domingo, 27 de julho de 2014
Grupo Espírito Santo
Escândalo GES chega à Suíça – ou quando os ricos ficam pobres |
Não foram só as Bolsas,
outra razão apressou a sucessão no BES: antecipar-se ao iminente colapso do
GES. Pois bem, ele começou. Como o Expresso hoje revela, já há “default” na
Suíça. Há clientes que não estão a receber o dinheiro aplicado. Há uma minoria
do país que vai deixar de ser silenciosa. Pobres ricos.
Não é mau agoiro, é boa
informação. O barulho que se ouve não é sequer o da bomba, é ainda apenas o do
rastilho. É curioso como o noticiário sobre a insolvência da ES International
soou até aqui a coisa abstrata. Como se não tivesse consequências concretas.
Tem, chama-se prejuízos. Muitos credores da ES International vão perder
dinheiro. Muitos nem sabiam que eram credores.
A Portugal Telecom é um caso
muito evidente, porque é uma empresa grande. Mas o veneno do papel comercial da
ES International está disperso por centenas de carteiras de investimento. O
Banco de Portugal cuidou do subgrupo que considerou mais vulnerável: os
clientes de retalho em Portugal. De fora ficaram os clientes institucionais, que
têm a obrigação de medir o risco do que andam a comprar. E de fora ficaram os
clientes de retalho através de outros países. Através da Suíça. Muitos deles
são… portugueses.
O Grupo Espírito Santo não é
dono só um de banco, o BES. É dono também de um banco na Suíça, o Banque Privée
Espírito Santo. É um banco que gere grandes fortunas e que tem muitos clientes
portugueses. Nos últimos anos, o banco ganhou ainda mais clientes, porque muita
gente teve medo do fim da moeda única e tirou dinheiro não só do país como da
zona euro. E a velha Suíça, que inexplicavelmente tem boa fama embora preste os
mais opacos serviços financeiros da Europa, acolheu fortunas imensas. E sim,
também há fortunas imensas portuguesas. Onde investiu o Banque Privée esse
dinheiro? Numa série de títulos. Incluindo em papel comercial do GES, que agora
está em “default”. Em incumprimento. Chama-se calote.
Clientes do Banco Espírito
Santo em Portugal transferiram dinheiro para o Banque Privée Espírito Santo na
Suíça que foi investido na Espírito Santo International, que está falida.
Repare-se bem no emaranhado:
clientes do Banco Espírito Santo em Portugal transferiram dinheiro para o
Banque Privée Espírito Santo na Suíça que foi em parte investido em títulos de
dívida da Espírito Santo International, que está falida.
Muita gente achará que é bem
feito, os ricos que se lixem. É uma visão errada: a frase “a justiça deve ser
igual para todos” também se aplica na lógica inversa à habitual. Mas não deixa
de ser irónico que quem tenha querido fugir do risco de o euro desaparecer
perca agora dinheiro; e que quem veja na Suíça um porto seguro perceba que a
Suíça é uma casa onde senhoras de boa fama praticam atos de mulheres de má
fama. Como dizia há mês e meio neste jornal Gabriel Zucman, autor do livro
"A Riqueza Oculta das Nações", há €30 mil milhões de portugueses na
Suíça. 80% desse dinheiro será, estima ele, de evasão fiscal. Se parte do
dinheiro que agora for perdido por clientes do Banque Privée foi não declarado,
então sim há um certo sentido de justiça: quem o perder nem vai poder
reclamá-lo, pois é dinheiro que, para fugir aos impostos (se não a outra
coisa), saiu por debaixo da mesa.
Talvez agora se comece a
perceber a dimensão do que está a acontecer no GES, que vai avançar para um
processo de reestruturação, que inclui a venda de ativos e a consolidação de
passivos da ES International e da RioForte. O processo pode ser controlado, o
dinheiro aplicado não vai ser todo perdido, mas sê-lo-á em grande parte, num
processo que durará tempo. O caso só não é pior porque o Banco de Portugal
protegeu os clientes que compraram papel comercial da ESI através do BES
(nomeadamente da gestora de fundos ESAF). Senão, já teríamos bidões a arder na
avenida da Liberdade. Assim, teremos processos judiciais. E teremos muitas
famílias ricas a perder fortunas. Muitas não fizeram nada de mal. Apenas
confiaram no nome Espírito Santo.
