quarta-feira, 11 de janeiro de 2012

Descobertas, encontros, desencontros




Os Descobrimentos marítimos nos séculos XV e XVI, quer dos portugueses quer dos espanhóis, permitiram o encontro do outro, nem sempre fácil, nem sempre pacífico.
 
Um encontro olhado com a desconfiança de quem não conhece mas com o espanto de quem nada assim vira.
 
Foi um encontro confronto, como um dia vos disse, parte a parte, feito de preconceitos, de racismo, de prepotência, de discriminações quanto às minorias e etnias…mas também de deslumbramento e receio. Um encontro que levou à escravização do outro e à sua morte, à morte de 20 milhões de seres humanos, sobretudo na altura em que se tornava mais agressivo o tráfico de seres humanos – o tráfico negreiro-, o exemplo mais triste e mais sombrio do desrespeito pelos direitos humanos.
 
De facto, o negro era a peça, era o homem-objecto. Sem protecção jurídica, como uma mercadoria que, apesar de valiosa, era tratada ao mais baixo nível daquilo a que poderíamos chamar desumanidade.
 
Vozes se levantaram contra tal, caso dos frades Francisco Vitória e António de Montesinos, Bartolomeu de Las Casas e o nosso Padre António Vieira, cujos intervenções  apelam ao respeito pelo homem, mesmo o escravo, considerando os horrores em que viviam e a forma como eram explorados.
 
Com o Humanismo, nos séculos XV e XVI, veiculando a perspectiva antropocêntrica, olha-se para o Homem como o centro do Universo, o centro da Humanidade. E começa a fazer-se luz sobre esta nova forma de olhar a vida, a sociedade, buscando a harmonia e o equilíbrio em tudo o que, de alguma forma, faz emergir os valores mais nobres desse Homem, como a ética social, a procura do Bem comum, a procura do Bem para todos, a felicidade e a procura do bem-estar, o combate às causas que provocam o sofrimento e dor e as razões e princípios que nos devem levar a condenar todo e qualquer obstáculo à plena realização do Homem como ser superior.
  
Na realidade, para  reconhecermos a importância do  Bem comum temos que reconhecer a Pessoa. A Justiça. A Moral.
 
Mas o século XVI também trouxe a loucura das perseguições religiosas…das perseguições movidas pelo espírito e Tribunal da Inquisição e do Índex,  particularmente contra  os protestantes e contra aqueles que apelidavam de heréticos.
 
Ninguém escapou ao olhar terrível da Inquisição. No entanto, não podemos deixar de recordar que um Lutero e um Calvino, por exemplo, já condenavam a forma como desumanamente se eliminavam e calavam os que pretendiam a liberdade de culto no seu tempo. E a forma corrupta e opressora como se arquitectava a sociedade de então, no mais completo desrespeito por aquela que era (é) a grande mensagem de Jesus Cristo “são todos iguais aos olhos de meu Pai”!
 
Até os homens de ciência foram perseguidos. Livreiros, intelectuais, professores… caso de Gil Vicente, Damião de Góis…
 
Utilizavam a tortura e faziam-se condenações à morte baseadas em  denúncias a maior parte das vezes anónimas! Sem julgamento justo! Sem direito à inocência! Sem direito à defesa! Como alguém disse, “a suspeição era o princípio do fim”.
 
Os condenados não chegavam a saber por que é que os acusavam e, se mostrassem arrependimento, prisioneiros  ficavam.
 
Em Portugal, século XVI, os judeus sofreram horrores com isto: os mais elementares direitos eram-lhes retirados por causa de professarem a sua religião. Inclusive o direito à vida. A circularem livremente sem que alguém os espiasse e condenasse arbitrariamente.
 
Documentos históricos datados de Abril de 1506, falam de um trágico acontecimento em Lisboa, motivado por uma  afirmação que um deles fizera, durante uma missa, de que a luz que um crucifixo reflectia não era de origem divina! Foi morto de imediato e, nesse dia, por causa disso, mataram-se quase 2000 cristãos-novos!…
 
Vivia-se a medo!
 
Chega o século XVIII, o século das revoluções, como diz Hobsbawn e, com ele, aqueles valores tão queridos ao pensamento francês que haveriam de frutificar em 1789: os valores da tolerância, da razão e da dessacralização dos valores éticos.
 
