quarta-feira, 2 de agosto de 2017

Homenagem à avó

Luís Osório (autor)


A mulher da minha vida


Soube da sua morte pelo telefone. Chorei como se as lágrimas pudessem durar para sempre; ao fim de um longo tempo julguei que elas nunca mais deixariam de me correr. Mas as lágrimas terminam como tudo o resto, como a vida dos que amamos e nos fizeram, para o bem e para o mal, ser estes. Que me fizeram ser este.

A avó Joaquina, mãe da minha mãe. Teria feito 100 anos no princípio desta semana. Teríamos celebrado com um bolo de chantilly e três velas se aquele telefonema não tivesse existido ou eu não o tivesse atendido – pergunto-me bastas vezes se fiz bem em fazê-lo, se porventura poderia ter evitado a sua morte se o preferisse ter ignorado, se não lhe tivesse dado importância. A partir daí mantive-o em silêncio. Na maior parte das vezes, quanto muito, vibra sem tocar.

Foi, num certo sentido, a mulher da minha vida.

Tinha a quarta classe mal tirada. Nascera nas Mouriscas, terra de Abrantes, e aprender a ler e contar era menos importante do que fazer-se à vida. Aprendeu a costurar numa máquina com um pedal, fazia soutiens que depois levava ao patrão. Recordo-me bem. Apanhávamos o 9 em Campo de Ourique, descíamos à Estrela, passávamos pelo Largo do Rato, descíamos ao Marquês de Pombal e atravessávamos a Avenida da Liberdade até alcançar os Restauradores. O patrão trabalhava aí, num prédio alto ao lado do Hotel Avenida, subíamos vários andares num elevador que imaginei num filme de Orson Welles. As meninas faziam-me uma festa enquanto o patrão recebia os soutiens e lhe dava notas em troca. A avó guardava-as no seu porta-moedas. Fazíamos o caminho de volta. Nunca mais haveria de ser tão feliz. Só que não o sabia.

O cheiro do pastelão de ovos ou do frango de fricassé. Tantas vezes ainda o sinto, como se ela tivesse regressado de uma longa viagem, estivesse na cozinha e me fosse outra vez chamar para vir para a mesa.

Chamava-me Miguel. Como toda a família que já existia antes de mim; assim me reconhecia. Após a sua partida, e da morte de minha mãe, passei a ser outro nome, o Miguel deixou de existir.

Levava-me um pão embrulhado num pano ao recreio da escola primária. E acordava-me nas manhãs com um pequeno-almoço que me pousava na cama. Aos fins-de-semana comprava-me o jornal desportivo e nunca se esquecia de me despertar com um beijinho. Quando comecei a sair era com o seu dinheiro – de três em três meses oferecia-me mil escudos que gastava religiosamente em livros e numas cervejas.

A primeira vez que me apaixonei foi ela quem me deu o dinheiro para o jantar. E no rescaldo da tragédia foi ela a tranquilizar-me. A menina achava-me graça mas não a suficiente. Convenceu-me então que os grandes amores ainda estavam para vir. Assim como os grandes projectos.
Morreu a 13 de Setembro de 2000. E o funeral celebrou-se no dia em que fiz 29 anos. Na semana anterior quis ver-me, tinha coisas para serem ditas, não desejava ir embora sem mas dizer. Ouvi-a. Informou-me que não ia durar muito, estava cansada e, mais do que nunca, a sua cabeça estava cheia de imagens de infância, como se sentisse que já não pertencia a este tempo, mas a outro que não entendia bem. Não mo disse nestas palavras, interpretei-as assim e quando as recordo é assim que as recordo.

Queria despedir-se. Dizer-me que guardara para mim o dinheiro que juntara na sua vida. Para mim, para a Zé e para o André que acabara de fazer dois anos. Deu-me o seu porta-moedas. Dentro dele estavam vinte contos: a maior fortuna que poderia ambicionar. Guardei-o como a mais preciosa das jóias. A única coisa que verdadeiramente me pertence, que sinto me pertence.
A avó faria 100 anos.

Não assistiu à morte dos seus dois filhos. Não viu nascer o irmão do André, o meu segundo a quem baptizámos de Miguel em homenagem ao amor incondicional que sentia por mim. Não me viu em divórcios, o que lhe teria sido pesado.

