sexta-feira, 13 de maio de 2016

Volta Keynes! Estás perdoado.



Volta Keynes! Estás perdoado.
Eu hesitei no título a dar a este texto, confesso. Pensei em titulá-lo de “ O nosso Economista”, referindo-me claro a essa pessoa, a tal que diz que “ somos o que escolhemos ser”, assim como que a dizer “ eu escolhi ser rico” e  “ tu escolheste ser pobre”, não por esta “ tonteria” mas por aquela expressiva frase que proferiu penso que num discurso naquele espectáculo comemorativo dos 40 anos do seu Partido em que afirmou/ perguntou “Dar mais dinheiro às pessoas resolve os problemas da economia?, certamente tentando deste modo afrontar a equação alternativa que emana do documento do PS apresentado por aquela equipa de 12 economistas , mas não! Em nome do rigor e da seriedade que quero dar a este texto não o poderia fazer…
Apesar de constar que tem uma licenciatura em Economia, que lhe foi atribuída aos 37 anos certamente porque, apesar de tudo, foi o que escolheu ser, não lhe é reconhecido qualquer pensamento relevante, qualquer estudo ou ensaio publicado ( a não ser aquele “ensaio” da Felícia Cabrita sobre o “ homem invulgar” que ele também escolheu ser…), qualquer análise seja de que variável da economia for, nem mesmo se lhe conhece alguma defesa, falada ou escrita, de qualquer doutrina económica mesmo que seja aquela que mui religiosamente segue e que foi a que escolheu seguir : a ultraliberal. Assim como quem escolhe ser do Benfica…
E recordo aqui uma entrevista dada há cerca de dois anos pelo Dr. Silva Lopes, o reputado economista e homem de finanças há dias falecido, em que ele dizia “Desculpem-se a arrogância mas acho que o governo sabe pouco de Economia…“, referindo-se ao facto de, sendo público e notório que o futuro do País está manifestamente dependente das exportações, ele não vislumbrar qualquer apoio ao seu sector, qualquer programa concreto para o seu incremento e que, mesmo havendo condicionamento Europeu, defendia a possibilidade de o contornar através do apoio a novos investimentos ou concessão de créditos a pequenas e médias empresas exportadoras. E que não bastavam simples proclamações e palavras de circunstância pois o que era preciso eram actos…
Se tivesse intitulado este texto de “ O nosso Economista” estaria a dar, mesmo que ironicamente, uma importância ao dito cuja não lhe reconheço e assim também posso dizer que, afinal, não foi esse o que eu escolhi!
Mas é evidente para mim e penso que para muitos mais que o que decorre da frase/ pergunta por ele proferida ( “ …é dando mais dinheiro às pessoas que se resolve o problema da economia?”) é onde reside precisamente a grande diferença de perspectiva quanto à análise e solução para o futuro do País. De um lado está a via da austeridade como único caminho para a solução, caminho este que se vê ultrapassado pela realidade e pelos seus desoladores resultados. Uma via também cada vez mais criticada e abjurada por grandes pensadores e Economistas de grande renome, incluindo vários Prémios Nobel e apenas dubiamente defendida por algumas organizações ( FMI e CE, por exemplo) simplesmente para não confessarem o fracasso dessa via preferindo que pequenas mudanças, imperceptíveis mudanças, se vão fazendo ao longo dos tempos para não terem que dar o braço a torcer e salvar assim as sua faces. Mas uma via que o nosso “ grande economista” escolheu seguir e para a qual não vê ( nem conhece porque escolheu não conhecer…) qualquer alternativa.
Mas do outro lado está uma via que privilegia o aumento do rendimento disponível das pessoas como forma de cativação das sinergias que conduzem ao aumento do consumo privado e ao consequente aumento da produção de bens de consumo próprios. De um lado está o retirar poder de compra às pessoas pela via da redução dos salários, do corte das pensões e do aumento de impostos como forma do Estado satisfazer os seus compromissos e o equilíbrio das finanças públicas, afectando de forma sistemática a criação de riqueza e do outro lado está uma perspectiva de incremento da actividade económica através do aumento do rendimento disponível, da qual decorra o aumento das receitas necessárias para os mesmos fins: cumprimento das metas orçamentais, equilíbrio das finanças públicas e satisfação dos compromissos assumidos.
São duas vias antagónicas que têm que coincidir nos três aspectos fundamentais atrás referidos mas para mim, e penso que para muitos mais, em defesa do humanismo que defendemos e que o nosso “ grande economista” escolheu não defender e em nome e defesa da dignidade a que as pessoas têm direito, e que ele escolheu não se rever, e do seu envolvimento responsável nos destinos da País, para mim e para muitos mais este é o caminho mais meritório e justo que nos dias de hoje é possível trilhar.
Dar dinheiro às pessoas resolve os problemas da economia?”. Não se trata de “ dar” dinheiro mas sim de “repor” rendimentos que foram cortados mas, adiantando, ele acha que não, ele acha que a única via, não a que ele escolheu mas a que lhe foi imposta e por isso foi por ele escolhida, é a do ajustamento pelo empobrecimento e pela perda de direitos e dignidade das pessoas subestimando, assim, a força que algum poder aquisitivo das pessoas possa ter no necessário crescimento económico. Ele também acha que o equilíbrio das contas externas se faz unicamente pela via da redução das importações, descurando o impacto que isso tem no consumo, e pelo aumento das exportações, mas esquece-se de que quem nos compra, ou faz o favor de nos comprar, exige também que lhes compremos e, por via de compromissos assumidos com grandes e poderosos em troca de bens de grande valor, somos forçados a comprar sem ter a devida força para impor os nossos produtos e os efeitos fatalmente anulam-se.