Era urgente romper a muralha do “Antigo Regime” com tudo o que isso significava em matéria de Humanidade e respeito pelo outro, pelo outro indefeso, sem quaisquer direitos. A não ser o direito do dever à obediência criado fundamentado pela “lei do mais forte”!
 
O Movimento das Luzes, nascido em terras protestantes (caso da Grã-Bretanha e Alemanha), e animado pela sua vertente crítica e de forte apelo à razão e tomada de consciência, proclamam a Liberdade, o Progresso e o Homem, temas que  influenciaram, inclusivé, o pensamento filosófico de pensadores como Locke.
  
Montesquieu, Voltaire, Rousseau e Diderot são  a força das ideias que irrompem  nesse século XVIII fantástico, de mudança e ruptura, agindo de imediato como modificadores quer da estrutura político-económica quer da sociológica.
 
Vão ser, particularmente estes homens, os grandes orientadores do caminho a seguir…
  
Um novo período da História começa com aquela que é considerada o paradigma das revoluções: a Revolução Francesa de 1789.
 
Uma revolução considerada ideologicamente burguesa, é certo, tendo em conta o seu envolvimento intelectual mas, segundo historiadores, o pensamento político não o é, pois, tendo sido influenciado por Rousseau, e sendo este o grande lutador contra a desigualdade e justamente considerado o grande defensor dos direitos naturais do Homem, caso da liberdade e igualdade perante a lei, arrasta desde logo consigo todo um povo oprimido pela minoria reinante e pela terrível hierarquização social e diferenciação social fundamentada, entre outras, na condição de nascimento.
  
Na sua obra “Discurso sobre a origem da desigualdade” (cerca de 1755), desenvolve a teoria do bom selvagem, acusando a civilização de corromper o Homem.
  
Refere, no seu “Contrato Social” de 1762 que, “se indagarmos em que consiste precisamente o maior bem de todos, que deve ser o fim de todo o sistema da legislação, achar-se-á que se reduz a dois objectos principais: a liberdade e a igualdade”.
  
Nada justifica que um homem ou alguns homens mandem mais do que outros. Por isso é que o poder político, para se legitimar, precisa do consenso entre governados e governante, manifestando-se este poder sob a forma de um “contrato social”, através do qual o povo “delega a soberania no soberano mas com a condição de a exercer no interesse dos governados”.
 
A resistência ao poder opressor é um direito dos súbditos e resulta do reconhecimento da sua liberdade.
  
É interessante não esquecermos que a Revolução Americana e a grande contestação dos colonos ingleses sobretudo por volta de 1763,  foi fortemente influenciada por estas ideias político-filosóficas e não teve, somente, as  motivações económicas desses colonos ingleses! Recorde-se que muitos dos que lutaram a seu lado  eram militares e intelectuais franceses, logo, agentes de mudança!
 
E isso compreende-se melhor quando lemos a sua primeira Declaração dos Direitos que, em 1776, proclama “que todos os homens nascem  iguais, que o seu Criador os dotou de certos direitos inalienáveis, que para garantir esses direitos os homens instituem entre si governos cujo justo poder emana do consentimento dos governados (…)” e mais tarde da Constituição.
  
Vai instituir o primeiro regime democrático.
  
A Revolução Americana é a primeira a trazer a mudança e a sua influência está na origem de muitas outras revoluções, como a Francesa, em 1789.
  
Neste ano, 1789, a França redige a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão.
  
Este documento, ainda hoje nos deixa impressionados, quer pelo seu sentido revolucionário quer pelo seu sentido humanista.
  
Influenciou a Declaração Universal dos Direitos Humanos adoptada pela ONU em 1948, e a  redacção  da Carta da Nações Unidas, tão importantes para o diálogo e paz entre as nações, tão importante  para a defesa dos direitos humanos no Mundo.

