quinta-feira, 25 de junho de 2015

Escolas privadas com contratos de associação com o Estado vão receber 80.500 euros por turma



Fenprof acusa MEC de financiar privados com dinheiros públicos

A organização sindical critica o ministério por apoiar a abertura de turmas em colégios privados em zona com oferta pública. O MEC lembra que chegou a "liberdade de escolha".




O secretário-geral da Federação Nacional de Professores (Fenprof), Mário Nogueira, apresentou nesta quarta-feira um levantamento que, na sua perspectiva, prova que o Ministério da Educação e Ciência (MEC) está a financiar “interesses privados com dinheiros públicos”, ao apoiar a abertura de turmas em estabelecimentos de ensino particular de zonas do país em que há oferta pública. Só na região Centro, denuncia, vão ser gastos em 2016 mais cinco milhões de euros do que seria necessário. O MEC contrapõe que está em causa o direito à “liberdade de escolha” por parte dos pais.
Na origem do diferendo estão os contratos de associação entre o Estado e instituições particulares, que começaram a ser utilizados, em finais dos anos 80, para suprir a falta de oferta nas escolas públicas.
O recurso sempre foi contestado pela Fenprof, que denunciou repetidamente a realização de contratos de associação em áreas em que, argumentava, a oferta pública era suficiente. Em 2013, do ponto de vista da organização sindical, a situação agravou-se, com a aprovação do novo Estatuto do Ensino particular e Cooperativo, que fez com que os contratos de associação deixassem de estar dependentes da oferta pública existente numa dada região.
Na perspectiva de Mário Nogueira, a aprovação do estatuto “foi a primeira peça do puzzle” que mais recentemente “foi completado com a publicação da portaria” que estabelece as regras e o montante dos contratos, e que, acusou nesta quarta-feira, visa “consolidar a privatização do ensino” e "reduzir o número de docentes das escolas públicas".
Segundo a portaria, as escolas privadas com contratos de associação com o Estado vão receber 80.500 euros por turma, por ano (menos 523 euros do que estava anteriormente fixado). E passam a ser seleccionadas através de um concurso, já a decorrer, cujas candidaturas serão analisadas por uma comissão que terá em conta os resultados escolares dos alunos – “com ênfase para os resultados obtidos nas provas e exames nacionais” –, o projecto para a promoção do sucesso escolar, a estabilidade do corpo docente e a qualidade das instalações e equipamentos.
O objectivo, explicitou recentemente o MEC, em comunicado, é “garantir a oferta educativa aos alunos que pretendam frequentar as escolas do ensino particular e cooperativo em condições idênticas às do ensino ministrado nas escolas públicas”.
Este ano lectivo, foram colocadas a concurso um total de 656 turmas dos 5.º, 7.º e 10.º anos (que se somam às de continuidade, que existem actualmente). A Fenprof veio precisamente contestar a decisão. Mário Nogueira argumentou que tal só seria “uma inevitabilidade” “se as escolas públicas não reunissem condições para acolher as turmas” que, acusou, "estão a ser desviadas para o privado”. Considerou ainda que está a ser violado o artigo da Constituição que determina o direito ao acesso à escola pública e protestou contra aquilo que considera ser um acto de “despesismo”.
O sindicalista ilustrou as acusações com o resultado de um levantamento da situação na Região Centro (que pretende alargar a todo o país). Ali, referiu, estão a concurso 106 turmas do 5.º ano, 118 do 7.º e 45 do ensino secundário, pelo que, tendo em conta o resultado de um estudo de 2012 sobre o custo por turma (encomendado pelo próprio MEC,) "só naquela região, no próximo ano, os contribuintes pagarão mais 1,8 milhões de euros” do que seria necessário devido às novas turmas, e mais 5 milhões se se tiver em conta a totalidade das turmas financiadas.
Isto, sublinhou Mário Nogueira, apesar de em quase todos os concelhos as escolas públicas terem capacidade para acolher as crianças. Deu inúmeros exemplos, entre os quais o do concelho de Coimbra, onde há capacidade nas escolas públicas para 80 turmas e o MEC vai conceder aos privados 48.
Em resposta a questões colocadas pelo PÚBLICO, o MEC recordou que “o Estatuto do Ensino Particular e Cooperativo consagra o modelo de contratos de associação como um meio de alargamento da liberdade de escolha por parte dos pais”. Faz notar, ainda, que o número de turmas financiadas tem vindo a baixar nos últimos seis anos (de 1996, em 2010/2011 para 1732, em 2015/2016) e que o mesmo aconteceu com o financiamento por turma (que chegou a ser de 114 mil euros por ano e está nos 80.500).
O director executivo da Associação dos Estabelecimentos de Ensino Particular e Cooperativo, Queiroz e Melo, cita os mesmos dados. Considera “legítimo que a Fenprof defenda os interesses particulares dos seus associados”, mas faz notar que a redução do número de turmas e do financiamento nos últimos anos obrigou a uma reestruturação do sector privado que afectou,naturalmente, trabalhadores. "Muitos deles são também professores”, frisou.



