terça-feira, 26 de julho de 2011

Século XX - 100 anos de genocídio

Desde os primórdios das civilizações que a brutalidade, as atrocidades e o extermínio de etnias faziam parte da formação dos impérios.
Os grandes impérios surgiram da dominação e conquista de vários povos e reinos menores e, a crueldade do povo dominante sobre o dominado não tinha limites, sendo vista como parte do mecanismo da conquista e, mesmo na antiguidade, costumava-se escravizar os povos dominados.

A colonização dos novos continentes foi feita à custa do extermínio de vários povos e culturas. Assim, assistiu-se aos extermínios dos índios do Brasil e da América do Norte, das civilizações andinas, de quase toda a população dos aborígenes da Oceania.
O flagelo dessas culturas era visto como um mal necessário para o desenvolvimento intelectual e religioso das novas terras conquistadas mas com a evolução da ética nas civilizações modernas, os conceitos morais foram revistos e a moral dominante dos estados reinventada (certos costumes morais de dominação de estado e poder passaram a ser vistos como vergonhosos e como crimes contra a humanidade).

O Conceito de Genocídio

Até à Segunda Guerra Mundial, que impulsionou o fim do colonialismo, a barbárie sobre um povo tido como inferior ou gentio era justificada e aceite moralmente.
Diante das atrocidades da Alemanha nazi, surgiu, finalmente, o conceito de genocídio. O termo genocídio, do grego genos, raça e do latim caedere, matar, que nos dicionários é descrito como “destruição metódica de um grupo étnico, pela exterminação dos seus indivíduos”.

Foi criado em 1944 por Raphael Lemkin, um judeu polaco especialista em Direito Internacional. Já o século XX ia longo em perseguições e extermínios quando Lemkin criou a palavra genocídio.
Na década de 1930 Lemki alertou o mundo para as intenções de Hitler, mas foi ridicularizado. Refugiou-se nos Estados Unidos em 1941, sem conseguir apoio da comunidade internacional que protegesse os judeus perseguidos na Europa.

Esta palavra serviu para enquadrar a terminologia adotada pelas Nações Unidas na Convenção sobre o Genocídio, de 9 de dezembro de 1948. Desde então, os crimes de genocídio foram tipificados e as punições para os mesmos foram previstas.

A convenção da ONU explicitou o genocídio:
são atos de genocídio todos os que sejam cometidos com a intenção de destruir, total ou parcialmente, um grupo nacional, étnico, racial ou religioso.

Mesmo depois do genocídio ter sido tipificado como crime, a violência contra os que são ou pensam de modo diferente não deixou de existir.
O Século XX mal expirou e deixou como herança o estigma de ter sido o século dos genocídios, onde a evolução tecnológica e ideológica do estado moderno possibilitaram o requinte e o aprimoramento das técnicas de extermínio de povos vistos como diferentes e ameaçadores aos interesses do estado.
Académicos como Zigniew Brzezinski estimam que 187 milhões de pessoas foram mortas ou abandonadas à morte no Século XX - no total, 16 a 17 milhões de pessoas foram vítimas de atos de intolerância ideológica, étnica, racial ou religiosa.

As Grandes Chacinas*

Entre os cientistas políticos atuais há um grande debate entre o que deve ser considerado genocídio. Seguem-se as principais atrocidades do século XX, consideradas genocídios:

Hereros, 1904

Os hereros, povo banto da África Sudoeste (hoje Namíbia), revoltaram-se contra a colonização alemã. Os hereros viviam basicamente da pecuária. Passo a passo, o orgulhoso povo de pastores perdeu seus campos para os colonizadores alemães. Essa ocupação desencadeia uma revolta em janeiro de 1904. A repressão das tropas alemãs expulsou os hereros para o deserto de Omaheke, onde são condenados a morrer à fome e sede depois do exército liderado por von Trohta ter envenenado as fontes. A perseguição aos hereros foi condenada por grandes protestos na Alemanha, mas nunca cessou. Em 1911 apenas restavam 15 mil vivos, sendo na sua maioria mulheres e crianças. A existência dos hereros como entidade cultural extinguiu-se.

