quinta-feira, 21 de julho de 2016
domingo, 10 de julho de 2016
O Estado deu 451 milhões e não os fiscalizou?
Li esta notícia. Mais uma que me revolta quando me lembro da célebre frase,
repetida à exaustão, dizendo que nós, o povão, é que viveu acima das suas
possibilidades! Neste caso, reparem bem, O ESTADO DEU E NÃO FISCALIZOU O USO DE
451 MILHÕES!
Onde para a Justiça e a decência? E a polícia, o Tribunal de Contas?
E a troika? E os “puros e santos e anjos” do PSD e CDS? E a oposição? E os
cidadãos eleitores?
Onde deveriam estar estes "políticos" e os seus cúmplices?
Há pessoal com memória curta.
Num país que viveu 48 anos amordaçado pela PIDE e pelos seus algozes, num
país onde as elites é que mandavam e decidiam pela esmagadora maioria do povo,
num país onde a Política do Espírito era claramente a Política do regime, num
país que em Abril viu nascer “aquela madrugada clara e limpa”, num país que em
25 de Abril de 1974, finalmente, conquistara a liberdade, vemos, infelizmente, como
neste caso, a continuação e manutenção de graves atropelos à democracia e de atos
criminosos cometidos ao arrepio das mais elementares práticas cívico-político-democráticas
do estado de Direito que alarve e constantemente apregoamos, do mesmo modo que certas
resoluções parlamentares, à rebelia das mais elementares regras e disposições constitucionais,
habilidosamente interpretadas por gente que da Política se tem servido descaradamente,
em regime de compadrio, e que na Política está e sempre estará em nome de uma
retórica demagógica que lhes dá destaque, prestígio, visibilidade, sistemáticas
promoções sociais e profissionais, perigosamente irmanados pelo espírito
corporativista de má memória, tão consentâneo com o salazarismo entranhado do
qual nunca se livrarão e com o qual fizeram o que sabemos e mais virão a fazer
se o consentirmos.
Com a revolução do 25 de Abril vieram órgãos e instituições, democracia,
transparência e responsabilidade pelas quais deveríamos sempre lutar e cuja usurpação jamais deveríamos permitir
que existisse, porque o país somos todos nós e não essas pseudoelites
hipocritamente mascaradas de uma democraticidade que a custo tentam esconder.
Porquê estes crimes e esta corrupção danosa contra o povo e contra as
instituições democráticas? Porquê este roubo constante e esta impunidade face
aos infratores?
Continuo sem perceber por que razão sabendo tudo isto, sabendo quão
lesado foi o erário público mas, sobretudo, os valores democráticos e a dignidade
dos que honestamente trabalham e pagaam os seus impostos, continuamos a
assistir a crimes sem castigo, melhor dizendo, a uma Justiça claramente
tendenciosa, despudoradamente ao lado do Poder e não da Razão, uma Justiça que mais
tem sido injustiça, muito mais pelo que não faz do que por aquilo que tem
tentado fazer.
Lamentavelmente, este é um dos muitos e muitos casos que por aí andam.
Segundo a Inspeção-geral de Finanças (IGF), o
Ministério não dispõe de um plano estratégico enquadrador quanto às subvenções
públicas aos estabelecimentos de ensino particular e cooperativo, assim como não
dispõe de indicadores de aferição do impacto na sociedade, o que não permite
avaliar cabalmente a eficiência e eficácia da utilização destes dinheiros
públicos.
Incrível!
Não dispõe? Porquê? Porque lhe interessa.
A propósito, convém lembrar, para quem não saiba,
que nas escolas ditas públicas/oficiais, sejam preparatórias, secundárias ou
até universidades, também há situações a merecerem uma urgente intervenção a
este nível:
Muitos alunos recebem, há anos, apoio financeiro
e não só, quando na prática, seguramente, dele não carecem. Querem exemplos?
Alunos que chegam às escolas, todos os dias, ou
conduzindo as suas motas ou carros ou conduzidos pelos paizinhos ou mãezinhas em (recentes) topo
de gama… Alunos que vivem com os pais em excelente e caríssimas moradias…
Alunos destes, que almoçam todos os dias nas cantinas escolares a expensas dos
serviços sociais…. Alunos que frequentemente e ostensivamente faltam às aulas em
períodos de “época baixa” para saírem com os seus progenitores até às Maldivas,
Punta Cana, Nova Iorque e afins…
Que
cegueira é esta que isto não vê,
mesmo sabendo nós que situações destas proliferam por todo o país e por todas
as escolas?
Não se procura a verdade porque dá muito trabalho
procurá-la.
É horrível! A democracia não pode funcionar
assim. Nem a democracia nem a Justiça em democracia.
Ah, se eu pudesse….