in PÚBLICO,

terça-feira, 23 de junho de 2015

O Diário de Katmandu





Se há 200 anos atrás tivesse havido um terramoto no Nepal, a notícia teria demorado meses a chegar a Portugal e à Europa. Possivelmente, teria sido trazida para Istambul ou Antalya pelos mercadores que faziam a rota da Índia, que vinha da foz do Ganges, por Patna e Delhi, e convergia na rota da seda antes de Kashgar no extremo ocidental da China. Ou teria chegado a Lisboa ou a Londres nos veleiros vindos de Goa ou de Bombaim que, carregados de chá e de especiarias, contornavam a África - o canal de Suez só foi aberto em 1869!- em viagens de longos meses. Teria sido uma notícia difusa, imprecisa, eventualmente fantasiosa.

Ao invés, hoje, o cidadão comum pode ler, na hora, no facebook, O Diário de Katmandu, os relatórios onde o jovem Pedro Queirós descreve on-line as experiências vividas com o seu amigo Lourenço Santos nas massacradas terras nepalesas, há bem pouco tempo sacudidas por um tremor de terra. Estes diários só são possíveis graças ao avião e à Internet. Ao avião que transporta as pessoas entre continentes e às ondas hertzianas que levam os bytes que aproximam os povos do mundo. Hoje, podemos falar com propriedade de uma aldeia global.

A onda de solidariedade gerada pelo Diário de Katmandu só foi possível porque existe a Internet e o facebook. E o fenómeno merece uma análise sociológica. A afirmação do orgulho de ser português, a juventude dos intervenientes, o desprendimento pela burocracia das organizações e a vivacidade dos relatos são uma parte da explicação. A simpatia do povo nepalês, o sorriso franco das crianças são a outra parte. É um prazer ver aqueles bandos de crianças, livres, sorridentes e agradecidas por tão pouco! Coisas que vão rareando por estes lados.

A grande teia da Internet, agora organizada à volta das redes sociais, começa a adquirir vida própria. Influencia as pessoas e é influenciada por elas. Começam a construir-se verdadeiras comunidades suportadas pela rede. Esta vida própria começa a interferir com o mainstream que é a comunicação social organizada. Comunicação integrada na economia, que dela depende e serve os seus interesses. Que difunde a opinião e a informação mais conveniente para a economia, que a suporta e paga os ordenados dos jornalistas. E que por isso é a mais conveniente para as elites que controlam os midia e procuram manter-se no poder.

A comunicação nas redes sociais começa já a ocupar um importante espaço na difusão de informação e na formação de opinião, e não tem os condicionalismos nem as dependências do mainstream. Já vimos o seu efeito mobilizador nas manifestações dos indignados. E na emergência dos novos partidos de cariz popular e defensores da rotura. E vemos agora a sua força na bela história que o Pedro, o Lourenço e os seus amigos estão a escrever.