Eu acho e muitos como eu também acham que algumas políticas restritivas ainda são necessárias porque é forçoso manter as finanças equilibradas, o défice controlado e os compromissos satisfeitos, porque isso é salutar e porque dependemos fortemente do crédito externo não só para nos financiarmos mas também para refinanciarmos a nossa dívida, mas achamos que não nos devemos conformar ao empobrecimento e exclusão como soluções para o nosso futuro.
Muito embora esteja agora muito em moda a visão imposta pelo pensamento único, aquele que é emitido e publicado pelos doutos comentadores arregimentados ao situacionismo, de que, para lá da definição da economia, nada mais tem sentido, existe na verdade agora um campo ideológico e programático que separa as duas correntes, e essa separação não advém, como a Direita gosta de afirmar, de qualquer existência ou ausência de rigor, de um lado ou do outro, mas sim da coordenação e adaptação da economia à vida e necessidades das pessoas e não o contrário. Por isso a Direita não se cansa de dizer que vem aí novamente o despesismo, o descontrolo das contas etc. etc. sem perceber que as projecções evidenciam todo o seu contrário e os números que ela apresenta precisamente o contrário do que afirma…
As diversas posições que vêm sendo tomadas, a que atras me referi, por parte de importantes economistas, reconhecidos pensadores, publicações de referência e académicos renomados acerca dos malefícios da insistência em políticas austeritárias e a necessidade de um novo rumo que privilegie o investimento e a criação de emprego, no fundo políticas mais Keynesianas e tendentes a um maior equilíbrio social, têm esbarrado um pouco em conceitos estabelecidos de inevitabilidade por parte das instituições reguladoras com o argumento de que os “ mercados” podem reagir mal e será, portanto, necessário cumprir as suas vontades. E dizem isto porque são eles precisamente os representantes dos “ mercados” e por estes nomeados para cumprirem as suas prepotentes e insensíveis vontades. E para isso são muito bem pagos e fazem esse nefasto papel. Mas água mole em pedra dura tanto bate até que fura, como diz o ditado, e o que é pena é que tudo tenha que ser sempre reerguido das ruínas, com políticas Keynesianas é evidente, quando seria tão mais fácil esta gente reconhecer as evidências e ter algum sentido social que não tem ou deixou de ter, tão cegos ficaram pelo vil metal. Foi o que escolheram ser…
Mas em tempos de crise profunda e em momentos fulcrais na história do século XX foram as políticas Keynesianas que trouxeram as soluções para as crises, promoveram a recuperação económica e melhoria da qualidade de vida das pessoas a nível mundial e introduziram mais igualdade, mais sentido de justiça e, ainda, políticas de âmbito social nunca antes promovidas. Temos dois exemplos paradigmáticos : o NEW DEAL implementado por Roosevelt a seguir à grande depressão e o PLANO MARSCHAL a seguir à segunda grande guerra.
E foram depois as teoria Neoliberais, implementadas nomeadamente por Reagan e Thatcher e emanadas da Escola de Chicago e de Milton Friedman, quem introduziram a desregulação com o conceito de que o mercado tudo regulava ou acabaria por regular, o livre arbítrio e descaracterização das funções dos Estados como primeiros responsáveis pelo controlo das economias, que conduziram à concentração progressiva da riqueza, ao aumento das disparidades entre ricos e pobres, entre poderosos e famintos e entre detentores de tudo ( cada vez em menor número mas com mais) e os que não têm nada ( cada vez em maior número com cada vez menos) como não há memória. Mas diziam que o “mercado” se encarregaria de corrigir os desequilíbrios e que a lei da oferta e da procura se encarregaria de trazer justeza à economia.
Só que os Estados perderam autonomia, deixaram de ser soberanos nas suas decisões, começaram a ficar reféns dos grandes interesses, passaram a ser governados por “ marionetas” por eles ( grandes interesses) designadas, aquilo que escolheram ser, e começaram a ficar atafulhados em dívidas e dependentes cada vez mais desses credores impiedosos e desconhecidos. E as pessoas começaram a ser chamadas a pagar, a pagar aquilo que não pediram, a pagar aquilo de que não precisavam, a pagar aquilo que não utilizam nem nunca vão utilizar, a pagar aquilo que só serve para matar, a pagar, a pagar. E se não pagarem ou quando já não tiverem por onde pagar…aos infernos vão parar…
E eles cada vez mais poderosos e insensíveis. Tiveram uma crise há uns anos, abalaram um pouco mas no fim, meu Deus no fim, no fim pagaram os Povos. As pessoas. Salvaram-se os Bancos e as pessoas pagaram. Os Banqueiros responsáveis não. Vendeu-se gato por lebre e quem pagou? Os vendedores? Não, os compradores. O Povo. As pessoas, as pessoas por quem é suposto deverem governar. Mas isto tem que acabar. Isto tem que mudar. Tem que mudar. Assim não vamos a lado nenhum…
Alguém nos traz o Keynes de volta? Volta Keynes…estás perdoado!



