domingo, 29 de junho de 2014

Economia para totós





O nosso “ajustamento” está a chegar ao fim e, aos poucos, vamos regressando aos “mercados”.  
Desse tal “ajustamento”, o resultado está à vista: baixa de salários, cortes nas pensões, desemprego, emigração, cortes na saúde, cortes na educação, cortes nos apoios sociais, empobrecimento geral, destruição da classe média, fome, exclusão, suicídios e, claro, aumento da dívida pública, como não podia deixar de ser, bem como a privatização da ANA, dos CTT e dos Estaleiros de Viana. 

Mas ainda não lhes chega, é preciso baixar ainda mais os salários, é preciso cortar mais nas pensões e tornar os cortes definitivos, é preciso entregar a saúde e a educação aos privados, é preciso concretizar o retrocesso civilizacional que se propuseram levar a cabo, é preciso entregar a TAP aos amigos, bem como as Águas de Portugal e, pasme-se, já se fala até da privatização da Segurança Social. É já a seguir, com o “programa cautelar”. 

Num futuro próximo estaremos “ajustados” ao Bangladesh. Nessa altura, a nossa economia será concorrencial mas, regressemos então aos “mercados”. 
Nos tempos que correm, as palavras já não querem dizer nada. São como bolinhas de sabão, paroles, paroles… deixemo-nos de eufemismos e tratemos os bois pelos nomes: mercados é sinónimo de alta finança, nacional e internacional. Ponto final!
Tempos houve em que tínhamos um Banco de Portugal que servia para alguma coisa, que podia imprimir moeda, que controlava a economia, que regulava o sistema financeiro e que fiscalizava a banca. Hoje, o Banco de Portugal não serve para nada a não ser atribuir reformas principescas, não temos independência económica, temos uma moeda que nos é desfavorável e estamos subjugados pelo Banco Central Europeu, governado por um mafioso que empresta dinheiro aos “mercados” a 1%, para que estes “ajudem” os países a 5 e 6%.

Vivemos ao sabor dos humores das agências de ratting e da ganância dos “mercados”, e estes, que em tempos foram controlados pelos Estados, têm hoje o poder de colocar povos, países inteiros de joelhos, fazendo-o sem qualquer pudor. 

É esta a nossa economia, uma economia para totós, e os totós somos nós, são os nossos filhos e serão os nossos netos, que passarão as suas vidas a engordar os “mercados”.

Algures entre tratados, neste processo de integração europeia em que nunca acreditei porque já cá ando há muitos anos e sei de que massa somos feitos, fomos traídos. 
De uma Europa que se esperava solidária, para as pessoas, para a cultura, para o trabalho e o bem estar social, resultou uma Europa dos “mercados”, da ganância, do desemprego, da exclusão, da fome e dos suicídios.
 
Não tenhamos ilusões: os neo-liberais, para quem as pessoas não passam de números, estatísticas, e o que conta são os “mercados” e os cifrões, vieram para ficar e ficarão por muitos anos. Ganharam a batalha e não tiveram que se esforçar muito. Bastou-lhes colocar meia dúzia de marionetes em lugares chave e esperar que os “socialistas” e “sociais-democratas” europeus lhes entregassem a Europa de mão beijada. Um verdadeiro golpe palaciano do qual nos arrependeremos para sempre, porque esta gente causa mais estragos e mata mais gente que os ditadores. 

Quem não tiver seguro de saúde, morrerá à porta dos hospitais, os velhos, os improdutivos e os desempregados morrerão à fome ou ficarão entregues à caridade.  
Mas nem todos nos deixamos embalar por eufemismos. Pena é que sejamos poucos… por agora!


Carlos Galvão

sábado, 28 de junho de 2014

A Seleção de Portugal ou o Portugal da Seleção?

Um artigo que também nos põe a pensar. A pensar na Seleção mas, sobretudo, para além dela.

Já agora, a afirmação de Paulo Bento: "Tivemos o que merecemos". Lembram-se?

Oh, my God!





A comunicação social quase não falou no assunto, mas a selecção portuguesa de futebol foi eliminada do mundial do Brasil. E é uma tragédia nacional.