Ainda hoje não se sabe bem a
totalidade do buraco do Grupo Espírito Santo, mas sabe-se que a dívida em papel
comercial ultrapassa os seis mil milhões de euros. Os acionistas do GES
(família mas não só) perderão muito dinheiro. Credores como a Portugal Telecom,
a Venezuela e clientes do Banque Privée com títulos da ESI perderão dinheiro.
Muitos ainda desconhecidos também. O próprio BES também perderá crédito
concedido ao grupo, mas num valor suficiente para lhe resistir.
A sucessão vira a página no
BES, mas a família Espírito Santo enfrenta muito mais que a desonra. Enfrenta
prejuízos. No BES e no GES estamos a assistir uma mudança histórica, mas em
fases diferentes. No BES é o fim do princípio, no GES é o princípio do fim. O
BES gere pela vida, o GES luta contra a morte. Virou massa falida.
Pedro Santos Guerreiropsg@expresso.impresa. pt
quinta-feira, 10 de julho de 2014
Como um rio que nunca se repete assim também é a vida
Não, a minha intenção não é falar agora nem do rio nem do
país que o mesmo, para além de atravessar, em grande medida conforma e até
modela. A minha intenção é outra, pois quero simplesmente dar expressão ao que
vejo quando vejo uma imagem assim (Reuters): dialéctica do incomensurável,
neste caso entre o que possa ser a superfície ou a profundidade que a mesma
sempre encobre; transitoriedade das formas, imagem do que se passa com os
sentimentos; dificuldade da navegação, quando se trata de evitar escolhos;
importância da Amizade para não tropeçar e, de preferência, poder progredir.
Como um rio que nunca se repete, assim também é a vida que
temos: transitória, fluida, dinâmica, crescentemente decrescente, para além de
ser o que sabemos ela ter de ser: decrescentemente crescente!
O rio, desemboca no mar; a vida, para uns, apenas leva à
morte; para os crentes na Pessoa de Jesus Cristo Ressuscitado, a vida leva à
Vida, o amor a mais Amor, a alegria à Festa que nunca acaba.
Como o Yangtze que move as areias escondidas daquela Xian que
ainda não conheço, assim também o Mistério que nos percorre move os átomos do
que somos, as porções da nossa vida, os escolhos que nos moldam.
Com muita ou pouca água, um rio nunca deixa de o ser. Mas
nós? Nós, para além de sermos «rio» somos algo infinitamente mais, pois somos:
Liberdade! E contudo, sendo livres, permanecemos focos de uma Esperança que só
pode ser dinâmica, que só mostra bem quando se sente e que, claro, nunca se
sente tanto como quando dela temos saudade ou falta. Por isso, mesmo quando
«secos», ou até sem vontade, uma coisa temos de saber fazer: continuar,
passo-a-passo, em direcção à Meta, correndo para a Foz em que, desembocando, se
encontra a Vida; ou, ainda mais, se revela o Amor que não pode mais ter fim,
pois o Fim é ele mesmo. Sem mais, já que só o Amor é fonte e razão de ser da
Esperança. E da corrida que fazemos em direcção ao Oceano da nossa mais
profunda, inequívoca e transcendente realização. Em Deus!
Pe. Vila-Chã
quarta-feira, 9 de julho de 2014
Brasil - Alemanha 2014
Custa muito perder mas, que me desculpem os brasileiros: perante a Colômbia, a confusão, a desorganização, a estranha euforia, até as faltas constantes e incríveis contra o adversário, deram bom resultado, mas, perante uma equipa tecnicamente irrepreensível como foi sempre a da Alemanha, concentrada no jogo, com passes de bola fabulosos, com uma distribuição do jogo certeira e uma atitude coletiva claramente assertiva e racional, com uma movimentação em campo excecional como quase nenhuma apresentou...
Já agora, não sei se reconheceram também a diferença na postura dos dois treinadores. Na atitude.
Paciência, Brasil. Quando se joga, perde-se ou ganha-se, seja com golos, dinheiro e não só. Mas, mesmo perdendo, todos os jogadores de todas as seleções arrecadaram milhares, particularmente em campeonatos como este.
Tenho pena é de mim e de milhões como eu que fazem as contas a meio do mês para esticar os tostões até ao fim!
