quarta-feira, 22 de fevereiro de 2017

O património de apenas oito homens é igual ao de metade mais pobre do mundo

Apenas 8 pessoas detêm património equivalente a mais de metade da população mundial


PUBLICADO EM 14/02/2017


No relatório recente publicado em Janeiro último pela OXFAM sobre a situação atual das desigualdades no mundo, conclui-se que: “novas estimativas indicam que o património de apenas oito homens é igual ao de metade mais pobre do mundo”.
O presente relatório relembra a preocupação geral em torno das desigualdadesidentifica as causas para a mesma, os argumentos que sustentam as desigualdades e aponta potenciais vias para reverter a atual situação.
Em 2012, no Fórum Económico Mundial, o aumento da desigualdade económica foi apontado como uma grande ameaça à estabilidade social, mais tarde, o Banco Mundial vinculou como objetivo erradicar a pobreza e a necessidade de promover uma prosperidade partilhada. Já em 2016, Barack Obama no seu discurso de despedida na Assembleia Geral da ONU referiu que “um mundo no qual 1% da população controla a riqueza equivalente à dos restantes 99% nunca será estável”. Perante este cenário, o relatório aponta como efeito do não combate à desigualdade a possibilidade de desintegração das sociedades, o aumento da criminalidade e a falta de esperança.
Como causas para a desigualdade, foram identificadas alguns factos, como as empresas estão atualmente a trabalhar para os mais ricos, onde segundo estimativas da Oxfam, as 10 maiores empresas mundiais tiverem entre 2015 e 2016, tantos lucros como o equivalente ao PIB de 180 países. Outro fator que explica o nível de desigualdade verificado prende-se com o facto de serem sacrificados os trabalhadores e os fornecedores, onde por exemplo, na India, o diretor executivo da maior empresa de informática recebe 416 vezes mais do que a média dos funcionários. A evasão fiscal é outro fator apontado. O super-capitalismo dos acionistas também contribui para o aumento das desigualdades, onde no Reino Unido, em 1070, 10% dos lucros eram distribuídos pelos acionistas, e em 2016 essa percentagem passou para os 70%. Os lobbies, ou capitalismo de camaradagem ajuda a justificar a desigualdade, principalmente pela via da manutenção destas posições privilegiadas, mantendo influência nas regulações e políticas públicas nacionais e internacionais. O papel dos super-ricos na crise das desigualdades e ainda a competição entre países para a atração de investimento criando benefícios fiscais são ainda apontados como causas para as desigualdades existentes.
São expostos no relatório 6 argumentos/premissas teóricas que alimentam e impulsionam a economia pensada para os 1% mais ricos. A lista das seis falsas premissas é a seguinte:
1.    O mercado está sempre certo e o papel dos Governos deve ser minimizado;
2.    As empresas precisam de maximizar os seus lucros e retornos para os acionistas a todo o custo;
3.    A riqueza individual extrema é benéfica e um sinal de sucesso, e a desigualdade não é relevante;
4.    O crescimento do PIB deve ser o principal objetivo da formulação de políticas;
5.    O nosso modelo económico é neutro em relação ao género;
6.    Os recursos do nosso planeta são ilimitados;
Para sustentar esta lista de argumentos, a Oxfam no relatório destaca três intervenções, Robert Kennedy, em 1968 afirmou que “O PIB mede tudo, exceto o que faz a vida valer a pena”, já a declaração da responsabilidade do FMI – Fundo Monetário Internacional diz que “Em vez de gerar crescimentos, algumas políticas neoliberais aumentam a desigualdade, colocando em risco uma expansão duradoura”, por fim Charlotte Perkin Gillman afirma que “É impossível melhorar o mundo com tantas pessoas mantidas no fundo”.
            Ainda no relatório, são apontados oito bases sólidas de construção de uma economia humana:
1.    Os Governos trabalharem para os 99%;
2.    Os Governos cooperarem, ao invés de competirem;
3.    As empresas trabalharem em beneficio de todos;
4.    A extrema riqueza será eliminada para que a extrema pobreza possa ser erradicada;
5.    A economia funcionar a favor de homens e mulheres igualmente;
6.    A tecnologia ser colocada ao serviço dos 99%;
7.    A economia ser movida por energias renováveis sustentáveis;
8.    O que realmente importa ser valorizado e mensurado.
É ainda, nesta matéria, deixado um aviso pelo relatório, que devemos e podemos construir uma economia humana antes que seja tarde demais.
Por: Pedro Perdigão 