Arménios, 1915

Os armênios são cristãos da igreja ortodoxa da Armênia, que se instalaram há três mil anos na Anatólia, Ásia Menor, atual Turquia. Em 1913 formavam dez por cento da população turca e tinham contra si a discriminação e o ódio racial da juventude turca. Com a chegada desses jovens ao poder nesse ano, a questão Armênia surge no contexto da Primeira Guerra Mundial. Acusados de colaborar com os russos, os armênios foram alvo de extermínio perpetrado pelo Estado Turco e por sua população. Em 1915 foram deportados para o deserto sírio. Mais de um milhão de armênios morreram durante o êxodo ou em execuções sumárias.

Curdistão, 1919/1999

A etnia curda, cerca de 36 milhões de pessoas, nunca teve um estado, espalha-se pelos territórios da Turquia, Irã, Síria e Iraque, e o conflito com estes países custou milhões de vida ao longo do século XX . O problema persiste até aos nossos dias, com uma guerra velada e feita por guerrilhas, sem a premeditação que leva um grupo a querer exterminar o outro, o que faz com que não se prove o ato de genocídio. Os bombardeamentos com gás venenoso feitos pelos iraquianos sob as ordens de Saddam Hussein, mostram o ato de genocídio que os curdos vêm sofrendo. Somente na aldeia de Halabja, morreram quase 5 mil pessoas em conseqüência do efeito das terríveis armas químicas.

Ucrânia, 1932/1933

A Ucrânia fez parte da extinta União Soviética. A coletivização dos campos decretada por Stálin bateu de encontro à resistência dos kulaks (camponeses ucranianos). Dentro da dialética e da concepção do estado soviético os camponeses ucranianos foram classificados como inimigos de classe e contra-revolucionários, sendo alvo de implacáveis perseguições. Depois de se falhar o objetivo de produção da campanha de 1932, os armazéns de cereais foram esvaziados e os vilarejos sitiados. No inverno de 1932 a fome vitimou entre cinco a sete milhões de pessoas.

Alemanha, 1933/1945
                                                                                         
Com a ascensão do nazismo em 1933, o mundo assistiria por mais de   uma década  ao maior genocídio do século XX.                                                    
De início os nazistas preocuparam-se com a depuração dos 600 mil judeus alemães.
A ação dos Einsatzengruppen (esquadras móveis de assassinos das SS nazistas) e a estratégia da “Solução Final” concebida por Reinhard Heydrich, das SS, decidida no subúrbio de Wannsee, Berlim, em janeiro de 1942, com ou sem autorização direta de Hitler, matou entre 5 a 6 milhões de judeus.
Também foram vítimas dos alemães os ciganos e outras minorias religiosas (Testemunhas de Jeová).



Crimeia e Volga, 1941

Em 1941 Hitler invade a União Soviética, forçando Stálin a entrar na guerra contra os alemães. Com a abertura da frente leste pelo exército alemão, Stálin decreta a deportação dos alemães do Volga e dos povos localizados em áreas estratégicas que se tinham oposto ao reforço do regime. Cinco milhões de alemães, tártaros, tchetchenos e inguches foram deportados para as estepes geladas da Sibéria ou para a Ásia Central. Não se sabe ao certo quantos desses cinco milhões pereceram.

Indonésia, 1965

A partir de outubro de 1965, cerca de 250 mil a meio milhão de pessoas, na maioria militantes do PKI (Partido Comunista da Indonésia) foram massacrados pela polícia, pelo exército e pela turba de populares. O PKI garantira por via eleitoral a participação na vida política do país, mas um golpe militar encerrou essa participação. Corpos flutuavam no Rio Brantas, sem cabeça e de estômago abertos. Para garantir que se não afundavam, eram amarrados, empalados em varas de bambu.