Nós portugueses, precisamos de boas causas. E afinal parece tão fácil construí-las e abraçá-las!


domingo, 21 de junho de 2015

O discurso notável de Varoufakis, no Eurogrupo. Indispensável ler.



Nota de Varoufakis no seu blogue pessoal, onde disponibilizou o discurso: “O único antídoto para a propaganda e para as 'fugas' malévolas é a transparência. Depois de tanta desinformação em torno da apresentação que fiz no Eurogrupo da posição do governo grego, a única resposta é publicar exatamente as palavras que proferi. Leiam-nas e julguem por si mesmos se as propostas do governo grego constituem ou não uma base para um acordo”. 

Colegas, 

Há cinco meses, na minha primeira intervenção no Eurogrupo, disse-vos que o novo governo grego enfrentava uma tarefa dupla: 
Temos de ganhar uma moeda preciosa sem desbaratar um importante capital.  
A moeda preciosa que tínhamos de ganhar era um sentimento de confiança, aqui, entre os nossos parceiros europeus e junto das instituições. Para obter essa moeda necessitaríamos de um pacote de reformas significativo e um plano de consolidação fiscal credível. 
Quanto ao capital  importante que não podíamos dar-nos ao luxo de desbaratar, esse era a confiança do povo grego, que teria de ser o pano de fundo de qualquer programa de reformas acordado que pusesse fim à crise grega.  
O pré-requisito para que esse capital não se perdesse era, e continua a ser, um só: a esperança tangível de que o acordo que levamos para Atenas:
. é o último a ser forjado em condições de crise;
. compreende um pacote de reformas que põe fim a uma recessão ininterrupta de seis anos;
. não atinge selvaticamente os pobres como as anteriores reformas atingiram;
. torna a nossa dívida sustentável, criando assim perspetivas genuínas do regresso da Grécia aos mercados, terminando a nossa dependência pouco digna dos nossos parceiros para pagar os empréstimos que deles recebemos.

Cinco meses passaram, o fim da estrada está à vista, mas este derradeiro ato de equilíbrio não se materializou. Sim, no Grupo de Bruxelas estivemos quase. Quase é quanto? Do lado dos impostos, as posições são realmente próximas, especialmente para 2015. Para 2016, o fosso restante representa 0,5% do PIB. Propusemos medidas paramétricas de 2% contra os 2,5% em que as instituições insistem. Esta diferença de meio por cento propomos eliminá-la através de medidas administrativas. Seria, digo-vos, um erro tremendo deixar que esta minúscula diferença causasse danos massivos na integridade da Zona Euro. A convergência foi também alcançada num vasto leque de questões. 
Ainda assim, não nego que as nossas propostas não instilaram em vós a confiança de que precisais. E, ao mesmo tempo, as propostas das instituições que o Sr. Juncker transmitiu ao primeiro-ministro Tsipras não podem gerar a esperança de que os nossos cidadãos necessitam. Assim, chegámos perto de um impasse. 
Assim, no último minuto e neste estado de negociação, antes de que acontecimentos incontroláveis tomem conta da situação, temos o dever moral, para não falar do dever político e económico, de ultrapassar este impasse. Não é altura para recriminações nem acusações. Os cidadãos europeus responsabilizar-nos-ão coletivamente, todos os que não conseguirem encontrar uma solução viável. 
Mesmo que, mal orientados por rumores de que a saída da Grécia pode não ser assim tão terrível, ou que possa até beneficiar o resto da Zona Euro, alguns estejam resignados a que isso aconteça, é um acontecimento que desencadeará poderes destrutivos que ninguém pode travar. Os cidadãos de toda a Europa não apontarão às instituições, mas aos seus ministros das Finanças, aos seus primeiros-ministros, aos seus presidentes. Ao fim e ao cabo, elegeram-nos para promover a prosperidade partilhada da Europa e para evitar  buracos que possam ferir a Europa. 
O nosso mandato político é encontrar um compromisso honroso e trabalhável. É assim tão difícil conseguir isto? Achamos que não. Há poucos dias, Olivier Blanchard, o economista-chefe do FMI, publicou um artigo intitulado "Grécia: um acordo credível vai requerer decisões difíceis de todas as partes". Tem razão. As quatro palavras significativas são "de todas as partes". O Dr. Blanchard acrescentava que: "no coração das negociações está uma questão simples. Que ajustamento tem de ser feito pela Grécia, que ajustamento tem de ser feito pelos seus credores oficiais?".  
Que a Grécia precisa de se ajustar não há dúvidas. A questão, porém, não é a quantidade de ajustamento que a Grécia precisa de fazer. É, pelo contrário, que tipo de ajustamento. Se por "ajustamento" queremos dizer consolidação fiscal, cortes de salários e pensões e aumento das taxas de juro, é claro que fizemos mais disso do que qualquer outro país em tempo de paz. 
. o défice fiscal, estrutural ou ciclicamente ajustado do setor público passou a superavit à custa de um ajustamento de 20% que bateu recordes mundiais;
. os salários caíram 37%;
. as pensões foram reduzidas até 48%;
. o número de funcionários públicos diminui em 30%;
. o consumo caiu 33%;
. até o crónico défice corrente do país caiu 16%.