segunda-feira, 9 de janeiro de 2012

Aristides de Sousa Mendes



Os homens são do tamanho dos valores que defendem. Aristides de Sousa Mendes foi, talvez por isso, um dos poucos heróis nacionais do século XX e o maior símbolo português saído da II Guerra Mundial. Em 1940, quando era cônsul em Bordéus, protagonizou a "desobediência justa". Não acatou a proibição de Salazar de se passarem vistos a refugiados: transgrediu e passou 30 mil, sobretudo a judeus. Foi demitido compulsivamente. A sua vida estilhaçou-se por completo. "É o herói vulgar. Não estava preso a causas. Estava preso a uma questão fundamental: a sua consciência", afirma o jornalista Ferreira Fernandes.
Aristides de Sousa Mendes foi o "Schindler português" muito antes de o alemão começar a sua actividade humanitária em prol dos judeus. Atendendo à verdade histórica, Oskar Schindler é que foi o Aristides alemão.
De uma coisa ninguém tem dúvidas: Aristides de Sousa Mendes é um dos maiores símbolos nacionais da II Guerra Mundial. Foi o homem como metáfora do humanismo. Em 1940, Aristides era cônsul de Portugal em Bordéus e, indo contra uma directiva expressa de Salazar para não se concederem vistos a refugiados que quisessem atravessar a França para chegar a Portugal, desobedeceu e passou 30 mil vistos. "Na vida de cada pessoa há uma ou outra oportunidade para se revelar, para mostrar aquilo em que acredita e levar isso até às últimas consequências", diz D. Manuel Clemente, bispo auxiliar de Lisboa. "Ele revelou um sentido de rasgo, um sentido de risco."
No século XX português não há outra figura que tenha mudado tanto - objectiva e materialmente - a vida de milhares pessoas. "Ele representa a desobediência justa", refere António Costa Pinto, historiador e professor do Instituto de Ciências Sociais. "É o exemplo de solidariedade. A sua figura é muito associada ao humanismo do século XX."
No momento crucial da vida na Europa e no mundo, Aristides de Sousa Mendes foi capaz de distinguir o essencial do acessório. "Percebeu que não poderia ficar indiferente à sorte de milhares de pessoas que foram aparecendo no Consulado de Portugal em Bordéus", diz José de Sousa Mendes, sobrinho de Aristides.
Nascido numa abastada família de antigos fidalgos de província, de Cabanas de Viriato, perto de Viseu, Aristides e o irmão gémeo cursam Direito em Coimbra e seguem a carreira diplomática. Perseguido pelo regime sidonista e I República em geral, após o golpe de 28 de Maio de 1926 é colocado em Vigo, num posto prestigiante e de confiança. A seguir é transferido para Antuérpia, outro posto de confiança, onde ficará nove anos. Com 50 anos é o decano do corpo diplomático.
Em 1938, após Salazar recusar o seu pedido para permanecer na Bélgica, é colocado em Bordéus. Em 1939, com o rebentar da II Guerra Mundial e, em 1940, devido à invasão da França pelas tropas alemãs, milhares de refugiados fogem para sul. Os jardins do Consulado e as ruas vizinhas servem de local de acampamento a milhares de pessoas, das mais variadas nacionalidades, sobretudo judeus, que fogem da perseguição nazi, mas também gente que foge somente da guerra.
Com a proibição de Salazar - que além de presidente do Conselho de Ministros era ministro dos Negócios Estrangeiros - de se passarem vistos a refugiados, sobretudo a "israelitas", Aristides de Sousa Mendes segue a sua formação humanista e católica e desobedece. Passa (com dois dos seus filhos mais velhos) milhares e milhares de vistos àqueles fugitivos, entre os dias 17 e 19 de Junho de 1940. Terão sido passados cerca de 30 mil, nesses escassos dias. "Concede vistos sem olhar a nacionalidades, etnias ou religiões. Graças a ele, Portugal ficou na história como um país que apoiou os refugiados durante a II Guerra Mundial", lembra a historiadora Irene Pimentel. "Aristides marca de forma indelével a história de Portugal porque permitiu reconciliar-nos com a nossa dignidade. Mais do que qualquer outra pessoa da sua época, dignificou o que era ser-se humano e ser-se português", diz Fernando Nobre, presidente da Fundação AMI.