JOAQUIM VASSALO ABREU in https://aesquerdadozero.wordpress.com/2015/05/08/1964/

sábado, 7 de maio de 2016

Um texto de Paulo Varela Gomes

Paulo Varela Gomes



A lição de Gandhi

A mais conhecida frase de Gandhi é:
«Não há qualquer causa pela qual esteja disposto a matar. Mas há causas pelas quais estou pronto a morrer.»
Estas palavras resumem a perspectiva de luta com que hoje se defrontam centenas de milhões de pessoas em todo o mundo, mas em especial no Ocidente (Europa e continente americano). Estamos na última das extremidades: está em jogo a vida das pessoas. Primeiro seremos reduzidos à pobreza. Depois farão de nós o que bem lhes aprouver.
A maioria das pessoas no Ocidente já há duas ou três décadas percebeu aquilo que a esquerda ocidental mostra extrema relutância em aceitar: que não vale a pena nem é possível combater apenas por meios legais o capitalismo sustentado parlamentarmente.
A maioria das pessoas pensa que os políticos são uns aldrabões ou corruptos, que o sistema judicial está ao serviço deles e que só os ricos e poderosos se safam. O chamado «descrédito do sistema político», assunto sobre o qual se têm tecido profundíssimas reflexões, é simples de explicar: o sistema está desacreditado porque não merece crédito. As pessoas já perceberam. Uma parte delas continua a votar por desfastio, a outra vota com os pés.
A esquerda parece estar convencida de que escapará entre as gotas desta bátega torrencial de desilusões recorrendo à luta dentro do sistema: o discurso parlamentar, as eleições, a ocasional coluna nos jornais ou prestação televisiva, etc. Triste engano. A maioria das pessoas não distingue um deputado do PCP de um do PSD, para referir casos portugueses. Estão todos no mesmo sistema. Dizer coisas como esta pode parecer o regresso a um dos mais velhos debates da esquerda ocidental: como combater o sistema capitalista e o seu parlamentarismo? A partir de dentro ou a partir de fora?
Parece, mas não é. Pela primeira vez desde o século XIX, o sistema não tem alternativa nem teórica nem prática, quer dizer, não pode ser substituído. Mas têm alternativa os seus governos e regimes mais injustos e corruptos. É indispensável resistir-lhes, desgastá-los, desregular-lhe os mecanismos de funcionamento, derrubá-los. Para resistir desta maneira não se pode agir apenas com os meios que o sistema permite. Quando se convoca a greve geral nº 354, a grande manifestação nº 1723, ou se assina o manifesto nº 10 655, só se está a desacreditar a greve geral, a manifestação e o manifesto, respectivamente.
Todavia, as greves e as manifestações podem atingir uma dimensão verdadeiramente surpreendente se pararem de facto o país, se encherem de facto as cidades. É por isso que vale a pena investir em manifestações como a de 15 de Setembro ou a de 2 de Março próximo. Para surpreender e assustar os poderosos. Deve pensar-se que a resistência armada ao sistema está sem qualquer dúvida na ordem do dia e será uma realidade mais cedo do que tarde. Todavia, é muito perigosa tanto do ponto de vista ético como político. O passado demonstrou-o muitas vezes.
Mais importante e efectiva é a resistência desarmada, a resistência passiva. É preciso seguir o lema de Gandhi.
Em vez de termos cinco mil pessoas em frente de S. Bento, é preciso ter cinquenta mil, deitadas nas escadas em levas sucessivas, sofrendo as cacetadas da polícia, aguentando os canhões de água, sendo presas.
Há cinquenta mil pessoas em Portugal dispostas a isto?
Não me parece. Nem sequer cinco mil.
E porquê?
Por muitas razões que todos conhecemos e uma que nos recusamos a reconhecer: porque a esquerda é vítima do seu servilismo parlamentar e acredita só poder existir enquanto tiver lugares no parlamento e aparecer na televisão ou nos jornais a apertar a mão do PR. De facto, a esquerda não promove e até condena a resistência passiva. A primeira coisa que diz um sindicalista ou dirigente da esquerda após convocar uma manifestação é que será «pacífica». A primeira exclamação que lhe sai da boca mal alguém se agita é «calma camaradas!»
Esta é a responsabilidades negativa da esquerda.
Olhemos agora para as suas responsabilidades positivas:
É sua estrita obrigação política e ética apoiar, promover e assumir o rosto da resistência passiva. Se o fizer dará o exemplo e a resistência poderá crescer. Para isso, os seus representantes, e com eles os intelectuais de esquerda e os independentes que estão contra o sistema, terão que estar prontos para resistir.
Se não há cinquenta mil pessoas dispostas a aguentar em frente do Parlamento, há dezenas de deputados que deveriam estar dispostos a: boicotar activamente sessões parlamentares, impedindo o Parlamento de funcionar; não pagar impostos e incitar ao não pagamento; sentar-se numa linha férrea em ocasião de greve dos comboios, etc., etc., etc.
Perdiam o mandato? Iam presos?
Nas presentes circunstâncias, vivendo nós sob um regime ilegítimo eticamente e tirânico politicamente, o lugar mais honroso onde podem estar Jerónimo de Sousa ou Catarina Martins é a prisão.
(Pessoalmente, sentir-me-ia muito mais contente comigo mesmo e com este texto se tivesse saúde para agir em conformidade com o que aqui escrevi.)

Domingo, 17 de fevereiro de 2013

Texto de Paulo Varela Gomes

sábado, 30 de abril de 2016

Inacreditável! Liga Portuguesa Contra o Cancro promove touradas!



Com a devida vénia, publico um artigo do Arco de Almedina, blogue da autoria da Isabel Ferreira.



VERGONHA: LIGA PORTUGUESA CONTRA O CANCRO PROMOVE TOURADA NOS AÇORES PARA COMEMORAR ANIVERSÁRIO

É preciso torturar animais não humanos indefesos, inocentes e inofensivos, para ajudar animais humanos, também indefesos, inocentes e inofensivos?

Isto é um INSULTO ao conceito de BENEFICÊNCIA.

Da minha parte a Liga Portuguesa Contra o Cancro não verá nem mais um cêntimo.

BOICOTEMOS A LPCC, ATÉ QUE APRENDA QUE A TORTURA NÃO É UM MODO CIVILIZADO DE ANGARIAR FUNDOS PARA A ONCOLOGIA

Liga contra o cancro promove tourada a 29 de maio
Um cartaz que  arrasta na lama  Liga Portuguesa Contra o Cancro

Está marcado para o dia 29 de Maio um episódio de selvajaria tauromáquica para fins beneficentes, a favor do Núcleo Regional dos Açores da Liga Portuguesa Contra o Cancro, que contará com matadores de Touros e montadores de Cavalos, e cobardes forcados amadores, com o intuito de comemorarem os 75 anos da Liga a nível nacional, e os 50 anos que o núcleo completa no arquipélago.

Gonçalo Forjaz, presidente do Núcleo Regional dos Açores da Liga Portuguesa Contra o Cancro salientou que o objectivo é realizar um evento por ilha.

Calhou que na ilha Terceira, a mais atrasada civilizacionalmente, o gosto pela selvajaria tauromáquica falou mais alto, disse o presidente. Se o gosto fosse atirarem-se a um precipício, esse gosto seria cumprido. É que o desafio que têm no Núcleo, é esse mesmo: é organizar um evento por ilha que caracterize essa ilha.
E o que caracteriza a ilha Terceira é a barbárie, apoiada pela Liga.

E Gonçalo Forjaz acrescentou, como uma sentença: «No caso da Terceira temos este gosto pelos touros, daí este espectáculo de beneficência». Gosto pelos touros? Não, não é gosto pelos touros, é gosto pela tortura. É um sadismo enraizado até à medula. Se fosse gosto pelos touros, deixavam-nos em paz, nos prados.

