quarta-feira, 1 de novembro de 2017

Cremos haver avançado, mas, de facto, retrocedemos (J. Saramago)



“Cremos haver avançado, mas, de facto, retrocedemos. E cada vez se irá tornando mais absurdo falar de democracia se persistirmos no equívoco de identificá-la com as suas expressões quantitativas e mecânicas, essas que se chamam partidos, parlamentos e governos, sem proceder antes a um exame sério e conclusivo do modo como eles utilizam o voto que os colocou no lugar que ocupam. 

Uma democracia bem entendida, inteira, redonda, irradiante, como um sol que por igual a todos ilumine, deverá, em nome da pura lógica, começar por aquilo que temos mais à mão, isto é, o país onde nascemos, a sociedade em que vivemos, a rua onde moramos. Se esta condição primária não for observada (e a experiência de todos os dias diz-nos que não o é), toda a fundamentação teórica e o funcionamento experimental do sistema estarão, desde o início, viciados e corrompidos. 

Os povos não elegeram os seus governos para que eles os “levassem” ao mercado, mercado que condiciona por todos os modos os governos para que lhe “levem” os povos.

Nos tempos modernos, o mercado é o instrumento por excelência do autêntico, único e insofismável poder realmente digno desse nome que existe no mundo: o poder económico e financeiro transnacional e pluricontinental, esse, que não é democrático porque não o elegeu o povo, que não é democrático porque não é regido pelo povo, que não é democrático porque não visa a felicidade do povo.” 



José Saramago