quinta-feira, 31 de março de 2016

A Dívida, elemento-chave da nossa submissão ao sistema económico



*Desde que as Nações são Estados e que os Estados são Repúbllicas, os mais ricos da sociedade dedicam-se a enfraquecer ao máximo esses Estados e as suas instituições, para garantir a si próprios uma situação de máxima liberdade.
  
Estes ricos são os liberais e procuram reduzir a influência dos Estados, que eles consideram demasiado poderosos e muito pouco virtuosos. A História demonstra-o: nas raras ocasiões nas quais um Estado se tornou poderoso e, portanto, independente da influência dos seus súbditos mais ricos, esses ricos começaram a recear o poder do Estado e dedicaram-se a destrui-lo. 

Para os ricos, é ainda pior quando o Estado é sustentado pelo Povo, pois nesse caso é legítimo. 

É por isso que por trás, através dos “media”, eles tentam descredibilizar o Estado e atrair contra ele as iras do Povo. Porque, para destruir o Estado, o rico tem uma estratégia eficaz: arruiná-lo! E funciona! 

Para tal, o rico possui dois meios eficazes: 

1 - Pagar o mínimo possível de impostos (isenções fiscais, sabotagem de todos os impostos sobre a riqueza que visem maior justiça fiscal, liberallização das Leis do Trabalho, optimização fiscal e exílio em paraísos fiscais, etc.) Evidentemente, isto só funciona se os mais pobres, esses, continuarem a pagar os seus impostos. 

2 - Endividar o Estado, emprestando-lhe dinheiro e obrigando-o a reembolsar esse dinheiro com altas taxas de lucro. 


Com o objectivo de impedir exageros do Estado no momento de criar o dinheiro que lhe é necessário ao apelar ao seu Banco central, a Lei Rothschild (1973) fez, pouco a pouco, passar a criação do dinheiro do Público (Banco de França), para a banca privada. Depois dessa Lei Rothschild de 1973, depois do Tratado de Maastricht (1993), e mais ainda depois do famoso artigo 123 do Tratado de Lisboa de 2005, os Estados são obrigados a pedir empréstimos aos mercados financeiros privados, com taxas de juro pesadas! Tudo isso em vez de criar dinheiro e de o obter a taxas nulas ou quase nulas do seu Banco Central. 

O Artigo 123 do Tratado de Lisboa define que todos os Estados membros da Comunidade Europeia deixarão de ter o direito de obter empréstimos junto do seu Banco Central. Ficam com a obrigação de os solicitar nos mercados financeiros, através de juros. Descendente da Lei Pompidou-Giscard de 1973 e do artigo 104 do Tratado de Maastricht, este artigo está na origem do endividamento e das quantias astronómicas assumidas pelo Estado para o reembolso de uma dívida que não deveria existir. 



O custo dos juros dessa dívida representa a maior despesa no Orçamento do Estado e eleva-se a 153 milhões por dia, ou seja mais de 106.000 € por minuto (números referentes ao Estado Francês - NT). É uma dívida “odiosa”, porque foi contraída contra os nossos interesses, sem o nosso conhecimento, mas com total conhecimento dos credores. Resultado: A França tinha, em 2004, uma dívida de mais de 2.000 bilhões (mil milhões) de euros. Mas é preciso lembrar que a França já pagou mais de 1.400 bilhões aos seus credores nos últimos 40 anos. Apenas em juros, acrescentemos. 

Os seus credores são 65% estrangeiros e na sua maioria bancos privados e grandes clientes dos mercados financeiros! Com efeito, a França gasta todo o seu dinheiro (e o seu tempo) a reembolsar os juros da dívida, sem amortizar o reembolso da própria dívida… Uma dívida que não é moral, nem norma!

Há mais de 40 anos que as despesas públicas estão estáveis. O que acrescenta a dívida, são os juros da dívida. E, desde há 40 anos, os diversos eleitos (de extrema esquerda à extrema direita), mantêm este estado de coisas sem se questionarem. É anormal. Esta dívida é ilegítima, pois foi inteiramente criada pelos mercados, para os mercados. Com o incompreensível aval dos eleitos. 