E a Liga aliou-se à Tertúlia Tauromáquica Terceirense e ao Grupo de Forcados da TTT, para esta iniciativa selvática, com intuitos beneméritos.

Se tivessem vergonha na cara, se fossem um organismo de raiz humanística nunca angariariam fundos manchados de sangue, para a criação de uma bolsa de investigação na área da oncologia.

Isto é insultar a Ciência e o investigador beneficiado, que se for um ser humano racional não aceitará tal bolsa.

Tenha vergonha, Gonçalo Forjaz, e cancele este evento, que só trará desprestígio à Liga Portuguesa Contra o Cancro, e perderá milhares dos donativos que todos nós, conscientes do trabalho da Liga, vos entregamos todos os anos.

Não desçam tão baixo.

Os doentes oncológicos não merecem este INSULTO.

Para que não digam que não sabiam aqui vos deixo A VERDADE PERVERSA SOBRE A TORTURA DE TOUROS E CAVALOS, ANTES, DURANTE E DEPOIS DA LIDE


25 de abril de 1975 - As primeiras eleições em que as portuguesas adultas puderam votar sem restrição

As primeiras eleições em que as portuguesas adultas puderam votar sem restrição aconteceram a 25 de abril de 1975 -   ARQUIVO DIÁRIO DE NOTÍCIAS


No regime deposto em 1974, nada na lei distinguia já brancos de negros ou de qualquer outra etnia. Mas as mulheres tinham um estatuto de semipessoas
"O que é que sei do estatuto da mulher antes do 25 de Abril? O que me vem à cabeça é a mulher subalterna, sempre em casa. O marido é que aparece. Muito poucas mulheres com cursos superiores... E direito de voto não sei, mas tenho a ideia de que as mulheres só puderam votar depois de 1974." Carolina Nogueira, 18 anos, está no primeiro ano de Direito na Universidade de Lisboa. Do que se lembra, no liceu não aprendeu grande coisa sobre este assunto. "Hei de ter dado alguma coisa, mas assim muito pela rama. Somos confrontados com aqueles clichés tipo não haver direito de voto, pouco mais."
E não seria pouco, se fosse só isso: as mulheres apenas tiveram direito de voto universal nas primeiras eleições pós-25 de Abril, em 1975. Ao contrário dos homens, que desde 1945 podiam votar mesmo se analfabetos, elas só tinham acesso às urnas com o equivalente ao curso de liceu (ou seja, o que é hoje a escolaridade mínima obrigatória) ou se fossem "chefes de família" (por viuvez ou marido ausente), desde que com "idoneidade moral" (a quem competiria certificar tal qualidade?). E mesmo "instruídas" perdiam o direito se casadas com um marido com capacidade eleitoral.
Mas há muito mais de que Carolina, pelos vistos, nunca soube. Nem na escola, até agora, nem por ninguém. Daí que fique sem fala quando descobre que até 1975 o Código Penal português consagrava os "crimes de honra", permitindo que um marido ou pai matasse a mulher adúltera ou as filhas menores de 21 se "corrompidas" sem mais castigo do que seis meses de desterro da comarca (na mesma pena incorria a mulher que matasse o marido e/ou a amante mas apenas se este introduzisse aquela na "casa de família"). "É chocante. E é muito estranho mesmo que nunca nos falem disso. É um bocado repugnante até há tão pouco tempo uma coisa dessas existir na lei. Gostava de ter sabido disso antes, era importante para mim. Se não se fala disso por desvalorização é muito grave."

Prostituir esposa dava multa
No curso está a estudar o Código Civil, mas ainda não chegou à parte da família, onde se concentraram as alterações dizendo respeito às mulheres. "Vários dos professores chamam a atenção para o facto de o código ser maioritariamente ainda o de 1966, feito no tempo de Salazar, e não ter nenhum erro." Maneira de ver. O Código Civil de 1966 estabelecia por exemplo que os maridos tinham o direito de abrir a correspondência das mulheres (o equivalente hoje a terem acesso obrigatório à password do computador e do telemóvel para bisbilhotar à vontade), norma que só caiu em 1976, e que eram eles os "chefes de família". Longe de ser só um título, esta certificação legal, que só desapareceu em 1978, significava que os maridos detinham a autoridade sobre as mulheres e seus bens, que podiam administrar como entendessem, e também sobre os filhos. Dependia deles autorizar que as esposas tivessem determinadas atividades profissionais (comércio, por exemplo) e decidir unilateralmente sobre a educação das crianças; a mulher tinha apenas o direito "de ser ouvida", cabendo-lhe, por lei, "o governo doméstico".
Estava igualmente estabelecido no Código Civil que "a falta de virgindade da mulher ao tempo do casamento" podia ser motivo de anulação do mesmo (a experiência sexual prévia do noivo só poderia implicar anulação se se provassem "costumes desonrosos antes do casamento"). E decretava-se que a mulher deveria "adotar a residência do marido", exceto se lhe fosse reconhecida "justificada repugnância pela vida em comum, por virtude de maus tratos" ou de "comportamento indigno ou imoral" dele. Os "filhos ilegítimos" - conceito abolido na democracia - eram matéria para todo um capítulo.
Já no Código Penal, se o adultério deixou de ser crime em 1973 (era até aí punido com prisão maior, de dois a oito anos, no caso da mulher; no do homem só pressupunha pena de multa e apenas no caso de este introduzir a amante na "casa conjugal"), subsistiu até à Revolução não só a citada atenuação da pena de homicídio mas também uma pena especialmente branda para o lenocínio quando se tratava de um marido a prostituir a mulher - era apenas desterro, multa e perda de "direitos políticos por 12 anos".