Ninguém pode dizer que a Grécia não se ajustou às suas novas circunstâncias, do pós-2008. Mas o que podemos dizer é que este gigantesco ajustamento, necessário ou não, criou mais problemas do que resolveu: 
. o PIB agregado real caiu 27%, enquanto o PIB nominal continuou a cair quadrimestre sim, quadrimestre não ao longo de 18 quadrimestres sem parar até hoje;
. o desemprego disparou para os 27%;
. o trabalho não-declarado atingiu os 34%;
. a banca trabalha sob empréstimos não-produtivos que excedem em valor os 40%;
. a dívida pública ultrapassa os 180% do PIB;
. as pessoas jovens e bem qualificadas abandonam a Grécia aos magotes;
. a pobreza, a fome e a falta de energia registaram aumentos normalmente associados a estados de guerra;
. o investimento na capacidade produtiva evaporou-se. 
Portanto, a primeira parte da pergunta do Dr. Blanchard - "que ajustamento tem de ser feito pela Grécia?" - precisa de ser respondida. A Grécia precisa de uma grande dose de ajustamento. Mas não do mesmo tipo que teve no passado. Precisamos de mais reformas, não precisamos de mais cortes. Por exemplo, 
. precisamos de nos ajustar a uma nova cultura de pagamento de impostos, não de elevar as taxas do IVA, que reforçam o incentivo para fugir ao pagamento e conduzem os cidadãos respeitadores da lei a uma maior pobreza;
. precisamos de tornar o sistema de pensões sustentável, erradicando o trabalho não remunerado, minimizando as reformas antecipadas, eliminando a fraude no fundo de pensões, fazendo aumentar o emprego - não erradicando a tranche solidária das mais baixas das baixas pensões, como as instituições exigem, empurrando dessa forma os mais pobres dos pobres para uma pobreza ainda maior e convocando uma hostilidade popular massiva contra outro conjunto de ditas reformas.