O mais atraente na história de Aristides de Sousa Mendes é ele ser uma espécie de herói vulgar, que está preso "apenas" à sua consciência. Quando se deu a ocupação do Consulado, fechou-se num quarto para reflectir o que deveria fazer. Numa alucinante inquietação, ficou apenas ele e o seu dilema: respeitaria as ordens superiores - o que, aliás, havia feito toda a vida - ou responderia à sua consciência? "Aristides de Sousa Mendes era um homem vulgar, um funcionário ordeiro, com mais de 50 anos e 12 filhos, que nunca se tinha oposto ao regime ditatorial existente em Portugal", conta o jornalista Ferreira Fernandes. "Mas naquela hora respondeu à sua consciência. E isso foi extraordinário."
Continuando a desobedecer às ordens superiores, provou que não tinha vocação de capacho. Pela inacção dos colegas de Bayonne e de Hendaye, desloca-se a estas cidades nos dias seguintes e ele próprio emite mais alguns milhares de vistos. "Segue a sua consciência humanista universal", refere Medeiros Ferreira, historiador e professor universitário. "Opta nitidamente pela desobediência civil. Opta por salvar aquelas milhares de pessoas que estavam nas escadarias do Consulado à espera de um visto salvador."
As perspectivas dos seus actos não se limitavam a ser sombrias. Excediam em perigo mais do que a imaginação humana pudesse conceber. "Fez tudo o que estava ao seu alcance, mesmo que isso lhe custasse a carreira, a vida e o bem-estar da sua família", conta José de Sousa Mendes. No dia 24 de Junho recebe um telegrama de Salazar ordenando-lhe o regresso imediato a Lisboa. "Enfrentou a ira de Salazar, que não podia permitir que um diplomata desobedecesse às suas ordens", relata Irene Pimentel. Após 32 anos de serviço, Aristides de Sousa Mendes (com uma família de 12 filhos) é demitido compulsivamente sem direito a qualquer reforma ou indemnização. Além disto, é interditado de exercer advocacia e os filhos de frequentarem a universidade. O irmão também é demitido do serviço diplomático. A sua vida estilhaça-se por completo: desmorona-se em prol de um ideal. "Mas quem atinge assim o pico, atinge a glória", afirma D. Manuel Clemente.
Há uma grande presença de Deus na sua vida. O cônsul coloca o seu catolicismo acima de tudo. "Viveu a vida como responsabilidade, a vida como encargo, a vida como compaixão. Actuou de maneira exemplar na história portuguesa e da Humanidade", resume D. Manuel Clemente. Foi um homem conservador, que se adaptara ao regime do Estado Novo, e que levou o seu cristianismo até às últimas consequências.
Alberga no seu palácio de Cabanas de Viriato muitas famílias de refugiados, hipotecando para o efeito todo o recheio. Já na miséria, é auxiliado pela Comunidade Israelita de Lisboa a partir de 1941, sendo muitos dos seus filhos chamados por aqueles que haviam sido salvos, sobretudo a partir dos Estados Unidos e do Canadá. "Aquilo que mais admiro foi a capacidade de ter aguentado a vida nos quase 14 anos que se seguiram àquele acontecimento", sublinha José de Sousa Mendes. "O seu mundo desabou totalmente."
Em 1945, terminada a Guerra, tendo feito uma exposição para tentativa de reapreciação do seu processo, não recebe resposta. A situação de miséria agrava-se. Em 3 de Abril de 1954 morre, no Hospital da Ordem Terceira, em Lisboa, desonrado e sozinho (os filhos já tinham todos emigrado para a América), acompanhado apenas por uma sobrinha.
Ainda hoje a figura de Aristides de Sousa Mendes é controversa. "A nível da diplomacia, há quem diga que o dever de obediência deveria estar acima da sua atitude humanitária", conta Irene Pimentel. "Eu acho que não. É precisamente nestas alturas que se vê a postura dos seres humanos." Pormenor importante: por incrível que pareça, Aristides de Sousa Mendes só foi reabilitado nos anos 80 do século XX - e muito por pressão exterior. Foi primeiro elogiado nos Estados Unidos e em Israel. É considerado o justo entre os justos.
"Em 1987, reencontrei um dos filhos dele que emigrou para o Canadá, numa homenagem a Aristides, na Alameda dos Justos, em Jerusalém, onde há uma árvore dedicada a cada um dos justos que ajudou os judeus durante a guerra. Fomos convidados para regar essa árvore", conta, emocionado, José de Sousa Mendes. "Aristides não tem um monumento em Portugal. Mais do que um monumento, deveria haver simplesmente uma lei que dissesse: 'A nuvem - aquela coisa efémera -, a nuvem mais bonita em Portugal, todos os dias, deveria chamar-se Aristides de Sousa Mendes'", remata Ferreira Fernandes.