In https://observatorio-das-desigualdades.com/2017/02/14/relatorio-oxfam-uma-economia-para-os-99/

sábado, 11 de fevereiro de 2017

A Extrema-Direita Euro-Americana


  

A 20 de Janeiro realizou-se, em Koblenz (Alemanha), uma reunião de líderes populistas europeus para preparar o ano de 2017 na esteira do que Marine Le Pen chamou o ano do despertar do mundo anglo-saxónico: 2016 com o Brexit do Reino Unido e a eleição de Donald Trump à presidência dos EUA.
A atenção ao mundo anglo-saxónico por parte das direitas europeias mais duras não é de todo uma novidade
Ao longo do segundo pós-guerra várias foram as figuras que estimularam o imaginário desses meios políticos continentais. Em particular, os hard-liners entre os liberais e os conservadores europeus olharam com simpatia os congéneres britânicos e norte-americanos, em particular a primeira-ministra Margaret Thatcher com o seu liberalismo de ferro, os presidentes Ronald Reagan com a sua segunda Guerra Fria dos anos 80, George W. Bush com o seu neo-conservadorismo de novo milénio e finalmente Donald Trump com o seu nacionalismo populista. Essas referências anglo-saxónicas não ficaram restringidas apenas à área liberal-conservadora, mas atingiram também a chamada extrema-direita pós-industrial – hoje em ascensão – e até, em certa medida, sectores da extrema-direita tradicional, onde personagens como o deputado britânico Enoch Powell com o seu discurso do “rios de sangue” de 1968 ou os candidatos presidenciais norte-americanos Barry Goldwater (1964) e Pat Buchannan (anos 90) deixaram marcas.
A dimensão mais interessante desse fenómeno é a inversão da dinâmica de influência que ocorreu ao longo do século XX, passando os EUA a ser o exportador de discursos e práticas a partir da segunda metade do século, quando, até ai, a Europa tinha sido o farol dos meios radicais ocidentais. Esta inversão na extrema-direita é objecto de análise científica já desde a década de 90 do século passado.
A dimensão transatlântica
Limitando a nossa análise à extrema-direita nos Estados Unidos, esses movimentos estão presentes já no final do século XIX com o populismo anti-elitista e anti-imigracionista, mas resultam pouco compatíveis com as correntes europeias coesas devido à matriz contra-revolucionária dessas últimas.
O papel da União Soviética
As relações transatlânticas estreitam-se a partir da fundação, em 1917, da União Soviética, cujo protagonismo internacional é visto como uma ameaça comum. A proximidade da Europa ao ‘perigo vermelho’ faz com que as revoluções nacionalistas dos anos 20 e 30 no Velho Continente sejam saudadas com favor. A recepção positiva nos EUA é facilitada pelo activismo da emigração política vinda da Rússia e da emigração económica oriunda da Europa ocidental, nesse último caso apoiada, na sua acção propagandista, pelos próprios regimes de Roma e Berlim. De alguma eficácia resulta também o empreendedorismo político dos adeptos norte-americanos dos fascismos europeus e o favor das facções republicanas admiradoras do anti-comunismo de Mussolini e Hitler.