Nas nossas propostas às instituições oferecemos: 
. uma extensa (mas otimizada) agenda de privatizações abrangendo o período entre 2015 e 2025;
. a criação de uma autoridade de Impostos e Alfândegas completamente independente (sob a égide e supervisão do Parlamento)
. um Conselho Fiscal que supervisione o orçamento do Estado;
. um programa a curto prazo que limite o crédito mal parado e gira empréstimos não produtivos
. reformas dos códigos do processo judicial e civil
. liberalização de vários mercados de produtos e serviços (com salvaguardas para os valores da classe média e profissões que deles fazem parte e parcela do tecido social);
. reformas da administração pública (introduzindo sistemas limpos de avaliação dos funcionários, reduzindo custos não-salariais, modernizando e unificando as carreiras do setor público).
Juntamente com estas reformas, as autoridades gregas pediram à OCDE que ajudasse Atenas a desenhar, implementar e monitorizar uma segunda série de reformas. Quarta-feira, encontrei-me com o secretário-geral da OCDE, o Sr. Angel Gurria, e a sua equipa para anunciar esta agenda conjunta de reformas, completada com um mapa específico: 
. um grande movimento anticorrupção e instituições relevantes para o apoiar;
. liberalização do setor da construção, incluindo o mercado e padrões de materiais de construção;
. liberalização do comércio por grosso;
. código de práticas dos media, eletrónicos e impressos;
. centros de negócios na hora que erradiquem os obstáculos burocráticos ao negócio na Grécia;
. reforma do sistema de pensões - onde a ênfase esteja num estudo completo, atual e a longo prazo, no faseamento das reformas antecipadas, na redução dos custos operacionais dos fundos de pensões, na consolidação da segurança social - em vez de nos meros cortes de pensões. 
Sim, colegas, os gregos precisam de se ajustar mais. Precisamos desesperadamente de reformas profundas. Mas exorto-vos a levarem seriamente em consideração esta importante diferença entre: 
. reformas que ataquem ineficiências ou comportamentos parasitas e oportunistas,
e
. 
mudanças de parâmetros que aumentem as taxas de juro e reduzem os benefícios dos mais fracos. 
Precisamos muito mais de reformas reais e muito menos de reformas de parâmetros. 
Muito se disse e escreveu acerca do nosso "recuo" na reforma do mercado de trabalho e quanto à nossa determinação para reintroduzir a proteção dos trabalhadores assalariados através da negociação coletiva. Será isto uma fixação de esquerda nossa que faz perigar a eficiência? Não, colegas, não é. Veja-se por exemplo a provação dos jovens trabalhadores em várias cadeias de lojas que são despedidos quando se avizinha o seu 24º aniversário, para que os empregadores possam contratar funcionários mais jovens e assim evitar pagar-lhes o salário mínimo normal que é inferior para empregados menores de 24 anos. Ou vejam o caso dos empregados que são contratados em part time por 300 euros ao mês, mas são obrigados a trabalhar a tempo inteiro e são ameaçados com a dispensa se se queixarem. Sem contratação coletiva, estes abusos abundam com efeitos nefastos na concorrência (uma vez que os patrões decentes competem em desvantagem com os que não têm escrúpulos), mas também com efeitos negativos nos fundos de pensões e na receita pública. Alguém seriamente pensa que a introdução de uma negociação laboral bem concebida, em colaboração com a OIT e a OCDE, constitui "reversão das reformas", um exemplo de "recuo"?  

Voltando por instantes à questão das pensões de reforma, muito foi feito para que as pensões contem por mais do que contavam no passado; tanto quanto 16% do PIB. Mas consideremos o seguinte: as pensões diminuíram 40% e o número de pensionistas mantém-se estável. Portanto, os gastos com pensões diminuíram, não aumentaram. Esses 16% do PIB não se devem a gastar mais em pensões, mas, pelo contrário, à dramática queda do PIB que trouxe com ela uma igualmente dramática redução nas contribuições devido à perda de empregos e ao crescimento do trabalho informal não-declarado. 
O nosso alegado recuo na "reforma das pensões" é que suspendemos a ulterior redução das pensões que já perderam 40% do seu valor, enquanto os preços dos bens e serviços de que os pensionistas precisam, isto é, medicamentos, mal foram alterados. Considerem este facto relativamente desconhecido: cerca de um milhão de famílias gregas sobrevive hoje à custa da magra pensão de um avô ou de uma avó, dado que o resto da família está desempregada num país onde apenas 9% dos desempregados recebem qualquer subsídio de desemprego. Cortar essa única, solitária pensão, corresponde a lançar uma família nas ruas. 
É por isso que continuamos a dizer às instituições que sim, precisamos de uma reforma do sistema de pensões, mas não, não podemos cortar 1% do PIB às pensões sem causar uma nova e massiva miséria e mais um ciclo recessivo, uma vez que estes 1,8 mil milhões multiplicados por um grande multiplicador fiscal (de até 1,5) é retirado do fluxo circular da receita. Se ainda existissem grandes pensões, cujo corte faria diferença a nível fiscal, cortá-las-íamos. Mas a distribuição das pensões está tão comprimida que poupanças dessa magnitude teriam de ir comer nas pensões dos mais pobres. É por esta razão, suponho, que as instituições nos pedem para eliminarmos o complemento solidário de reforma para os mais pobres dos pobres. E é por essa razão que contrapropomos reformas decentes: uma redução drástica, quase eliminação, das reformas antecipadas, consolidação dos fundos de pensões e intervenções no mercado de trabalho que reduzam o trabalho na economia paralela.  