Pessoalmente, ainda estou que nem posso. Não me conformo com a ideia de deixar de ver directos nos telejornais sobre a chegada do autocarro da selecção ao hotel. Acompanhava com enorme comoção patriótica o destino daquelas litradas de azeite e daqueles quintais de bacalhau que nunca mais vou saber como terminarão. Vou ter que começar a conviver com a imprevisibilidade de mudar de canal sem saber o que me espera e tanta incerteza prejudica a minha estabilidade emocional. Ao menos que algum daqueles especialistas em tudo e mais alguma coisa, os tais que agora dizem de si próprios serem intelectuais de direita sem medo, se atrevesse a propor para os jogadores e equipa técnica da selecção a sua receita infalível para fazer aumentar a produtividade do país.

Não que defenda reduções de salários como estratégia para se conseguir mais do que desequilibrar contas públicas que são função de uma estrutura fiscal salário-dependente, rebentar com o consumo que sustenta a grande maioria das nossas empresas, concentrar ainda mais a riqueza e eternizar o atraso estrutural do país.

Ninguém trabalha melhor ou produz mais por receber menos, pelo contrário, e os jogadores de futebol não são excepção. Mas podia ser que, se algum destes génios tivesse coragem para tanto, a manada que se entusiasma com o espectáculo de um autocarro a chegar a um hotel e com os penteados do Cristiano Ronaldo se desse conta dos disparates debitados por esta tropa de elite.


Não digo que se revoltassem, o 12º jogador comprovadamente é gado manso. Mas podia ser que, confrontados com o que estão a permitir acontecer no país que deixarão a filhos e netos, se lembrassem deles na próxima vez que gritassem “viva Portugal”.

“Viva Portugal” não é aquilo. Viva Portugal é o país que poderíamos ser se não nos contentássemos com sonhos pequeninos como a conquista de uma porcaria de um mundial de futebol.  Ainda por cima um mundial feito com milhões roubados à Saúde, à Educação, à Habitação do país sonhado por tantos brasileiros que se organizaram para dizer ao mundo o significado do “viva o Brasil” que querem que viva, e que não é o Brasil do futebol.

Soubéssemos nós reaprender com eles a sonhar em vez de andarmos sempre a dizer adeus ao sonho. Teria sido o nosso melhor mundial de todos os tempos. "Não há-de ser nada". Fica para uma próxima. Fica sempre.


Filipe Tourais in http://opaisdoburro.blogspot.pt/

Nuno Crato e os colégios privados





A notícia que na noite de ontem o Ministério de Nuno Crato pôs a circular é um bom exemplo de como o actual Governo brinca com a percepção e com o dinheiro dos portugueses ao mesmo tempo que vai destruindo a Escola pública e as vidas de milhares de profissionais da Educação.
O título – "Governo pretende financiar menos 64 turmas em colégios já no próximo ano" – é bastante claro quanto ao seu objectivo de injectar na opinião pública a ideia de que os cortes também já estão a chegar aos colégios privados com contrato de associação.
Quem continuar a ler verifica que afinal não são bem 64 turmas, podem ser apenas 44. E de 44 a 64 num universo de quantas?
O texto é omisso quanto ao total de turmas que estão a ser financiadas. Apenas diz que as últimas estatísticas da educação disponíveis são de 2012 e apontam para 373.847 inscritos no ensino particular e cooperativo, do pré-escolar ao secundário, mas se nos dermos ao trabalho de procurar um pouco mais ficamos a saber que o universo é de 1809 turmas. Vezes 81.023 euros de subsídio por turma dá a módica quantia de 146,57 milhões, dos quais o Governo diz que, graças a aturadíssimas negociações e não à bruta, como faz nas escolas do Estado, vai poupar 5 milhões. 5 em  146,57 milhões corresponde a uma redução de 3,41%, 64 em 1809 turmas a uma redução de 3,53%  e 44 em 1809 a não mais do que uma variação negativa de 2,43%.
Tudo a ver com a brutalidade dos 1,1 mil milhões que o Governo reduziu em 3 anos aos cerca de 8 mil milhões de euros orçamentados para a Educação em 2011, uma variação negativa de 13,75% em três anos, o triplo do previsto no mesmo memorando que também mandava reduzir as transferências para escolas privadas com contratos de associação que ficaram por fazer, apesar da ilegalidade que é o traço comum de grande parte destes financiamentos, nomeadamente o financiamento de escolas que, porque funcionam a pouquíssima distância de escolas do Estado, nunca poderiam receber um cêntimo sequer. Mas recebem milhões.
A propaganda teve o cuidado de branquear a ilegalidade na primeira frase e de   sublinhar como será resolvida sem fazer perigar o interesse privado na segunda.