Uma mulher extraordinária. Que me ensinou o valor das coisas que não se têm de dizer. Que se sacrificou por mim como se a sua vida não fosse importante, só a minha. Por isso, cada coisa que faço, penso ou sinto é nela que esbarro – no que não comeu para que eu comesse, no que não viveu para que eu vivesse, no que não sentiu para que eu sentisse.

Um dia, num livro de pensamentos, escrevi: «Uma família empurrava um carro em plena avenida – já não lhes bastava a crise, as arrelias e o preço da gasolina, agora também o motor. Há alturas em que um pequeno problema, somado a um mundo de outras angústias, é capaz de desencadear uma tempestade perfeita. A imagem fez-me regressar a uma madrugada em que, numa esquina perigosa, empurrei um automóvel com a avó Joaquina lá dentro. É a ela que volto quando alguém empurra carros em pequenas ruas ou largas avenidas. Nunca perco a oportunidade de olhar lá para dentro – as pessoas não imaginam que procuro o sorriso de uma avó de quem tenho tantas saudades».

É isso, só isso. O resto é silêncio. Por vezes, ruidoso. Noutras, um mar calmo. 





in http://ospontosdevista.blogs.sapo.pt/luis-osorio-a-mulher-da-minha-vida-780295


domingo, 30 de julho de 2017

Quanto custa a VIDA?


Quanto custa a VIDA? Quanto custa VIVER? De que é feita a VIDA?

Que vida  a destas crianças! Destemidas, enfrentam a morte para se aguentarem com vida. Elas e a sua família.

Que revolta continuarmos a ver uma globalização que cava cada vez mais o fosso entre ricos e pobres. E políticas que esquecem o cidadão, os direitos humanos, a dignidade humana... 

Nunca tinha visto uma coisa assim. 


A VIDA, lado a lado com a MORTE.









sábado, 29 de julho de 2017

As crianças foram as mais afetadas pelo aumento da pobreza ou exclusão social



Não me surpreende, infelizmente, mas segundo uma notícia da RR de hoje, as crianças foram as mais afetadas pelo aumento da pobreza ou exclusão social.

Dados do Instituto Nacional de Estatística (INE) divulgados esta quinta-feira referem que em 2013 mais de ¼ dos portugueses vivia em privação material, isto é, muito muito pobre, e que, em relação às crianças, a intensidade da pobreza para este grupo aumentou 6,2 pontos percentuais em 2012 face ao ano anterior.

Se considerarmos que um agregado está em privação material quando não tem acesso a pelo menos três itens de uma lista de nove relacionados com necessidades económicas e bens duráveis, a saber, atrasos no pagamento de rendas, empréstimos ou despesas correntes da casa, não conseguir comer uma refeição de carne e peixe de dois em dois dias, não ter carro, televisão ou máquina de lavar roupa ou não conseguir fazer face ao pagamento de uma despesa inesperada, entre outros, é simplesmente aterrador pensar como estamos e como vamos continuar a estar.

Os resultados definitivos do Inquérito às Condições de Vida e Rendimento realizado em 2013, sobre rendimentos de 2012, referem que a população infantil apresenta, desde 2010, riscos de pobreza ou exclusão social superiores aos da população em geral.

Os dados divulgados neste dia por ocasião da comemoração do Dia Internacional da Erradicação da Pobreza (17 de Outubro), mostram que as crianças foram as mais afetadas pelo aumento da pobreza ou exclusão social (mais 3,8 pontos percentuais entre 2012 e 2013).
De acordo com este inquérito, 18,7% das pessoas estavam em risco de pobreza em 2012, o valor mais elevado no período iniciado em 2009 (entre 2009 e 2011 o risco de pobreza afetava, em média, cerca de 17,9% da população residente).

Até quando esta realidade cada vez mais medonha e mais trágica para os pobres?

Até quando esta política de austeridade cruel e desumana, implacável para com os que sempre viveram à espera de melhores dias? 

Até quando este fosso cada vez mais cavado entre ricos e pobres?