O protagonismo anglo-saxónico na frente bélica antifascista durante a Segunda Guerra Mundial e os êxitos do conflito armado em 1945 fazem com que o vector inverta a sua direcção. Ao longo dos anos 50 e 60, os EUA tornam-se, por um lado, os campeões da derrota da extrema-direita europeia e, por outro lado, os novos paladinos da luta anti-comunista. Por seu lado, os derrotados europeus de 1945 – e os seus sucessores – começam a encarar a Nova Ordem Mundial como um Janus bifronte, onde Moscovo e Washington se equivalem em termos de ameaças ideológicas e políticas para a Europa. Essa fractura explica o desinteresse total da ultra-direita norte-americana pelas malogradas internacionais neo-fascistas dos anos 50 e 60 na Europa e a marginalidade dos saudosistas norte-americanos à George Lincoln Rockwell com a sua World Union of National Socialists (WUNS). Nesse último caso, aliás, convém salientar que o White Nationalism do segundo pós-guerra sempre continuou a olhar com interesse ao Nacional-socialismo europeu.
Pelo contrário, os EUA tornam-se a referência organizacional dos anti-comunistas europeus, ocidentais e orientais, através de estruturas de coordenação como a World Anti-Communist League (WACL) de 1966. Debaixo desses chapéus – cada vez mais numerosos graças à acção não só da administração norte-americana, mas também de think tanks republicanos – desenvolvem-se redes internacionais de colaboração, nas quais participam europeus de direita e de extrema-direita em nome do combate ao inimigo comum. Uma realidade que, caído o comunismo, se repetirá com a luta contra o radicalismo islâmico. Aqui o factor religioso, central na direita norte-americana, jogará um papel não secundário na moldagem do imaginário dos congéneres europeus, através da absorção de conceitos quais o choque de civilizações e a cruzada contra o terrorismo.
A partir do último quartel do século XX, as influências anglo-saxónicas atingiram também as franjas sub-culturais e juvenis da extrema-direita, através da produção musical anti-comunista desde os anos 70 (o chamado Rock Against Communism – RAC) e da difusão ideológica pela internet (as correntes White Power). Aqui, os EUA tiveram um papel importante graças às liberdades constitucionais (I e II emendas) garantidas aos grupos radicais, particularmente activos na Web desde os anos 90.
Embora não se devam confundir os partidos populistas de direita, em ascensão na Europa, com os movimentos sub-culturais, folclóricos e marginais, é importante salientar como o mundo anglo-saxónico (os EUA in primis) continue a exercer uma influência assinalável no discurso e na estratégia dos radicais do Velho Continente. Assim, fenómenos mais recentes como a Alt-Right norte-americana, adepta da Nouvelle Droite francesa e apoiante de Trump, são vestígios da antiga circulação intelectual transatlântica que sempre existiu, mas que foi progressivamente abandonada por muita extrema-direita americana cada vez mais isolada no seu caminho messiânico.
Geert Wilders. Photo by Metropolico.org / CC BY-SA 2.0
in http://cei.iscte-iul.pt/blog/a-extrema-direita-euro-americana/