Nigéria (Biafra), 1967/1970

A Nigéria ficou independente da colonização britânica em 1960. É composta por várias etnias: haussa, ioruba, ibo, fulani, entre outros. Em 1966, eclodiu uma guerra civil pelo controle do poder central opondo os haussas aos ibos, sendo os últimos derrotados. O poder caiu nas mãos de um general haussa. Os ibos, concentrados no leste do país não reconheceram o governo central e proclamaram em 1967, o estado independente de Biafra, gerando uma guerra civil que se estendeu até 1970 quando os ibos de Biafra renderam-se e o território foi reincorporado a Nigéria. Cerca de dois milhões de pessoas, em sua maioria ibos, morreram nessa guerra.

Bangladesh, 1971

Quando a Índia ficou independente da coroa britânica em 1947, tinha uma população de maioria hindu, com uma minoria muçulmana. Com a independência, os territórios indianos de maioria islâmica formaram o país independente do Paquistão, que tinha duas áreas territoriais distintas: o Paquistão Ocidental era separado geograficamente do Paquistão Oriental por 1.600 km de território indiano. O Paquistão Ocidental foi composto pelas províncias de maioria muçulmana do Beluquistão, Sind, Punjab e a Fronteira Norte Ocidental. A Bengala Oriental, também de maioria muçulmana, formou o Paquistão Oriental, que fez a sua independência em 1971, passando a se chamar Bangladesh. A independência não foi aceita pelo Paquistão, gerando o extermínio de três milhões de habitantes do Bangladesh pelo exército paquistanês. A chacina causou protesto da opinião pública mundial. Um grande concerto musical de repúdio foi promovido por Ravi Shankar e George Harrison, o “Concerto pelo Bangladesh”.

Burundi, 1972

Uma revolta da maioria hutu a 29 de abril de 1972 provoca a morte de 2000 a 3000 pessoas da população tutsi, que controlava o poder. No dia seguinte o presidente Michel Micombero decreta a lei marcial, que suscita uma onda de terror que culmina na morte de 100 a 200 mil pessoas da etnia hutu. Todos os intelectuais hutus foram mortos ou exilados em outros países.

Camboja, 1975/1979

O Camboja perdeu cerca de 150 mil pessoas vítimas dos bombardeios norte-americanos na Guerra do Vietnã. Com a ascensão dos Khmer Vermelhos ao poder liderados por Pol Pot, o Camboja tornou-se um imenso campo de morte e atrocidades. Em quatro anos 1,7 milhões de pessoas (20 por cento da população) sucumbiram à fome, às doenças e aos trabalhos forçados. Pol Pot faz milhões de pessoas abandonar as cidades em migrações forçadas para os campos. Seu objetivo utópico era recriar a grandiosidade do Camboja medieval à custa do sacrifício coletivo.

Timor, 1975/1979

Timor Leste foi colonizado pelos portugueses. Com a Revolução dos Cravos em abril de 1974, inicia-se a descolonização portuguesa da África e da Ásia. Com a saída dos portugueses de Timor, a Indonésia, com a cumplicidade dos EUA, decide, em 1975, invadir o território leste daquela ilha, anexando-o ao seu território. A anexação foi feita de forma brutal, matando mais de 200 mil timorenses entre 1975 e 1979.

Antiga Jugoslávia, 1991/1999

Com o fim da guerra fria, vários foram os países que se desintegraram. A Iugoslávia de Tito dá passagem para os países independentes da Eslovênia Croácia, Bósnia-Herzegovina, Macedônia, Sérvia e Montenegro. A luta entre sérvios, croatas e outras etnias religiosas deu origem às maiores atrocidades que a Europa assistiu após a Segunda Guerra Mundial. Grupos étnicos diferentes foram mortos e expulsos na Bósnia, na Eslavônia e na Krajina. O conflito vitimou cerca de 326 mil pessoas de 1991 a 1996. Em 1999 o território do Kosovo, na Sérvia, cuja população é de maioria albanesa, sofreu a perseguição dos sérvios que gerou mais um conflito na região, a guerra do Kosovo, logo sufocado pela intervenção da comunidade internacional.

