A mais
conhecida frase de Gandhi é:
«Não há
qualquer causa pela qual esteja disposto a matar. Mas há causas pelas quais
estou pronto a morrer.»
Estas
palavras resumem a perspectiva de luta com que hoje se defrontam centenas de
milhões de pessoas em todo o mundo, mas em especial no Ocidente (Europa e
continente americano). Estamos na última das extremidades: está em jogo a vida
das pessoas. Primeiro seremos reduzidos à pobreza. Depois farão de nós o que
bem lhes aprouver.
A maioria
das pessoas no Ocidente já há duas ou três décadas percebeu aquilo que a
esquerda ocidental mostra extrema relutância em aceitar: que não vale a pena
nem é possível combater apenas por meios legais o capitalismo sustentado
parlamentarmente.
A maioria
das pessoas pensa que os políticos são uns aldrabões ou corruptos, que o
sistema judicial está ao serviço deles e que só os ricos e poderosos se safam.
O chamado «descrédito do sistema político», assunto sobre o qual se têm tecido
profundíssimas reflexões, é simples de explicar: o sistema está desacreditado
porque não merece crédito. As pessoas já perceberam. Uma parte delas continua a
votar por desfastio, a outra vota com os pés.
A esquerda
parece estar convencida de que escapará entre as gotas desta bátega torrencial
de desilusões recorrendo à luta dentro do sistema: o discurso parlamentar, as
eleições, a ocasional coluna nos jornais ou prestação televisiva, etc. Triste
engano. A maioria das pessoas não distingue um deputado do PCP de um do PSD,
para referir casos portugueses. Estão todos no mesmo sistema. Dizer coisas como
esta pode parecer o regresso a um dos mais velhos debates da esquerda
ocidental: como combater o sistema capitalista e o seu parlamentarismo? A
partir de dentro ou a partir de fora?
Parece, mas
não é. Pela primeira vez desde o século XIX, o sistema não tem alternativa nem
teórica nem prática, quer dizer, não pode ser substituído. Mas têm alternativa
os seus governos e regimes mais injustos e corruptos. É indispensável
resistir-lhes, desgastá-los, desregular-lhe os mecanismos de funcionamento,
derrubá-los. Para resistir desta maneira não se pode agir apenas com os meios
que o sistema permite. Quando se convoca a greve geral nº 354, a grande
manifestação nº 1723, ou se assina o manifesto nº 10 655, só se está a
desacreditar a greve geral, a manifestação e o manifesto, respectivamente.
Todavia, as
greves e as manifestações podem atingir uma dimensão verdadeiramente
surpreendente se pararem de facto o país, se encherem de facto as cidades. É
por isso que vale a pena investir em manifestações como a de 15 de Setembro ou
a de 2 de Março próximo. Para surpreender e assustar os poderosos. Deve
pensar-se que a resistência armada ao sistema está sem qualquer dúvida na ordem
do dia e será uma realidade mais cedo do que tarde. Todavia, é muito perigosa
tanto do ponto de vista ético como político. O passado demonstrou-o muitas
vezes.
Mais
importante e efectiva é a resistência desarmada, a resistência passiva. É
preciso seguir o lema de Gandhi.
Em vez de
termos cinco mil pessoas em frente de S. Bento, é preciso ter cinquenta mil,
deitadas nas escadas em levas sucessivas, sofrendo as cacetadas da polícia,
aguentando os canhões de água, sendo presas.
Há cinquenta
mil pessoas em Portugal dispostas a isto?
Não me
parece. Nem sequer cinco mil.
E porquê?
Por muitas
razões que todos conhecemos e uma que nos recusamos a reconhecer: porque a
esquerda é vítima do seu servilismo parlamentar e acredita só poder existir
enquanto tiver lugares no parlamento e aparecer na televisão ou nos jornais a
apertar a mão do PR. De facto, a esquerda não promove e até condena a
resistência passiva. A primeira coisa que diz um sindicalista ou dirigente da
esquerda após convocar uma manifestação é que será «pacífica». A primeira
exclamação que lhe sai da boca mal alguém se agita é «calma camaradas!»
Esta é a
responsabilidades negativa da esquerda.
Olhemos
agora para as suas responsabilidades positivas:
É sua
estrita obrigação política e ética apoiar, promover e assumir o rosto da
resistência passiva. Se o fizer dará o exemplo e a resistência poderá crescer.
Para isso, os seus representantes, e com eles os intelectuais de esquerda e os
independentes que estão contra o sistema, terão que estar prontos para
resistir.
Se não há
cinquenta mil pessoas dispostas a aguentar em frente do Parlamento, há dezenas
de deputados que deveriam estar dispostos a: boicotar activamente sessões
parlamentares, impedindo o Parlamento de funcionar; não pagar impostos e
incitar ao não pagamento; sentar-se numa linha férrea em ocasião de greve dos
comboios, etc., etc., etc.
Perdiam o
mandato? Iam presos?
Nas
presentes circunstâncias, vivendo nós sob um regime ilegítimo eticamente e
tirânico politicamente, o lugar mais honroso onde podem estar Jerónimo de Sousa
ou Catarina Martins é a prisão.
(Pessoalmente,
sentir-me-ia muito mais contente comigo mesmo e com este texto se tivesse saúde
para agir em conformidade com o que aqui escrevi.)
Domingo, 17 de fevereiro de 2013