domingo, 3 de junho de 2012

“Diminuir salários não é uma política, é uma urgência”

Parece mentira? Por favor, leiam!
Que adjetivo aplicar "a este" e "a isto"?


“Diminuir salários não é uma política, é uma urgência” - António Borges



“A opinião pública sente-se enganada e pressionada pela austeridade imposta, em parte, para pagar os erros da banca e ainda nenhum banqueiro pagou pelos erros. Quando ponho a questão aos banqueiros eles respondem que a imoralidade e a falta de ética não são crime. Por isso, às vezes, calcam o risco amarelo da imoralidade mas não ultrapassam a linha vermelha da legalidade. Temos de começar a pensar em julgar a imoralidade” Marc Roche, autor do livro “O Banco – Como o Goldman Sachs dirige o mundo”

António Borges decidiu seguir as pisadas de Madame Lagaffe. Ambos têm em comum o estatuto de isenção de IRS enquanto funcionários do FMI. Ambos têm responsabilidades nesta crise, uma enquanto ministra de Sarkozy, Borges enquanto homem da Goldman Sachs. Ambos ficarão impunes.

Ou talvez não. Nunca escrevam certezas sobre o vosso futuro com a mesma displicência com que falam sobre a vida dos que pagam IRS, viram os seus salários reduzidos e não têm pão para a boca dos filhos. Em determinadas situações os seres humanos são levados a actos espontâneos e irreflectidos, e tornam-se violentos. Uma dessas circunstâncias é a fome, coisa que para os filhosdaputa deste mundo é uma palavra mas para cada vez mais gente é um aperto no estômago que se mitiga com água, enquanto não a privatizarem. A fome faz milagres, António Borges; Marx deixou umas dicas sobre o assunto mas a simples lei da sobrevivência também serve. A fome faz do cobarde um herói, do amansado um rebelde, do cordeiro um bode selvagem. E os bodes selvagens quando acossados perdem o medo, marram a direito, levam tudo em frente, incluindo os Borges e as Lagardes deste mundo. Chegará a vossa vez de terem medo, muito medo, e nessa altura não haverá paraíso fiscal que vos valha. A imoralidade não se paga com os portões do céu encerrados mas muitas vezes conduz directamente ao inferno, na terra. Fujam já, ou pensem nisso.



In http://aventar.eu/2012/06/03/antonio-borges-os-salarios-e-os-crimes-sem-castigo/

A Alemanha está a destruir a Grécia e a Europa?


O jornal Económico, no dia 18/07/11, já noticiava que a chanceler alemã não conseguia lidar com a crise europeia, segundo diziam membros do seu partido.

Helmut Kohl, ex-presidente alemão, inclusive, não se mostrava satisfeito com a forma como a sua sucessora estava (e está ) a gerir a crise da Europa. E não é o único!

Kohl declarara, em privado, que Angela Merkel estava "a destruir a minha Europa", referindo-se à forma como a chanceler alemã conduzia a recente crise do Euro e ao papel do antigo presidente na construção da União Europeia e da moeda única.

Outros membros do partido de Merkel, a União Democrática Cristã (CDU) também mostraram o seu descontentamento nos últimos dias, caso de Volker Bouffier, primeiro-ministro do estado de Hesse e deputado da CDU, que também dissera que Merkel estava em perigo de deitar por terra a herança pró-europeia do partido.

"A Europa é um projecto político. É demasiado importante para deixar às agências de ‘rating'", criticou Bouffier.

"A última coisa que um país de exportações como a Alemanha pode fazer é ter uma população eurocéptica", acrescentou Kurt Laukk, responsável pela comissão económica da CDU. Merkel está a ganhar uma reputação de eurocéptica devido às suas declarações recentes. Já ameaçou não ir a uma reunião de chefes de Estados europeus se não se acordasse um segundo pacote de ajuda à Grécia.

Entretanto, na Europa, Merkel é acusada de euro-populismo. As suas recentes declarações sobre as reformas e as férias no Sul da Europa não ajudaram. O presidente do banco central alemão Beundesbank, Jens Weidmann disse na semana passada que o governo não tem uma estratégia clara para lidar com a crise da dívida que se avoluma na Europa.