Ruanda, 1994

Os tutsis ruandeses refugiaram-se no Uganda após uma insurreição mal sucedida em 1959/62. Os seus filhos invadem o
Ruanda nos anos noventa. Os hutus são 85 por cento da população e organizam a defesa. Os hutus possuíam desde 1992 um complexo aparelho de extermínio. O Burundi, país vizinho do Ruanda, tem o seu primeiro presidente hutu Malchior Ndadaye, assassinado em 1993. O Ruanda mergulhou no horror da carnificina étnica em abril de 1994, depois que o avião que levava o presidente Juvenal Habyarimana, da etnia hutu, foi abatido a tiros em Kigali. Em três meses mais de 700 mil tutsis foram chacinados.

China (Tibete)

O Tibete foi invadido pela China em 1949. Nos primeiros dez anos de invasão, cerca de 6000 mosteiros são destruídos e é feito um número indeterminado de mortos, obrigando o seu líder espiritual Dalai Lama, a fugir do país.
A destruição sistemática da cultura tibetana não costuma constar dos anais do genocídio.

Também na China aconteceram os atos de fuzilamento em massa perpetrados na seqüência da invasão japonesa dos anos trinta. O objetivo era o aniquilamento dos chineses e coreanos, considerados inferiores pelos invasores.
300 mil pessoas foram mortas no massacre de Naking em 1937.

*Fonte: Revista Pública, nº 193

Aqui, links fabulosos para quem se interesse em saber mais sobre este tema:

sábado, 23 de julho de 2011

A indecisão eleitoral nas democracias recentes

Este artigo analisa a indecisão eleitoral nas democracias recentes. Vários estudos têm evidenciado que a lógica de voto deste segmento do eleitorado se diferencia de forma significativa dos eleitores mais estáveis, sem todavia alcançarem conclusões definitivas acerca do fenómeno. Depois de caracterizar o perfil dos indecisos em Espanha, Grécia e Portugal, examinam-se os factores mais importantes que contribuem para interpretar as opções deste segmento do eleitorado. Os resultados indicam que as predisposições ideológicas desempenham um papel fundamental, enquanto os factores de curto prazo têm um peso secundário, sobretudo para os eleitores de direita.
Palavras-chave: tempo da decisão eleitoral; indecisos; comportamento eleitoral; Europa do Sul.
INTRODUÇÃO
O fenómeno da indecisão eleitoral tem assumido uma relevância crescente nas democracias contemporâneas. A maior distância entre eleitores e partidos, a diminuição do peso das clivagens tradicionais sobre o comportamento dos eleitores e, paralelamente, o aumento da importância dos factores de curto prazo são elementos que tornaram cada vez mais central este segmento do eleitorado. Os indecisos convertem-se no alvo principal da acção dos partidos, na tentativa de influenciarem e condicionarem as escolhas dos eleitores durante a campanha eleitoral. A maior difusão dos meios de comunicação e a introdução das novas tecnologias constituem, porém, fortes incentivos para a mobilização e a persuasão dos eleitores indecisos durante as campanhas. O facto de os actores políticos concentrarem os esforços — financeiros e organizativos — nas últimas semanas que antecedem o voto demonstra não apenas a convicção de que é possível persuadir este grupo de eleitores, mas também que as escolhas destes eleitores determinam de forma crucial o desfecho da competição eleitoral. É frequente, de facto, que durante as campanhas eleitorais a atenção dos partidos e dos media se concentre sobre os indivíduos que ainda não decidiram a sua opção de voto.
Na maioria das democracias consolidadas, a tendência para o aumento da indecisão eleitoral é confirmada por recentes estudos baseados em inquéritos de opinião (Dalton, McAllister e Wattenberg, 2000, p. 48). Em geral, nas democracias contemporâneas regista-se uma maior “disponibilidade” eleitoral através da crescente proporção de eleitores que não dispõem de uma orientação de voto estável e ponderam a sua escolha durante a campanha1. Este fenómeno reflecte-se na tendência para o aumento da volatilidade eleitoral, quer a nível agregado, quer a nível individual (Mair, 2002; Dalton, McAllister e Wattenberg, 2000, p. 44).
Para além da crescente importância quantitativa, a indecisão eleitoral é um fenómeno que do ponto de vista qualitativo apresenta também características interessantes. De facto, estudos empíricos têm sublinhado a particularidade deste segmento do eleitorado e a sua importância nas dinâmicas eleitorais (Chaffee e Choe, 1980; Gopoian e Hadjiharalambous, 1994; Hillygus Shields, 2008). Por isso, a análise da indecisão contribui para compreender melhor o comportamento dos eleitores e a estratégia de mobilização dos partidos.
Quais são os factores que podem explicar o fenómeno da crescente instabilidade eleitoral? Segundo a literatura, são dois os processos que estão na origem da relevância assumida pela indecisão eleitoral. O primeiro relaciona-se com a maior importância dos factores de curto prazo como determinantes do comportamento dos eleitores, aumentando assim a disponibilidade eleitoral. O segundo baseia-se na influência dos mass media e no processo de modernização das campanhas eleitorais.
Os factores tradicionais que contribuem para formar as predisposições dos indivíduos, limitando assim as opções de voto disponíveis, tornaram-se mais débeis, acabando por exercer apenas um impacto reduzido sobre os eleitores. É o caso, por exemplo, da identificação partidária ou das tradicionais clivagens sociais que tiveram um papel importante na estabilização do eleitorado pelo menos até à década de 70 do século passado (Lipset e Rokkan, 1967; Thomassen, 2005). Deste ponto de vista, os eleitores tornaram-se progressivamente “livres de escolher”, para parafrasear o título de um importante contributo publicado em meados dos anos 80 (Rose e McAllister, 1986). A principal consequência destas transformações ao nível dos comportamentos eleitorais é o maior peso adquirido pelos factores de curto prazo, sobretudo através do papel desempenhado pelos líderes e pela percepção da situação económica. O segundo processo que afecta o fenómeno da indecisão eleitoral refere-se às transformações das modalidades de comunicação adoptadas pelos actores políticos. Os eleitores estão cada vez mais expostos à influência dos meios de comunicação, sobretudo durante a campanha eleitoral, pela multiplicação dos recursos de informação e pela maior eficácia por parte das forças políticas na identificação dos “alvos” eleitorais (Farrell, 1996; Norris, 2000). O declínio organizativo dos partidos é acompanhado por um uso mais sofisticado dos meios de comunicação, de acordo com a estratégia eleitoral dos actores políticos (Bowler e Farrell, 1992; Rohrschneider, 2002). A crescente importância das ligações directas entre líderes e eleitores — muitas vezes baseadas apenas nos traços pessoais — e a utilização das técnicas de marketing contribuem para aumentar a ambivalência e a incerteza dos indivíduos.