quarta-feira, 4 de janeiro de 2012

Natal de Pacheco Pereira

Só agora tive oportunidade de ler este texto.
Concordo, Pacheco Pereira!
É verdade, Pacheco Pereira!


Quem tiver a paciência para ler estas palavras está a passar o seu dia do Natal e sabe de mais sobre a nossa colectiva desgraça. O Natal é, no conjunto do ano, um momento único que nenhuma outra festa ou feriado reproduz nem de perto nem de longe. Costuma dizer-se que é uma festa da família, mas é muito mais do que isso. É um momento em que, numa sociedade egoísta e fechada sobre si própria, há um simulacro de alguma sociabilidade mais colectiva. Eu disse simulacro, porque é cada vez mais simulacro, convenção, hábito sem sentido, mas, mesmo simulacro, ainda tem um vago traço de um momento em que há amigos, vizinhos, parentes que não se vêem há algum tempo, unidos pela "estação". A tradição já não é o que era, mas ainda é tradição.

Os votos de bom Natal, e, por junto, de ano novo, circulam cada vez mais às centenas entre pessoas e aos milhões em email e SMS, e cada vez menos em papel. Também aqui a preguiça induzida pelas novas tecnologias ajuda à erosão das relações sociais, mantendo-as e até ampliando-as na quantidade, mas diminuindo-as em valor. Os votos de boas festas por email ou SMS são feitos a listas e não a pessoas, listas aliás nem sempre bem mantidas, com endereços repetidos e antigos, mandados como se fosse um robot a mandar, sem qualquer pessoalidade. É como os "amigos" do Facebook, listas e enumerações sem significado afectivo, apenas com valor social, mostrando como o "eu" electrónico que os manda é tão popular que colecciona centenas e mesmo milhares de relações.

As famílias também não são a coisa idílica que o "espírito de Natal" enaltece, e têm inscrita não só solidariedade e protecção, como um "ninho", mas também muita violência às claras e muito particularmente às escuras. Violência entre homens e mulheres, pais e filhos, parentes amados e odiados, questões e questiúnculas, transmitidas com segredo e raiva os restantes dias do ano. Por isso, o Natal não só fornece o conforto e a intimidade de um "lar" comum e um destino partilhado, coisas que não são de pequena monta, mas exacerba muitos comportamentos de depressão e animosidade, que não tem muita imprensa e apenas alguma literatura, mas que todos sabem que existe.

Digo isto para referir que o Natal potencia tudo, muita coisa boa e muita coisa má. Por isso, o pano de fundo do Natal é contraditório como todas as coisas são na vida, e quando a vida se encarrega lá fora de piorar, entra cá dentro puxando pelo pior e pelo melhor de nós. Digo este truísmo porque temos tendência para apenas ver o melhor, nas sucessivas reportagens de solidariedade natalícia, em que a sociedade parece responder às dores dos que mais necessidade e menos protecção têm. E é verdade que isso acontece, mas daí a dizer que os portugueses são um povo especialmente solidário não corresponde à verdade. Não somos, nem fomos, nem provavelmente vamos ser.
Este Natal será triste. Não sei que melhor qualificativo haverá para este momento da nossa vida colectiva. Não digo indignado, embora muita gente esteja indignada. Não digo desesperado, embora muita gente esteja desesperada. Não digo apático, embora muita gente esteja apática. Não digo deprimido, embora muita gente esteja deprimida. Não digo zangado, embora muita gente esteja zangada. Digo triste, porque mais ou menos, vaga ou profunda tristeza, todos sabem que a vida vai piorar, e que não existe esperança no futuro próximo, que é o que temos possibilidade de vir a viver.

A tristeza não é fruto de momentâneas dificuldades, mas da suspeita de que essa dificuldade não tem fim à vista. Quando saímos disto? A melhor resposta é mesmo "não se sabe". Não será certamente nem 2012, nem 2013, nem 2014, nem 2015, datas anunciadas em diversos momentos e em diversas circunstâncias por governantes, economistas, e políticos em geral. O que significa que as pessoas, que têm uma intuição aguçada para estas coisas, olhando para a frente vêem que não há frente. Mesmo que dure apenas cinco anos, o que duvido, para muita gente significa que o fim da sua vida, a reforma, a doença, o declínio físico, vão ser muito piores, a solidão e a dependência ainda maiores. Para quem é mais novo, um mundo com emprego e com a possibilidade de "construir" o seu espaço próprio não existe. Podem emigrar, bem sei, mas também sei quão traumática é essa decisão, que não é mais fácil do que viver cá na precariedade. No "meio do caminho da nossa vida", cada vez mais pessoas sentem-se a perder a escassa qualidade de vida que tinham conseguido, por mérito, ou por dívida, e que agora sabem que não vão conseguir pagar. Tudo é mau, para milhões de portugueses, operários, trabalhadores, empregados, funcionários, pequenos empresários, mesmo uma pequena e média burguesia frágil e recente vai empobrecer.

