os esforços contrários às medidas de austeridade que foram particularmente perversas na Grécia.
No início de 2015, foi eleito membro do parlamento grego e logo convidado pelo PM Alexis Tsipras para ocupar o cargo de ministro das Finanças, enquanto seu país vivia às voltas com a asfixia económica promovida pela troika – como é conhecido o grupo formado pela Comissão Europeia, Fundo Monetário Internacional e Banco Central Europeu.
Sem o apoio do resto do governo para enfrentar as imposições da troika, deixou o governo na esteira da vitória do “não” na famosa consulta popular realizada em 5 de julho de 2015, quando os gregos se recusaram a aprofundar as medidas de austeridade impostas pelas autoridades europeias.
Nas eleições antecipadas de setembro de 2015, resolveu não integrar o seu antigo partido e apoiou deputados da recém-criada Unidade Popular (um racha anti austeridade do Syriza).
Convicto de que a solução para a crise europeia não será resolvida isoladamente por cada país, Varoufakis empenhou-se nos últimos meses na construção do Democracy in Europe Movement 2025, o DiEM (diem25.org/), uma iniciativa pan-europeia, horizontal e em rede que visa democratizar o continente ao longo dos próximos dez anos, lutando ao lado dos movimentos sociais contra a extrema-direita nacionalista e a tecnocracia da atual União Europeia.

O Minotauro Global – A Verdadeira Origem Da Crise Financeira E O Futuro Da Economia Global, de Yánis Varoufákis.


Ver artigo sobre esta obra em http://www.outraspalavras.net/outroslivros/para-entender-o-coracao-da-crise/


                        

quinta-feira, 22 de junho de 2017

Incêndios em Portugal: a história repete-se, infelizmente.

O incêndio em Pedrógão provocou pelo menos 61 mortos e 62 feridos, alguns em estado grave ADRIANO MIRANDA

O que é que falhou neste sábado? Tudo, tal como falha há décadas
Só não se sabia onde o raio ia cair, mas muitos avisaram que onde caísse seria uma desgraça. Ninguém esperava que tomasse estas proporções, mas a ausência de aposta na floresta conduziu a este barril de pólvora. Como já aconteceu antes e irá voltar a acontecer. Será que é desta que tudo muda?
18 de Junho de 2017, 21:08

Não há rigorosamente nada de novo a dizer. Já tudo foi estudado, explicado e escrito na última década e meia. Houve comissões para todos os gostos e feitios. E foi feito muito trabalho sério. Faltou tudo o resto. Faltou pôr a tratar de incêndios florestais quem percebe de floresta. Faltou integrar prevenção e combate. Faltou ordenamento. Faltou pensar no longo prazo. E adiou-se o mesmo de sempre: fazer da floresta uma prioridade, fazer de um terço do território nacional uma prioridade. 
Houve, ninguém nega, uma conjugação extraordinária de factores adversos, como já tinha acontecido em 2003: ao ar seco e temperaturas altas juntaram-se as trovoadas secas e o vento forte numa tragédia de dimensões inéditas no país que provocou pelo menos 61 mortos e 62 feridos, alguns em estado grave, no concelho de Pedrógão Grande. Estes, por sua vez, podem ter provocado a queda de linhas de alta tensão, gerando mais focos de ignição, acrescenta Paulo Fernandes, investigador da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro. Mas isto aconteceu em vários pontos do território — “houve uma quantidade anormal de fogos no Alentejo”, adianta o investigador — sem as mesmas consequências. Qual foi a diferença? O tremendo barril de pólvora que é o Pinhal Interior (que já é uma mistura de duas monoculturas: pinheiros e eucaliptos). Que se junta a muitos outros país fora. E é neste ponto que Portugal insiste em falhar. 
“Todos pensam que quem percebe de cozinha são os gordos e não os cozinheiros. Com os incêndios florestais passa-se o mesmo”, resume Henrique Pereira dos Santos, arquitecto paisagista. Nesta guerra — pois não há outro nome a dar, uma guerra em que Portugal se envolve ano após ano e perde sempre —, o conhecimento florestal é o soldado raso no teatro de operações.
A estratégia em vigor, depois de anos de avanços e ainda mais recuos, assenta em três pilares — os três pilares rachados, como lhes chama Paulo Fernandes: a vigilância e detecção, entregue à GNR; a prevenção, da responsabilidade do Instituto da Conservação da Natureza; e o combate, feito pela Autoridade Nacional de Protecção Civil. Cada vez que alguma coisa corre mal, um dos pilares atira as culpas para o outro. Pelo caminho fica a coordenação desta gente toda, aponta o engenheiro florestal.
“Não há qualquer integração entre combate e prevenção, tem de se criar um corpo profissional, que esteja permanentemente envolvido na prevenção e no combate”, defende Henrique Pereira dos Santos. Só assim, aqueles que no Inverno abriram caminhos, aceiros e desmataram conheceriam o terreno para no Verão enfrentar as chamas, sabendo quais os locais onde estas poderiam ser melhor combatidas e o fogo estancar. Assim como teriam conhecimentos suficientes para saber por onde o incêndio tenderia a evoluir, antecipando-o, em vez de passar a vida a correr atrás dele, como agora acontece. Foi esta mesma estrutura que aqueles que mais sabem de floresta em Portugal propuseram há dez anos, entre muitas outras medidas que poderiam ter começado a permitir que o país se preparasse para finalmente começar a vencer algumas batalhas. Por ser “demasiado ambiciosa”, esta proposta de um Plano de Defesa da Floresta contra Incêndios (PNDFCI) foi reduzida à sua ínfima expressão e a prioridade foi para os do costume: o combate. Uma decisão que Ascenso Simões, que na altura era secretário de Estado no Ministério da Administração Interna liderado por António Costa, actual primeiro-ministro, assumiu no rescaldo dos incêndios do ano passado como um “erro grave”Ou seja, o conhecimento técnico tem sido paulatinamente destruído — ou ignorado — em Portugal. Os serviços florestais são uma pálida imagem do que foram, os guardas florestais foram integrados na GNR e os conselhos dos silvicultores são esquecidos assim que o Outono ameniza o clima. 