Colo (filme de Teresa Villaverde)

Teresa Villaverde


COLO Trailer #1 - Film by TERESA VILLAVERDE from ALCE FILMES on Vimeo.

O filme “Colo”, da realizadora portuguesa Teresa Villaverde, foi selecionado para a competição oficial da 67ª edição do Festival Internacional de Cinema de Berlim, que decorre entre 09 e 19 de fevereiro de 2017, foi hoje anunciado.
Num comunicado conjunto, a produtora da longa-metragem, Alce Filmes, e a Portugal Film – Agência Internacional de Cinema Português, sublinham a seleção do novo filme de Teresa Villaverde para “a secção mais importante e prestigiosa deste festival, um dos mais importantes do mundo”.
Trata-se de uma ficção que conta no elenco com João Pedro Vaz, Alice Albergaria Borges, Beatriz Batarda, Clara Jost, Tomás Gomes, Dinis Gomes, Ricardo Aibéo, Simone de Oliveira e Rita Blanco.
Com realização e argumento de Teresa Villaverde, o filme, de 135 minutos, tem direção de fotografia de Acácio de Almeida, montagem de Rodolphe Molla, som de Vasco Pimentel, Marion Papinot, Joël Rangon, direção de produção de António Gonçalo, e Paulo Belém como assistente de realização.
“O filme é uma reflexão muito atual, e quase serena, sobre o nosso caminho comum como sociedades europeias de hoje, sobre o nosso isolamento, a nossa perplexidade perante as dificuldades que nos vão surgindo, sobre a nossa vida nas cidades e dentro das nossas famílias. É um filme em tensão crescente que nunca chega a explodir”, descreve o comunicado.
A longa-metragem “Colo” é produzida pela Alce Filmes – Teresa Villaverde (Portugal), em coprodução com a Sedna Films – Cécile Vacheret (França).
Teresa Villaverde, 50 anos, nascida em Lisboa, é realizadora, argumentista e produtora premiada em vários festivais internacionais, criou, entre outros filmes, “A Idade Maior” (1991), “Os Mutantes” (1998), “Água e Sal” (2001), “Transe” (2006) e “Cisne” (2011).


in http://bomdia.eu/filme-colo-de-teresa-villaverde-selecionado-para-o-festival-de-berlim/


Ler também este artigo.


quinta-feira, 9 de fevereiro de 2017

Uma foto do Salazarismo

Vidago,Trás-os-Montes, 1952 *


(Clicar para ampliar)



Uma foto bonita mas dramática. 
A realidade brutal do Salazarismo bem patente na miséria que crianças e mulher evidenciam, quer pelo semblante que mostram, quer pelas roupas que usam, quer pela posição de profunda humildade que deixam transparecer.

Não havia infância para os pobres! Não havia nada para os pobres exceto trabalho miserável, sofrimento e exploração... apesar do sorriso puro e do olhar inocente dos que sonhavam com um amanhã diferente.



Nazaré Oliveira

*Foto gentilmente cedida pelo João Rodrigues Silva

quarta-feira, 8 de fevereiro de 2017

Movimento liderado por homens quer que Mutilação Genital Feminina volte a ser permitida na Guiné-Bissau



Incrível! 

Parlamento guineense aprovou em 2011 uma lei que proíbe a excisão, mas agora há um movimento que quer abolir essa legislação. E já entregou um abaixo-assinado no parlamento Um álbum de fotografias está em cima da mesa e não se deve abrir. "Essas imagens impressionam e já puseram muitas 'fanatecas' a chorar", conta Fatumata Baldé. 

As "fanatecas" são as mulheres que fazem a excisão a outras mulheres. O álbum mostra os ferimentos e malformações que surgem mais tarde às que foram sujeitas à Mutilação Genital Feminina (MGF) e aos seus filhos. 

Quando ainda alguém tem dúvidas sobre os males provocados pela MGF, "logo desaparecem ao ver estas fotografias", descreve.

Fatumata lidera o Comité Nacional para o Abandono das Práticas Nefastas na Guiné-Bissau que tem levado "fanatecas" de todo o país a abandonar a atividade. 

A Assembleia Nacional Popular (ANP) guineense aprovou em 2011 uma lei que proíbe a excisão, mas agora há um movimento liderado por um punhado de homens que quer abolir essa legislação. 
Para o efeito, este grupo já entregou um abaixo-assinado no parlamento, em que dizem reunir 12 mil subscritores que querem que a MGF volte a ser uma prática livre. 
Porquê? Iaia Rachido, 64 anos, acredita que a excisão "não faz mal a ninguém". E se lhe pedissem para cortar nele próprio? Diz que "não", que não deixava. "Mas nas mulheres também não se corta tudo: cortam um pouco, como o profeta ensinou". 

Para este homem, que dirige uma mesquita em Bissau e é filho de um "sábio" muçulmano, a mutilação é um corte com medida divina - e quando confrontado com ferimentos, casos de morte provocada pela excisão ou com a interpretação do Corão (livro sagrado muçulmano) livre do corte, diz que tudo isso "não corresponde à realidade". 