Reformas estruturais promovem o crescimento potencial. Mas meros cortes numa economia como a grega só promovem a recessão. A Grécia deve ajustar-se através da introdução de reformas genuínas. Mas ao mesmo tempo, voltando à resposta à pergunta do Dr. Blanchard, as instituições têm de ajustar as suas definições de reforma promotora do crescimento - para reconhecerem que cortes de parâmetros e aumentos de impostos não são reformas e que, pelo menos no caso da Grécia, minaram o crescimento económico. 
Alguns colegas notaram no passado, e podem voltar a fazê-lo, que as nossas pensões são demasiado altas em comparação com os idosos dos seus países e que é inaceitável que o governo grego espere que eles mantenham o nosso nível de pensões de reforma. Deixem-me ser claro acerca disto: nunca vos pediremos para subsidiarem o nosso Estado, os nossos salários, as nossas reformas, a nossa despesa pública. O Estado grego vive dentro dos seus meios. Nos últimos cinco meses conseguimos mesmo, apesar de termos zero acesso aos mercados, pagar aos nossos credores. Tencionamos continuar a pagar. 

Compreendo as preocupações de que o nosso governo possa cair de novo no défice primário e que é essa a razão que leva as instituições a pressionarem-nos para aceitar grandes aumentos do IVA e grandes cortes nas reformas. Embora seja nosso entender que um acordo viável seria suficiente para fazer disparar a atividade económica o suficiente para produzir um saudável superavit primário, percebo perfeitamente bem que os nossos credores e parceiros possam ter razões para ser céticos e exigir salvaguardas; uma apólice de seguro contra o eventual resvalar do nosso governo para o desperdício de recursos. É o que está por detrás do apelo do Dr. Blanchard ao governo grego para que ofereça "medidas verdadeiramente credíveis". Então, ouçam esta ideia. Uma "medida verdadeiramente credível". 

Em vez de se discutir meio ponto percentual de medidas (ou se estas medidas fiscais devem ser ou não do tipo paramétrico), que tal uma reforma mais profunda, mais abrangente, mais permanente? Um teto para o défice que seja legislado e monitorizado pelo Conselho Fiscal independente com que nós e as instituições já concordámos. O Conselho Fiscal monitorizaria a execução do orçamento de Estado numa base semanal, lançaria avisos se uma meta de superavit primário parecesse estar a ser violada e, em certas ocasiões, lançaria reduções automáticas horizontais a todos os níveis para evitar a derrapagem abaixo do limiar previamente acordado. Dessa forma está ativado um sistema de alerta que assegura a solvência do Estado grego enquanto o governo grego mantém o seu espaço político de que precisa para manter a soberania e ser capaz de governar num contexto democrático. Este é um firme propósito que o nosso governo implementará imediatamente após um acordo. 