Texto integral aqui

“bloodsport”

"Há quem diga que as nossas tradições merecem ser preservadas simplesmente devido à sua antiguidade. Para estas pessoas a antiguidade confere um estatuto especial a uma prática ou a um ritual. Entretanto, parece-me uma maneira de pensar muito duvidosa e comprometedora no sentido de que nos impede de avaliar o valor intrínseco dos nossos actos. Por isso, penso que antes de decidir se uma tradição merece ser preservada ou não devemos sempre perguntar se ela encoraja os valores que queremos na nossa sociedade – a solidariedade, a criatividade, o respeito pelo outro, e a curiosidade, por exemplo. Será que vai educar os nossos filhos a serem pessoas sensatas, ajudando-os a realizarem-se e a serem bons cidadãos?

A meu ver, a negligência destas considerações representa uma abdicação da nossa responsabilidade como seres que pensam e sentem.

No que diz respeito à tauromaquia – sem dúvida, uma tradição portuguesa muito antiga – creio que temos que aplicar este mesmo raciocínio. A prática dissemina quais valores? E quais princípios educativos?

A meu ver, a mensagem predominante da tauromaquia é que os seres humanos têm o direito de usar animais como entendem, mesmo se isto implica o seu tormento. Os sentimentos do animal, em particular o seu sofrimento, são irrelevantes. Também transmite a ideia de que podemos – e devemos – divertir-nos com o tormento de outras criaturas, pelo menos quando é ritualizado e publicitado como entretenimento ou desporto.

Entretanto, sei que seria possível argumentar de que outros valores mais positivos são disseminados por esta tradição. Não tenho dúvidas, por exemplo, que confrontar um touro enfurecido requer coragem por parte do toureiro.

