sábado, 13 de agosto de 2011

13 de Agosto de 1961 - Muro de Berlim

A luta pela liberdade no continente europeu parece, pouco a pouco, destinada a fazer parte das estantes da história europeia. 13de Agosto de 1961 constitui uma data sombria da Europa no período da Guerra Fria.

A então República Democrática Alemã (RDA) ou Alemanha Oriental (como também era conhecida) iniciava a construção do tristemente célebre muro de Berlim.

Durante quase três décadas, as largas dezenas de quilómetros de barreiras físicas, arame farpado, torres de controlo, minas e guardas fronteiriços da RDA que circundavam Berlim ocidental tornaram-se um símbolo vivo e sangrento da divisão europeia e do elevado preço da liberdade por que almejavam muitos cidadãos da ex-RDA. Muitos deles pagaram com a própria vida a tentativa de escapar de Berlim oriental para alcançar a liberdade no lado ocidental. Para eles, a liberdade tornou-se um preço demasiado elevado. Desde o fim da Segunda Guerra Mundial (1945) que a Europa se encontrava dividida, estando parte dela por detrás de uma cortina de ferro, expressão apropriadamente utilizada por Winston Churchill. Neste contexto, a cidade de Berlim já se tinha tornado o epicentro de enormes tensões entre o bloco ocidental (liderado pelos Estados Unidos) e o oriental (liderado pela então União Soviética). Basta relembrar o bloqueio de Berlim (1948-1949) em que os países ocidentais tiveram de lançar mão de uma gigantesca e arrojada ponte aérea para fornecer bens alimentares e de primeira necessidade à população berlinense sitiada. Mas o muro de Berlim - cuja construção foi iniciada em Agosto de 1961 - passou a ser o símbolo por excelência da divisão europeia e da falta de liberdade dos alemães de Leste e dos restantes povos europeus por detrás da cortina de ferro.

A bandeira da liberdade iria servir de mote ao discurso do Presidente norte-americano, John F. Kennedy, quando, em 1963, visitou a cidade sitiada e para gáudio da multidão que o ouvia, declarou: Ich bin ein Berliner (eu sou um cidadão de Berlim), enfatizando deste modo o apego aos valores da liberdade e dando nota do empenho dos Estados Unidos em apoiar a cidade de Berlim contra a adversidade totalitária. Nessa altura, a democracia e a liberdade ainda eram bens raros para muitos europeus.

A queda do muro de Berlim, a 9 de Novembro de 1989, desencadeou uma reconfiguração do velho continente.

A 3 de Outubro de 1990, oficializa-se a reunificação alemã. Helmut Kohl tornou-se no líder da Alemanha reunificada. Sucedeu-lhe mais tarde Gerhard Schroder, de 1998 a 2005. Depois, Angela Merkel, cuja carreira política muito deve a Helmut Kohl, que a integrou nos seus governos logo após a reunificação. A Alemanha ganhou um protagonismo acrescido na cena internacional e no processo de construção europeia em particular.

Após a queda do muro de Berlim, foi-se assistindo ao desabamento do bloco soviético e à rápida democratização e liberalização de países europeus que, durante cerca de meio século, tinham estado debaixo da cortina de ferro. Porém, mais de vinte anos após a queda do muro, Berlim não é tanto o símbolo da liberdade evocada nos anos sessenta, mas antes o de uma capital cosmopolita símbolo do poder económico e financeiro que dita as grandes linhas da política europeia e até mundial.

A luta pela liberdade no continente europeu parece, pouco a pouco, destinada a fazer parte das estantes da história europeia. Simplesmente é a própria história quem ensina que a liberdade e a democracia não estão imunes a ameaças, podendo sucumbir perante forças adversas. Por vezes, a liberdade tem um preço bastante elevado, preço esse que muitos se dispuseram a pagar ao procurar atravessar o fortificado muro de Berlim. Talvez, por isso, valha a pena evocar o dia 13 de Agosto de 1961 como (mais) uma data funesta da divisão do continente europeu e da construção de um muro opressor dos povos livres.

quinta-feira, 11 de agosto de 2011

Ética e Política

Preliminar

O presente artigo não é um texto académico composto em linguagem de rigor filosófico, mas reflete um propósito que é mais de convocação ao interesse geral sobre um tema tão rico quanto importante para (…) os dias correntes (…).

