Escândalo GES chega à Suíça – ou quando os ricos ficam pobres |
Não foram só as Bolsas,
outra razão apressou a sucessão no BES: antecipar-se ao iminente colapso do
GES. Pois bem, ele começou. Como o Expresso hoje revela, já há “default” na
Suíça. Há clientes que não estão a receber o dinheiro aplicado. Há uma minoria
do país que vai deixar de ser silenciosa. Pobres ricos.
Não é mau agoiro, é boa
informação. O barulho que se ouve não é sequer o da bomba, é ainda apenas o do
rastilho. É curioso como o noticiário sobre a insolvência da ES International
soou até aqui a coisa abstrata. Como se não tivesse consequências concretas.
Tem, chama-se prejuízos. Muitos credores da ES International vão perder
dinheiro. Muitos nem sabiam que eram credores.
A Portugal Telecom é um caso
muito evidente, porque é uma empresa grande. Mas o veneno do papel comercial da
ES International está disperso por centenas de carteiras de investimento. O
Banco de Portugal cuidou do subgrupo que considerou mais vulnerável: os
clientes de retalho em Portugal. De fora ficaram os clientes institucionais, que
têm a obrigação de medir o risco do que andam a comprar. E de fora ficaram os
clientes de retalho através de outros países. Através da Suíça. Muitos deles
são… portugueses.
O Grupo Espírito Santo não é
dono só um de banco, o BES. É dono também de um banco na Suíça, o Banque Privée
Espírito Santo. É um banco que gere grandes fortunas e que tem muitos clientes
portugueses. Nos últimos anos, o banco ganhou ainda mais clientes, porque muita
gente teve medo do fim da moeda única e tirou dinheiro não só do país como da
zona euro. E a velha Suíça, que inexplicavelmente tem boa fama embora preste os
mais opacos serviços financeiros da Europa, acolheu fortunas imensas. E sim,
também há fortunas imensas portuguesas. Onde investiu o Banque Privée esse
dinheiro? Numa série de títulos. Incluindo em papel comercial do GES, que agora
está em “default”. Em incumprimento. Chama-se calote.
Clientes do Banco Espírito
Santo em Portugal transferiram dinheiro para o Banque Privée Espírito Santo na
Suíça que foi investido na Espírito Santo International, que está falida.
Repare-se bem no emaranhado:
clientes do Banco Espírito Santo em Portugal transferiram dinheiro para o
Banque Privée Espírito Santo na Suíça que foi em parte investido em títulos de
dívida da Espírito Santo International, que está falida.
Muita gente achará que é bem
feito, os ricos que se lixem. É uma visão errada: a frase “a justiça deve ser
igual para todos” também se aplica na lógica inversa à habitual. Mas não deixa
de ser irónico que quem tenha querido fugir do risco de o euro desaparecer
perca agora dinheiro; e que quem veja na Suíça um porto seguro perceba que a
Suíça é uma casa onde senhoras de boa fama praticam atos de mulheres de má
fama. Como dizia há mês e meio neste jornal Gabriel Zucman, autor do livro
"A Riqueza Oculta das Nações", há €30 mil milhões de portugueses na
Suíça. 80% desse dinheiro será, estima ele, de evasão fiscal. Se parte do
dinheiro que agora for perdido por clientes do Banque Privée foi não declarado,
então sim há um certo sentido de justiça: quem o perder nem vai poder
reclamá-lo, pois é dinheiro que, para fugir aos impostos (se não a outra
coisa), saiu por debaixo da mesa.
Talvez agora se comece a
perceber a dimensão do que está a acontecer no GES, que vai avançar para um
processo de reestruturação, que inclui a venda de ativos e a consolidação de
passivos da ES International e da RioForte. O processo pode ser controlado, o
dinheiro aplicado não vai ser todo perdido, mas sê-lo-á em grande parte, num
processo que durará tempo. O caso só não é pior porque o Banco de Portugal
protegeu os clientes que compraram papel comercial da ESI através do BES
(nomeadamente da gestora de fundos ESAF). Senão, já teríamos bidões a arder na
avenida da Liberdade. Assim, teremos processos judiciais. E teremos muitas
famílias ricas a perder fortunas. Muitas não fizeram nada de mal. Apenas
confiaram no nome Espírito Santo.
Ainda hoje não se sabe bem a
totalidade do buraco do Grupo Espírito Santo, mas sabe-se que a dívida em papel
comercial ultrapassa os seis mil milhões de euros. Os acionistas do GES
(família mas não só) perderão muito dinheiro. Credores como a Portugal Telecom,
a Venezuela e clientes do Banque Privée com títulos da ESI perderão dinheiro.
Muitos ainda desconhecidos também. O próprio BES também perderá crédito
concedido ao grupo, mas num valor suficiente para lhe resistir.
A sucessão vira a página no
BES, mas a família Espírito Santo enfrenta muito mais que a desonra. Enfrenta
prejuízos. No BES e no GES estamos a assistir uma mudança histórica, mas em
fases diferentes. No BES é o fim do princípio, no GES é o princípio do fim. O
BES gere pela vida, o GES luta contra a morte. Virou massa falida.
Pedro Santos Guerreiropsg@expresso.impresa. pt