Portugal está muito orgulhoso de ter conseguido uma 'saída limpa' do programa de resgate. É uma 'saída limpa' de um ponto de vista económico e financeiro mas é uma saída muito dolorosa para muita gente, disse Salil Shetty, da Amnistia Internacional, em entrevista à agência Lusa.

segunda-feira, 17 de julho de 2017

terça-feira, 4 de julho de 2017

Escolas seguem orientações da tutela e há alunos a passar de ano tendo negativa a metade das disciplinas?

Foto do jornal I 

Li esta notícia.

Nem tudo o que parece é, mas...

São os professores que conhecem os alunos, que conhecem a realidade.
Avaliar é algo muito sério. Transitarem ou não, é uma decisão que cabe aos professores, decisão tantas vezes limitada, é certo, por regulamentação da tutela muito desajustada do terreno.
Também é verdade que as escolas continuam a ter demasiada burocracia, demasiadas grelhas e planos, como se o aluno e a turma e o processo de aprendizagem se pudessem restringir a linhas rectas e perpendiculares, que pouco ou muito pouco cruzam ou sequer tangem com a verdadeira realidade.
Parece que o professor não tem autoridade, segurança e independência no seu trabalho, tal é a necessidade incrível de tudo ter passado a ser justificável por números e mais números, planos e mais planos, grelhas e mais grelhas Excel, lindas, coloridas, mas tão perversamente esclarecedoras e realistas.
Nem tudo tem ou deve ser quantificável.
Muita coisa (há muito!) devia ser ser revista no âmbito da avaliação, seguramente, das tarefas mais difíceis de um professor mas, também, das que mais tem sofrido nas mãos deste ou daquele governo, deste ou daquele ministro da educação. 
Enquanto tivermos nas escolas professores acólitos, subservientes à tutela e aos pais, com falta de profissionalismo (porque também disto se trata), falta de personalidade, acríticos, que fingem fazer aquilo que de facto só a realidade turma evidencia, porque, aí, é que se joga o tudo ou nada, o que se sabe ou não, o que se faz ou finge saber... enquanto tivermos nas escolas gente que não se sente professor mas que o diz ser, gente que não gosta de ensinar mas que o diz fazer... teremos esta situação que a notícia transmite, e não só. 
Numa profissão cada vez mais exigente e mais dura, porque a sua essência parte da realidade social, ela própria, cada vez mais desestruturada e complexa à qual vai buscar o seu objecto de trabalho, teremos todos estes males a ensombrarem a missão extraordinária de quem ensina porque gosta mas também porque sabe.
Convém continuar a lembrar que os problemas na Educação e nas Escolas passam sobretudo (e muito) pela resolução dos grandes problemas e das grandes e legítimas reivindicações dos professores, leia-se, dos professores que gostam de o ser e que na realidade isso têm provado àqueles que de facto mais próximos de si estão - os seus alunos -, apesar das condições em que o fazem, quer materiais quer salariais.
Os bons professores precisam de uma tutela que os ouça e que com eles colabore e neles reconheça a imprescindibilidade de um trabalho que missão chega a ser, o mesmo se aplicando a certos 
alunos e a certos encarregados de educação, tantas vezes, eles próprios, obstáculos a uma sã e desejável relação  de proximidade responsável.