Entre o Natal e o ano novo muitas decisões vão ser tomadas por pessoas e famílias. Não são decisões daquelas a que associamos o ano novo: ano novo, vida nova. É mesmo vida nova, mas não é uma vida escolhida, é uma vida nova forçada. Tirar o filho do infantário. Dizer à filha que já não vai poder ir para a universidade ou o politécnico, porque não há dinheiro para a manter em Santarém, Covilhã ou Aveiro. Aguentar mais um ano com o mesmo carro a cair, por muito que custe perder a oportunidade de comprar outro antes dos impostos aumentarem. Despedir um velho empregado, fechar a mercearia que já era do pai, e entregar tudo ao fisco que já de há muito tem uma execução em curso. Entregar a casa ao banco e vê-la numa lista de leilões do fisco no Correio da Manhã por menos dinheiro do que o valor do empréstimo. Voltar para casa dos pais. Penhorar a jóia que era da avó ou vender a volta da filha numa loja que compra ouro. Aceitar o mesmo trabalho com metade do salário. Dizer que sim aos expedientes do patrão que despede e depois reemprega de seis em seis meses para não pagar obrigações de segurança social. Engolir a consciência sindical, e portar-se bem no emprego, não vá o chefe notar. Deixar de ter ajuda no trabalho doméstico. Fazer qualquer coisa, colares, artesanato, compotas, para ir vender na feira que agora a autarquia organiza na rua uma vez por semana. Desistir de fazer qualquer coisa, colares, artesanato, compotas, porque não se vende nada e fica caro comprar os materiais e as compotas estragam-se. Ver que remédio se pode cortar para diminuir a conta da farmácia. Deixar de pagar a renda, deixar de pagar a electricidade, o gás, a creche. Deixar de pagar aos fornecedores. Deixar de pagar o condomínio, que deixou de ter dinheiro para pagar a manutenção dos elevadores. Subir três, quatro, cinco, seis andares da escada com as compras porque o elevador está avariado. Deixar ficar o vidro partido na janela. Matar-se. Emigrar. Desistir. Resistir.

São estas as decisões deste Natal, de um Natal triste. Há uns imbecis nos blogues que acham que falar dos problemas concretos das pessoas que não são fils a papa, publicitários, gente de glamour, neoliteratos, assessores de várias eminências, yuppies sem mercados, consultores, advogados de sucesso, é neo-realismo. A única coisa que se lhes pode perdoar é não saberem o que a palavra significa, mas tudo o resto não e perdoável nem mesmo com muito "espírito de Natal".

É particularmente irritante, e socialmente perigoso, que acrescentem à miséria uma lição moral do género "têm o que merecem porque viviam acima das suas posses", todos contentes com a purga moral do país pelo empobrecimento. O empobrecimento pode ser inevitável, mas deixem de lhe atribuir qualquer valor catártico e vender como nova propaganda que, no dia em que estivermos mesmo muito pobres, vai começar a nova aurora económica, a ascensão de uma economia de sucesso, livre do Estado, competitiva e dirigida por uma "nova geração" liberal e desempoeirada.

Sim, sim, tretas. Sem mão-de-obra qualificada, com mercado interno deprimido ao limite, sem classe média, sem capacidade de poupar e com o país cheio de tretas. Sim, sim, tretas.