Proibidas de se casar e julgar
Escândalos que Carolina irá procurar nos livros, agora que ouviu falar deles. A historiadora Irene Pimentel, 65 anos, costuma deparar-se com esta ignorância sempre que vai a escolas falar sobre o Estado Novo. "Os miúdos não sabem praticamente nada, mas têm uma enorme curiosidade. Sobretudo elas, nota--se muito mais a curiosidade delas. Abrem a boca enquanto falo." Ri--se. "O que as choca mais é os maridos terem de dar autorização às mulheres para elas poderem sair do país. Isso mudou só com o marcelismo [de Marcelo Caetano, sucessor de Salazar como Presidente do Conselho, ou primeiro-ministro], em 1969, e por causa da emigração." É uma das alterações pré-25 de Abril, como a efetuada no texto da Lei Fundamental. "Na Constituição de 1933 afirmava-se que não havia distinção entre as pessoas em função do sexo, mas logo a seguir acrescentava-se: "salvas, quanto à mulher, as diferenças resultantes da sua natureza e do bem da família." A parte da natureza caiu na revisão de 1972, ficou só o bem da família", comenta a historiadora. "E o que fez mudar isso foi a ida de uma mulher para subsecretária de Estado. Foi a primeira mulher no governo."
Outras normas discriminatórias - a da proibição de as telefonistas se casarem e interdição igual para as enfermeiras, hospedeiras da TAP e funcionárias do Ministério dos Negócios Estrangeiros, assim como a necessidade de autorização especial para o casamento das professoras - vigoraram desde o final dos anos 1930 até à década de sessenta, sendo a última proibição, a das enfermeiras dos hospitais civis, levantada em 1963, depois de debates acalorados na Assembleia Nacional. "Não se percebe sequer porque é que as enfermeiras não haviam de se poder casar, porque havia médicas e elas podiam", comenta Irene Pimentel, que lembra outra norma modificada ainda sob Salazar: "A minha mãe é suíça, e com o casamento com o meu pai, português, perdeu a nacionalidade. Isso só deixou de suceder em 1959." Comenta que a mãe nunca deu por tal, porque nesse período viajou sempre com o marido. Aliás, tal como hoje, a maioria ignora a dimensão e intensidade da discriminação das mulheres que vigorou antes da democracia, à época muita gente não tinha consciência das desigualdades estatuídas. Desde logo porque não eram denunciadas publicamente; e porque a inferioridade em relação aos homens seria aceite por muitas mulheres sem questionamento, e ainda por o número daquelas que se defrontavam diretamente com uma parte das normas ser pequeno: por exemplo, da interdição de acesso às carreiras da magistratura e da diplomacia, que só desapareceu em 1974, tinham consciência sobretudo as que, com habilitações para tal, se viam barradas.

Portuguesas de segunda
Irene Pimentel suspira. "É de relevar que o estatuto de "português de segunda", aposto aos portugueses nascidos nas colónias, assim como o indigenato, acabou ainda nos anos 1950. Mas as mulheres ficaram portuguesas de segunda até 1976." E 40 anos, sublinha, é nada. "Espantoso como a memória e o debate sobre isto não existe. Porque não há coisa comparável, em termos históricos, à discriminação sobre as mulheres, que até são a maioria da população. E este silêncio sobre a realidade brutal da discriminação também explica que se reaja tão mal à palavra feminismo. Como se não fizesse sentido." Conclui: "Sem dúvida que a grande revolução do 25 de Abril é a mudança do estatuto da mulher em termos jurídicos. O que, claro, não é nada a mesma coisa que a prática."





sábado, 16 de abril de 2016

Como agem os 28 bancos que dominam as finanças globais

1445544255614

Num livro indispensável, Franços Morin disseca as instituições “sistémicas” cujo poder é muito superior ao da maior parte dos Estados. O que é a “hidra global” e como exerce seu domínio

“Os Estados são reféns desta hidra bancária e são disciplinados por ela. A crise prova esse poder”, afirma François Morin, autor do livro A Hidra Mundial, o Oligopólio Bancário, professor emérito da Universidade de Toulouse e membro do conselho do Banco Central francês.
“Os grandes bancos detinham os produtos tóxicos responsáveis pela crise, mas, em vez de reestruturá-los, os Estados acabaram assumindo suas obrigações – e a dívida privada se transformou em dívida pública.”
Em seu livro, o pesquisador se concentra em cinco mecanismos que, segundo ele, concedem aos bancos esta hegemonia financeira, económica e política.


1. Ativos
 Getty
A queda do Lehman Brothers, em 2008, marcou o começo da crise económica mundial

Os 28 bancos detêm recursos superiores aos de dívidas públicas de 200 países do planeta. Enquanto estas entidades têm ativos (bens, dinheiro, clientes, empréstimos, entre outros) que somam US$ 50,3 trilhões (R$ 178 trilhões), a dívida pública mundial é de US$ 48,9 trilhões (R$ 173,7 trilhões).
Outra forma de dimensionar a questão: há centenas de milhares de bancos no mundo, mas estes concentram 90% dos ativos financeiros bancários. Com a hiperconcentração, a queda de um ou mais destes bancos tem um potencial devastador não apenas no setor, mas na economia global.
Essa é a base do argumento no centro do debate depois de 2008: o risco de instituições “too big to fail” (grandes demais para quebrar, em inglês).
Segundo Oscar Ugarteche, economista da Universidade Nacional Autônoma do México e autor de A Grande Mutação, que estuda o novo sistema financeiro mundial, com esse nível de concentração do poder financeiro, há “grande possibilidade” de repetição de uma crise como a de 2008.
“Estes mercados cresceram com a liberalização financeira dos últimos 30 anos”, diz o economista. “Foi com sua participação nos mercados especulativos que se chegou (à crise de) 2008.”

2. Criação de moeda

O sistema clássico de emissão monetária é formado por uma Casa da Moeda que imprime as notas necessárias a um Banco Central, que está posicionado no centro da cena financeira. Mas, hoje, 90% da moeda é criada por estes 28 bancos, e só 10% é de responsabilidade de bancos centrais.
A transição do dinheiro físico para o dinheiro creditício está mudando esta equação. “Estamos fechando o círculo. No começo, havia bancos que faziam operações de comércio exterior e interno. Era dinheiro-crédito. Mas não havia controle e centralização desta função”, diz Ugarteche.
“Isso só começa a acontecer com a criação de um Banco Central responsável pela emissão monetária. O primeiro é o da Inglaterra no século 17. Mas, com a desregulamentação bancária dos anos 1990, estamos voltando ao princípio. Os bancos emitem crédito, e não há muito controle a respeito”, afirmou.
Se antes a expansão do dinheiro era de certa forma protegida pelo nível de reserva monetária de um país, hoje em dia, este limite perdeu a relevância.
Em meio a esta total flexibilização de crédito, a consultoria McKinsey estima que a dívida total – isto é, a soma da dúvida pública, privada e individual – tenha crescido mais de US$ 57 trilhões nos últimos sete anos e, hoje, chega aos US$ 200 trilhões (R$ 710,7 trilhões), cerca de três vezes o PIB mundial.