Nazaré Oliveira


domingo, 2 de julho de 2017

Portugal é um paiol roubado



 Já viram o que ultimamente se anda a passar em Portugal?
Cada vez mais crimes, cada vez mais criminosos, cada vez mais irresponsáveis, cada vez mais gente "do topo" com brutas mordomias e brutas remunerações a mostrar escandalosamente que não cumpre minimamente o seu dever, que nos envergonha como povo e nos ensombra a democracia e as conquistas que abril nos deu.
Escalpelizam cada vez mais o Estado Social, para nosso infortúnio, e nada fazem para merecer aquilo que altivamente ostentam: os títulos, as condecorações, os lugares na sociedade, na política... 
Ainda mal refeitos dos horrores de Pedrogão e do terror que se viveu, aguardando com ansiedade que a justiça corra célere e a verdade também, recordo, igualmente, a morte daqueles jovens que nos Comandos perderam a vida graças à estupidificação de treinos militares, e de militares que nunca o deveriam ser, ao ponto de terem contribuído para desfecho tão doloroso e ao mesmo tempo revoltante porque inadmissível.
Mergulhada nestes pensamentos, lendo o que tenho lido, vendo o que tenho visto, deparo-me hoje, mais uma vez pela imprensa, com o cenário negro de um país continuamente adiado em princípios e valores humanistas, concluindo quão lamacento anda Portugal e os seus "mandantes" mais os que ainda dormem o sono da razão.
O que chama logo a atenção e nos revolve as entranhas e nos revolta, são os títulos, claro, mas sobretudo, saber, neste caso, que o perímetro que circunda as unidades ficara sem a habitual vigilância das rondas feitas por militares da base na noite de terça para quarta-feira, quando se deu o assalto, que dentro das instalações estavam quase 20 paióis e apenas três foram assaltados, precisamente aqueles que tinham material relevante, sem a habitual vigilância de militares durante quase 20 horas e que, pasmem-se outra vez, que a vedação estava danificada  além de o sistema de videovigilância estar inoperacional há pelo menos dois anos!
Que é isto? Onde estão ou andavam os responsáveis? Que têm feito ao longo dos anos?
Se fosse um professor a faltar às aulas, por razões de força maior, justificadas, "caía o Carmo e a Trindade"!
Se fosse um médico "apanhado" a descansar a cabeça por breves momentos, numa urgência, de madrugada, "caía o Carmo e a Trindade”!
Um indivíduo que fora apanhado a roubar um champô (noticiado pelos jornais) foi logo preso. Estes militares...
Triste país! Parece que o que interessa mesmo é saber que o Ronaldo tem mais 2 filhos encomendados, que o Benfica está assim e assado, que o tal do Sporting casou outra vez, que se transferiu o jogador A para o clube B e que isso rendeu milhões e milhões ...
Estou farta disto! Nunca mais acabam estas merdices e estes merdosos.
Para ajudar, temos à porta as eleições autárquicas: todos "bentos e santos", sorridentes, bem-falantes, honestos, sérios, "limpinhos"...
Mas eu vou votar. Sim, vou votar mas não "nesta tropa".

Nazaré Oliveira

Ler notícia do PÚBLICO aqui.

Simone Veil

Simone Veil (1927-2017), a sobrevivente que fez história pelas mulheres

Foi protagonista da lei que em 1974 despenalizou o aborto, europeísta convicta, magistrada e uma das figuras políticas mais amadas de França. Antes de tudo isso, sobreviveu ao inferno dos campos de concentração.


Foi a 26 de Novembro de 1974 que Simone Veil subiu à tribuna da Assembleia Nacional francesa para falar em nome das 300 mil mulheres que todos os anos abortavam clandestinamente no país. “Não podemos continuar a fechar os olhos”, disse a então ministra da Saúde, num discurso que seria repetido por muitas outras depois dela e que a França voltou a recordar no dia em que chorou a morte de uma das suas personalidades políticas mais amadas.
Há muitas dimensões nos 89 anos de vida de Veil, a jovem judia deportada para os campos de concentração nazi que sobreviveu para se tornar magistrada e ministra, a combatente pelos direitos reprodutivos das mulheres, a primeira Presidente do Parlamento Europeu eleito por sufrágio universal, a constitucionalista e voz empenhada em todas as causas em que acreditava.
“Possa o seu exemplo inspirar os nossos compatriotas, que nele encontrarão o melhor de França”, reagiu o Presidente Emmanuel Macron, logo depois de a família ter anunciado a sua morte. “Que a sua vida exemplar permaneça uma referência para todos os jovens de hoje. Era uma mulher excepcional que conheceu as maiores felicidades e as maiores tragédias na vida”, escreveu o antigo Presidente Valéry Giscard d'Estaing, que em 1974 lhe entregou a pasta da Saúde e a tarefa – então quase suicida, sobretudo para um Governo de direita – de fazer aprovar a despenalização da interrupção voluntária da gravidez com que ele se comprometera na campanha.
Ela não o desiludiu, mesmo que já no final da vida tivesse confessado que acreditava que “não iria durar mais de umas semanas” no cargo, o tempo necessário “para cometer alguma asneira”.
Mas em vez de insegurança, mostrou convicção, mesmo perante os piores insultos. “Nenhuma mulher recorre de ânimo leve ao aborto. Ele continuará a ser sempre um drama”, afirmou a jovem ministra, perante um hemiciclo onde apenas nove dos 490 lugares eram ocupados por mulheres. O debate demorou três dias, mas a lei – que assumiria o seu nome – acabou por ser aprovada por 284 votos a favor, fazendo de França o primeiro país de maioria católica a despenalizar a IVG. “Se sinto orgulho? Não, mas sinto uma grande satisfação porque isto era muito importante para as mulheres, porque era um problema que me era caro há muito tempo”, responderia anos mais tarde.