Ética é um dos grandes capítulos em que se divide o pensar do ser humano desde os primórdios da filosofia, na Grécia Antiga. E desde essa origem a ética teve e tem uma íntima ligação com a política, chegando mesmo a uma quase identificação naquele momento da Antiguidade. É que ética é um conceito Iminentemente ligado ao coletivo seja esse coletivo a corporação (o caso das éticas profissionais), a nação ou a humanidade (onde se colocam todas as questões dos direitos humanos). Assim é que a filosofia política foi sempre tratada dentro do grande capítulo da ética que, com a física (e a metafísica) e a lógica, compunham o quadro geral da filosofia na Antiguidade.

O conceito de ética é também algo estreitamento vinculado ao sentimento dos povos, ao seu modo de viver e aos seus costumes, como indica a raiz grega da palavra (ethos), e tem naturalmente evoluído no seu conteúdo, como evoluem esses costumes ao longo do tempo e da história. As éticas de hoje são em vários aspectos profundamente diferentes das antigas, e a forma de encarar a escravidão é provavelmente o exemplo mais conspícuo dessas diferenças que abrangem muitos outros aspectos relevantes. Os antigos não conheciam, por exemplo, nenhuma ética da humanidade e um dos seus princípios de virtude era o de fazer o mal aos povos inimigos.

Quanto à política, a sua ideia se desdobra em dois conceitos diferentes que convivem quotidianamente na opinião dos cidadãos e na motivação da ação dos políticos: um é o de que a política, a mais nobre das ocupações humanas, é o empenho na realização do bem comum, do bem da coletividade ao qual se aplica como a um propósito final; é a concepção de Platão e de Aristóteles, dos filósofos pregos que a explicitaram na sua polémica de afirmação da filosofia (que se confundia para eles com a política), contra o pragmatismo dos sofistas e dos retóricos que ensinavam a linguagem eficaz para o manejo das assembleias e das funções políticas. O outro é o de que a política é a arte e a sabedoria de conquistar e de manter estável o poder; o fazer o bem; nesta visão, não é propriamente um fim, mas um meio de ganhar o apoio dos cidadãos para a conservação e a estabilização do poder, empregado em paralelo com outros meios também válidos, como o marketing, o controle da mídia, o clientelismo, o populismo e até mesmo a mentira, a violência e a corrupção. Este é o conceito derivado das interpretações mais correntes dos conselhos de Maquiavel e é o que melhor se enquadra nas concepções da ciência política moderna, entendida a ciência como conhecimento neutro, isto é, destacado de qualquer consideração de natureza ética.

Ambos os conceitos são correntes no mundo e nos tempos, tendendo a prevalecer, no geral, o "realismo" do segundo. Assim é que, entre nós, contemporaneamente, a virtude mais popular da política é a esperteza, que a linguagem simples tem chamado de "jogo de cintura", juntamente com a coragem, macheza ou ousadia; qualidade das quais nasce a confiança no político, como alguém capaz de bem dirigir o povo com pulso e habilidade. A ideia do bem, entretanto, estará sempre presente e importante, a fazer a crítica permanente do pragmatismo, impedindo o poder de violar certos limites ditados pela ética e levando-o mesmo a fazer concessões a muitas de suas postulações, ainda que vistas frequentemente como românticas ou quixotescos. E o propósito do bem, a sua busca pela política, tende a ganhar dimensão de hegemonia nos momentos de crise grave que abale os fundamentos éticos da sociedade, gerando verdadeiros momentos revolucionários que operam profundas transformações político-sociais.

As relações da ética com a política se dão principalmente em três vertentes, quais sejam, as relações de conflito, as de convergência ou encontro e aquelas que se desdobram numa dialética de condicionamento ou de iluminação.

Relações de Conflito

Um primeiro campo de relacionamento, que tem sempre suscitado mais interesse nas especulações e nos debates que se travam sobre o tema, é o dos conflitos entre os princípios da ética e a realidade da política.

Formou-se neste campo uma verdadeira dialética do pragmatismo dos fins com o dever dos meios que assumiu formas diversas ao curso da história. Na Antiguidade, a critica pela perspectiva da ética era feita pelos filósofos em nome do ideal da "vida digna" sobre as políticas dos governantes que buscavam a glória e especialmente dos tiranos que exerciam o poder por cima das leis. Na Idade Média, o objetivo do pragmatismo estava ligado a estabilidade dos reinas e à glória dos príncipes, enquanto a critica pela perspectiva ética era feita em nome dos princípios da moral cristã que deviam pautar os "bons governos". Na modernidade, o eixo do pragmatismo transferiu-se para a eficácia vista pela ótica do económico, enquanto a critica ética se fundava nas ideologias da igualdade económica e da justiça social.

