domingo, 8 de fevereiro de 2015

Haikus

Matsuo Bashô (Japão, 1644-1694), "o eterno vagabundo" - assim lhe chama Jorge Sousa Braga, autor destas versões portuguesas de "O Gosto Solitário do Orvalho", um volume de haikus, e "O Caminho Estreito", um diário de viagem.
Como diz Eugénio de Andrade ("Rosto Precário"), Bashô, "com um cânone de apenas dezassete sílabas, fez uma das mais esplêndidas poesias de que há memória." O haiku (JSB) é "um momento único na eternidade: não se repete, nem se desvanece nunca". Bashô é um dos seus maiores executores. Vejam-se dois, de entre muitos:

Uma rã mergulha
no velho tanque...
o ruído da água
Preso na cascata
um instante:
o verão 
 “Os leitores encontrarão no meu diário uma amostra fortuita de tudo o que encontrei no caminho. Algumas dessas visões permanecem ainda vivas no meu coração — uma casa isolada nas montanhas ou uma estalagem solitária cercada por um matagal, por exemplo. 
Anoto estas recordações na esperança de que possam desencadear uma conversa agradável entre os meus leitores, e para que possam ser úteis àqueles que calcorreiam os meus caminhos”. 
As palavras de Matsuo Bashô são o mote destes lindíssimos haikus para serem lidos, como o afirma Jorge Sousa Braga na introdução a este livro, “da mesma maneira que uma abelha se debruça sobre um grão de pólen ou uma brisa ligeira sacode uma folha de bambu”.

Rodas e ferros




Não tenham medo da esquerda



"O que era tabu generalizado na europa, isto é, pôr em causa e discutir politicamente a austeridade, passou à História em todos os países e instâncias europeias graças à pedrada no charco da Grécia. Nem a Alemanha foi capaz de o impedir e até já veio a terreiro discuti-la.
Nada ficará como dantes, sobretudo se os eleitores chamados a votar em vários países europeus em 2015 fizerem ouvir as sua vozes sem medos. Portugal incluído.
Sempre que os cidadãos podem melhorar a vida os seus representantes devem exultar e não ficar enxofrados. O futuro de milhões de pessoas empobrecidas à força tem agora mais hipóteses de ser um pouco melhor. Não se trata realmente de uma brincadeira de criança!"


Completamente de acordo com as suas palavras, estimado Professor Carlos Moreno. 
A vitória do Syriza e a forma como o novo governo grego se tem movimentado na busca de soluções e consensos que conduzam a uma política europeia séria e justa para os mais pequenos e os mais pobres, não é mais do que a constatação de que, de facto, outra política e outras ideias eram possíveis e sê-lo-ão, com toda a certeza.

Surge agora a oportunidade de travar uma situação que nos devastou a todos e de impedir que uma Europa prepotente nos continue a condenar a uma vida sem esperança e a um servilismo absolutamente abjeto, cruel e sem limites.

Renasce agora a esperança numa nova política e numa nova forma de fazer política.

Renasce agora a esperança numa nova geração de políticos que olhem para o outro como um igual a si, um outro que lhes delegou o poder e que por isso neles confia.


Vamos lá ver, agora, graças à pedrada no charco dada pela Grécia, se o povo de rastos desta Europa a quem revolveram as entranhas, se torna mais forte, mais combativo, mais confiante, mais interveniente e mais crítico na definição e construção do seu caminho.

Crescerá agora, em nós, essa vontade de  enfrentar sem medo o próprio medo e de olharmos para a vida com mais ânimo?

É indiscutível que renasceu a esperança em milhares e milhares de cidadãos europeus. A esperança numa política de rosto humano e de uma europa verdadeiramente solidária.

Não tenham medo da esquerda.

Não tenham medo da mudança mas do medo que não vos deixa mudar.




Nazaré Oliveira


Políticas que matam



Um testemunho brutal contra uma Política que continua a matar, tal a sua insensibilidade e indiferença perante a vida dos cidadãos!
Onde está o Estado Social? Que fizeram ao Estado Social?
Onde está a transparência?
Segundo o Diário Digital, com a Lusa,  a farmacêutica Gilead, detentora do medicamento inovador para a hepatite C, disse, na quarta-feira, que a doente que morreu recentemente vítima da doença podia ter tido acesso ao fármaco sem qualquer custo para o Estado.
A farmacêutica disse que o Centro Hospitalar de Lisboa Ocidental enviou à Gilead, a 4 de novembro do ano passado, pedido de acesso ao medicamento sem custos, embora sem enquadramento legal para o fornecimento naquelas condições, e garantiu que nunca recebeu nota de encomenda do fármaco mas que o disponibilizou para a doente.
Num quadro de clara incompetência e de indesculpável desleixo, quem brincou (e continua a brincar) com a vida das pessoas? Quem foi responsável pela morte acontecida?
Convém que se apurem responsabilidades. E depressa.
Triste país com triste gente.
Triste sina, a nossa, com gente desta estirpe: além de ignorantes e incompetentes têm-se revelado perigosamente perversos nas decisões que tomam em nome do "bem comum". E cruéis.