Filipe Tourais no blogue "O país do burro"

segunda-feira, 9 de junho de 2014

António Ferreira Gomes – De joelhos diante de Deus, de pé diante dos homens




Um trabalho excelente sobre um homem notável - D. ANTÓNIO FERREIRA GOMES, bispo do Porto, homem de fé e de combate contra o salazarismo.

Vídeo:

António Ferreira Gomes – De joelhos diante de Deus, de pé diante dos homens


A carta, o exílio e a dissidência…fazem de D. António Ferreira Gomes uma das maiores figuras da Igreja do século XX. 

“Personalidade granítica”, “homem capaz de liberdade e construtor de homens livres”, “um pastor da Igreja”, “uma figura austera”, “alguém que resistiu”…assim testemunham Carlos Azevedo, Manuel da Silva Martins, Fernando Ferreira Gomes, José Barreto, Irene Pimentel, José Ferreira Gomes, Mário Soares e António Costa Pinto, num documentário biográfico sobre o bispo controverso, D. António Ferreira Gomes.
Nasce no início do século XX na freguesia de Milhundos, Penafiel. António era o quarto de nove filhos de um casal de agricultores abastados. Com uma forte tradição religiosa no seio familiar, não foi de estranhar que com apenas 10 anos fosse enviado para o Seminário. Faz o curso de Teologia no Seminário da Sé e com 19 anos rasgou horizontes e foi continuar os estudos no Colégio Pontifício Português em Roma. Firmado no seu imperturbável pensamento, após o regresso, dedica-se ao ensino e foi um exigente professor de filosofia no Seminário de Vilar. Sobressai entre o corpo de docentes pelo seu lado humanizante, apreciado com entusiasmo pelos alunos.

Quando nada o fazia prever, é nomeado Bispo de Portalegre e Castelo Branco, sendo na altura um dos Bispos mais novos em Portugal, e aí a sua vida mudou irremediavelmente, como o próprio diz “o problema foi tornarem-me Bispo”. A sua sensibilidade vem desde logo ao de cima com a situação do proletariado alentejano. Pouco tempo depois é nomeado Bispo do Porto. As eleições fraudulentas de 1958, ditaram a história do país e a sua. Escreve o famoso pró-memória (conhecido como Carta a Salazar), documento que antecipa os pontos de discussão de uma entrevista agendada com o ditador. Linhas intermináveis de uma crítica cerrada à miséria social do povo português, ao corporativismo do Estado e à exigência da livre expressão do pensamento e ação política. Terminaram, assim, os tempos de quietude. Controlado e perseguido pela PIDE, acusado de louco, de comunista, de ser “o bispo das oposições” tornou-se, segundo Irene Pimentel, “a figura incómoda para o regime”.

Pagou alto o preço dos seus ideais, com dez longos anos de exílio, vividos em condições miseráveis, entre Espanha, Alemanha, Itália e França. Abandonado pelo episcopado português e sempre pressionado a renunciar ao seu cargo de Bispo do Porto, inclusive pelo Papa, conseguiu manter-se fiel até ao fim e nunca renunciou. Com Marcelo Caetano no poder, vislumbrou o fim do exílio. Regressou à diocese, como se nunca tivesse saído. Depois do 25 de Abril, foi a figura da Igreja mais identificada com a democracia, por ter sido protagonista de um momento na história que marca uma maior autonomia entre a Igreja Católica e o regime autoritário.