Portanto, nós não somos responsáveis por esta dívida. Não vivemos acima das nossas possibilidades. Evidentemente que pedindo dinheiro aos bancos (que criam dinheiro do nada antes de nos pedir que o reembolsemos com dinheiro verdadeiro), cidadãos comuns contribuíram para este sistema podre. Mas quem pediu este sistema? Quem enriqueceu graças a ele? E quem foi que, depois, empobreceu por causa dele? Não é o comportamento das pessoas que devemos condenar, mas sim estes indivíduos que modificaram as estruturas da nossa economia de forma a que elas lhes aproveitam a eles e não à maioria da população... É também por isso que é incompreensível e inadmissível que o dinheiro do Estado - o nosso dinheiro - continue a reembolsar bancos quando eles fazem tudo o que lhes apetece com o que criaram a partir do nada para especular sobre tudo e mais alguma coisa. 

Mas a dívida é um poder formidável. Mete medo às pessoas que já não refletem nas causas mas apenas nas consequências. Ela impede de pensar racionalmente. Quando é comentada com um discurso moralista do género “Não podemos deixar de pagar, quando se tem uma dívida, paga-se, é ser civilizado” parece incontestável. E no entanto, como já vimos, a dívida é tudo menos moral, tudo menos normal! Tomemos consciência destas coisas. Batamo-nos contra os bancos e contra estes políticos que lhes dão plenos poderes. Não podemos atribuir estas crises a outros povos e identidades, escolhendo o recuo para o nacionalismo, que não resolve nada. Vamos informar-nos. Vamos analisar. Vamos explicar. Vamos lutar.





*Texto traduzido do blogue francês L’Indigné du Canapé

terça-feira, 29 de março de 2016

Precariedade atinge mais de 50 mil professores

A precariedade afeta um número cada vez maior de professores. Foto de Paulete Matos.


De acordo com um levantamento feito pela Fenprof, um em cada quatro professores trabalha em situação precária, havendo ainda casos de docentes do ensino superior que auferem ordenados de 500 euros.

Segundo aquela estrutura sindical, no passado ano letivo, existiam 7.281 professores a dar aulas nos institutos politécnicos e 11.735 nas universidades.
dirigente da Fenprof, Tiago Dias disse que “a taxa de precariedade é de 30 por cento nas universidades e nos politécnicos é de mais de 50 por cento” tendo acrescentado que “ existem, respetivamente, cerca de 3.250 e 3.640 docentes precários".
Existem muitos docentes que estão a auferir qualquer coisa como 500 euros por mês.
"Há professores a quem estão a fazer contratos de três ou quatro meses e depois são renovados", denunciou Tiago Dias, avançando ainda que “existem muitos docentes que estão a "auferir qualquer coisa como 500 euros por mês".
No ensino superior privado, o cenário traçado pelo dirigente sindical é ainda mais grave: "É muito pior. Não há regras. 66% dos professores estão a recibos verdes".
Para o secretário-geral da Fenprof, Mário Nogueira, a precariedade é "um problema dos professores, mas é também um problema social e das escolas, que afeta a organização das escolas mas também a qualidade do ensino".
Recurso aos tribunais
Entretanto, a Fenprof anunciou que admite “ recorrer” aos tribunais contra um processo de contratação de professores aberto pelo Instituto de Emprego e Formação Profissional (IEFP) por considerar que este é “ ilegal” na medida em que prevê a contratação a “ falsos recibos verdes”.
Mário Nogueira afirmou que “o contrato anual poderá prolongar-se por três anos” e destina-se fundamentalmente a docentes das áreas de Inglês, Matemática e Português.
Recorde-se que no início deste ano, o IEFP lançou um concurso com 868 vagas para contratar professores por um ano.
“O regime de contratação será, em todos os casos, a prestação de serviços (recibos verdes) e a remuneração é de 14,40 euros à hora” o que para aquele dirigente “é inferior ao valor que é pago aos professores contratados pelo Ministério da Educação (ME)”.
A Fenfrof refere ainda que “ além de serem contratados a recibos verdes com ordenados mais baixos do valor pago pelo ME, há ainda horários de trabalho que podem atingir as 30 horas semanais o que se situa muito acima das 22 horas estabelecidas para o exercício da docência nas escolas públicas”.