Nazaré Oliveira

sábado, 7 de fevereiro de 2015

Coldplay - Atlas



Os falsos moralistas de Angola





A telenovela angolana transmitida na Televisão Pública de Angola (TPA), Jikulumessu – Abre o Olho, viu a sua emissão ser suspensa por alegadas “razões técnicas” nesta semana. Mas, segundo li, o grande motivo terá sido um beijo entre um casal homossexual, pelos vistos, o primeiro da história da televisão pública angolana, emitido no episódio do passado dia 28 de Janeiro.
O beijo foi trocado entre as personagens Carlos Nambe (Pedro Hossi), um homem casado, e Gerson Cange (Lialzio Almeida), um jovem solteiro. 

Que cinismo este!
Senhores governantes angolanos: choca-vos um beijo de amor entre dois homens? A mim, choca-me (cada vez mais) a miséria a que votastes o vosso povo, comparada com o luxo e opulência em que vive essa casta de políticos à imagem do seu presidente e família.

Um povo humilde e trabalhador que em vós confiou pós descolonização mas que desde então tem vivido numa sociedade tão desigual quanto corrupta, onde o contraste entre governantes e governados é já um quadro desolador de uma ditadura que já mal se vai camuflando.

Uma vergonha, esta atitude, estes falsos princípios e valores morais a que já nos habituaram todos os ditadores que têm surgido ao longo da História!

E foi esta gente que lutou contra o colonialismo? Que lutou por uma Angola livre e soberana? Uma Angola dos angolanos e não de algumas famílias de angolanos?

Rápido se esqueceram dos ideais que os mobilizaram para a luta armada iniciada em 1961. Rápido se esqueceram dos milhares que tombaram por uma Angola Livre.
Livre dos opressores.
Dos opressores que sempre foram, também, déspotas e falsos moralistas.



Nazaré Oliveira

sexta-feira, 6 de fevereiro de 2015

Mutilação genital em Portugal

Por força dos fluxos migratórios, admite-se que a mutilação genital também possa ocorrer em Portugal  
FINBARR O’REILLY/REUTERS



Num ano, foram detectados 43 casos de mutilação genital em Portugal. Aconteceram há muito. Dizem respeito a mulheres, sobretudo da Guiné-Bissau, da Guiné-Conacri e do Senegal, submetidas à excisão quando eram pequenas.