Assim, ética e política sempre tiveram uma intensa relação dialética de conflito, na convivência, variando os termos e os temas desse confronto. Entre esses temas, sempre se ressaltou o da mentira política, como uma espécie de agressão mais aceitável aos princípios morais. Platão, por exemplo, dava aos médicos e aos políticos o direito ao uso da "mentira útil", aquela capaz de agir como um fármaco sobre os indivíduos e sobre a pólis em estado de doença. Modernamente, a polémica da mentira e da verdade se tem situado em torno do conceito da "razão de Estado" que se originou nas relações de diplomacia entre os Estados monárquicos e se estendeu às relações governantes-súditos, significando projetos e informações que tinham de ser mentidos em segredo nos círculos mais íntimos do poder. Negar peremptoriamente a existência de um projeto ou dispositivo de defesa que não pode ser conhecido é um caso típico, a manutenção de segredos militares; forjar imagem negativa de uma nação inimiga ou do seu líder é outro. Muito além do uso da mentira, casos bem mais graves de violação de princípios morais, como o assassinato de inimigos perigosos, são cometidos secretamente em nome dessas razões de Estado e, quando revelados posteriormente, podem ser compreendidos e até aceitos por grande parte da opinião corrente, desde que justificados com a apresentação de um fim que possa ser considerado eticamente mais forte, como a defesa da nação ameaçada. Tal aceitação, todavia, nunca é consensual, mesmo nos casos mais leves, e sempre suscita reações e críticas que fazem do conceito de "razões de Estado" motivo de muita polémica e contestação.

O uso da mentira nas ações políticas pode também ultrapassar o conjunto dos casos caracterizadamente decorrentes de "razão de Estado" e continuar tendo aceitação, muitas vezes até mais consensual, sob o ponto de vista da critica feita segundo a ética. Por analogia, poder-se-ia invocar para esses casos uma justificativa reconhecida como "razão de Governo". Exemplo típico é o de um congelamento de preços, ou qualquer outra medida de governo que não possa ser conhecida com antecedência, sob pena de provocar especulações e manobras destruidoras dos efeitos intentados; a negação desses atos pelo governante até o dia em que são decretados é uma mentira política bastante aceitável pelos critérios éticos correntes, desde que explicada imediatamente após pelos próprios fatos.

A dialética da política com a mentira tem ainda outras áreas de contato, a atividade política necessariamente tem uma dimensão que é o "fazer imagem", construir e cultivar a imagem do líder, a imagem do candidato, a imagem do partido, algo que fácil e corretamente escorrega para o "forjar imagem", com o sentido de forçar os limites da verdade, e se confunde frequentemente com a impostura e a mentira útil para o forjador. É sabido que a política lida muito com "versões", e não tanto com verdades científicas, cujo estabelecimento é missão da história, com seus métodos e sua perspectiva de tempo. A versão é um tipo de informação imediata e oportunista, naturalmente sujeita ao erro e ao equívoco, podendo resvalar com frequência para a mentira fazedora de imagem, sem que seja fácil detectar a intenção maldosa. Dentro desta mesma área de contato, colocam-se também os esforços de mobilização para adesões populares de sustentação a posições de governo ou de oposição, que trabalham com versões, com compromissos apenas relativos com a verdade, com promessas sabidamente irrealizáveis, buscando antes a eficácia no que concerne aos objetivos colimados.

O entendimento que compatibiliza esses conflitos da ética com a política é o de que ambos os conceitos tem tudo a ver com a vida humana, com o Ser do homem em sociedade, e este Ser recusa qualquer tipo de enclausuramento dentro de princípios absolutamente rígidos. Se a moral, no âmbito do indivíduo, admite margens de flexibilidade no que respeita aos seus princípios (e só na teoria aceita os imperativos categóricos, não obstante a enorme lucidez de Kant para mostrar que não existe diferença entre teoria e prática), a ética, que preside as ações na perspectiva da coletividade, invoca tantas vezes a razão, atributo essencial desse Ser, a fim de validar margens de tolerância para as ações políticas, sem que tenha de renunciar ou abrir mão de seus princípios, simplesmente flexibilizando-os. Não seria preciso chamar Hegel para compreender a força racional dessas realidades.

