segunda-feira, 2 de janeiro de 2012

O fim da fiesta

Carlos Fiolhais, que muito admiro, publicou este texto em 31 de Julho de 2010 no PÚBLICO.
Um excelente texto que há muito tenho arquivado mas que, só agora, verifiquei não ter divulgado aos meus leitores, aqui, no SURICATINA.
O meu muito obrigada ao Sr. Professor e ilustre cientista Carlos Fiolhais.
Que o NOVO ANO traga respeito e compaixão por todos os seres, humanos e não humanos.



A última corrida em Barcelona será neste ano ou no próximo. A partir de Janeiro de 2012, poderá haver sol, mas não haverá mais touros, não só na Monumental de Barcelona como em toda a região catalã, por decisão tomada pelo Parlamento da Catalunha na passada quarta-feira por 68 votos a favor, 55 contra e 9 abstenções. A votação ocorreu na sequência de uma petição dirigida ao Parlamento por 180 000 cidadãos e de um debate público, com posições muito marcadas dos dois lados. O resultado foi visto, politicamente, como uma vingança regional depois de o Tribunal Constitucional em Madrid, no início de Julho, não ter aceite alguns pontos do novo Estatuto da Catalunha. O fim das corridas seria, nessa perspectiva, um pronunciamento anti-espanhol.

Eu, que não sou anti-espanhol, sinto-me nesta altura catalão. Sempre admirei Barcelona, em particular o seu ambiente cosmopolita e a sua vontade empreendedora. Estive na festa das ruas, há muitos anos, quando foi anunciada a vitória da candidatura barcelonense à organização dos Jogos Olímpicos. Depois, quando decorriam esse Jogos, estava a dar aulas nos Estados Unidos, e, para explicar aos alunos de onde é que eu era, ajudou dizer que a minha terra era perto de Barcelona, indicação que me pareceu encaixar bem no sentido vago de geografia europeia que tem um jovem estadounidense. Hoje, quando falo com colegas de Barcelona, fico sempre com a ideia que eles nos estão, ainda que subliminarmente, a propor uma aliança contra a Espanha representada por Madrid. De facto, a nossa independência ficou a dever-se precisamente à Catalunha, pois Madrid, perante duas revoltas quase simultâneas, decidiu enfrentar a que lhe parecia mais importante... Em 7 de Junho de 1640 irrompia na Catalunha uma revolta contra o centralismo do Conde-Duque de Olivares, o primeiro-ministro do rei Filipe IV (III de Portugal). O rei ordenou então ao Duque de Bragança que comparecesse em Madrid para ir com ele a Barcelona colaborar no movimento de repressão, mas o duque recusou-se a obedecer. O resto da história é conhecido: a Espanha ficou com a Catalunha, mas sem Portugal.

Não tenho ilusões: este movimento catalão contra os touros é um movimento contra o centralismo madrileno. O touro é o símbolo de Espanha, em boa parte devido à marca de brandy de xerez que ergueu touros gigantes ao longo da paisagem espanhola. Pela parte que me toca declaro-me, porém, contra a “festa brava”, sem com isso me sentir inimigo de Madrid. Simplesmente acho que o espectáculo de touros é bárbaro. Revejo-me nos argumentos que Jorge Wagensberg, director do Museu de Ciência de Barcelona, e Jesús Mosterín, professor de Filosofia na Universidade de Barcelona, sustentou no debate. Wagenberg apareceu no Parlamento de bandarilha na mão, como um físico que faz uma experiência, para mostrar que o touro sofre mesmo. E Mosterín foi ainda mais longe, ao comparar o castigo infligido aos touros com a remoção do clitóris em certas sociedades africanas: ao fim e ao cabo eram ambas práticas tradicionais.