3. Mercado cambial

A movimentação no mercado cambial é uma das maiores do mundo: US$ 6 bilhões (R$ 21,3 bilhões) diários. Cinco dos 28 bancos controlam 51% deste mercado.
“O câmbio nos Estados Unidos e no Reino Unido não depende das variáveis econômicas de um país. Basta que operadores, vinculados aos bancos, decidam que o valor de uma moeda não se sustenta para que a ataquem especulativamente”, diz Ugarteche.
“Com compras ou vendas maciças, arrastam o resto dos atores do setor financeiro, provocando uma modificação no câmbio que não tem nada a ver com a saúde econômica de um país.”


4. Taxas de juros
Getty
 A situação mudou pouco desde 2008, dizem críticos do sistema financeiro


Com seu potencial financeiro, estas 28 entidades têm um peso fundamental sobre as taxas de juros. Dado o nível altíssimo de circulação diária de ativos financeiros e de dívida, qualquer variação da taxa de juros faz girar automaticamente quantidades enormes de dinheiro.Estados Unidos, Grã-Bretanha e Comissão Europeia deram início em 2012 a uma investigação que mostrou como este nível de concentração dos bancos leva a uma manipulação do mercado.

Segundo a investigação, 11 dos 28 bancos – Bank of America, BNP-Paribas, Barclays, Citigroup, Crédit Suisse, Deutsche Bank, Goldman Sachs, HSBC, JP Morgan Chase, Royal Bank of Scotland e UBS – se comportaram como “entidades ou grupos organizados” ao manipular as taxas de juros chamadas “Libor”.
A Libor é fechada diariamente em Londres e determina a taxa com que bancos emprestam. Tem impacto direto no mercado de derivativos e no que é pago por consumidores e produtores para quitar dívidas.
“Nada mudou. Um escândalo parecido ocorreu recentemente com Goldman Sachs, Morgan Stanley e JP Morgan no mercado de commodities”, afirma Ugarteche.

5. Derivativos
Getty
A crise de 2008 teve consequências graves em vários países do mundo, incluindo a Grécia

A metade dos 28 bancos produzem os chamados derivativos por US$ 710 trilhões, o equivalente a dez vezes o PIB mundial. Ugarteche ilustra o funcionamento deste mercado com um ativo financeiro bem modesto: uma vaca.
O que fazer para transformar a vaca em dinheiro? Em outras épocas, ela era vendida em troca de uma quantidade de dinheiro. Mas, hoje, outra opção é possível: uma transação futura.
Por exemplo: são vendidos o lucro em potencial que será obtido com o leite da vaca ou os bezerros que ela irá parir. É possível também vender o eventual leite que estes eventuais bezerros possam produzir, caso sejam fêmeas.
“A partir de uma vaca real, é criada uma economia fictícia construída mediante o uso de operações financeiras distintas. É um mundo de probabilidades. O bezerro é um futuro possível, nada além disso, assim como outros rendimentos obtidos a partir da vaca. O que acontece se a vaca ficar doente?”, questiona Ugarteche.
Caso isso ocorra, as operações efetuadas vão para um buraco negro. E foi assim que, em 2008, desapareceram mais de US$ 200 bilhões, o que arrastou em sua queda dispositivos de segurança que supostamente garantiam todo o fluxo de valores financeiros.





 No Marcelo Justo, na BBC

sábado, 9 de abril de 2016

Offshores: não é uma questão fiscal, é uma questão de democracia




Offshores: não é uma questão fiscal, é uma questão de democracia


09/04/2016 - 00:05 PÚBLICO
Se queremos salvar a democracia no século XXI, o problema do dinheiro anónimo, escondido, fugido e protegido algures é objectivamente mais dissolvente do que os tiros de uma Kalashnikov nas ruas de Bruxelas.


Nas suas declarações sobre as revelações (mais confirmações do que revelações) dos chamados “Documentos do Panamá”, Marcelo Rebelo de Sousa foi ao âmago da questão quando disse que o problema dos offshores era um problema de democracia. E é.

Os offshores são, antes de tudo, do crime, da lavagem de dinheiro, da fuga ao fisco, uma questão que significa para as democracias a perda de um princípio básico — o de que o poder político legitimado pelo voto e pelo primado da lei se sobrepõe ao poder económico. Por isso, tratar a questão dos offshores apenas como sendo de natureza fiscal e andar às voltas por aí é já um mau ponto de partida.

A questão que muitas vezes é iludida é que não existe uma única razão económica sólida para que hajam offshores. Para que é que eles servem para a economia, para a produção, para o emprego, para a indústria, para o comércio, para o investimento limpo? Nada. Tudo aquilo para que os offshores servem é para esconder dinheiro e os seus proprietários, para esconder a origem do dinheiro, através de um conjunto de fachadas anónimas que depois vão desaguar aos grandes bancos sediados na Suíça ou em Londres.

O que os políticos europeus dizem, quando confrontados com esta realidade, ou com os escândalos periódicos, como o actual com os documentos da Mossack Fonseca, é que não podem fazer nada e que o que podem fazer fazem. Por detrás desta declaração de impotência — eu estou a falar de políticos democráticos — está o retrato da captura ocorrida nas últimas décadas, e agravada pela crise de 2008, da política em democracia pelos interesses financeiros globais, pela banca, pelos “mercados”. Sim, porque uma das faces semivisíveis dos offshores são os biliões que circulam em fundos e outros tipo de operações financeiras e bancárias, a que nós chamamos os “mercados”, o Deus ex machina que faz mover os países como marionetas.