Sobrevivente
O carácter que a definiria – “uma rocha”, na descrição do Libération – atribuiu-o ela própria à sua infância e, sobretudo, à experiência inimaginável do Holocausto, que foi a sua companhia permanente. “Tenho a convicção que no dia em que morrer, será na Shoah que pensarei”, disse ao Le Monde em 2009.
Simone nasceu em 1927, a mais nova de quatro filhos de uma família judia burguesa – o pai um arquitecto premiado, a mãe forçada pelas regras da sociedade a abandonar os estudos de Química para cuidar da família. Uma infância feliz brutalmente interrompida pela II Guerra e a invasão nazi. A família foi presa e deportada em Março de 1944, o pai e o irmão num comboio com destino à Lituânia, onde acabariam por morrer em circunstâncias nunca apuradas; ela, a mãe e uma das irmãs enviadas para Auschwitz-Birkenau. Sobreviveu aos trabalhos forçados – contou que foi protegida por uma guarda prisional que lhe disse que “era demasiado bonita para morrer ali” – aos quilómetros da fuga forçada através da neve que terminou no campo de Bergen-Belsen, onde a mãe, doente com tifo, morreria dias antes da libertação.
Com o número de prisioneira – 78651 – para sempre tatuado no braço, Simone regressou a França, matriculou-se na Sciences Po, onde conheceu Antoine Veil, seu marido em pouco tempo. Tiveram três filhos e foi então que, após duras discussões conjugais, convenceu Antoine de que não iria ficar em casa. Ele aceitou na condição que ela fosse magistrada e sua ascensão foi imparável: em 1969 foi nomeada conselheira do então ministro da Justiça, no ano seguinte tornou-se a primeira mulher secretária-geral do Conselho Superior da Magistratura. Em 1974 chegaria o convite que marcou a sua carreira política.

Europeísta convicta
Alguns sobreviventes do Holocausto “ficaram para sempre esmagados pela imensa catástrofe. Outros demonstraram uma energia incrível, como se o facto de terem filhos ou dedicarem-se a uma profissão constituísse uma espécie de vitória sobre o nazismo, como se quisessem que os seus pais desaparecidos tivessem orgulho neles. Simone Veil pertencia sem dúvida a estes últimos”, escreveu Serge Klarsfeld, amigo e presidente da Associação de Filhos e Filhas dos Judeus Deportados de França, citado pelo Le Monde.
Mas a experiência do Holocausto tornou também Simone Veil numa europeísta convicta. “A Europa arrastou por duas vezes o mundo inteiro para a guerra. Ela deve encarnar agora a paz”, era uma das suas favoritas, recorda o Libération. A pedido de Giscard d'Estaing concorre às primeiras eleições europeias e acaba por assumir a presidência do Parlamento Europeu. Jacques Delors, futuro presidente da Comissão Europeia, recorda que entre o entusiasmo desses dias iniciais da integração europeia Simone Veil “demonstrou ter uma qualidade rara, a do discernimento”, sublinhando sempre as dificuldades do caminho.
Regressaria ao Governo francês em 1993, mas seria no Conselho Constitucional, a mais alta instância judicial, que passaria a última década da sua vida activa. Acumulou distinções – a Legião de Honra, a Academia Francesa, a presidência da Fundação para a Memória da Shoah. Nos últimos anos, a idade e a doença foram-na afastando da vida pública, mas não do imaginário dos franceses, que continuavam a considerá-la uma das figuras políticas mais populares.
“Continuo a acreditar que vale sempre a pena batermo-nos por qualquer coisa. Digam o que disserem, a humanidade está hoje mais suportável do que no passado”, afirmou há alguns anos ao Libération. “Acusam-me de ser autoritária. Mas só me arrependo de não me ter batido por esta ou aquela questão”.