José Saramago, apesar de ser ribatejano, também não simpatizava muito com as corridas de touros, nisso contrastando com outro laureado Nobel, Ernest Hemingway, autor de Fiesta. Escreveu Saramago num dos seus Cadernos de Lanzarote: “O touro vai morrer. Dele se espera que tenha força suficiente, brandura, suavidade, para merecer o título de nobre. Que invista com lealdade, que obedeça ao jogo do matador, que renuncie à brutalidade, que saia da vida tão puro como nela entrou, tão puro como viveu, casto de espírito como o está de corpo, pois virgem irá morrer (...) Só mais tarde perceberei que o touro, a partir de um certo momento, embora continue vivo, já não existe, entrou num sonho que é só seu, entre a vida e a morte”.

A sua mulher Pilar del Rio, a andaluza que agora quer ser portuguesa, retorquiu: “Tu não podes compreender”. E o escritor não se ficou: “Tens razão, não compreendo, não posso compreender”. Por uma vez estou de acordo com Saramago: eu também não compreendo.

domingo, 1 de janeiro de 2012

Meu Filho - Meu Natal


Meu filho
Meu Menino

Terna é a noite
Que te acolhe

Meigo o sorriso
Que te beija

Abençoado o regaço
Que te aquece


Na noite fria
De um Dezembro tão esperado

Meu filho
Meu menino


És o sonho de uma Primavera

Renascida

E em cada Dezembro
Florida

Para sempre

Meu filho
Meu Menino

Belo e grande o coração
Que te ama

Meu filho
Meu Menino
Filho-meu
O meu Natal
Poema que fiz para para o meu Francisco, este ano.

O quadro é de Almada Negreiros.

Person of the year 2011: THE PROTESTER

Person of the Year
By Rick Stengel Wednesday, Dec. 14, 2011 -TIME
Thanks for liking Person of the Year Introduction. Like TIME on Facebook for more trusted news analysis, award-winning multimedia & behind-the-scenes looks with TIME editors.
History often emerges only in retrospect. Events become significant only when looked back on. No one could have known that when a Tunisian fruit vendor set himself on fire in a public square in a town barely on a map, he would spark protests that would bring down dictators in Tunisia, Egypt and Libya and rattle regimes in Syria, Yemen and Bahrain. Or that that spirit of dissent would spur Mexicans to rise up against the terror of drug cartels, Greeks to march against unaccountable leaders, Americans to occupy public spaces to protest income inequality, and Russians to marshal themselves against a corrupt autocracy.Protests have now occurred in countries whose populations total at least 3 billion people, and the word protest has appeared in newspapers and online exponentially more this past year than at any other time in history.

Is there a global tipping point for frustration? Everywhere, it seems, people said they'd had enough. They dissented; they demanded; they did not despair, even when the answers came back in a cloud of tear gas or a hail of bullets. They literally embodied the idea that individual action can bring collective, colossal change. And although it was understood differently in different places, the idea of democracy was present in every gathering. The root of the word democracy is demos, "the people," and the meaning of democracy is "the people rule." And they did, if not at the ballot box, then in the streets. America is a nation conceived in protest, and protest is in some ways the source code for democracy — and evidence of the lack of it.

The protests have marked the rise of a new generation. In Egypt 60% of the population is under the age of 25. Technology mattered, but this was not a technological revolution. Social networks did not cause these movements, but they kept them alive and connected. Technology allowed us to watch, and it spread the virus of protest, but this was not a wired revolution; it was a human one, of hearts and minds, the oldest technology of all.

Everywhere this year, people have complained about the failure of traditional leadership and the fecklessness of institutions. Politicians cannot look beyond the next election, and they refuse to make hard choices. That's one reason we did not select an individual this year. But leadership has come from the bottom of the pyramid, not the top. For capturing and highlighting a global sense of restless promise, for upending governments and conventional wisdom, for combining the oldest of techniques with the newest of technologies to shine a light on human dignity and, finally, for steering the planet on a more democratic though sometimes more dangerous path for the 21st century, the Protester is TIME's 2011 Person of the Year.


Revista do ano 2011

sexta-feira, 30 de dezembro de 2011

150 anos da definição de célula - a efeméride que ficou por comemorar

Excelente informação! Excelente notícia que partilho! Mais uma vez, muito obrigada, António Piedade!