J. Pacheco Pereira in
http://abrupto.blogspot.com/2011/12/um-natal-triste-quem-tiver-paciencia.html

O declínio das potências ocidentais

Le déclin des puissances occidentales (I)

Le 31 décembre 2011, Le Progrès annonce pour l'année prochaine : « l’État va devoir se serrer la ceinture… et nous aussi ! ». Les « derniers voeux du mandat de Sarkozy » seront un exercice difficile, pour Ouest France, dans un contexte avec 2,8 millions de chômeurs sur lequel Le Parisien commente à son tour « Elysée : des vœux sous le signe du chômage » et RFI souligne aussi la très inquiétante « désindustrialisation accélérée ». Mais cette désindustrialisation est-elle autre chose que le résultat prévisible d'une politique systématique menée par les dirigeants français et européens, toutes tendances confondues, depuis l'accession de Jacques Delors à la présidence de la Commission Européenne il y a vingt-sept ans ? Le Parisien parcourt aussi les « Vidéos. Avant les voeux du président, ceux des politiques ». Que peut apporter aux Français ce monde politique qui a été à l'origine de la débâcle actuelle ? Le Télégramme écrit, à propos de la ville de Quimper : « Restos du Coeur. Bien pourvus pour l'instant». Ce même 31 décembre 2011, Rue 89 signale : « La Chine double l'Europe et met en service son propre GPS » (GPS = système de positionnement global par satellite). Le GPS constitue précisément l'un des outils de l'expérience OPERA (CERN - LNGS), dont le résultat sur la vitesse critique du neutrino associé au muon reste à ce jour en cours de vérification. France Inter interroge « Comment innover en 2012 ? ». Mais encourage-t-on la recherche créatrice avec des structures et des modes de fonctionnement dominés par la « gestion » et le tant vanté « esprit de groupe », au détriment de l'indépendance et de la liberté d'initiative des chercheurs ? Et où mèneront l'entreprise de démantèlement d'organismes publics comme le Centre National de la Recherche Scientifique (CNRS), la braderie des brevets des chercheurs du CNRS... ? Le système imposé tout au long des décennies récentes apparaît plutôt à bout de souffle, lorsqu'un article dans Le Monde intitulé « Autonomie des universités : la rigueur gâche la fête » rapporte cette déclaration du président de la Conférence des Présidents d'Université (CPU) se référant aux conséquences de l'autonomie : « Aujourd'hui (...) il est possible (...) de supprimer un poste de professeur d'histoire du droit pour créer un poste de directeur informatique ». Qui disait « rayonnement culturel de l'Europe » ? Et que reste-t-il vraiment de la puissance des classes dominantes de l'Europe occidentale ? Cette semaine, les médias font état du classement économique diffusé par le Center for Economics and Business Research (CEBR), où le Brésil apparaît pour la première fois au sixième rang mondial devant la Grande-Bretagne, l'un des pays posés en exemple par « nos élites ». Le CEBR prévoit également que la Russie et l'Inde deviendront respectivement les quatrième et cinquième puissances économiques mondiales à la fin de cette décennie, au détriment de l'Allemagne, la France et la Grande-Bretagne. Quel est le bilan de deux siècles de capitalisme dans les pays « occidentaux » ?

Pour cette fin d'année, La Vanguardia publie un dossier consacré au « déclin de l'Occident » (« El declive de Occidente »). Un titre fort significatif, pour le principal quotidien catalan. Comment a-t-on pu en arriver là ?

Le constat d'un déclin des puissances occidentales n'est pas nouveau, loin de là. On trouve déjà, telle quelle, cette expression (« le déclin des puissances occidentales ») dans l'ouvrage Drieu La Rochelle ou l'obsession de la décadence, de Jean-Louis Saint-Ygnan, Nouvelles Editions Latines 1984, évoquant notamment les conséquences de la première guerre mondiale. Mais le fascisme n'a fait qu'accélérer cette décadence, occulter le rôle du système économique et social, et plonger l'Europe dans une nouvelle guerre encore plus destructrice. Dès 1916, dans « L'impérialisme, stade suprême du capitalisme », Lénine avait fourni une analyse mettant en évidence la véritable origine de cette crise mondiale.

Aujourd'hui, le masque du système est bien tombé. C'est sous un capitalisme à façade « démocratique avancée » et au besoin « de gauche », « socialiste », etc... que la débâcle actuelle a été préparée depuis les années 1980.

Le 31 décembre, France 24 écrit « Dix ans après sa mise en circulation, l'euro suscite toujours la méfiance ». Mais quel bilan dresser de trois décennies de « politique européenne » qui ont largement anéanti les conquêtes sociales de la population ?