Nazaré Oliveira
quarta-feira, 2 de julho de 2014
Artur Carlos de Barros Basto
Um dos actos mais chocantes de perseguição política
e religiosa praticado pela ditadura do Estado Novo continua, 74 anos depois, a produzir
os seus efeitos, uma vez que o Estado democrático ainda não corrigiu a
injustiça. A vítima foi Artur Carlos de Barros Basto, um capitão do Exército
português convertido ao judaísmo, que foi banido do Exército por praticar actos
próprios desta religião. O caso é paradigmático por acção (do Estado Novo) e
por omissão (do Estado democrático), uma vez que um pedido de reintegração
formulado pela viúva do militar já depois do 25 de Abril foi rejeitado com base
nas mesmas acusações que haviam fundamentado a injustiça.
Denunciado anonimamente por homossexualidade,
Barros Basto foi totalmente ilibado em tribunal, mas o Exército, embora
declarando também não provados os actos de homossexualidade, condenou-o, em
Junho de 1937, por ter feito a circuncisão a vários alunos do Instituto
Teológico Israelita do Porto (onde era professor) e por os cumprimentar com
beijos nas faces como era normal entre os judeus sefarditas de Marrocos, onde
Barros Basto se convertera ao judaísmo. Os militares acusaram-no, então, de não
ter “a capacidade moral para prestígio da sua função oficial e decoro da sua
farda” e aplicaram-lhe uma sanção que tem tanto de absurda como de degradante.
Foi condenado na pena de “separação de serviço” que o afastou definitivamente
do Exército, o privou das remunerações e respectivos benefícios sociais, o
impediu de usar a farda, distintivos e insígnias militares, mas - pasme-se -
manteve-o sujeito à disciplina militar, podendo a todo o momento voltar a ser
julgado e condenado por qualquer facto que os militares julgassem incompatível
com o “prestígio da função” (que já não exercia) ou ofensivo do “decoro da
farda” (que já não vestia).
Contudo, o verdadeiro “crime” do capitão Barros
Basto foi, de facto, o trabalho de “resgate” dos marranos, ou seja, dos
descendentes dos judeus convertidos à força para escapar à expulsão decretada
pelo rei português D. Manuel, em 1496, e às perseguições que se lhe seguiram,
principalmente pela Inquisição. A maioria desses “convertidos”, também chamados
“cristãos-novos”, manteve-se fiel às suas crenças e continuou a praticar
secretamente os actos de culto do judaísmo. Barros Basto, o “apóstolo dos
marranos” como foi designado, percorreu o país, identificando os descendentes
clandestinos desses cripto-judeus, trazendo-os à luz do dia e fazendo com que
eles não se sentissem civicamente diminuídos por professar a religião em que
acreditavam. Foi um ousado trabalho de recuperação da dignidade de uma religião
cruelmente perseguida durante séculos, mas sobretudo um audacioso combate ao
medo e até à vergonha de a praticar em público. Na verdade, uma das facetas
mais hedionda da perseguição aos judeus em Portugal foi a conversão forçada
daqueles que, por falta de recursos, não puderam acatar a ordem de expulsão e
abandonar o país. Muitos deles acabariam queimados nas fogueiras da Inquisição
ou então linchados por turbas fanatizadas como aconteceu em Lisboa, em 1506, em
frente da Igreja de São Domingos, onde milhares de judeus foram assassinados.
Ora, numa época em que (mais) uma onda de
anti-semitismo varria a Europa e que iria conduzir ao holocausto nazi, a acção
de Barros Basto não podia ser tolerada por um regime de características
fascistas e germanófilas, cujas instituições mais representativas estavam,
também elas, imbuídas de um milenar anti-semitismo e marcadas por séculos de
intolerância religiosa e de perseguição aos judeus. Comparado a Alfred Dreyfus,
por uns, ou a Aristides Sousa Mendes, por outros, Artur Barros Basto continua,
porém, ao contrário desses, com a memória manchada por uma condenação infamante
- talvez porque nunca houve em Portugal um Émile Zola que acusasse publicamente
os seus acusadores.