Desvaloriza também as cartas e convenções internacionais (das Nações Unidas e suas agências, como a Organização Mundial de Saúde, entre outras entidades) que condenam a prática.

"Quando há americanos ou europeus que fazem uma regra, toda a gente vai atrás da regra", queixa-se, considerando, por isso, que essas convenções não deviam ser consideradas universais. 

Para ele, não deve ser assim e chega a dar um exemplo que contraria a carta dos Direitos Humanos. "Fala do direito da criança em escolher a religião, mas nós, muçulmanos, não nos importamos com isso". Mesmo que se diga que a lei é para toda a gente, "eles sabem quem é que pratica isto", refere Iaia Rachido, apontando o dedo ao poder político. 

Por outro lado, "na Guiné-Bissau há crimes de droga, de sangue e corrupção. Até à data ninguém foi julgado, mas há duas senhoras que estão a cumprir pena por praticarem a excisão". 
"Deviam prender primeiro aqueles que cometeram crimes mais graves", acrescenta.

Não há argumentos que demovam Iaia Rachido. A conclusão é sempre esta: "no nosso entender [a MGF] é obrigatória", de acordo com os preceitos religiosos e com a tradição em que se incluem mães, irmãs e até as cinco filhas de Iaia. Mas "pode haver quem entenda que é facultativo".

"Quem quiser faz, quem não quiser, não faz" e o movimento até aceita isso, mas o objetivo é acabar com a proibição: "vamos continuar pela via legal, longe da violência, para conseguir a abolição desta lei".

Apesar de desvalorizar a importância dos intervenientes, Fatumata Baldé considera gravíssima a posição assumida pelo grupo e pede a intervenção do Procurador-Geral da República (PGR) da Guiné-Bissau.

"O PGR devia chamar esse senhor para lhe perguntar o que se está a passar", porque está a instigar a população "contra uma lei adotada por um Estado. Ele merece ser chamado ao Ministério Público". "Estamos num país democrático em que cada um pode expressar-se livremente, mas sem contrariar as leis", sublinha.

Fatumata Baldé acredita que a oposição à excisão na Guiné-Bissau e a caminhada com vista à sua erradicação já chegou a um ponto sem retorno: a lei passou no parlamento quase por unanimidade e a os principais líderes islâmicos rejeitam que a religião obrigue à MGF.

Os mais recentes indicadores revelam uma diminuição da prática, apesar de continuar a ser expressiva.

Segundo o Inquérito aos Indicadores Múltiplos (MICS) de 2010, promovido pelo Governo e Nações Unidas, a excisão afetava metade (50%) das mulheres da Guiné-Bissau com idades entre os 15 e os 49 anos, valor que desceu para 45% no MICS 2014.

Há um senão: com medo da lei, há cada vez mais pais a sujeitar as filhas à MGF quando ainda são bebés, para haver menos possibilidades de denúncia. E aos recém-nascidos nada resta senão depender dos adultos, num país onde ainda se defende a mutilação.


in http://www.dn.pt/globo/interior/movimento-quer-que-mutilacao-genital-feminina-volte-a-ser-permitida-na-guinebissau-4752775.html






As palavras (Eugénio de Andrade)


São como um cristal,
as palavras.
Algumas, um punhal,
um incêndio.
Outras,
orvalho apenas.

Secretas vêm, cheias de memória.
Inseguras navegam:
barcos ou beijos, as águas estremecem.

Desamparadas, inocentes,
leves.
Tecidas são de luz
e são a noite.
E mesmo pálidas
verdes paraísos lembram ainda.

Quem as escuta? Quem
as recolhe, assim,
cruéis, desfeitas,
nas suas conchas puras?