D'après News Santé, « 1 français sur 5 a réduit ses dépenses de santé dqns la période récente ». Où sont passées les promesses de grande prospérité des années 1970 ? Et les mêmes « experts de l'Economie » qui défendaient encore récemment la politique de délocalisations nous expliquent qu'à présent la dégringolade ne fait que commencer.

Merci à « nos élites » et aux « experts de l'Economie », de « droite » comme de « gauche »...

De la manière la plus démagogique qui soit, la « politique européenne » des années 1980 a consisté à développer le capitalisme le plus antisocial expliquant que la prétendue « Europe sociale » serait construite par la suite. Mais c'est l'Europe de plus en plus antisociale, qui a succédé à la création de l'Union Européenne et de l'Organisation Mondiale du Commerce (OMC).

Quant à la « brillante » stratégie qui a inspiré cette politique européenne, quel en est le résultat aujourd'hui ? Force est de constater que l'Europe occidentale a elle-même planifié son propre anéantissement économique.

Mais la politique des « puissances » européennes depuis le XIX siècle, a-t-elle jamais été autre chose qu'une longue série d'entreprises suicidaires ?

Les exportations de capitaux vers l'Allemagne se sont soldées par la défaite militaire de Napoléon III. La « grande expansion coloniale » a débouché sur la première guerre mondiale suivie d'une deuxième guerre mondiale encore plus destructrice. Après la chute du nazisme, la politique coloniale a débouché sur de nouvelles guerres et interventions militaires qui se sont soldées par des échecs, comme en Indochine ou en Algérie.

Et aujourd'hui, que sont devenues les prétendues « races supérieures » qui, d'après Jules Ferry, devaient « civiliser les races inférieures » ?

Il y a déjà plus de neuf ans, le patronat tenait un curieux débat. Un article de Libération intitulé « Claude Bébéar dérape » faisait état des déclarations du fondateur d'AXA à l'Université d'été du MEDEF encourageant les délocalisations et estimant que « La race blanche, par manque de natalité, se suicide ».

La notion de « race » humaine n'a aucune base scientifique, mais de toute évidence Bébéar entendait reprocher aux habitants des pays européens de ne pas produire un grand nombre d'enfants prêts à travailler à bas prix pour « leurs » capitalistes. On est loin, en apparence, du discours de Jules Ferry qui visait à transformer des ouvriers en colons pour « résoudre le problème social » dans la « métropole ». Toutefois...

En un peu plus d'un siècle, le cheminement des milieux dirigeants européens de Jules Ferry à Claude Bébéar a été considérable, mais la stratégie d'exportation de capitaux n'a pas changé. Avec quel aboutissement ? Il s'en est suivi, tout compte fait, la ruine des pays jadis « riches » après une longue série de souffrances infligées aux populations.

SIDA - Sélection d'affiches de prévention

"SIDA - Sélection d'affiches de prévention":
Até agora, a campanha mais fantástica e mais criativa que conheço sobre a importância da prevenção da SIDA!
Publicidade e Cidadania.
Simplesmente EXCELENTE! DESEJÁVEL! FUNDAMENTAL!
O meu obrigada ao Citizen Journalism por esta partilha.

Le 1er décembre dernier, c'était la journée mondiale de la lutte contre le SIDA.
Pour célebrer cet événement (un peu en retard), voici une sélection d'affiches préventives qui en valent le détour :
sida, aids, prévention, santé, visuel, scorpion, campagne, affiche
"Sans préservatif, vous couchez avec le SIDA. Protégez-vous."
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"Chaque fois que vous couchez avec quelqu'un, vous couchez aussi avec son passé."
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"Le SIDA est un meurtrier de masse."
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"1er décembre - Journée mondiale contre le SIDA."
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segunda-feira, 2 de janeiro de 2012

DUDALEGRE



Na foto, DUDALEGRE, o último touro torturado e morto na Catalunha, momentos antes do golpe mortal.
Que 2012 seja o ano da VITÓRIA e que, finalmente, ACABEM ESTES (E OUTROS) MALDITOS ESPECTÁCULOS em todo o Mundo!
Um abraço fraterno a todos os que, publicamente, não se inibem de tomar posição contra as touradas!
Contra as touradas e contra a crueldade e humilhação que se exerce, sempre, sobre os mais fracos e mais vulneráveis, sejam humanos ou não humanos.