No ano de 2011 ocorreu uma efeméride que passou totalmente desapercebida quase a todos e à maior parte da comunidade científica: os 150 anos da definição de célula do biólogo alemão Max Schultze (1825 – 1874). O reparo surgiu de uma carta enviada pelo biólogo alemão U. Kutschera (Instituto de Biologia da Universidade de Kassel, Alemanha) ao editor da revista Nature, publicada a 22 de Dezembro de 2011.

Max Schultze é conhecido dos neurocientistas pela sua identificação e caracterização das terminações nervosas associadas aos órgãos sensoriais, e o seu trabalho minucioso sobre as diferentes células componentes da retina é pioneiro.


Dos hematologistas pela sua contribuição definitiva para a identificação das plaquetas sanguíneas. O seu papel enquanto microscopista é incontornável e foi fundador da revista Archiv für mikroskopische Anatomie, em 1865, sendo seu director até ao ano da sua morte.

Contudo, é uma personagem quase esquecida na história da biologia. Uma pesquisa breve na internet permite verificar que Schultze é pioneiro da observação intracelular, anatomista e histologista de excelência, mas a sua contribuição paradigmática para a Teoria Celular é, de facto, pouco referida.

Ao comparar observações microscópicas da composição intracelular (protoplasmática) de tecidos musculares de animais, com as de organismos unicelulares como os protozoários, Schultze entendeu que a definição para célula primeiramente baptizada, em 1665, por Robert Hooke (personagem marcante da revolução científica do século XVII) a partir da palavra latina “cella” (pequena divisão ou quarto de paredes rígidas), estava muito incompleta.



A célula, unidade da vida tal como tinha sido postulado na Teoria Celular de Schwann e Schleiden, em 1839, tinha de ser definida de forma mais completa e…universal. Não podia reduzir-se à sua membrana ou parede exterior, tinha que ganhar outra dimensão com a sua natureza interior. Tinha de incluir os componentes intracelulares observados por Schultze como comuns a células de tecidos animais e a organismos unicelulares. Schultze notou de que havia uma história comum a todas as células, ou melhor, a todos os organismos e que essa história estava inscrita no seio da célula.

O seu trabalho contribuiu, assim e decididamente, para dar novos horizontes para a Teoria Celular. A publicação em 1861 do seu artigo intitulado “On muscle-particles and what we should call a cell” (Archiv für Anatomie, Physiologie und wissenschaftliche Medicin, 1861, 1–27) pode ser considerada a pedra basilar da Biologia e Fisiologia Celular. Neste artigo, Schultze discute as suas observações das “partículas” componentes das células musculares e sobre o que é que pode ser designado ou não por célula.


Apesar de ter caído em esquecimento, Schultze causou à época uma ruptura paradigmática com a sua definição de célula e abriu novos horizontes conceptuais para o entendimento do conceito de célula e, muito mais significativo, o da evolução da célula, o da noção de uma célula ancestral comum a todos os organismos vivos. Este aspecto ganha outra relevância se atentarmos a que “A Origem das Espécies” de Charles Darwin tinha sido publicada cerca de três anos antes, em 1858. Tudo estava em revolução!

Os avanços na instrumentação microscópica não terão sido alheios ao da nova definição. É que a célula é a mesma para Schultze e para Hooke. A tecnologia marca a diferença na capacidade de observação, e logo, no avanço do conhecimento da natureza celular.

Ainda hoje é assim. Aliás, é assim desde que a ciência experimental se tornou moderna pela utilização de instrumentos nas observações científicas. E isto ocorreu, não pela observação do microscópico, mas sim do longínquo com o telescópio, ou melhor, com a luneta de Galileu Galilei, no ido mês de Março de 1610.