Nazaré Oliveira
* Como mostra o gráfico apresentado, pode estimar-se que entre 2011 e 2013 o governo da maioria de direita gastou bastante mais em contratos com colégios e escolas privadas do ensino básico e secundário do que com bolsas individuais de doutoramento e pós-doutoramento. Aliás, bastaria uma redução substantiva nos encargos com os mais que dispensáveis Contratos de Associação para assegurar a ausência de cortes na formação avançada de recursos humanos. O governo poderia ter optado por evitar este obsceno desperdício? Sim, claro que podia, mas não era a mesma coisa.
in http://ladroesdebicicletas.blogspot.pt/2014/01/ciencia-educacao-e-desperdicio.htmlsábado, 9 de julho de 2016
Durão Barroso: ditosa Pátria que tal filho tem!
O dr. José
Manuel Durão Barroso vai ser presidente da Goldman Sachs International. É o
culminar de uma linda carreira, iniciada nos bancos da universidade, onde
abraçou a causa maoísta do MRPP, para não muito tempo depois aplicar tais
ensinamentos à social-democracia, para onde se mudou de armas e bagagens,
chegando a líder do PSD, primeiro-ministro acidental, a que se seguiu uma
“tocata e fuga” para presidente da Comissão Europeia. Agora chega o
reconhecimento da mais poderosa entidade financeira mundial. É obra!
Durão
Barroso é um exemplo para a juventude portuguesa. Soube perceber que nunca
chegaria a líder do MRPP, onde pontificavam Arnaldo Matos e Saldanha Sanches.
Mudou-se para o PSD, onde as lideranças mudavam com uma rapidez extraordinária.
Viu o então líder Marcelo Rebelo de Sousa demitir-se ao fim de três anos, por
ter sido traído pelo seu aliado da altura, Paulo Portas, e avançou para a
liderança dos sociais-democratas. Analistas e comentadores garantiram inúmeras
vezes que Durão Barroso nunca chegaria a primeiro-ministro. Mas na sequência de
umas eleições autárquicas, o então primeiro-ministro, António Guterres,
demitiu-se, o PS viu-se envolvido no escândalo da Casa Pia e Barroso chegou a
São Bento. Governou dois anos, organizou a cimeira dos Açores, onde estiveram
Bush, Blair e Aznar e que serviu para o presidente norte-americano obter os
apoios internacionais de que necessitava para invadir o Iraque. Como prémio,
Barroso foi convidado para presidir à Comissão Europeia, onde se manteve
durante dez anos.
Durante esse
período, a Europa sofreu o embate da crise financeira mundial, que nasceu nos
Estados Unidos, e assistiu à crise das dívidas soberanas e do euro. Foram dez
anos em que a Comissão deixou de ser o epicentro da construção europeia, perdeu
claramente poder para o eixo Berlim-Paris, primeiro, e depois para Berlim e
para o Conselho Europeu, deixou de ser o defensor dos interesses dos pequenos
países no processo de integração, não conseguiu responder de forma célere à
crise grega, que depois se propagou à Irlanda e aos países mediterrânicos,
submeteu-se ao ritmo e aos ditames de Angela Merkel – mas conseguiu aquilo que
almejava: ser eleito para um segundo mandato à frente da Comissão, coisa que
antes só um francês (Delors) e um alemão tinham logrado.
Saiu com um
lindo discurso no Parlamento Europeu em várias línguas. Depois, ficou à espera
que o fossem buscar num andor para se candidatar à Presidência da República
Portuguesa. Mas ninguém foi. E as sondagens também iam mostrando que o povo
português não o amava. Injustamente, claro, pois não só o criticavam por ter
deixado o seu mandato a meio, como por não ter defendido suficientemente o país
durante o período de ajustamento.
O dr.
Barroso ficou então de pousio, a dar umas conferências e umas aulas numa
universidade americana. Mas uma pessoa com tanto valor e experiência nunca
ficaria muito tempo no desemprego. E surge agora esta maravilhosa oportunidade
para liderar a parte internacional da Goldman Sachs, por acaso exatamente a
mesma empresa que foi acusada de ajudar a Grécia a maquilhar as suas contas
públicas para enganar a Comissão quando o dr. Barroso estava à frente da dita.
Mas o que interessa isso? Já lá vai…
O que conta
é que o dr. Barroso é o político português com a mais fulgurante carreira
internacional e um exemplo para todos os emigrantes: com esforço e dedicação e
os amigos certos tudo se consegue na vida. Que não seja muito apreciado por cá
releva apenas da tradicional inveja do povo português. Os outros, entre os
quais me incluo, esperam muito desta nova fase profissional do dr. Barroso.
Sobretudo do ponto de vista ético.
(Nicolau
Santos, in Expresso Diário, 08/07/2016)
Capitalismo, globalização...