Aceitou livremente a morte com a mesma lucidez com que viveu, “De joelhos diante de Deus, de pé diante dos homens”. Até ao fim com a dignidade de estar de pé, de não se vergar perante o poder.

D. António Ferreira Gomes (1906 – 1989), o Bispo ao serviço da liberdade.

BES de Angola não sabe a quem emprestou 5,7 mil milhões de dólares?




O BES de Angola não sabe a quem emprestou 5,7 mil milhões de dólares

O semanário Expresso noticia este sábado que o BES Angola não sabe a quem emprestou 5,7 mil milhões de dólares, sendo que a atual administração suspeita que 745 milhões foram parar às mãos de Álvaro Sobrinho, presidente daquele banco até 2012.

O empresário angolano Álvaro Madaleno Sobrinho é dono da Newshold, grupo angolano que, além do semanário Sol, controla 15% da Cofina (Correio da Manhã, Jornal de Negócios, revista Sábado), bem como o jornal i. A Newshold ficou conhecida por ter entrado na corrida pela privatização da RTP, entretanto gorada.

Segundo o Expresso, a situação do BESA foi explicada pelo novo CEO do banco, Rui Guerra, aos acionistas em duas reuniões que decorreram em Angola em finais de 2013. O panorama apresentado por Guerra foi no mínimo inusitado: para um valor de 5,7 mil milhões de dólares de crédito concedido pelo BESA, que representa nada menos que 80% do total da carteira, não há informação sobre quem são os beneficiários económicos nem para que fins foi utilizado o dinheiro. Há muito poucas garantias reais e as que existem não estão avaliadas.

O próprio José Eduardo dos Santos mandou dar garantias

Recorde-se que o presidente do BES, Ricardo Salgado, reconheceu recentemente que houve problemas no BESA e que o banco recorreu diretamente ao governo angolano para obter uma garantia que cobrisse o crédito duvidoso. “O presidente José Eduardo dos Santos teve uma grande atenção, com certeza, na decisão [de ser dada uma garantia do Estado angolano que cobre de 70% do crédito do BESA]. Eu estou reconhecido porque também foi consideração em relação ao Grupo Espírito Santo. (…) A garantia é inequívoca”, disse Ricardo Salgado em entrevista ao Jornal de Negócios.
A notícia do buraco nas contas do BESA já fora dada pelo site informativo Maka Angola e reproduzida pelo Esquerda.net. O jornalista Rafael Marques calculava que os créditos malparados eram na ordem dos 6.500 milhões de dólares, incluindo 1.500 milhões em juros – um valor não muito diferente do que foi adiantado agora pelo Expresso.

Empréstimos generosamente distribuídos a figuras proeminentes do MPLA

Segundo o artigo do Maka Angola, a origem do buraco foram os empréstimos generosamente distribuídos por Álvaro Sobrinho, “a conhecidas figuras do regime angolano, incluindo vários membros do Bureau Político do MPLA”.

Segundo o Expresso, na reunião de acionistas Sobrinho afirmou que a ausência de controlo na aplicação dos fundos emprestados é uma falha antiga na gestão do BESA, muito comum em África, e que sempre reportou toda a informação ao conselho de administração do BESA sendo que a maioria dos administradores foram nomeados pelo BES. Alegou também que o BESA sempre prestou informação detalhada ao BES, nomeadamente sobre os grandes riscos, bem como ao Banco Nacional de Angola e que os auditores, KPMG, nunca colocaram quaisquer questões ou reservas relevantes às contas.
Estavam presentes na reunião Ricardo Salgado (BES), o general Leopoldino Fragoso do Nascimento (Geni), o general Manuel Hélder Vieira Dias “Kopelipa” (Portmill) e o próprio Álvaro Sobrinho, acionista individual.

Estado angolano poderá passar a ser principal acionista

Uma fonte ouvida pelo Expresso afirma que há uma alta probabilidade de que o aval do governo angolano terá de ser executado, de modo a proteger o Banco Espírito Santo de impactos diretos nos resultados e no seu capital. Nesse caso, o aval poderá ser convertida em capital social do BESA, o que tornaria o Estado angolano no principal acionista do banco, cujo capital social não chega aos 700 milhões de dólares.