Podem fazer alguma coisa? Podem fazer tudo. Repito: podem fazer tudo. E acrescento: mas não querem. Podem fazer tudo, mas não querem — esta é a frase que melhor resume o “problema para a democracia”. E não querem por dois motivos. Um de fraqueza política, — a maioria dos políticos europeus são gente frágil à frente de países fragilizados, uma combinação de que resulta uma imensa fraqueza para lidar com interesses poderosos, como são os que estão por detrás e pela frente dos offshores. O outro é a hegemonia nos partidos de direita, e em muitos socialistas subservientes, de uma mistura entre ideias sobre a economia, sobre o Estado, sobre as empresas, sobre a governação dos países, que corresponde ao “pensamento único” que tem presidido à política da Comissão Europeia, do Eurogrupo, aos partidos do PPE, e que tem levado a cabo a política de Schäuble e dos alemães e de alguns outros países seus aliados.

Este segunda razão é do “podem, mas acham bem”, e essa aparece como de costume nos mais rudimentares defensores dos offshores que pululam na nossa direita mais radical, nos jornais, nos blogues e nas redes sociais. Eles são reveladores, porque têm a imprudência de dizer aquilo que os de cima da cadeia alimentar pensam, mas não podem dizer. E todos ficaram imensamente incomodados com os “Documentos do Panamá”, porque é “deles” e dos seus que os “documentos” falam. E correram logo a dizer que era uma questão com Putin e não com o capitalismo. Ou seja, os offshores são mais uma perversão do comunismo e do socialismo e dos “oligarcas”, como gostam de chamar aos poderosos do “outro lado”. E então é ler como os offshores são uma resposta à tirania fiscal dos Estados “socialistas”, ou uma digna resposta da liberdade económica do dinheiro e das empresas para fluir para todo o lado sem barreiras. Sem dúvida, admitem, que há crimes e lavagem de dinheiro, mas são pechas menores dos offshores. O essencial é que eles são mais uma manifestação normal da liberdade económica e da luta contra a prepotência dos Estados e das políticas “socialistas” dos altos impostos. Isto vem de quem fez o “enorme aumento de impostos”, retirou aos contribuintes qualquer protecção face aos abusos do fisco e só é “liberal” na bandeirinha da lapela. Pobre da “mão invisível” que foi possuída pela família Adams.

Também nos offshores se verifica a escassíssima vontade dos políticos europeus, que tem à sua cabeça institucional o senhor Juncker, que tem no seu currículo ter feito enquanto primeiro--ministro do Luxemburgo todo o tipo de acordos ilegais, insisto, ilegais, à luz das regras europeias, destinadas a levar para o seu país empresas que aí encontravam um paraíso fiscal protegidas pelo segredo de Estado. Ou no caso do Reino Unido, em que dezenas de offshores estão em territórios sob soberania britânica.

O problema como sempre é o dos alvos e dos intocáveis. Ou melhor: defender por todos os meios os “intocáveis” de serem tocados e impedir que os alvos deixem de ser alvos. O objectivo da política do “ajustamento”, policiada pelas instituições europeias sem estatuto democrático como o Eurogrupo, ou pelo FMI, em consonância com os “mercados”, foi proteger o sistema bancário, os “mercados”, o dinheiro que “flui” e, sem o dizer, no mesmo pacote vão os offshores “contra os quais nada se pode fazer”. E o melhor atestado de ineficácia da múltipla legislação europeia tão gabada nas suas intenções de dar “transparência” ao sistema financeiro e combater a corrupção é o que revelam estes “Documentos do Panamá” e muitas outras estimativas sérias: o dinheiro que vai para os offshores é cada vez mais. Ponto.

A solução da questão dos offshores é simples, se tivermos vontade para a aplicar. E desconfiem de quem venha com muitas complexidades e complicações, é sempre mau sinal. Insisto, não é muito complicado: trata-se de comparar o dinheiro dos offshores com o dinheiro dos terroristas. Um rouba, em grande escala, Estados e povos, o outro mata. Um mata à fome em África, outro nas ruas de Paris ou em Nova Iorque. Um destrói economias, poupanças, classes médias criadas com muitos anos e esforços para progredir, outro escraviza povos e reduz a ruínas países já muito pobres. É uma comparação que admito ser excessiva, mas, se partirmos dela, talvez possamos compreender (ou não) por que razão aquilo que se admite em termos de recursos de investigação, penalizações duríssimas, confisco de bens do crime ou da droga, ou da corrupção ou da fuga ao fisco, e se aplica ao dinheiro do terrorismo, se pode aplicar ao dinheiro ilegal dos offshores. Ah! Já estou a ouvir em fundo: “Mas muito desse dinheiro é legal.” Ai é? Então, qual é o motivo por que em vez de estar inshore vai para os offshores?

Deixem-se por isso de falsos espantos e falsas surpresas. Tudo o que está nos “Documentos do Panamá” não é novidade para ninguém. Como não é novidade para ninguém o discurso de “não se pode fazer nada”. Mas, se queremos salvar a democracia no século XXI, o problema do dinheiro anónimo, escondido, fugido e protegido algures numa caixa de correio humilde de uma casa nas Ilhas Caimão, ou num cacifo acolchoado de um luxuoso escritório de advogados no Panamá é objectivamente mais dissolvente do que os tiros de uma Kalashnikov nas ruas de Bruxelas. Faz-nos pior, porque os tiros são-nos exteriores, são do “inimigo”, e os biliões das Ilhas Virgens são de dentro, dos “amigos”.


------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------
* Já agora... http://www.significados.com.br/offshore/

domingo, 3 de abril de 2016

Falhámos. Vamos repensar a educação

 Tabelas incluídas por mim* 
Clicar para ampliar






A educação não cria, por si, a revolução. Ainda assim, é uma ferramenta imprescindível de emancipação social.


Não estamos, contudo, igualmente emancipados e, assim, é exposta uma das grandes falhas do sistema educativo.
Tendencialmente, transformamo-nos naquilo que a sociedade, familiar e distante, espera de nós. Frequentemente, o que de nós é esperado prende-se com fatores socioeconómicos e culturais.