Dado que o nosso governo nunca mais precisará de pedir emprestado dinheiro aos vossos contribuintes nem aos contribuintes que estão atrás do FMI, não faz sentido um debate entre Estados-membros que competem para ver quem tem pensionistas mais pobres, instigando um nivelamento por baixo. Em vez disso, o debate avança para os pagamentos da dívida. Quão grandes têm de ser os nossos superavits? Alguém acredita seriamente que a taxa de crescimento é independente do conjunto de metas primárias? O FMI sabe bem que os dois números andam juntos e é por isso que a dívida pública grega deve ser olhada de uma só vez. 

O nosso grande serviço da dívida deveria ser encarado como uma grande labilidade fiscal infundada. Embora seja verdade que as partes EFSF e GLF da nossa dívida têm maturidades elevadas e a taxa de juro não é grande, a labilidade fiscal infundada do Estado grego, a nossa dívida, constitui um componente poderoso que impede hoje a recuperação e o investimento. Refiro-me aos 27 mil milhões de obrigações ainda detidos pelo BCE. É uma labilidade infundada a curto prazo que os potenciais investidores na Grécia olham e viram costas porque podem ver o fosso de fundos que esta parte da dívida cria instantaneamente e porque reconhecem que estes 27 mil milhões na contabilidade do BCE travam a Grécia e não a deixam aproveitar o programa de financiamento do BCE quando este programa está em desenvolvimento e atinge a sua máxima capacidade para vir em auxílio dos países ameaçados pela deflação. É uma cruel ironia que o país mais afetado pela deflação seja precisamente o que é excluído do remédio antideflacionário do BCE. E é excluído por causa destes 27 mil milhões. 

A nossa proposta é simples, eficaz e mutuamente vantajosa. Não propomos mais dinheiro, nem um euro para o nosso Estado. Imaginem o seguinte acordo em três partes a anunciar nos próximos poucos dias:  

Parte 1: Reformas profundas, incluindo o plafonamento do défice  que já mencionei. 
Parte 2: Racionalização do calendário de pagamentos da dívida grega segundo as seguintes linhas. Primeiro, para efetuar uma RECOMPRA DA DÍVIDA, a Grécia pede um novo empréstimo ao ESM, depois compra as obrigações ao BCE e retira-as. Para renegociar este novo empréstimo, concordamos que a agenda de reformas profundas é a condição comum para completar com êxito o atual programa e para assegurar o novo acordo ESM que entra em prática imediatamente depois e corre em concorrência com o continuado programa FMI até ao final de 2016. Os fundos a curto prazo assentes no cumprimento do programa corrente e no financiamento a longo prazo é completado com o retorno dos lucros SMP, ascendendo a 9 mil dos restantes 27 mil milhões, que vão para uma conta usada para satisfazer os pagamentos da Grécia ao FMI. 
Parte 3: Um programa de investimentos que impulsione a economia grega, fundado no Plano Juncker, o Banco de Investimento Europeu - com quem já estamos em conversações - o EBRD e outros parceiros que serão convidados a participar também em ligação com o nosso programa de privatizações e o estabelecimento de um banco de desenvolvimento que procure desenvolver, reformar e colateralizar bens públicos, incluindo propriedades imobiliárias. 
Alguém duvida verdadeiramente de que este anúncio em três partes mudaria dramaticamente o espírito, inspiraria os gregos a trabalharem duramente na esperança de um futuro melhor, convidaria investidores para um país cuja Bolsa caiu tanto e daria confiança aos europeus de que a Europa pode, no momento decisivo, fazer as coisas certas?  

Colegas, nesta encruzilhada é perigosamente fácil pensar que não há nada a fazer. Não caiamos na armadilha deste estado de espírito. Podemos forjar ainda um bom acordo. O nosso governo está de pé, com ideias e com a determinação de cultivar as duas formas de confiança necessárias para pôr fim ao drama grego: a vossa confiança em nós e a confiança do nosso povo na capacidade da Europa para produzir políticas que joguem a seu favor e não contra ele. 




A política de austeridade que também mata


Quando li esta notícia, não escondi nem a revolta nem a emoção.