E, assim, estranhamente, 37 anos depois do 25 de
Abril, ainda ninguém teve a coragem de reparar a injustiça feita a um oficial
do exército português, convertido à religião judaica, condecorado por actos de
bravura durante a I Grande Guerra e que, em 1910, hasteara a bandeira da
República na Câmara Municipal do Porto. Estranhamente!…
Marinho Pinto
terça-feira, 1 de julho de 2014
Locke
«Locke», a
film with Tom Hardy as the sole «real» actor, deserves two things: to be seen;
to be intensely, and carefully, discussed. We consider this «low cost» movie
one of the filmic events of the present season! Very touching. Just
amazing!
Um filme, ou uma qualquer outra Obra, é apenas isso? Por
definição, não. Uma obra de arte nunca existe sozinha, pois ela exige sempre a
presença do intérprete, seja ele leitor, espectador, ouvinte, ou como se lhe
queira chamar. Neste momento partilho um facto: fui ao cinema; e ofereço a
razão desta minha intervenção: acabo de ver um dos filmes mais
«impressionantes» de sempre. Digo «impressionante» a propósito de um filme em
que, «ao vivo», entra apenas um actor (Tom Hardy). Faz sentido? Sim,
precisamente na medida em que se trata de um filme que declama as horas
dramáticas, simultaneamente calmas e «furiosas», esperançosas e dramáticas, de
um homem chamado Ivan Locke, um encarregado de obra (capataz) em Birmingham,
que por um motivo muito pessoal decide, no fim de um longo e complexo dia de
trabalho e na véspera de uma das maiores operações de construção civil na
Europa, ainda da sua responsabilidade, se mete no seu BMW e navega a
auto-estrada que liga Birmingham a Londres. Na prática, o filme começa com a troca
da direcção do pisca-pisca: estava primeiro para um lado; de repente mudou para
o outro! Assim começa o drama de um homem que, como diria Kant, movido por um
apurado sentido do DEVER e da RESPONSABILIDADE PESSOAL, toma uma decisão, da
qual não abdica, uma decisão certamente justa e que ele pensa ser absolutamente
correcta mas que o vai levar, em poucas horas, a perder (quase) tudo: o emprego
onde é brilhante, a mulher que ama... tudo menos o carro que guia do princípio
ao fim do filme! Tudo, por uma simples razão: o dever de assumir a sua
responsabilidade como pai de uma criança que lhe está para nascer fora do
matrimónio e de uma mulher que não ama, num mundo que não se poderia interessar
menos por uma decisão como a sua. Simplesmente profundo! Tão profundo como,
arrisco dizer, nunca antes vi numa simples pantalha de cinema, ainda por cima,
neste caso, com um filme de baixo custo, com apenas um actor «real» (dos outros
temos apenas a voz através do telefone do BMW em marcha constante, por vezes
quase errante, numa motorway britânica em hora de ponta). Numa classificação de
1 a 5, dou, no mínimo, seis estrelas a este filme! Verdadeiramente excelente!
Um filme que merece ser usado em todos os Cursos de Ética que se façam nos
próximos anos; um filme que não pode deixar de fazer pensar; um filme memorável
com Tom Hardy a fazer uma performance como nunca antes vi. Simplesmente dito:
um verdadeiro fora-de-série, este filme intitulado «LOCKE» e que agora,
felizmente, posso dizer que já vi. Dito isto, a minha recomendação: quem para
isso tiver oportunidade, não perca um filme que, como poucos, tem o condão de
fazer pensar: no que sejam as coisas da vida, no que seja ou não o amor, no que
sejam o sentido do dever e da responsabilidade, no que seja, enfim, a razão de
ser e o sentido que, de verdade, a algures nos pode levar. Pela comoção, nunca
aplaudiria um filme como este. Mas se pudesse dava um Abraço a todos os que o
fizeram, ou não fosse este um daqueles filmes que, como sempre de novo vai
acontecendo, resgatam a Sétima Arte para o que esta tem de melhor ou mais
importante, e que julgo ser isto: a capacidade de nos ajudar, ou fazer pensar!
E se alguém me disser que o filme não é perfeito, terá certamente a minha
concordância. Mas com uma condição: que o filme seja visto com olhos de gente
adulta, numa atitude de investigação interior,numa disposição para a empatia
iluminada pela razão. Pelo que repito: a ideia do Filme, mais do que tudo, é...
simplesmente brilhante! Mas que ninguém se iluda: o filme não é fácil e a mim
só não me fez chorar porque não podia!
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