Há formas e feições desses conflitos que são específicas do funcionamento da democracia representativa que se vai consolidando como sistema político em todas as partes do mundo. É o caso, por exemplo, da promessa política, usada, larga e genericamente, de maneira mais ou menos ética, como meio de conquista do voto, que é a via de legitimação própria do sistema. A promessa, que o mais das vezes é uma demanda do próprio eleitor (e por isso tão intensamente usada), decorre da necessidade humana de alimentar expectativas existenciais positivas e assume formas extensamente variáveis no que tango à possibilidade de compatibilização com a ética, desde aquelas realistas e lícitas, feitas com o propósito de cumprimento, até as que envolvem favores pessoais particulares e não divulgáveis (mesmo cumpridas), e as falsas promessas, que se enquadram no capítulo da mentira política, mas sem nenhuma relação ou justificação possível sob argumentos de razões de Estado ou de Governo.

A  promessa aqui referida é a que se dirige a indivíduos ou a grupos constitutivos da clientela do candidato, não é a promessa ligada a compromissos programáticos ou de governo, apresentada ao todo da comunidade eleitora. Esta é verdadeiramente uma exigência da representação e da democracia, embora ela também possa frequentemente resvalar para a mentira, pela via da demagogia, e tornar-se incompatível com a ética.

Outras questões do regime democrático dizem respeito à compartimentação de representação política pelo corporativismo e à tendência manifesta nas democracias modernas ao desinteresse crescente da população em relação à esfera das coisas públicas, desinteresse mesmo pelo que concerne ao destino nacional respectivo. Penso que esta é uma questão que também tem a ver com a ética: a constatação de que a preocupação absolutamente predominante em assegurar as franquias e direitos da esfera da sociedade civil, e a exacerbação das disputas típicas das sociedades de mercado, as disputas de interesses legítimas dentro desta esfera (sociedade civil), como que vão amesquinhando a ética eminentemente política, a Ética de Hegel, e gradativamente substituindo-a pela ética do Gerson, para usar o jargão que o nosso povo entende. E a ética não pode ficar contida na esfera da vida privada em seus confrontos, a ética não se separa da política, da esfera da vida pública. A ética é política, é matéria pública, ou não é ética, pode ser moral, conjunto necessário de princípios das ações individuais. Logo adiante voltarei a comentar este ponto tão relevante.

E, ainda nessa abordagem de questões específicas do sistema democrático, há finalmente os que pretendem afirmar a relativa falta de importância de qualquer ética de valores universais (de fundo racionalista ou religioso) no mundo pós-moderno, sustentando, pragmaticamente, que o que é relevante é o respeito às normas positivas da democracia liberal, verdadeira garantia da boa convivência entre os homens em todos os sentidos.

Todavia, o avanço e a consolidação da democracia neste final de século vão produzindo, também, em contrapartida, linhas de pensamento que parecem impor-se progressivamente, constituindo uma tendência a resolver esses conflitos cada vez mais em favor da ética. No que tange à mentira política sob todas as suas formas, incluindo as variantes da promessa, crescem as exigências da chamada "transparência" de todas as ações públicas, políticas e governamentais, sendo cada vez mais o direito à verdade visto como condição necessária à efetivação da liberdade de opinião consagrada em todas as constituições, na medida em que, sem a informação completa e correta, não pode haver opinião no sentido pleno da expressão, no sentido compreendido por essas constituições.

No que toca aos aspectos ligados ao desinteresse pela política e ao menosprezo pelos princípios éticos na dimensão coletiva, a contrapartida vem da crítica ao que se pode chamar de "democracia de resultados" e da conseqüente exigência de novas formas de democracia mais participacionistas e menos "representativas" na acepção clássica do liberalismo.

Entretanto, se é possível inferir ou vislumbrar uma tendência ao encontro da ética com a política na evolução da democracia, este será um encontro a muito longo prazo, um encontro de tipo assintótico (?), não o encontro imediato e historicamente momentâneo, tratado a seguir.

Relações de Reencontro

Assassinos em massa




O presidente do Sudão, al-Bashir, é um dos piores assassinos em massa do mundo.

Denunciado pelo Tribunal Penal Internacional por genocídio, massacrou durante 20 anos, repetidamente, comunidades inteiras que lutaram para o retirar do poder.

Bombardeou sem dó nem piedade mulheres e crianças nas montanhas Nuba enquanto os seus soldados, de porta em porta, iam degolando famílias inteiras.