Um casal matou-se, por causa das dívidas acumuladas.

Por dívidas, por vergonha, por problemas que certamente os atolaram em desespero e angústia, por incompreensão de outros, pela sua impotência face a uma sociedade cada vez mais cruel, mais intolerante, uma sociedade que cada vez mais não perdoa a muitos mas faz vista grossa a muitos mais, uma sociedade onde a conflitualidade e as tensões surgem cada vez mais ligadas à cruel austeridade que nos impuseram, a uma diferenciação social terrível, amargamente sentida e fortemente marcante na vida de quase todos nós.

Uma sociedade que não confia nas pessoas nem na sua palavra de honra, uma sociedade violenta, muito violenta, indiferente à compaixão e à clemência, indiferente à dor brutal de quem vê toda uma vida de trabalho penhorada, roubada.

Há cada vez mais casos destes porque as pessoas se sentem sós, muito sós, completamente trucidadas pelas instituições e pela impiedosa Justiça que não quer ouvir, muito menos sentir ou acudir, agarrada que está aos artigos, parágrafos e leis nas quais busca, quase sempre, não uma solução ou ajuda para as pessoas mas a sua sentença de morte.

Perdem o emprego, os amigos, a família, a alegria, a casa…

Perdem-se em gritos de dor, calada, bem calada lá no fundo de si mesmos, num lugar que só conhece quem assim passou e passa, tal o desespero com que se aguarda uma promessa, uma resposta, uma palavra, um fim. 

 Um casal matou-se.

Toldou-se-lhes o olhar com lágrimas de sangue e de revolta.
A saída foi-se fechando sobre si mesmos até sobrar um pouco de tempo para o tempo pararem. 

Um casal matou-se.
Já nada lhes aliviou a dor de se saberem completamente abandonados e de tudo terem perdido, até o teto que dolorosamente abrigava a sua dor profunda.

Na nossa sociedade, é tal a violência na vida das pessoas e a falta de ajuda que, para muitos, como este casal, só lhe restou partir. 
Partir para a morte.




Nazaré Oliveira

O grego e o latim vão regressar às nossas escolas




"Sabiam que "Nike", a marca das sapatilhas, em grego se diz "Niquê" e que este é o nome da deusa da Vitória? Em que é que pensaram os senhores que criaram esta marca?"
Esta é uma das perguntas que fazemos, eu e a Ana, quando apresentamos a colecção Olimpvs.net nas escolas.
A mitologia e a cultura greco-romana estão na génese da nossa história, da nossa cultura, da ciência, de tudo o que nos rodeia. É isto que procuramos transmitir e eles, entre os 9 e os 15 anos, ficam deslumbrados – um animal mítico (que está na capa do quarto volume) que dá nome a um órgão que temos no cérebro?! É o hipotálamo.
O grego e o latim vão regressar. Com um ministério liderado por Nuno Crato, outra coisa não seria de esperar. O latim é obrigatório nos currículos norte-americanos e os alunos consideram que este é fundamental para compreenderem a Biologia, as ciências exactas em geral. Não me parece mal. São as nossas origens, como dizia.
As questões que se põem são: existem professores para o Latim e o Grego? Existem pais sensibilizados? E alunos? Não haverá áreas mais relevantes, áreas que foram tiradas às escolas, que são mais pertinentes de serem trabalhadas?
A esta última pergunta, eu diria que sim: primeiro é preciso saber sentá-los; depois, poderemos todos alegrar-nos com o regresso do latim e do grego.

Bárbara Wong

quinta-feira, 18 de junho de 2015

Intervenção notável de Keynote Varoufakis (vídeo)





Keynote  Varoufakis.
Que grande intervenção!
Que grande lição, para a Europa e para o mundo!
Texto integral em inglês:

http://yanisvaroufakis.eu/2015/06/18/greeces-proposals-to-end-the-crisis-my-intervention-at-todays-eurogroup/#comment-152343