Este artigo analisa a indecisão eleitoral nas democracias recentes. Vários estudos têm evidenciado que a lógica de voto deste segmento do eleitorado se diferencia de forma significativa dos eleitores mais estáveis, sem todavia alcançarem conclusões definitivas acerca do fenómeno. Depois de caracterizar o perfil dos indecisos em Espanha, Grécia e Portugal, examinam-se os factores mais importantes que contribuem para interpretar as opções deste segmento do eleitorado. Os resultados indicam que as predisposições ideológicas desempenham um papel fundamental, enquanto os factores de curto prazo têm um peso secundário, sobretudo para os eleitores de direita.
Palavras-chave: tempo da decisão eleitoral; indecisos; comportamento eleitoral; Europa do Sul.
INTRODUÇÃO
O fenómeno da indecisão eleitoral tem assumido uma relevância crescente nas democracias contemporâneas. A maior distância entre eleitores e partidos, a diminuição do peso das clivagens tradicionais sobre o comportamento dos eleitores e, paralelamente, o aumento da importância dos factores de curto prazo são elementos que tornaram cada vez mais central este segmento do eleitorado. Os indecisos convertem-se no alvo principal da acção dos partidos, na tentativa de influenciarem e condicionarem as escolhas dos eleitores durante a campanha eleitoral. A maior difusão dos meios de comunicação e a introdução das novas tecnologias constituem, porém, fortes incentivos para a mobilização e a persuasão dos eleitores indecisos durante as campanhas. O facto de os actores políticos concentrarem os esforços — financeiros e organizativos — nas últimas semanas que antecedem o voto demonstra não apenas a convicção de que é possível persuadir este grupo de eleitores, mas também que as escolhas destes eleitores determinam de forma crucial o desfecho da competição eleitoral. É frequente, de facto, que durante as campanhas eleitorais a atenção dos partidos e dos media se concentre sobre os indivíduos que ainda não decidiram a sua opção de voto.
Na maioria das democracias consolidadas, a tendência para o aumento da indecisão eleitoral é confirmada por recentes estudos baseados em inquéritos de opinião (Dalton, McAllister e Wattenberg, 2000, p. 48). Em geral, nas democracias contemporâneas regista-se uma maior “disponibilidade” eleitoral através da crescente proporção de eleitores que não dispõem de uma orientação de voto estável e ponderam a sua escolha durante a campanha1. Este fenómeno reflecte-se na tendência para o aumento da volatilidade eleitoral, quer a nível agregado, quer a nível individual (Mair, 2002; Dalton, McAllister e Wattenberg, 2000, p. 44).
Para além da crescente importância quantitativa, a indecisão eleitoral é um fenómeno que do ponto de vista qualitativo apresenta também características interessantes. De facto, estudos empíricos têm sublinhado a particularidade deste segmento do eleitorado e a sua importância nas dinâmicas eleitorais (Chaffee e Choe, 1980; Gopoian e Hadjiharalambous, 1994; Hillygus Shields, 2008). Por isso, a análise da indecisão contribui para compreender melhor o comportamento dos eleitores e a estratégia de mobilização dos partidos.
Quais são os factores que podem explicar o fenómeno da crescente instabilidade eleitoral? Segundo a literatura, são dois os processos que estão na origem da relevância assumida pela indecisão eleitoral. O primeiro relaciona-se com a maior importância dos factores de curto prazo como determinantes do comportamento dos eleitores, aumentando assim a disponibilidade eleitoral. O segundo baseia-se na influência dos mass media e no processo de modernização das campanhas eleitorais.
Os factores tradicionais que contribuem para formar as predisposições dos indivíduos, limitando assim as opções de voto disponíveis, tornaram-se mais débeis, acabando por exercer apenas um impacto reduzido sobre os eleitores. É o caso, por exemplo, da identificação partidária ou das tradicionais clivagens sociais que tiveram um papel importante na estabilização do eleitorado pelo menos até à década de 70 do século passado (Lipset e Rokkan, 1967; Thomassen, 2005). Deste ponto de vista, os eleitores tornaram-se progressivamente “livres de escolher”, para parafrasear o título de um importante contributo publicado em meados dos anos 80 (Rose e McAllister, 1986). A principal consequência destas transformações ao nível dos comportamentos eleitorais é o maior peso adquirido pelos factores de curto prazo, sobretudo através do papel desempenhado pelos líderes e pela percepção da situação económica. O segundo processo que afecta o fenómeno da indecisão eleitoral refere-se às transformações das modalidades de comunicação adoptadas pelos actores políticos. Os eleitores estão cada vez mais expostos à influência dos meios de comunicação, sobretudo durante a campanha eleitoral, pela multiplicação dos recursos de informação e pela maior eficácia por parte das forças políticas na identificação dos “alvos” eleitorais (Farrell, 1996; Norris, 2000). O declínio organizativo dos partidos é acompanhado por um uso mais sofisticado dos meios de comunicação, de acordo com a estratégia eleitoral dos actores políticos (Bowler e Farrell, 1992; Rohrschneider, 2002). A crescente importância das ligações directas entre líderes e eleitores — muitas vezes baseadas apenas nos traços pessoais — e a utilização das técnicas de marketing contribuem para aumentar a ambivalência e a incerteza dos indivíduos.
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