domingo, 3 de abril de 2016

Falhámos. Vamos repensar a educação

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A educação não cria, por si, a revolução. Ainda assim, é uma ferramenta imprescindível de emancipação social.


Não estamos, contudo, igualmente emancipados e, assim, é exposta uma das grandes falhas do sistema educativo.
Tendencialmente, transformamo-nos naquilo que a sociedade, familiar e distante, espera de nós. Frequentemente, o que de nós é esperado prende-se com fatores socioeconómicos e culturais.

O que queres ser quando fores grande?”
Se entrarmos numa escola primária com esta questão, é provável que grande parte das crianças responda algo como “astronauta!”, “advogado!”, “médico!”, independentemente do meio socioeconómico e cultural em que vivem. Nelas, o sonho ainda está vivo. As crianças ainda não compreendem na íntegra o mundo em que vivem e o que efetivamente delas é esperado. Contudo, uns anos mais tarde, ao colocar a mesma questão, as respostas variam consoante o meio socioeconómico e cultural em que a sua escola – e os próprios alunos – estão inseridos.
Numa escola cujos alunos advenham, essencialmente, de famílias de classe média, com familiares licenciados, grande parte dos alunos assumirá, à partida, que há um lugar para si na universidade – apenas terá de descobrir qual o curso que melhor se adequa à sua vocação.
Porém, numa escola onde encontremos alunos de famílias mais carenciadas, a cujas famílias não foi dada a oportunidade de frequentar – ou terminar – a universidade, em bairros socialmente excluídos, as respostas serão diferentes. Grande parte destes alunos está, à partida, desacreditado. Estão, frequentemente, em escolas designadas “problemáticas”, com professores cuja boa vontade não é suficiente para os motivar, familiares que se debatem entre o desemprego, o emprego precário e as responsabilidades. A sociedade exclui, por vezes conscientemente, outras vezes inconscientemente, estes jovens – estas famílias. Há umaguetização real da pobreza em Portugal, o que assegura a sua proliferação.
Se observarmos o ranking, perceberemos que as escolas com piores médias são classificadas como nível 1 no que respeita ao contexto socioeconómico do agrupamento escolar - sendo 1 o menos favorecido e 3 o mais favorecido.
Ainda ouvimos (ou contamos) com espanto a história do jovem que venceu as adversidades e, contra todas as expectativas, entrou na faculdade. Espantamo-nos, precisamente, porque não expectamos que isto aconteça. Nós, enquanto sociedade, não esperamos que esse jovem ingresse no ensino superior; grande parte da comunidade escolar, fruto do que observa diariamente – e das próprias limitações que vão sendo impostas ao longo dos anos e frustrações que vão vivendo – não acredita que aquele jovem queira frequentar o ensino superior. Esse jovem perdeu, algures na vida, a esperança. Criou uma imagem de si que não corresponde à verdade. Acredita que a universidade não tem lugar para si, que esse sonho não lhe é permitido. Quando isto acontece, e infelizmente é a regra, a educação falha.
Não pretendo advogar a ideia de que todos os estudantes devem querer ir para a Universidade. Quer porque existem outras vias de ensino igualmente importantes, quer porque é legítimo que um jovem não queira prosseguir estudos. Gostaria, contudo, que esta vontade se prendesse com a vocação, desejo real, e não comexpectativa.
Se é verdade que não há soluções perfeitas, também é verdade que há muito que é percetível que o atual modelo pedagógico não funciona. Talvez não tenha sido motivo de alarme para os sucessivos governos, pois tem funcionado para os alunos sobre quem a expectativa é, à partida, positiva.
As escolas que ocupam os últimos lugares dos rankings são frequentemente as mesmas, mesmo que vão ocupando posições ligeiramente diferentes. A maior prova da inutilidade desta listagem é precisamente o facto de dela não advir qualquer mudança. Glorificamos os primeiros lugares, ostracizamos os últimos, e depois trabalhamos mais um ano em direção ao ranking. Mas nada muda. Se as mesmas escolas, repetidamente, obtêm os piores resultados nos exames, talvez devêssemos fazer um exame de consciência (não se preocupem, só para diagnóstico – não conta para a nota!).
Continuamente procuramos avaliar de forma standarizada o que não é uniforme. Queremos que a meta seja a mesma, mas oferecemos pontos de partida diferentes. E, pior, não nos choca quando parte dos atletas não chega ao fim da corrida. Não quero, com isto, sugerir que os programas lecionados sejam diferentes consoante as escolas onde estamos – isso serviria apenas para guetizar mais ainda a educação. Contudo, não é possível acreditar que um modelo pedagógico estanque seja capaz de servir escolas de norte a sul do país, cada qual com a sua idiossincrasia.
As escolas têm de se abrir à comunidade. Renomados psicólogos e pedagogos podem teorizar sobre a melhor forma de lecionar e motivar jovens, mas a busca pela emancipação tem de partir dos próprios e, como tal, é deles indissociável. A construção do modelo pedagógico deve ouvir os estudantes, as suas preocupações, deve querer integrar as suas famílias e compreender as suas virtudes e limitações. Ao pensar numa nova forma de educar e ensinar, temos de estar preparados para a eventualidade de grande parte dos nossos dogmas estarem errados ou serem obsoletos em determinados contextos. Se queremos que a escola deixe de ser a “obrigatoriedade que não abrirá portas na vida”, temos de criar zonas de conforto, espaços onde os jovens se possam expressar das mais variadas formas. Criar projetos que motivem, interessem e unam os jovens em torno de objetivos comuns. À medida que formos capazes de abdicar dos nossos dogmas face à educação – nomeadamente a ideia de que só é possível aprender de uma forma: sentados, de 90 em 90 minutos, ouvindo um professor - e às expectativas que depositamos sobre outros, poderemos observar o florir de uma nova perspetiva na educação. A educação transformar-se-á numa extensão do que os jovens consideram ser familiar, compreendendo e respeitando a multiculturalidade e inibindo a segregação social. Os estudantes libertar-se-ão das amarras, das imagens que foram criando de si próprios. Sentirão que a escola é deles e não apenas para eles.
Os jovens não acreditam na política, não acreditam nas oportunidades, não acreditam na educação. Os jovens não acreditam em si. Isso é o sintoma de uma sociedade profundamente desigual.
Falhámos.

Deixem-nos sonhar. Vamos repensar a educação.

in http://www.esquerda.net/opiniao/falhamos-vamos-repensar-educacao/41985
1 de Abril, 2016 - 15:04h


 * Tabelas apresentadas in http://eduprofs.blogspot.pt/2015/10/estatisticas-da-educacao-portugal-2015.html)