Eugénio de Andrade


Hanna Arendt explica Trump



Por que se recorre a Hannah Arendt para explicar Trump e não só ele. O mundo esta prestes a reproduzir os processos sociais magistralmente analisados por Hanna Arendt no clássico “As origens do totalitarismo”.
O clássico de George Orwell “1984” não é o único que está celebrando o retorno: o ensaio filosófico “As origens do totalitarismo” também vem chamando atenção. Entenda por que a autora é tão relevante.
De origem judaica, Hannah Arendt (1906-1975) nasceu na Alemanha e deixou o país quando Adolf Hitler assumiu o poder em 1933. Ela passou um período como refugiada apátrida na França e foi deportada para um campo de internamento sob o regime Vichy. Em 1941, Arendt emigrou para os EUA, assumindo mais tarde a cidadania americana.
Tendo vivenciado de perto o quase colapso de uma civilização avançada, ela também se tornou uma das primeiras teóricas políticas a analisar como o totalitarismo pôde se desenvolver no início do século 20. As raízes do nazismo e do stalinismo estão descritas em seu primeiro grande livro, As origens do totalitarismo, publicado originalmente em inglês em 1951.
Desde então, o livro se tornou leitura obrigatória para muitos estudantes, e agora a densa obra política de mais de 500 páginas se tornou um best-seller. Ele tem voado das prateleiras americanas desde que Donald Trump subiu ao poder no país. Esses novos fãs de Arendt estão, presumivelmente, tentando entender para onde pode levar a presidência do republicano.
“Na compreensão de Hannah Arendt, Trump não é um totalitário; ele incorpora o que ela chama de ‘elementos’ do totalitarismo”, explicou recentemente à DW Roger Berkowitz, professor e chefe do Centro Hannah Arendt de Política e Humanidade no Bard College em Nova York.
Berkowitz disse, no entanto, que fortes sinais de alerta não devem ser ignorados: “Arendt acreditava que um dos elementos centrais do totalitarismo é que ele é baseado num movimento (…) e Trump afirmou explicitamente que seria o porta-voz de um movimento. Essa é uma posição muito perigosa para um político.”
Soluções fáceis em tempos de ansiedade mundial
A análise de Arendt se concentra sobre os acontecimentos do período em que viveu. Embora as suas observações não possam explicar, obviamente, tudo sobre os complexos desenvolvimentos políticos de hoje, muitas delas ainda são bastante reveladoras: o populismo de direita a se espalhar pela Europa e EUA é uma reminiscência, em diferentes formas, da situação nos anos 1920 e 1930 que permitiu que nazistas e comunistas subissem ao poder.
Os livros de Arendt proporcionam uma visão sobre os mecanismos que levam tantas pessoas a aceitar prontamente mentiras, em tempos de incerteza global. Enquanto grandes jornais, como o New York Times e Washington Post, estão resgatando os escritos da filósofa, os usuários nas redes sociais compartilham amplamente frases como esta de As origens do totalitarismo:
“Num mundo incompreensível e sempre em mutação, as massas chegariam a um ponto em que, ao mesmo tempo, acreditariam em tudo e nada, pensariam que tudo seria possível e nada seria verdade.”
Narrativas simplificadas, repetidas
Em tal contexto, narrativas simplificadas, repetidas – e falsas –, que põem a culpa em bodes expiatórios e oferecem soluções fáceis, têm preferência sobre análises mais profundas que levam a opiniões informadas. Essa abordagem foi aplicada por líderes totalitários como Hitler, escreveu Arendt.
Neste sentido, não é nenhuma novidade a estratégia de Trump de colocar a culpa generalizada em muçulmanos e mexicanos pelo terrorismo, crime ou desemprego, e reivindicar um veto de viagem ou um muro como uma solução fácil.