Miguel Portas, o saudoso Miguel Portas, referia, também, no dia 17 de Fevereiro de 2012, que a Alemanha estava a destruir a Grécia e a Europa:

«O projecto europeu está a ser destruído pelo Governo alemão. A ideia de projecto europeu que continha, tal como Portugal quando aderiu à Europa, uma promessa de convergência entre os mais pobres e os mais ricos e entre as nações mais atrasadas e mais desenvolvidas, está a ser traída todos os dias pelo governo alemão que põe e dispõe da Europa a seu bel-prazer».

Referia, ainda, que concordava com a resposta do presidente da República grego, antigo resistente contra a ocupação alemã, e que na quarta-feira passada havia atacado o ministro das Finanças alemão pelas criticas que Wolfgang Schauble tinha feito à Grécia.

«Eu se fosse grego e estivesse submetido à chantagem a que a Grécia está submetida, que é uma chantagem que já chegou ao ponto de mudarem o governo, que não foi eleito por rigorosamente ninguém, e se eu fosse um grego que até tivesse sido da resistência anti-nazi e anti-fascista, confesso que teria um desabafo muito similar ao do presidente da República grega».

Como te compreendi, Miguel Portas! Que falta fazes, Miguel Portas!

Para este grande homem e este grande político, que com a lucidez e inteligência habitual refletia mais uma vez (em Fevereiro deste ano) sobre uma realidade que, agora, cada vez mais se agiganta e oprime os que mais sofrem, a pressão da 'troika', constituída pelo Fundo Monetário Internacional, o Banco Central Europeu e a União Europeia é «inaceitável», acusando a Alemanha de «coordenar» o ataque ao país (e não só à Grécia, como estamos a ver agora, no princípio de Junho!)

Mas o problema também passa, de facto, pela existência de uma maioria de direita no Parlamento Europeu. Sim, também passa por aí.

Quando hoje li que as instituições europeias - Comissão Europeia, o Conselho da União Europeia, o Banco Central Europeu (BCE) e o Eurogrupo -estão a preparar um plano global encomendado pelos líderes da UE, para uma reestruturação "de fundo" da zona euro que deverá ser apresentado no final de Junho, conforme refere o jornal alemão "Welt am Sonntag", citado pela agência EFE, senti que algo ainda podia mudar o curso da desgraça!

É urgente que esse plano saia e que essa restruturação se faça rapidamente, AJUDANDO SEM HUMILHAR MAIS QUEM HUMILHADO QUASE SEMPRE TEM SIDO ao longo da sua História

Os presidentes do Conselho da UE, Herman van Rompuy, da Comissão Europeia, Durão Barroso, do BCE, Mario Draghi e o presidente do Eurogrupo, Jean Claude Juncker terão ficado com esta responsabilidade na última cimeira informal realizada a 23 de maio.

Os líderes das instituições europeias deverão elaborar, segundo o jornal, uma espécie de "roteiro" que afetará a "todos os níveis" a UE.
O objetivo é que o "projeto revolucionário" seja discutido, aprovado e adotado o mais tardar até final do ano.


Van Rompuy, Barroso, Junker e Draghi trabalharão quatro áreas: reformas estruturais, união financeira, união orçamental e união política.
O resultado será uma nova UE, refere o "Welt am Sonntag".


De acordo com o jornal, o plano incluirá medidas concretas para impulsionar o crescimento e não se concentrará unicamente na austeridade, a via preconizada até agora pelo governo de Angela Merkel.

Esperemos que A. Merkel e a sua Alemanha não destruam a Europa pela terceira vez nos últimos 100 anos, como dizia o Dr. Tomas Vasques recentemente na sua pg do Facebook:
"(...) não estamos no dia 31 de Agosto de 1939, nem a chanceler alemã Ângela Merkel se prepara para viajar num carro de combate até Varsóvia. A história não se repete (nem mesmo como farsa, como escreveu Marx), muito menos como reprodução a papel químico, o que nos obriga ao esforço de ver de novo nos factos de hoje o que já aconteceu em outros contextos e com outros ingredientes. Contudo, não ver, hoje, na estratégia europeia congeminada em Berlim e nos relatórios do Ministério da Economia alemã, a renovação da«superioridade» germânica, agora reeditada sobre os povos do sul da Europa, é cegueira indesculpável. É meter a cabeça debaixo da areia, como o fez o primeiro-ministro britânico Chamberlain entre 1937 e 1939. Quando um conceito daninho começa a ganhar espaço, sou de opinião que é preciso denunciá-lo. Ainda estamos, neste momento, a tempo de atalhar caminho.