O mundo, as grandes potências mundiais, têm tido uma posição demasiado contemplativa face a estes “Hitlers” e às suas políticas altamente repressivas e criminosas. E tudo, mais uma vez, por causa do “ouro negro”, do “sagrado petróleo” controlado pelo governo sudanês.

Têm reservas de petróleo, riqueza, mas um povo faminto e paupérrimo, um povo moribundo.

As imagens que nos chegam destes ditadores e das suas acções contra o próprio povo em nome das oligarquias reinantes, particularmente na África e Médio Oriente, deviam levar-nos a pensar que uma outra diplomacia internacional terá de ser encetada em nome da democracia, da liberdade, do direito a uma vida com paz para todos e a uma existência digna.

Nada deverá impedir que os países com mais capacidade de intervenção e de organização ajudem esta gente no combate a criminosos e ladrões como al-Bashir e tantos al-Bashirs por esse mundo fora.

Um combate para o qual todos devem estar sempre alerta, sob pena de desaprendermos a lição que a História nos ensina todos os dias e que tantas vezes desvalorizamos, seja nos jornais, nas TVs, nas aulas, nos emails que recebemos.

É revoltante ver morrer inocentes às mãos dos seus próprios governantes e das impunidades de que gozam.

Prepotentes, matam o seu próprio povo com armas mas também com a fome, a sede, a falta de investimento e a não exploração sustentada dos seus recursos naturais dos quais só os próprios beneficiam - uma minoria!

Fome de alimentos mas também de justiça.

É impossível imaginar o desespero e o terror que estes povos sofrem nas mãos destes ditadores mas não é impossível combatê-los.

Nazaré Oliveira

FONTES:

Genocídio e limpeza étnica ameaçam Sudão
Exército do Sudão do Norte é acusado de cometer assassinatos étnicos



Sadismo, crueldade, morte... Nada os faz parar


  
 
 




Ovacionam golpes mortais desferidos sem piedade no corpo de quem mal nunca lhes fez e que, ainda que lhes fizesse, em sua defesa seria, certamente.

Ao que leva a fome de sadismo e a crueldade!

Num cenário de dor e martírio ninguém tem compaixão.

Ninguém vê no outro um ser que também sente o medo e o pressentimento de um fim que se aproxima e que traiçoeiramente lhe tinham reservado.

Ninguém ousa ser alguém. Alguém com dignidade.

Embriagados com o sangue quente que borbulha e escorre pelo lombo do animal, a histeria da multidão não deixa que se ouçam os seus urros de dor a cada ferro espetado, fundo, bem fundo, rasgando a carne lentamente, muito lentamente, no seu corpo violentado e cada vez mais enfraquecido por uma luta desigual que lhe rompe as entranhas.

“Touro! Oh touro”, gritam-lhe ao longe.

Fintam-no. Gozam-no. Desesperadamente, investe como quem descobre o quanto enganado e usado foi. Mas é tarde!

O sangue inunda-lhe já os pulmões, a garganta, o peito, as narinas. Fraquejam-lhe as patas. Ajoelha. Mas nada pára os seus carrascos. Nada os faz parar.

Nem os que estão na arena nem os que estão nas bancadas.

O corpo magnífico do animal estremece cada vez mais e enfraquece em cada investida que faz.

Agonizante, olha o carrasco como quem pede clemência.

Busca, aterrorizado, um canto, uma pausa, um momento de paz que não achará.

Parado na imensidão cruel daquele círculo infernal que o aprisiona, cai pesadamente sobre a terra marcada pela dor e pela crueldade.

Ninguém lhe vale.

À sua volta, gente enlouquecida e excitada com a visão de uma tortura que à morte levará.

Resiste, corajosamente resiste, uma e outra vez, enquanto a música estridente acompanha o princípio do seu fim e galvaniza a multidão.

Fraquejam-lhe as patas dianteiras. O seu olhar é já escuridão e do seu peito, ainda, um sopro de vida que a custo sustém.

Contorce-se com dor, prende-se-lhe a saliva, o sangue sufoca-o cada vez mais e tenta desesperadamente soltar “os ferros” que o rasgam por fora e por dentro.

O seu corpo tomba devagar, penosamente devagar, sobre a terra manchada de sangue vivo, vermelho, mas que revoltada negro o tornou. 

Completamente agonizante, perdido no meio da multidão sádica que de pé lhe sorri e lhe acena, já não ouve, não pede, não sente.

O seu olhar já tem o brilho da morte.



Nazaré oliveira