A minha opinião é que temos que “pesar” as mensagens negativas transmitidas por um ritual com as mensagens positivas. A minha conclusão é que a tauromaquia causa muito mais danos que benefícios à nossa sociedade. Prefiro viver num país em que os animais são respeitados e bem tratados, e onde nenhum “bloodsport” – um desporto que provoca o sangue e a dor do animal – é classificado como entretenimento. A meu ver, nunca devíamos educar os nossos filhos a tirarem prazer do sofrimento de qualquer criatura. Fazer isso é irresponsável e perigoso."

Richard Zimler

sexta-feira, 22 de julho de 2011

O bombeiro e o quala

Que imagem! Que lição! Mais palavras para quê?


A lógica do genocídio

O legado de Auschwitz
No início do século 21, é difícil acreditar que a lógica do genocídio tenha chegado ao fim. As guerras dos Balcãs, as atrocidades que ocorreram em sucessão na África, e as guerras do Iraque e do Afeganistão representam uma espantosa regressão histórica. Os massacres e genocídios, os deslocamentos forçados de milhões de pessoas e o confinamento em campos de concentração e de refugiados não pararam de crescer nos últimos anos. A análise é do ensaísta espanhol Eduardo Subirats.
Eduardo Subirats*
Os reiterados tributos oficiais às vítimas dos campos de concentração europeus criados durante a Segunda Guerra Mundial deveriam indicar que se poria um fim à sua lógica do genocídio. No início do século 21, contudo, é difícil acreditar que este seja o caso. As guerras dos Balcãs, as atrocidades que ocorreram em sucessão na África, e as guerras do Iraque e do Afeganistão representaram, neste sentido, uma espantosa regressão histórica. Os massacres e genocídios, os deslocamentos obrigados de milhões de seres humanos, o confinamento massivo em campos de concentração e de refugiados, e, não em último lugar, os movimentos migratórios provocados pela pobreza e pela destruição ecológica não pararam de crescer nos últimos anos.
Segundo dados facilitados pelo Committee for Refugees and Immigrants dos Estados Unidos, em 2006 existiam no mundo 33 milhões de pessoas involuntariamente deslocadas de seus habitats originais. Deles, 21 milhões são as chamadas “Pessoas Internamente Deslocadas,” ou seja, relocalizadas dentro de suas próprias fronteiras nacionais. Os outros 12 milhões são refugiados que fugiram para segundos países em busca de segurança política e económica. O Sudão e a Colômbia são mencionados como exemplos de deslocamentos internos promovidos pela violência militar, com números que chegam aos 5 e 3 milhões respectivamente. A crise humanitária mais recente tem como cenário o Iraque, com 1,7 milhões de deslocados internos e outros 2 milhões que abandonaram o país.
Oficialmente, estas mobilizações são temporárias. Mas em países como a Colômbia, o retorno dos deslocados aos seus lares em sua maioria, eles são indígenas e mestiços-  é impossível, uma vez que suas terras, oficialmente “abandonadas”, foram legalmente apropriadas por corporações e organizações militares. Existem mais de 2 milhões de afegãos em campos e refúgios provisórios há mais de 20 anos. O recorde é dos palestinos, com 3 milhões de deslocados há meio século. O número destes denominados “refugiados perpétuos” no mundo chega a um total de 8 milhões. E estes números não param de multiplicar-se, ano após ano, ao amparo de lucrativas guerras e tráficos humanos.

Nas declarações oficiais, os campos de concentração do nacional-socialismo do século passado são condenados e consagrados como um evento único na história da humanidade, cujos motivos, métodos e objectivos escapam à luz da razão. Implícita ou explicitamente, a responsabilidade por eles é atribuída a desejos perversos e patologias racistas. Contudo, os genocídios industriais do século 20 não constituem um fato isolado. As minas e as “mitas” coloniais da América constituem um paradigma histórico de racionalização militar de um sistema etnocida de produção. As cifras do genocídio colonial americano são imprecisas. Mas os cálculos mais conservadores falam em dezenas de milhões. O tráfico internacional de escravos africanos constitui um prefácio sórdido dos genocídios europeus do século 20, com números também arrepiantes. A própria denominação “campos de concentração” foi cunhada pelo colonialismo britânico na África do Sul antes de ser adotado pelo imperialismo alemão.