O que queres ser quando fores grande?”
Se entrarmos numa escola primária com esta questão, é provável que grande parte das crianças responda algo como “astronauta!”, “advogado!”, “médico!”, independentemente do meio socioeconómico e cultural em que vivem. Nelas, o sonho ainda está vivo. As crianças ainda não compreendem na íntegra o mundo em que vivem e o que efetivamente delas é esperado. Contudo, uns anos mais tarde, ao colocar a mesma questão, as respostas variam consoante o meio socioeconómico e cultural em que a sua escola – e os próprios alunos – estão inseridos.
Numa escola cujos alunos advenham, essencialmente, de famílias de classe média, com familiares licenciados, grande parte dos alunos assumirá, à partida, que há um lugar para si na universidade – apenas terá de descobrir qual o curso que melhor se adequa à sua vocação.
Porém, numa escola onde encontremos alunos de famílias mais carenciadas, a cujas famílias não foi dada a oportunidade de frequentar – ou terminar – a universidade, em bairros socialmente excluídos, as respostas serão diferentes. Grande parte destes alunos está, à partida, desacreditado. Estão, frequentemente, em escolas designadas “problemáticas”, com professores cuja boa vontade não é suficiente para os motivar, familiares que se debatem entre o desemprego, o emprego precário e as responsabilidades. A sociedade exclui, por vezes conscientemente, outras vezes inconscientemente, estes jovens – estas famílias. Há umaguetização real da pobreza em Portugal, o que assegura a sua proliferação.
Se observarmos o ranking, perceberemos que as escolas com piores médias são classificadas como nível 1 no que respeita ao contexto socioeconómico do agrupamento escolar - sendo 1 o menos favorecido e 3 o mais favorecido.
Ainda ouvimos (ou contamos) com espanto a história do jovem que venceu as adversidades e, contra todas as expectativas, entrou na faculdade. Espantamo-nos, precisamente, porque não expectamos que isto aconteça. Nós, enquanto sociedade, não esperamos que esse jovem ingresse no ensino superior; grande parte da comunidade escolar, fruto do que observa diariamente – e das próprias limitações que vão sendo impostas ao longo dos anos e frustrações que vão vivendo – não acredita que aquele jovem queira frequentar o ensino superior. Esse jovem perdeu, algures na vida, a esperança. Criou uma imagem de si que não corresponde à verdade. Acredita que a universidade não tem lugar para si, que esse sonho não lhe é permitido. Quando isto acontece, e infelizmente é a regra, a educação falha.
Não pretendo advogar a ideia de que todos os estudantes devem querer ir para a Universidade. Quer porque existem outras vias de ensino igualmente importantes, quer porque é legítimo que um jovem não queira prosseguir estudos. Gostaria, contudo, que esta vontade se prendesse com a vocação, desejo real, e não comexpectativa.
Se é verdade que não há soluções perfeitas, também é verdade que há muito que é percetível que o atual modelo pedagógico não funciona. Talvez não tenha sido motivo de alarme para os sucessivos governos, pois tem funcionado para os alunos sobre quem a expectativa é, à partida, positiva.
As escolas que ocupam os últimos lugares dos rankings são frequentemente as mesmas, mesmo que vão ocupando posições ligeiramente diferentes. A maior prova da inutilidade desta listagem é precisamente o facto de dela não advir qualquer mudança. Glorificamos os primeiros lugares, ostracizamos os últimos, e depois trabalhamos mais um ano em direção ao ranking. Mas nada muda. Se as mesmas escolas, repetidamente, obtêm os piores resultados nos exames, talvez devêssemos fazer um exame de consciência (não se preocupem, só para diagnóstico – não conta para a nota!).
Continuamente procuramos avaliar de forma standarizada o que não é uniforme. Queremos que a meta seja a mesma, mas oferecemos pontos de partida diferentes. E, pior, não nos choca quando parte dos atletas não chega ao fim da corrida. Não quero, com isto, sugerir que os programas lecionados sejam diferentes consoante as escolas onde estamos – isso serviria apenas para guetizar mais ainda a educação. Contudo, não é possível acreditar que um modelo pedagógico estanque seja capaz de servir escolas de norte a sul do país, cada qual com a sua idiossincrasia.
As escolas têm de se abrir à comunidade. Renomados psicólogos e pedagogos podem teorizar sobre a melhor forma de lecionar e motivar jovens, mas a busca pela emancipação tem de partir dos próprios e, como tal, é deles indissociável. A construção do modelo pedagógico deve ouvir os estudantes, as suas preocupações, deve querer integrar as suas famílias e compreender as suas virtudes e limitações. Ao pensar numa nova forma de educar e ensinar, temos de estar preparados para a eventualidade de grande parte dos nossos dogmas estarem errados ou serem obsoletos em determinados contextos. Se queremos que a escola deixe de ser a “obrigatoriedade que não abrirá portas na vida”, temos de criar zonas de conforto, espaços onde os jovens se possam expressar das mais variadas formas. Criar projetos que motivem, interessem e unam os jovens em torno de objetivos comuns. À medida que formos capazes de abdicar dos nossos dogmas face à educação – nomeadamente a ideia de que só é possível aprender de uma forma: sentados, de 90 em 90 minutos, ouvindo um professor - e às expectativas que depositamos sobre outros, poderemos observar o florir de uma nova perspetiva na educação. A educação transformar-se-á numa extensão do que os jovens consideram ser familiar, compreendendo e respeitando a multiculturalidade e inibindo a segregação social. Os estudantes libertar-se-ão das amarras, das imagens que foram criando de si próprios. Sentirão que a escola é deles e não apenas para eles.
Os jovens não acreditam na política, não acreditam nas oportunidades, não acreditam na educação. Os jovens não acreditam em si. Isso é o sintoma de uma sociedade profundamente desigual.
Falhámos.

Deixem-nos sonhar. Vamos repensar a educação.

in http://www.esquerda.net/opiniao/falhamos-vamos-repensar-educacao/41985
1 de Abril, 2016 - 15:04h


 * Tabelas apresentadas in http://eduprofs.blogspot.pt/2015/10/estatisticas-da-educacao-portugal-2015.html)