Não há nenhum Hitler no horizonte, nem incêndios no Reichstag estão à vista. Contudo, a crise que vivemos e o poder e a arrogância do Dinheiro assemelha-se ao que se passou nos anos 30, período de ascensão de muitas ditaduras e de muito sofrimento dos povos de toda a Europa. A moral está pervertida quando alguém que ganha mais de 400 mil euros por ano, sem pagar impostos, grita, sob o olhar condescendente de muito boa gente ou, mesmo, com alguns aplausos, que o povo grego (e também o português, o espanhol, o italiano ou o irlandês) é o culpado de todos os males que nos assolam.
Não denunciar esta perversão de valores, em que o Dinheiro é o herói e os povos sacrificados são os vilões, é meter a cabeça debaixo da areia, como o fez Daladier, primeiro-ministro francês que, com Chamberlain, assinou o pacto de Munique, em 1938.
Não ver a tempo os sinais e as nuvens carregadas de velhas ideias com novas roupagens é meio caminho andado para a desgraça. Depois não venham dizer que não perceberam.

Ainda tenho esperança que prevaleça o bom senso. O bom senso e a justiça! O desejo de Paz e Harmonia para todos e a verdadeira solidariedade económica e social, que, supostamente, deveriam ser dois dos grandes vetores da U.E., jamais arredados de qualquer cimeira ou decisão, seja em que âmbito for ou para quem quer que seja!

De facto, isto assim não pode continuar nem foi para isto que concordei com a adesão do nosso país à, então, Comunidade Económica Europeia.

A ver vamos, claro, alerta!


Nazaré Oliveira

quinta-feira, 31 de maio de 2012

Já não somos um país à beira-mar plantado

 




Já não somos um país à beira-mar plantado mas à beira do abismo entorpecido.

Entorpecido pela estupidez, pela ausência de valores democráticos e de justiça e igualdade social e por uma cidadania absolutamente teórica e passiva que Abril de vergonha já cobriu.

Subsídios para as touradas num país à beira do abismo financeiro!

Vergonhoso! Como as “despesas da corte” ou as mordomias de “certos parceiros sociais” que todos nós conhecemos, alimentados (e bem) como os Vampiros (que continuam) que Zeca Afonso melhor do que ninguém retratou!

No passado dia 21/03/2012 foi publicada no Diário da República a lista dos subsídios atribuídos pelo IFAP no 2.º semestre de 2011, tal como se havia publicado a listagem relativa ao 1.º semestre de 2011 no dia 26/09/2011.

Só no ano de 2011, o IFAP atribuiu subsídios no valor de 9.823.004,34 euros às empresas e membros da“família da tauromaquia”, caso de:

Ortigão Costa -1.236.214,63 €; Lupi - 980.437,77 €; Passanha -735.847,05 €; Palha - 772.579,22 €; Ribeiro Telles -472.777,55 €; Câmara - 915.637,78€; Veiga Teixeira -635.390,94 €; Freixo - 568.929,14€; Cunhal Patrício -172.798,71 €; Brito Paes -441.838,32 €; Pinheiro Caldeira -125.467,45 €; Dias Coutinho -389.712,42 €; Cortes de Moura -313.676,87 €; Rego Botelho -420.673,80 €; Cardoso Charrua - 80.759,12€; Romão Moura -248.378,56 €; Brito Vinhas -53.686,78 €; Romão Tenório -283.173,89 €; Sousa Cabral -318.257,79 €; Varela Crujo -188.957,35 €: Assunção Coimbra -330.789,44 €; Murteira -137.019,76 €...

Anda gente a morrer de fome, andam os canis municipais a matar cães e gatos porque não têm mais espaço para os acolher e há 10 milhões de euros aplicados na tourada só no ano de 2011!

E os reformados e doentes crónicos que nem dinheiro têm para pagar os medicamentos e consultas ou taxas moderadoras?

E os Bombeiros, sem meios fundamentais para o combate aos incêndios e até gasóleo?

E as Escolas e Hospitais com falta de pessoal e equipamentos básicos?

E as esquadras da polícia, com carros enfiados em garagens porque não há verba para os arranjar?

E os salários da esmagadora maioria do povo português?

“E as crianças, Senhor?”

Já há crianças a ir para as escolas sem tomar o pequeno-almoço porque há famílias cuja prioridade é pagar a renda para não dormirem na rua! E que mal comem porque dinheiro não têm ou não chega!