Avisos com 50 anos 

Não foi apenas após os terríveis incêndios de 2003 e 2005 que se descobriu que Portugal era particularmente vulnerável aos incêndios, não só pelo seu clima mediterrânico como devido às alterações climáticas. Os avisos começaram em 1965, quando os engenheiros florestais Moreira da Silva, Vasco Quintanilha e Ernâni José da Silva elaboraram o relatório Princípios Básicos de Luta contra Incêndios na Floresta Particular Portuguesa, onde constava tudo o que agora se discute como se fosse novidade: o diagnóstico — as monoculturas e desertificação rural conduziram ao desastre — e a solução — a redefinição da gestão florestal privada no minifúndio através da criação de polígonos florestais com dimensão para potenciar a sua correcta gestão (as actuais Zonas de Intervenção Florestal), a importância do planeamento florestal e a adopção de sistemas de prevenção e combate assentes na profissionalização dos seus agentes. 
São pelo menos 50 anos a dizer o mesmo para orelhas moucas. “Estamos sempre focados no imediato, não se equilibra o orçamento entre a prevenção e o combate, não se pensa na gestão do território, continuamos focados na protecção civil quando este é um problema de geografia física e humana já com um século e meio e que demorará décadas a resolver”, diz José Miguel Cardoso Pereira, do Instituto Superior de Agronomia e que liderou a equipa que propôs o tal PNDFCI “demasiado ambicioso”. 
E agora, por onde (re)começamos? “Pelo interface entre os espaços rurais e urbanos, reduzindo a carga de vegetação e, por consequência, o risco, libertando assim meios” que, em vez de estarem a defender as casas, deixando as chamas correrem livres nos matos e florestas, estão concentrados na luta contra o incêndio, acrescenta Cardoso Pereira. E, claro, “criar uma estrutura integrada mais especializada em meio florestal”. 
No mesmo sentido vai Luciano Lourenço, director do núcleo de investigação de incêndios florestais da Universidade de Coimbra, que lamenta que muitas das medidas de prevenção que foram previstas no PNDFCI nunca tenham saído do papel. “Há anos que se fala na necessidade de criar faixas de segurança em torno das habitações e das unidades industriais. Bastava que essa medida tivesse sido implementada para que se tivessem evitado algumas destas mortes”, aponta. Para o investigador, além de poupar vidas, estas faixas de segurança fariam com que “deixasse de ser prioritário colocar os bombeiros nas aldeias — porque elas estariam protegidas —, permitindo que se concentrassem no combate ao incêndio”. 
Todo o sistema de prevenção e combate a incêndios precisa de ser reformado, reforça Paulo Fernandes. “Esta originalidade portuguesa de ter fases Alfa Charlie não faz sentido hoje. Um sistema moderno não pode estar dependente do calendário, tem de ter flexibilidade para responder sempre que necessário, até por causa das alterações climáticas.” 
Numa altura em que o Dispositivo Especial de Combate aos Incêndios Florestais para 2017 está ainda na fase Bravo, e sendo que a fase Charlie, que vai ter os meios de combate na sua capacidade máxima, começa só no dia 1 de Julho, o investigador Xavier Viegas concorda com a necessidade de uma maior flexibilidade do dispositivo. “O problema é que essa flexibilidade não é nada fácil e levaria à introdução de cláusulas nos contratos que seriam impeditivas do ponto de vista económico ou prático”, ressalva, porém, o professor na Universidade de Coimbra, com anos de investigação na área dos incêndios florestais. 
Portanto, o caminho mais seguro e com mais resultados continua a ser o da prevenção. Como? “É preciso pegar nas pessoas válidas que vivem nestes meios rurais e dar-lhes capacidade de se organizarem e de se auto-protegerem num cenário de incêndio, evitando assim que fiquem à margem do processo como hoje em dia”, sugere Xavier Viegas, para defender que cada núcleo habitacional deste tipo deveria, por outro lado, ter “espaços de refúgio seguros para onde as pessoas pudessem encaminhar-se sem terem que se fazer à estrada para fugir ao fogo”. 
Por outro lado, o Fundo Florestal Permanente deveria ser totalmente canalizado para as associações de produtores, que asseguram que a floresta é gerida, defende Américo Mendes, professor na Universidade Católica Portuguesa (Porto) e presidente da Associação Florestal do Vale do Sousa. Para envolver cada vez mais os proprietários, haveria também de aumentar o interesse económico de uma floresta diversa, que deixasse de estar refém das monoculturas que lhe dão um rendimento rápido: o pagamento dos serviços prestados ao ecossistema. 
Tudo, mas mesmo tudo isto e muito mais, já foi dito e repetido. Por isso, Paulo Fernandes pede que se retirem ilações desta tragédia. “Acho inconcebível que responsáveis do Governo e até o Presidente da República comecem logo a declarar à queima-roupa que tudo correu muito bem” porque isto, acredita, contribui para “a desresponsabilização”.