Há um ano, no Dia Internacional da Tolerância Zero à Mutilação Sexual Feminina, não havia registo algum na plataforma de dados da saúde. Agora, há 43. São casos antigos detectados na Grande Lisboa.
A excisão é uma prática enraizada em 28 países africanos. Por força dos fluxos migratórios, foi levada para o Médio Oriente, a Ásia, a América, a Austrália e a Europa, incluindo França, Itália, Holanda, Reino Unido e Portugal, onde é encarada como uma violação de direitos humanos baseada no género.
Portugal figura na lista por nele residirem pessoas oriundas de países com forte tradição de excisão genital, como a Guiné-Bissau, o Senegal, o Egipto, a Gâmbia, a Nigéria ou a Serra Leoa. Presume-se que se pratique, embora em grande secretismo, dentro do território nacional. E há notícia de crianças levadas ao país de origem durante as férias para aí serem sujeitas ao “corte”.
O registo na plataforma de dados de saúde começou a ser feito há precisamente um ano, no âmbito de um conjunto de medidas destinadas a erradicar a mutilação genital feminina. Meia centena de médicos, enfermeiros, psicólogos e assistentes sociais fizeram uma formação organizada pela Direcção-geral da Saúde (DGS) em parceria com a Comissão para a Cidadania e Igualdade de Género (CIG), a Associação para o Planeamento da Família e a Escola Superior de Enfermagem de Lisboa. Ficaram mais preparados para descobrir estes casos e  lidar com eles, afiança Lisa Vicente, Chefe de Divisão de Saúde Sexual, Reprodutiva, Infantil e Juvenil da DGS.
Segundo explicou Lisa Vicente, “os 43 casos [registados neste primeiro ano] foram detectados no âmbito da saúde reprodutiva”. Há mulheres mais velhas e mulheres mais jovens, mas quase todas têm 20/30 anos e foram submetidas à excisão quando eram pequenas. Vieram quase todas da Guiné-Bissau, da Guiné-Conacri e do Senegal e moram na área metropolitana de Lisboa.
Não é uma realidade homogénea dentro das comunidades. Depende muito do grupo étnico, da localização geográfica e da condição socioeconómica, mas a mutilação genital tende a ser praticada em meninas com idades compreendidas entre os quatro e os doze anos. Há indícios de que, para ludibriar as autoridades, as famílias sujeitam as crianças cada vez mais cedo a este ritual.
Até 2013, deram entrada nos tribunais portugueses três casos. O primeiro foi arquivado por ter prescrito; o segundo ocorreu fora do país com cidadãos estrangeiros – e considerou-se que os factos não constituíram uma ofensa à integridade física grave; o terceiro diz respeito a uma criança sujeita a mutilação pela avó paterna, que entretanto morreu, pelo que o processo também foi arquivado.
“O que tem vindo a ser feito é no sentido de uma maior articulação entre cuidados de saúde, Ministério Público e comissões de protecção de crianças e jovens (CPCJ)”, explicou a médica. “Isto tem dado resultados na área Almada/Seixal, no Hospital Garcia de Orta, e na área Amadora/Sintra, nos agrupamentos de centros de saúde dependentes do Hospital Fernando da Fonseca”, esclareceu. “Na maternidade Alfredo da Costa também têm sido encontrados alguns casos”.
Não só médicos e enfermeiros estão mais preparados para detectar mulheres submetidas a tal prática como têm orientação para tentar perceber se existe risco de elas fazerem o mesmo às filhas ou sobrinhas que possam ter. Havendo risco, a informação segue para as comissões de protecção de crianças e jovens. 
Em Junho do ano passado, a Comissão Nacional de Protecção de Crianças e Jovens enviou a todas as comissões um documento sobre esta prática ancestral nalgumas zonas de África. Pede-se que partilhem informações com “unidades de saúde, creches, jardins-de-infância e escolas, Polícia, Organizações Não Governamentais e associações e grupos informais de imigrantes”. “Se existirem indicadores consistentes da possibilidade de ocorrência da prática de MGF, a CPCJ deve agir de imediato e em simultâneo comunicar ao Ministério Público”, dita o documento.
“Isto são factores protectores importantes”, comenta Lisa Vicente. Na sua opinião, mais importante do que punir os infractores é mesmo evitar que mais meninas sejam sujeitas a estas práticas ancestrais africanas, presentes em diversas etnias animistas, muçulmanas e cristãs. Para chegar às crianças e jovens em risco, acha importante alterar até a linguagem usada. Parece-lhe que os profissionais têm de usar as palavras “corte” ou “tradição” ou “fanado” em vez de mutilação ou excisão.  “Também não chamamos mutilado a um coxo", exemplifica. 
Os 50 profissionais que receberam formação específica ficaram de fazer projectos nos respectivos locais de trabalho. Esta sexta-feira, Lisa Vicente faz o balanço dessas iniciativas na sessão evocativa do Dia Internacional da Tolerância Zero à Mutilação Sexual Feminina, que será aberta pela secretária de Estado dos Assuntos Parlamentares e da Igualdade, Teresa Morais, às 15h, no Hospital de S. Francisco Xavier, em Lisboa.
Há um ano, entrava em vigor o III Programa de Acção para a Prevenção e Eliminação da Mutilação Genital Feminina 2014-2017. Com 12 novas medidas, de um total de 42, o novo programa integra o V Plano Nacional de Prevenção e Combate à Violência Doméstica e de Género.
O programa “está em plena execução que corre a bom ritmo, de acordo com a calendarização fixada”, informou o seu gabinete, por email. “O Grupo de Trabalho que tem a cabo a sua implementação tem reunido regularmente e em Março será apresentado à Assembleia da República o primeiro relatório intercalar”, adiantou ainda a mesma fonte.
Prevê-se o envolvimento das comunidades originárias de países com tais práticas, chamando associações de imigrantes para acções de prevenção e estabelecendo contactos com líderes religiosos e outros interlocutores privilegiados, que possam condenar este costume. O imã da mesquita de Lisboa já o fez.

Por Ana Cristina Pereira PÚBLICO
06/02/2015