Foram cortados subsídios de Natal, de férias… faz-se de conta que a austeridade está a ser para todos e que está a ser repartida com justeza para pagar a dívida portuguesa ao estrangeiro. Que bluf!!!

“Oh glória de mandar, oh vã cobiça!”

Não há dinheiro para nada mas há 10 MILHÕES DE EUROS para a tauromaquia só num ano!

Que nojo!

Que vómito, este, em que o país mergulhou!

Nazaré Oliveira

Novo carro do nosso Primeiro-Ministro


140.000 euros (ou mais!).
Exigências da troika (qual troika?). "Apertar o cinto"? Quem?
"Os piegas", claro!

Já não há pachorra que aguente isto!
Nem pachorra nem argumentos!

Estamos sem esperança, sem futuro, só com presente

Quanto tempo Portugal vai estar assim? Não sei, mas suspeito que muito tempo, tempo de mais. "Assim" é como estamos agora, sem esperança, sem futuro, só com presente. Um presente longo, demasiado longo para alguns.


A pergunta é tudo menos técnica, é "social" no seu mais fundo sentido. Pode ser feita por um jovem de 20 anos ou por um homem ou mulher de 40 anos, e, embora a margem de manobra de cada um seja diferente, é a sua vida que depende da resposta, é a sua vida que, se ficar encalhada no presente, fica mal. A pergunta é humanista, num sentido que já não se usa, é uma pergunta que nasce da condição humana, e de pensar sobre disciplinas malditas dos dias de hoje como a História, ou a Literatura, ou a Política, ou a Filosofia.


Tudo coisas que passaram de moda, e que são, para a nossa elite, expendable, inúteis. É típico dos tempos fartos prescindir do pensar, e é por isso irónico que os defensores do primado da economia como "inevitabilidade" (uma típica ideia marxista), e que proclamam as virtudes das vacas magras, mantenham na sua cabeça um típico sinal dos tempos das vacas gordas: o de que não é preciso pensar porque a vida "real" tem a ver com os dilemas que acham simples do produzir e do gastar.


Esta e outras perguntas que é necessário fazer a partir da complexidade do humano, pensado em sociedades em que há a escolha cultural da democracia, remetem de imediato para dilemas éticos, que estão no cerne dessa escolha. Ora, muitos dos dilemas que defronta hoje a sociedade portuguesa são do domínio da ética, e raras vezes os vejo tratados como tais. E para os enunciar, mesmo antes de os tratar, não precisamos de nenhuma proclamação da verdade revelada, nem de nenhum moralismo. É apenas necessária vontade de verdade.


Quanto tempo Portugal vai estar assim? Começa porque este é um dilema do homem comum, não é um dilema para a classe dirigente, nem para a elite do poder, nem para quem tem suficiente folga para escapar com poucos estragos aos tempos de crise. A pergunta só é crucial para alguns, não é para todos e é por isso que o "quanto tempo" só é um problema para quem não vive bem, ou vive cada vez pior. E estamos no primeiro dos dilemas éticos que torna ridícula a comparação churchilliana que às vezes aparece nos discursos dos governantes, atraídos pela retórica do "sangue, suor e lágrimas", sem terem que derramar uma gota, nem fazer um esforço, nem chorar uma lágrima.

O que dá grandeza à tragédia da guerra que Churchill conduziu é que todas as personagens que estão no palco partilham o mesmo risco. Há uma "unidade de perigo", uma consistência no risco comum, a que ninguém escapa. É isto que faz nas guerras os grandes militares que comandam da frente, e dos dirigentes políticos que colocam a cabeça num cepo que não é apenas perder as próximas eleições. Não é o "protagonismo", nem a "liderança", nem o abastardamento da palavra "carisma", nem as palavras de um "politiquês" feito de carreiras políticas profissionais nos interstícios partidários e dos negócios. É a consciência da comunidade, algo de muito raro e muito difícil de conseguir, e que tem a condição sine qua non da partilha do risco. Ora, na actual crise, há demasiadas excepções e as excepções são sempre para os "mesmos" para se forjar um sentimento do "nós".


O resultado é um abismo psicológico cada vez maior que vai tornar Portugal numa sociedade ainda mais dual do que já era, duas partes que sentem diferente, agem diferente e vivem diferente. Numa sociedade já muito deslaçada e fragmentada, este abismo entre pessoas e grupos sociais vai coalescer os fragmentos, um para cada lado, mas não os vai aproximar. É caso dos "novos pobres", que se vão aproximar dos pobres, vão viver como eles, mas não são como eles.