“ Estamos a aguardar uma resposta do IEFP e admitimos pôr em causa este concuro e acionar os mecanismos legais para travar este concurso”, afirmou Mário Nogueira que criticou ainda o facto de ser o próprio Estado a “fazer aquilo que não permite que os outros façam”.


in http://www.esquerda.net/artigo/precariedade-atinge-mais-de-50-mil-professores/41987 28 de Março, 2016 - 23:06h

A vingança das classes baixas e a ascensão do fascismo americano


Cartaz de Donald Trump iluminado num quintal dos subúrbios de West Des Moines, Iowa. Foto Tony Webster/Flickr

Se Clinton vencer as eleições, Trump poderá desaparecer, mas os sentimentos fascistas espalhar-se-ão. Outro Trump, talvez ainda mais vil, será vomitado das entranhas do sistema político decadente. 

Artigo de Chris Hedges. 27 de Março, 2016 - 17:02h.


Elites educadas em universidades, e ao serviço das grandes empresas e das corporações, levaram a cabo um selvagem ataque neoliberal contra as classes pobres. Estão agora a pagar por esse assalto. A sua duplicidade – corporizada em políticos como Bill e Hillary Clinton e Barack Obama – estendeu-se por várias décadas. Estas elites, muitas delas oriundas de escolas da Ivy League, da Costa Leste, falavam a linguagem dos valores – civismo, inclusão, condenação do racismo e da intolerância, preocupação com a classe média – enquanto, ao mesmo tempo, em nome dos seus amos, espetavam uma faca nas classes mais desfavorecidas. O jogo acabou.