António Piedade
Ciência na Imprensa Regional

Grinch


Lembro-me sempre deste filme, sobretudo nesta altura do Natal!
Que mensagem nos transmite! Que banda sonora fabulosa! Que canções!
Quem o viu jamais se esquecerá dele!
E os olhinhos dos nossos filhos, brilhando, brilhando, presos ao écran?
E o nosso sorriso de felicidade por vê-los assim?


quinta-feira, 29 de dezembro de 2011

George Steiner

Fui Il Postino

No passado mês de Outubro, no dia 9, o escritor António Lobo Antunes visitou o crítico de literatura George Steiner, na residência desde, que fica perto de Cambridge. Na longa conversa que tiveram, em francês, publicada na revista Ler deste mês falaram, como talvez não pudesse deixar de ser, da função de professor, que Steiner exerceu com devoção e paixão, como um carteiro que leva uma mensagem a outrem...

 "George Steiner: Sou antes de mais um professor. Foi essa a minha vocação. A minha culpa seria a de ser um mau professor. Sempre tive medo disso. Terei eu o direito de ensinar? Quem mo dá? É um direito enorme, moral, psicológico. Escrevi um livrinho, As lições dos Mestres, em que estudo esse fenómeno. E sempre disse a mim próprio: «Com que direito entras numa sala para dares uma aula?» É isso. É como para si o escrever todos os dias: o ensino foi para mim uma vocação. A própria palavra rabin, rabi, quer dizer «professor», nada mais, nada menos. São homónimas. O rabi é, pura e simplesmente, o senhor que dá as aulas. E isto, não o escolhi, isto escolheu-me, como a literatura o escolheu a si; e isto trouxe-me grande angústias e grandes alegrias. E quando tive de deixar o ensino foi o mais duro golpe da minha vida. Sinto muito a falta dos meus alunos.

António Lobo Antunes: O meu pai era professor e depois, quando teve de se retirar, por alturas da sua reforma, aos 70 anos, tive a impressão de que ele era, ao mesmo tempo, mestre e discípulo de si próprio.

George Steiner: Sim, tentamos. É uma fórmula belíssima. Tentamos. Mas sinto muito a falta da contradição, do bom aluno que diz «não». Falta-me a resistência, a mão que pressiona contra uma resistência viva.

 (...)

George Steiner: Se eu pudesse ensinar de novo, se tivesse os meus alunos nesta sala (...). Acabam de colcar um retrato meu na Universidade de Londres, um retrato que, a meu pedido, ficou com o nome de Il Postino. Conhece o filme acerca de Neruda, Il Postino [O Carteiro de Pablo Neruda]? Define-me em absoluto. Eu sou o postino: trago as cartas dos grandes escritores e é preciso colocá-las nas caixas certas. Nem sempre é fácil. Quando se explica aos novos alunos da Universidade de Londres por que razão existe um quadro deste senhor, eles acham todos que Il Postino é o meu nome. Ao que eu digo: «Não expliquem, deixem-nos pensar assim.» É um grande privilégio, cuja coroação é a vossa presença aqui. É maravilhoso poder levar cartas! Não fui banqueiro, não vendi casacos de peles; de todos os desastres possíveis fui postino. É isto ser professor. O bom professor abre livros aos outros, abre momentos aos outros. E eu tive alunos muitíssimos dotados, o que foi um grande privilégio: saber que eles são mais dotados do que eu.

António Lobo Antunes: Era isso que dizia o meu pai. Nunca compreendi muito bem a sua paixão pelo ensino. Era para ele uma grande paixão (...). Ele realizava-se nas suas aulas na Faculdade de Medicina. Para ele, eram um imenso prazer. E, após a sua reforma, ensinava aos netos. Lembro-me de, quando tinha sete anos, termos viajado de autocarroa té Paris; fomos a Espanha, à França, à Suíça, à Itália, e ainda me lembro do seu discurso de meia hora em frente a um Tintoretto, sobre as perspectivas das estrelas em Tintoretto, em frente a um Rembrandt, e para mim, uma criança, isso foi muito aborrecido.

George Steiner: Mas nunca mais se esqueceu.

António Lobo Antunes: Não.

George Steiner: É isso. Logo, ele era um bom professor."

In Ler, Livros & Leitores, páginas 47 e 52 (Tradução do francês de Joana Jacinto).

Posted by Helena Damião at 14:40   De Rerum Natura