Parte importante da chamada "classe média" está a soçobrar numa pobreza para a qual está longe de estar preparada e adaptada. Aliás, se há coisa para que não há "ajustamento", é a pobreza. Por isso me revolta considerar-se que o empobrecimento é apenas uma "mudança de hábitos", como se subitamente as pessoas escolhessem comer frango em vez de outra carne porque acreditam nas virtudes de poupar, ou como forma de punição por antes "viverem acima das suas posses". Não, as pessoas que passaram a comprar frango de aviário não estão a "adaptar-se", estão pura e simplesmente a escolher não o que desejam, mas o que podem comprar. Um dos dilemas morais dos nossos dias está na obrigação de recusar uma linguagem que impregna os actos de muita gente de culpa e submissão, redimida pela pobreza, como se houvesse qualquer valor moral na pura necessidade.


"Os portugueses têm que aceitar viver de outra maneira". Claro que têm, mas esta frase só pode ser dita se considerarmos que o fazem por necessidade e não por escolha, e que nem todos o fazem. Não há "unidade do perigo", insisto, não é para todos. Esta absurda ideia, talvez aquela que mais legitima a linguagem do poder e a que mais interioriza a culpa - daí a sua eficácia - é a de que um festim colectivo de abundância, de crédito fácil, de dinheiro distribuído a rodos, de benesses várias do Estado, é o principal culpado da actual situação. E o culpado é o homem comum, são aqueles que o "ajustamento" mais ataca para os remeter à sua original condição de pobres, de que nunca deveriam ter saído.


Se é daqui que temos que partir, então vamos encontrar muitos outros "culpados" antes de chegar à família que comprou os sofás, ou que foi de férias, com crédito de consumo, ou comprou casa com dinheiro emprestado da banca. Temos que ir aos bancos que concederam esse crédito porque isso lhes trazia lucro, aos políticos que fizeram toda uma política assente nesta falsa prosperidade, e aos economistas que, então como agora, justificam o presente pela sua inevitabilidade.


Quando ouço falar do "festim do crédito", quem é que é responsável pelo "festim"? Quem deu a festa para recolher lucros, ou participou nela para ter vida mais fácil? A resposta justa é: pelo menos os dois. A injustiça da resposta é que só um aparece como "culpado" do "festim", e só um lhe paga os custos. E se falarmos mesmo dos muitos milhares de milhões que constituem a dívida nacional, que hoje é apontada como um fardo moral para os pobres que "viveram acima das suas posses", com esse plural majestático do "nós", em "nós vivemos acima das nossas posses", eles não foram certamente para o bolso das pessoas comuns que hoje lhes pagam o custo. Não foram os pobres, nem os funcionários públicos, nem a classe média baixa que fez as PPP. O discurso do poder é todo feito para culpabilizar os de baixo, enquanto quase pede desculpa para moderar um pouco os de cima. A resposta dos de baixo é uma rasoira populista e igualitária, que também não promete nada de bom para o futuro.

Há uns imbecis que dizem que falar assim é falar como o Bloco de Esquerda. Não, falar assim é falar como deveriam falar todos aqueles que não vêem a realidade com os olhos do poder e das ideias da moda, e que se esforçam por perceber o sentido último da política em democracia: as pessoas só têm uma vida, e, estragada essa vida, não há outra. É laica a política em democracia, vive da vida terrestre não da vida celeste. E se isso não é a pulsão da política em democracia, o bem comum e concreto das pessoas, então a democracia não sobrevive. Não tenho feitio para Catão, e tudo o que aqui é dito é mais que moderado e devia ser, se não andássemos todos virados para as explicações simplistas e para os slogans dicotómicos dos blogues, sensato. Aliás, a grande traição do PSD, do PS e do CDS é terem deitado fora, ofuscados pelo poder, todas as raízes humanistas, sociais, liberais, e cristãs, do seu pensamento e, pior ainda, do seu "sentimento".


É por isso que anda um Portugal lá fora desiludido, revoltado, deprimido, sem esperança, nem sentido, que, ou cai na mais completa anomia e submissão, ou esbraceja sem sentido contra tudo e contra todos. E a grande tragédia da política democrática é que essas pessoas estão sós, não contam com ninguém a não ser com os restos que ainda subsistem de genuína solidariedade social, e do que sobra da família, estilhaçada pela engenharia "fracturante" das últimas décadas. A elite dirigente, política e económica, sabe pouco desse sentimento de solidão, e, pior ainda, sabe cada vez menos, porque os modos de vida se separam todos os dias, entre o conforto do poder e a devastação da pobreza. O rasgão que isto está a fazer num Portugal já muito puído será muito difícil de remendar.