Há milhões de norte-americanos, especialmente brancos das classes baixas, legitimamente enfurecidos com o que lhes fizeram, e às suas famílias, e às suas comunidades. Ergueram-se agora para rejeitar as políticas neo-liberais e a correcção política que lhes foi imposta por estas elites educadas nas universidades e oriundas de ambos os partidos políticos: os brancos das classes baixas abraçam o fascismo americano. E querem um certo tipo de liberdade – a liberdade para odiarem.
Estes Americanos querem ter a liberdade para usar palavras como “preto”, “porco judeu”, “chinoca”, “árabe sujo”, “maricas”. Querem liberdade para idealizar a violência e a cultura das armas. Querem liberdade para ter inimigos, para atacar fisicamente os muçulmanos, os trabalhadores ilegais, os afro-americanos, os homossexuais, e todos aqueles e aquelas que se atrevam a criticar o criptofascismo. Querem liberdade para comemorar movimentos históricos e figuras que as elites educadas nas universidades condenam, incluindo o Ku Klux Klan e os Estados Confederados. Querem liberdade para ridicularizar e rejeitar os intelectuais, as ideias, a ciência e a cultura. Querem liberdade para silenciar todos aqueles que lhes têm vindo a dizer como se devem eles comportar. E querem liberdade para dar largas à hipermasculinidade, ao racismo, ao sexismo, ao patriarcado branco. Estes são os mais fundos sentimentos que subjazem ao fascismo. E estes sentimentos são gerados pelo colapso do estado liberal.
Os democratas estão a jogar um jogo altamente perigoso ao ungirem Hillary Clinton como a sua candidata presidencial. Hillary Clinton representa a duplicidade das elites educadas nas universidades, aquelas que falam do sofrimento dos homens e das mulheres comuns, como se sentissem esse sofrimento, que elevam bem alto a bíblia da correcção política, enquanto, ao mesmo tempo, vendem os pobres e as classes trabalhadoras ao poder das grandes corporações.
Os Republicanos, dinamizados por Donald Trump, a versão cinemática e de reality-show do Duce, têm congregado eleitores, principalmente novos eleitores, ao passo que os Democratas estão muito abaixo dos valores eleitorais de 2008. (...)
No seu último livro, Achieving our Country, de 2008, Richard Rorty previu o rumo para o qual se dirigia a nossa nação pós-industrial.
Muitos daqueles que escreveram sobre as políticas socioeconómicas têm vindo a alertar para o facto de as velhas democracias industrializadas se estarem a dirigir para um período semelhante ao de Weimar, um período em que é possível que os movimentos populistas derrotem os governos constitucionais. Edward Luttwak, por exemplo, sugeriu que o fascismo poderá ser o futuro americano. O argumento principal do seu livro The Endangered American Dream é que os membros dos sindicatos e os trabalhadores não qualificados e sem qualquer tipo de estrutura organizativa perceberão, mais cedo ou mais tarde, que o seu governo não está a fazer qualquer esforço para evitar que os salários se afundem ou que os postos de trabalho se deslocalizem. Por essa altura, estes trabalhadores compreenderão que os trabalhadores mais qualificados, os que habitam as zonas mais favorecidas – eles próprios presos ao pânico de verem reduzido o seu nível de vida – não irão permitir que lhes sejam aplicados impostos destinados a criar benefícios sociais para outros que não eles.
Será então que algo se quebrará. O eleitorado menos favorecido decidirá que o sistema falhou e começará a procurar uma figura forte na qual votar – alguém capaz de lhes assegurar que, uma vez eleito, as cartas deixarão de ser dadas pelos burocratas presunçosos, pelos advogados astutos e traiçoeiros, pelos que ganham fortunas na bolsa e pelos professores pós-modernos. Será então que iremos assistir a um cenário semelhante ao do romance It Can’t Happen Here, de Sinclair Lewis. Pois, uma vez que se instale no poder uma dessas figuras fortes, ninguém pode adivinhar o futuro. Em 1932, a maior parte das previsões sobre o que poderia acontecer se Hindenburg nomeasse Hitler como Chanceler eram excessiva e descontroladamente optimistas.
O que muito provavelmente acontecerá será assistirmos ao extermínio de tudo o que foi conquistado nos últimos quarenta anos pelos americanos brancos e negros e pelos homossexuais. Tornará a estar na moda o desprezo e a troça pelas mulheres. As palavras ‘preto’, ‘escarumba’, ‘sacana de judeu’ tornarão a ser ouvidas no mercado de trabalho. Retornará todo o sadismo que a esquerda académica tentou mostrar aos estudantes como sendo inaceitável. E todo o ressentimento que os americanos incultos ou não instruídos sentem relativamente a verem os seus comportamentos ditados pelos universitários encontrará um escape.
Os movimentos fascistas constroem a sua base não a partir dos politicamente activos, mas a partir dos politicamente inactivos, os “perdedores”, os que sentem, muitas vezes de forma correcta, que não têm voz nem papel algum a desempenhar na cena política. O sociólogo Émile Durkheim alertou para o seguinte: excluir, privar, uma classe das estruturas da sociedade produz um certo tipo de “anomia” – uma condição segundo a qual a sociedade fornece escassíssimos esteios morais aos indivíduos. Os que se sentem encurralados nessa ‘anomia’, escreveu Durkheim, são presa fácil para a propaganda e propensos a serem emocionalmente conduzidos pelos movimentos de massas. Na sequência de Durkheim, Hannah Arendt observaria que “a principal característica do ‘homem de massa’ não é a brutalidade ou o retrocesso, mas o seu isolamento e a sua ausência de relações sociais normais”.
No fascismo, os destituídos e os não comprometidos, os ignorados e constantemente corrigidos pelas instituições descobrem uma voz e um sentido de empoderamento e de autoridade.
O fascismo tem por base a apatia dos que estão cansados de serem enganados e ludibriados por um sistema liberal falido, cuja única razão de votar num determinado político ou de apoiar um partido político é eleger o menos mau. Isto, para muitos eleitores, é o melhor que Hillary Clinton consegue oferecer.