Segundo Arendt, no início do século 20, os líderes totalitários basearam a sua propaganda nesta suposição explicitada em As origens do totalitarismo: “Pode-se fazer com que as pessoas acreditem em determinado dia nas mais fantásticas declarações, e esperar que, no dia seguinte, elas se refugiem no cinismo ao receber provas irrefutáveis da falsidade dessas afirmações; em vez de abandonar os líderes que mentiram para elas, as pessoas iriam clamar que sabiam o tempo todo que a declaração era uma mentira e admirariam os líderes por sua esperteza tática superior.”
Agora, Trump eleva essa abordagem a novos extremos. Mesmo que nunca tenha havido tantas pessoas dedicadas a expor as mentiras do novo presidente americano, a astuta tática presidencial é fazer com que tais relatos sejam desacreditados como vindos da mídia tradicional e “desonesta”. Atualmente, as crenças do movimento liderado pelo magnata são apoiadas por fontes alternativas amplamente disponíveis.
Em 1974, Hannah Arendt declarou em entrevista: “Se todo mundo sempre mentir para você, a consequência não é que você vai acreditar em mentiras, mas sobretudo que ninguém passe a acreditar mais em nada.”
A “banalidade do mal”
Num relato de Arendt, de 1961, sobre o julgamento de Adolf Eichmann, um dos principais organizadores do Holocausto, ela ganhou fama com a expressão “a banalidade do mal” ao descrever o seu ponto de vista que a maldade poderia não ser algo tão radical quanto se espera.
Em seu livro Eichmann em Jerusalém – Um relato sobre a banalidade do mal, Arendt explica como crimes foram cometidos por pessoas que obedeciam a ordens cegamente, para estar em conformidade com as massas. “Há uma estranha interdependência entre a irreflexão e o mal”, escreveu a filósofa em seu clássico.
A definição de irreflexão elaborada num primeiro trabalho publicado em 1958, A condição humana, poderia muito bem ter sido escrita para descrever as ordens executivas assinadas apressadamente por Trump, como também os seus esforços para justificá-las: “Irreflexão – a imprudência negligente ou desesperançada confusão ou repetição complacente de ‘verdades’ que se tornaram triviais e vãs – parece ser uma das características mais notáveis de nosso tempo.”
Desobediência civil
Claro, tais citações fora de seu contexto podem ser fáceis e confortáveis de compartilhar online, mas elas não refletem a totalidade das ideias de Arendt. Da mesma forma, aqueles que quiserem encontrar todas as respostas em As origens do totalitarismo estão fadados a se decepcionar.
Não foi Arendt quem escolheu o título, mas seu editor. Segundo Berkowitz, ela acreditava que o mundo era complexo e confuso demais para se identificar as raízes do totalitarismo.
Ao revisitar os escritos de Arendt, tentando impossivelmente prever se seremos tomados por novas formas de totalitarismo no futuro, pode-se encontrar consolo em outras observações da filósofa: ela considerava a desobediência civil uma parte essencial do sistema político americano – e os fortes movimentos de protesto atualmente no país demonstram isso novamente. Como na famosa frase da escritora: “Ninguém tem o direito de obedecer.”
in http://www.revistaprosaversoearte.com/por-que-se-recorre-hannah-arendt-para-explicar-trump/

quarta-feira, 1 de fevereiro de 2017

Panama Papers: rostos e ligações

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Um especial interactivo produzido pelo Consórcio Internacional de Jornalistas de Investigação (CIJI) explora as histórias do uso de empresas offshore por parte de políticos, seus familiares e associados – mais de 100 no total.

Entre os rostos agora expostos estão 12 chefes de Estado ou de governo e outros 33 políticos e funcionários públicos com ligações directas a paraísos fiscais. Nomes revelados numa gigantesca fuga de informação de mais de 11 milhões de documentos que põe a nu a forma como dirigentes políticos, figuras poderosas e burlões de várias áreas usam os paraísos fiscais para fazer fortunas à margem da lei. Os documentos foram obtidos pelo jornal alemão Süddeutsche Zeitung, a partir de uma fonte anónima. O CIJI já anunciou que divulgará a lista completa das empresas e pessoas a elas ligadas no início de Maio.




4 de Abril de 2016, 13:34
PÚBLICO