 
JPP (Versão do Público de 28 de Abril de 2012)

Sinais de esperança em África

Já se escreveram bibliotecas inteiras para tentar responder à pergunta: por que será que umas economias se desenvolvem e outras não?

A verdade é que ainda não foi dada uma resposta satisfatória à questão. Por isso continuam a publicar-se livros procurando mostrar que o desenvolvimento económico depende deste ou daquele factor.

Quando a Revolução Industrial aconteceu na Grã-Bretanha, abrindo caminho a uma historicamente inédita aceleração do crescimento económico, era frequente explicar esta mudança radical pelo carvão que aquele país possuía em abundância. Essa fonte energética (ainda hoje importante, nomeadamente na China), aliada a descobertas como a da máquina a vapor, revolucionou a actividade fabril.

Mas no século XX o Japão industrializou-se, sem ter qualquer fonte própria de energia. Ao invés, a China tinha descoberto a imprensa, a pólvora, o papel, o compasso, etc., muitos séculos antes da Revolução Industrial britânica, mas nunca lhes deu aplicação prática. Hoje, por outro lado, a China surpreende os que ligam o crescimento económico à democracia, que ali não existe.

Há décadas salientava-se a importância do capital e da tecnologia para tirar do subdesenvolvimento o então chamado terceiro mundo. Mas as fortunas gastas em ajuda externa ao desenvolvimento não tiveram retorno à altura. E poderiam multiplicar-se os exemplos de explicações para o desenvolvimento ou para a falta dele, que afinal explicam pouco.

 Mas há coisas evidentes. Só por milagre conseguiria crescer economicamente um continente marcado por guerras constantes, por incapacidade e corrupção dos governantes, por doenças altamente mortíferas (malária, SIDA, etc.). Foi um pouco disto que aconteceu em grande parte de África depois da descolonização.

A boa notícia é que, hoje, África dá indícios de deixar de ser o continente onde o desenvolvimento económico parecia não querer chegar. Após décadas de fraco crescimento, nos últimos dez anos seis dos dez países que mais cresceram no mundo foram africanos. Em oito desses dez anos, África cresceu mais do que a Ásia oriental (incluindo o Japão). O FMI prevê que a economia africana cresça cerca de 6% este ano.

É verdade que estas taxas de crescimento partem de bases muito baixas. A maioria dos africanos ainda vive com menos de dois dólares por dia. E a produção alimentar por cabeça em África é agora inferior à registada na altura da independência da maioria dos países daquele continente. Ou seja, a fome continua a afligir grande parte da população africana. E continua a haver casos gritantes de destruição da economia por culpa dos governantes, como acontece no Zimbabué, com o ditador Mugabe.

Mas os sinais de mudança são significativos. A pobreza diminuiu em África após 2005. Segundo o Standard Bank, existem hoje 60 milhões de africanos com 3 mil dólares de rendimento anual; em 2015 deverão ser 100 milhões. Começa a haver classe média em África.

E não se trata só de explorar recursos naturais. Apenas um quarto do crescimento africano entre 2000 e 2008 resultou da subida do preço das matérias primas, como o petróleo. A indústria e os serviços começam a ter expressão.

Um continente que parecia alheio à globalização está agora, finalmente, a integrar-se nela. Desde 2000 o comércio de África com o resto do mundo subiu 200%. Também aumentaram as trocas entre países africanos. Assim como o investimento directo estrangeiro, atenuando a crónica falta de capitais. Para Teresa Pinto Coelho, do Fundo BPI África, este continente «tem vindo a criar condições para ser o principal destino do investimento a nível mundial».

A tecnologia também conta aqui: mais de 600 milhões de africanos utilizam o telemóvel, o que ajuda a melhorar a produtividade. Mas, sem pretender ter descoberto o ‘segredo’ do desenvolvimento económico, parece claro, como referiu recentemente The Economist, que boa parte das mudanças em África tem a ver com alguns passos positivos que ali foram dados no sentido da paz e de uma governação decente.

Francisco Sarsfield Cabral, 26 de Março, 2012