Por trás destes crimes contra a humanidade existem, sem nenhuma dúvida, personalidades doentes. Mas seus processos genocidas estão atravessados pela limpa racionalidade que define a acumulação de capital, a expansão de mercados e a concentração de poder e riqueza.

Aproximadamente metade das vítimas dos campos de concentração nazistas eram camponeses eslavos, ciganos e comunistas que a máquina militar devorava ao longo de sua expansão. Seu extermínio estava ligado a um princípio económico: racionalizar a produção agrária, libertando-a de seus entraves pré-capitalistas. Uma das razões para justificar a eliminação dos guetos judeus da Europa Central era sua forma de vida tradicional, resistente à economia de mercado e às exigências da racionalização industrial da agricultura. Estes genocídios esgrimiram, também, um princípio de segurança: suas vítimas eram potenciais insurgentes contra o sistema que as expulsava de suas cidades e de suas terras.

Apesar de que jurídica e mediaticamente é contemplado como uma realidade aparte, o fluxo migratório massivo dos nossos dias obedece aos mesmos princípios: a expansão territorial de poderes corporativos, crescentes desigualdades económicas e sociais entre as nações ricas e as regiões neocoloniais, degradação ambiental e violência. Seus números são igualmente perturbadores. Na Europa existem 83 milhões de imigrantes legais e um número indeterminado, entre 4 e 7 milhões, de denominados “sem papéis”. Nos Estados Unidos, a quantidade oficial de imigrantes ilegais chega aos 12 milhões.
Em vez de confrontar as causas desta desordem global, e os interesses económicos e militares que a sustentam, os líderes mundiais optaram pela criminalização de suas vítimas e pela militarização de seus conflitos. O próprio conceito de “imigrante ilegal” é uma construção arbitrária. O termo foi cunhado pelo colonialismo britânico para combater uma indesejada imigração de judeus para a Palestina nos anos da perseguição nazista na Alemanha. As frases sobre a ameaça que estes imigrantes representam para o mercado laboral, sua viciosa associação com o crime organizado e as retóricas sobre sua não-integração nacional encobrem o real desmantelamento dos direitos humanos em escala global.

Os campos de detenção e concentração e a militarização dos movimentos migratórios gerados pelas guerras, a miséria e o espólio não são, convenhamos, uma solução para estes dilemas. São parte do problema. Somente a confrontação transparente da crescente extorsão económica das regiões mais ricas do planeta por poderes corporativos multinacionais, das causas reais da deterioração ambiental e dos tráficos de armas e humanos, e somente a implementação de autênticos programas de desenvolvimento sustentável pode pôr um ponto final a esta lógica do genocídio: o legado de Auschwitz.

* Ensaísta espanhol, professor de Filosofia, Teoria da Cultura e de Literatura na Universidade de Nova York
Tradução: Naila Freitas / Verso Tradutores

quinta-feira, 21 de julho de 2011

Há pessoas que envergonham os professores


Ainda o novo ministro da educação não tinha entrado na 5 de Outubro e já as críticas choviam sobre o mesmo. Críticas e adivinhações, pessimismos e alarmismos que, francamente, já mostraram não servir o debate sério sobre a Educação no nosso país, quanto mais a avaliação dos professores!

Certas pessoas, incluindo certos professores e certas figuras públicas, arautos da desgraça e da maledicência, cáusticos em tudo e mais alguma coisa mesmo quando pensam que o que parece verdade, verdade vai ser, aproveitam todas as oportunidades para denegrir quem quer colaborar e tentar harmonizar a situação a que se chegou nas escolas e na Educação, seja ministro ou professores que aguardam com alguma esperança uma viragem de qualidade no processo avaliativo.