Como Arendt sublinhou, os movimentos fascistas e comunistas da Europa dos anos 30, “... recrutaram os seus membros de entre esta massa de indivíduos aparentemente indiferentes, de quem todos os outros partidos haviam desistido, por os considerarem demasiado apáticos ou demasiado estúpidos para merecerem atenção. O resultado foi que a maioria dos seus membros era formada por pessoas que nunca haviam aparecido até então na cena política. Isto permitiu a introdução de métodos totalmente novos na propaganda política, bem como a indiferença perante os argumentos dos adversários políticos; estes movimentos não só se colocaram fora e contra o sistema partidário como um todo, mas ainda formaram uma filiação nunca antes alcançada, e “intocada” pelo sistema partidário. Não precisavam, pois, de refutar argumentações contrárias, antes optando por métodos que desaguavam não na persuasão, mas no assassínio, que espalhavam não a convicção, mas o terror. Encaravam o dissenso como algo que tinha, invariavelmente, origem em raízes naturais, sociais ou psicológicas, para lá do controle do indivíduo e, portanto, para lá do controle da razão. Isto teria sido uma lacuna se eles se tivessem limitado a opor-se, em livre competição, com diferentes partidos; não o era, porque eles estavam seguros de lidar com pessoas que tinham razão para serem igualmente hostis a todos os partidos.
O fascismo tem por base a apatia dos que estão cansados de serem enganados e ludibriados por um sistema liberal falido, cuja única razão de votar num determinado político ou de apoiar um partido político é eleger o menos mau. Isto, para muitos eleitores, é o melhor que Hillary Clinton consegue oferecer.
O fascismo exprime-se através de símbolos familiares, nacionais e religiosos reconfortantes, por isso surge ele em variadas formas e diversas nuances. O fascismo italiano, que se revia na glória do Império Romano, por exemplo, nunca partilhou do amor nazi pelos mitos teutónicos e nórdicos. Similarmente, o fascismo americano tentará encontrar no seu passado símbolos patrióticos tradicionais, narrativas, crenças.
Robert Paxton escreveu, em The Anatomy of Fascism:
A linguagem e os símbolos de um verdadeiro fascista americano teriam, obviamente, muito pouco a ver com os modelos europeus originais. Teriam de ser tão familiares e tranquilizadores para os americanos leais como a linguagem e os símbolos dos fascismos originais eram familiares e tranquilizadores para muitos italianos e alemães, tal como  [George] Orwell sugeriu. Afinal de contas, nem Hitler nem Mussolini tentaram parecer exóticos perante os seus concidadãos. Não haveria suásticas no fascismo americano, só estrelas e riscas, ou listras (evocando a bandeira americana actual, ou a bandeira sulista, da Confederação). E cruzes cristãs. Não haveria saudação fascista, mas recitações de massa do juramento de fidelidade. Por si só, estes símbolos não parecem sugerir a mais ínfima sugestão de fascismo, mas um fascismo americano transformá-los-ia em provas de fogo obrigatórias para detectar o inimigo interno.
O fascismo baseia-se num líder aparentemente forte e inspirado que promete renovação moral, uma nova glória e vingança. Baseia-se na substituição do debate racional pela experiência sensual e sensorial. É por isso que as mentiras, as meias-verdades, as invenções de Trump não têm qualquer impacto nos seus seguidores. Tal como o filósofo Walter Benjamin fez notar, os fascistas transformam a política em estética. E, para o fascista, disse Benjamin, a estética final e definitiva é a guerra.
Paxton resume assim a ideologia amorfa que caracteriza todos os movimentos fascistas.
O fascismo apoia-se não na verdade da sua doutrina, mas na união mística do seu líder com o destino histórico do seu povo, uma noção ligada a ideias românticas de florescimento histórico nacional e de artista individual e génio espiritual, muito embora o fascismo pareça negar a exaltação romântica da livre criatividade individual. O líder fascista almejava conduzir o seu povo a um reino mais elevado da política que ele pudesse experienciar sensualmente: o fervor de pertencer a uma raça agora plenamente consciente da sua identidade, do seu destino histórico, e do seu poder; a excitação de participar numa onda de sentimentos partilhados e de sacrificar as mesquinhas preocupações pessoais em nome do bem do grupo; e a emoção da dominação.
Só há uma forma de erradicar o anseio pelo fascismo que gira em torno da figura de Trump. Essa forma é criar, o mais depressa possível, movimentos ou partidos que declarem guerra ao poder das corporações, que se empenhem em actos continuados de desobediência civil, que tentem reintegrar os destituídos – os “perdedores” –, reintegrando-os na economia e na vida política do país. Este movimento nunca poderá emergir do Partido Democrata. Se Clinton vencer as eleições, Trump poderá desaparecer, mas os sentimentos fascistas continuarão a expandir-se.
Outro Trump, talvez ainda mais vil, será vomitado das entranhas do sistema político decadente. Lutamos pela nossa vida política. O poder das corporações e as elites educadas nas universidades causaram tremendos danos à nossa democracia. Estas elites têm estado no poder: supervisionaram o estripamento do país a bem das corporações, e acreditam, como Leslie Moonves, o presidente do conselho de administração da CBS, que, por muito mau que Trump seja para a América, ele será pelo menos bom para o lucro das corporações. Quanto mais tempo estas elites estiverem no poder, pior as coisas serão no futuro. 


Chris Hedges é jornalista, foi correspondente internacional do New York Times durante 15 anos e hoje é colunista do Thruth Dig. Artigo publicado no portal Information Clearing House. Traduzido por Ana Luisa Amaral para o esquerda.net

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