Não é
submundo, é o capitalismo globalizado
Já sabíamos
da existência dos labirintos financeiros que passam pelas offshores. A novidade
da Panama Papers é que desta vez nos mostraram o mapa do tesouro. “Eles”
passaram a ter nome. Tanto podem ser o primeiro-ministro da Islândia (pouco
tempo depois da direita ter regressado ao poder já está de novo a afogar-se num
escândalo), Vladimir Putin (nada mais nada menos do que dois mil milhões de dólares
debaixo do colchão) ou narcotraficantes mexicanos. Da família do presidente Xi
Jiping ao pai do primeiro-ministro David Cameron. 29 multimilionários da lista
dos 500 mais ricos da “Forbes”. São políticos, grandes empresários, estrelas de
cinema e do futebol, traficantes de droga ou terroristas.
São 40 anos
de história de atividades legais e ilegais, mas quase todas serão danosas para
os Estados. Não estamos a falar propriamente do submundo da finança e das
empresas. Estamos a falar da criação de companhias fantasma (mais de 15 mil)
nas Ilhas Virgens britânicas, no Panamá e outros paraísos fiscais por
instituições como a UBS e a HSBC. Nuns casos serão habilidades legais, noutros
fuga ao fisco, noutros lavagem de dinheiro proveniente do tráfico de droga ou
de assaltos.
Nas próximas
semanas centenas de jornalistas envolvidos nesta investigação (falarei deste
método de trabalho noutro texto que será, porque a realidade é sempre
complicada, contraditório com este) irão deixando sair informação trabalhada
sobre cada caso. Mas enquanto se trata de cada árvore gostaria de falar da
floresta.
Não foi há
muitos meses que um relatório da Oxfam para o Fórum Económico Mundial de Davos
informava que havia cerca de 7 biliões de euros em paraísos fiscais, que
corresponderiam a uma perda de receitas para os Estados de 174 mil milhões
anuais, e que apenas 13 das 200 maiores empresas do mundo não recorrem a
offshores. Estes números deixam claro que o recurso a paraísos fiscais são a
norma, não a exceção. O caso que agora merece divulgação não é a descoberta de
um escândalo. Para haver escândalo é preciso haver surpresa. Não chega também a
ser uma notícia. É o cão a morder o homem, não o homem a morder o cão. O que é
escandaloso e merece notícia é que, de uma assentada e apenas através de um das
muitas fontes possíveis (o que quer dizer que temos apenas um retrato
muitíssimo parcelar da coisa), podemos ver como funciona o capitalismo
globalizado em que vivemos.
Hoje, o
sistema financeiro e económico legítimo trabalha paredes meias com o crime
organizado, usando estratagemas semelhantes com o mesmo objetivo: esconder o
dinheiro. Nuns casos, a sua origem, noutros o destino, noutros para fugir aos
impostos e em alguns um pouco de tudo. Far-se-á a distinção entre o que em tudo
isto é legal e ilegal. Mas não se faça entre o que é legítimo e ilegítimo. Não
há qualquer razão legítima para a existência de offshores. É mau para os
Estados e para as populações, é mau para a economia e para a transparência. É
bom para quem não quer cumprir os seus deveres ou quer fugir à lei.
O facto de
nesta investigação terem surgido tantos nomes de políticos ajuda a explicar
porque é que não tem sido uma prioridade para os Estados combater esta máquina
misturadora entre crime e economia formal. Mas devemos ter um olhar mais
abrangente. A globalização capitalista, que se sobrepõe às leis das Nações, não
responde perante os Estados individualmente considerados ou, mesmo que se
simule que tal acontece, a organizações internacionais. A permeabilidade ao
crime, por ausência de “polícia” que o contenha, é da sua natureza. Haverá quem
acredite que poderemos caminhar para uma globalização política capaz de voltar
a colocar o poder económico debaixo da alçada do poder político, única forma de
impedir que ele nos destrua e se destrua a si mesmo. Não vejo qualquer sinal
que aponte nesse sentido. Por isso, acredito que o homem descobrirá, com
inteligência ou da mais trágica das formas, que o travão a esta globalização
financeira não é uma opção ideológica. É uma questão de sobrevivência. Porque o
capitalismo globalizado e sem freios (assim como a Internet sem regras)
resultará numa crescente fusão entre a legalidade e a criminalidade até
vivermos no caos absoluto.
Ao contrário
do que tenho lido, não foi o submundo que se revelou com a Panama Papers. Foi o
mundo em que vivemos e que nos recusamos a enfrentar. Apesar de todas as
evidências, parece ser inaceitável dizer que a democracia que conhecemos e o
Estado que impõe a lei não são compatíveis com este capitalismo financeiro
globalizado.
Compreendo a
dificuldade em aceitar que se recue para as nações, até por não ser fácil
imaginar como isso se faz. A questão é se queremos, em alternativa, recuar para
a selva.
(Daniel Oliveira, in Expresso Diário, 05/04/2016)
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