Este país teve sempre muitas aves agoirentas, muita gente afoita à calúnia e coscuvilhice mas poucos verdadeiramente interessados em trabalhar a sério e em constituírem-se, também, peça-chave para um processo com esta dimensão e este impacto, que exige muito trabalho, sim, mas sobretudo muita sensatez da parte dos que em teoria são uma coisa e na prática “logo se vê”.

Falam por falar, sem pensar, procurando um mediatismo demasiado populista ou o protagonismo balofo e habitual que se lhes conhece, quer nas escolas, sindicatos, gabinetes e departamentos ministeriais, certos jornais ou certos canais televisivos.
Que mal causam à discussão pública e à própria classe!

Obstinadamente, muitos deles, entrincheirados que estiveram (e muitos ainda estão) em trabalhos meramente administrativos, CAEs, DRELs, Direcções Executivas, Sindicatos… continuam a apostar na inflexibilidade de posições e na manutenção de uma conflitualidade verbal que só tem prejudicado quem quer ter um modelo de avaliação justo e simplificado, mas que o quer efectivamente.

Irremediavelmente marcados pelo trabalho burocrático que desenvolveram ao longo de muitos anos e que preferiram em vez de dar aulas, afastados que estiveram (e estão) da verdade e realidade incontornável que é a sala de aula e o trabalho com os alunos, insistem na contestação de tudo e mais alguma coisa, pela simples razão de que tudo e mais alguma coisa lhes servirá para rejeitar um modelo de avaliação que, simples na forma mas exigente no conteúdo, traduza, através dos resultados dos alunos, a formação científica do professor e a sua capacidade de intervenção. 

E assim se vai arrastando o problema e agravando cada vez mais a carreira profissional dos que abraçaram a docência com dedicação e espírito de missão.

O mau ambiente nas escolas deixado por Maria de Lurdes Rodrigues, pelos seus secretários de estado, por Isabel Alçada e outros, continua visível e a provocar estragos, mas, não é justo haver quem só saiba criticar os outros quando sérios não sabem ser, tanto nas críticas como no seu desempenho!


De facto, nem todas as críticas que ouvimos são sérias do mesmo modo que nem todos os trabalhadores são profissionais seja qual for a sua área.
Muita coisa foi horrível, desnecessária. Desmotivou e desgastou. Sim. Faltou-se ao respeito e à verdade. Esvaziaram-se as escolas de vontade própria e degradaram-se as relações profissionais e até humanas entre os docentes.
No entanto, “ontem” como “hoje”, continua a haver professores que envergonham professores. Gente sem brio, sem postura cívica e cultural. Sem formação científica e muito pouca formação pedagógica. Gente cheia de esquemas e artificialismos à procura de um lugar na primeira fila, ainda que a primeira fila seja feita de mediocridade e aparências, bazófia e presunção.

Maus exemplos para as suas escolas e para os seus alunos, têm singrado com o apadrinhamento de certas políticas, certos políticos, certos governos, certos directores, certos avaliadores, certos relatores, certos coordenadores, certos subcoordenadores, certos amigalhaços e até certos conselhos de turma.

Para se ser professor e sobretudo bom professor, não basta querer sê-lo nem pensar que se é simplesmente porque se diz ser.

Para se ser professor, bom professor, não basta dizer que se é ou repetir aos outros que sabe que o é, quando são os alunos os seus avaliadores de facto, os únicos que o conhecem verdadeiramente como tal e dele sabem a verdade e por causa dele muitas vezes a omitem.

Escudados estrategicamente numa capacidade de oratória fácil mas de efeitos perversos e enganadores, estes professores também têm contribuído para a desmotivação de muito bons professores e para o mau ambiente nas escolas, pois, a continuar esta falta de rigor na avaliação, vão continuar a parecer aquilo que não são nem nunca serão e vão continuar a mostrar que, realmente, as aparências iludem e que nem tudo o que brilha é ouro!  

Têm dificultado o aparecimento de um modelo credível para a avaliação do desempenho dos docentes e, infelizmente, têm-se imposto (demasiadas vezes!) à custa da cegueira de um sistema que continua a permitir a avaliação por pares e de um país que se tem pautado pela falta de uma cultura de exigência em quase tudo.

Nazaré Oliveira