A 20 de Janeiro realizou-se, em Koblenz (Alemanha), uma reunião de líderes populistas europeus para preparar o ano de 2017 na esteira do que Marine Le Pen chamou o ano do despertar do mundo anglo-saxónico: 2016 com o Brexit do Reino Unido e a eleição de Donald Trump à presidência dos EUA.
A atenção ao mundo anglo-saxónico por parte das direitas europeias mais duras não é de todo uma novidade
Ao longo do segundo pós-guerra várias foram as figuras que estimularam o imaginário desses meios políticos continentais. Em particular, os hard-liners entre os liberais e os conservadores europeus olharam com simpatia os congéneres britânicos e norte-americanos, em particular a primeira-ministra Margaret Thatcher com o seu liberalismo de ferro, os presidentes Ronald Reagan com a sua segunda Guerra Fria dos anos 80, George W. Bush com o seu neo-conservadorismo de novo milénio e finalmente Donald Trump com o seu nacionalismo populista. Essas referências anglo-saxónicas não ficaram restringidas apenas à área liberal-conservadora, mas atingiram também a chamada extrema-direita pós-industrial – hoje em ascensão – e até, em certa medida, sectores da extrema-direita tradicional, onde personagens como o deputado britânico Enoch Powell com o seu discurso do “rios de sangue” de 1968 ou os candidatos presidenciais norte-americanos Barry Goldwater (1964) e Pat Buchannan (anos 90) deixaram marcas.
A dimensão mais interessante desse fenómeno é a inversão da dinâmica de influência que ocorreu ao longo do século XX, passando os EUA a ser o exportador de discursos e práticas a partir da segunda metade do século, quando, até ai, a Europa tinha sido o farol dos meios radicais ocidentais. Esta inversão na extrema-direita é objecto de análise científica já desde a década de 90 do século passado.
A dimensão transatlântica
Limitando a nossa análise à extrema-direita nos Estados Unidos, esses movimentos estão presentes já no final do século XIX com o populismo anti-elitista e anti-imigracionista, mas resultam pouco compatíveis com as correntes europeias coesas devido à matriz contra-revolucionária dessas últimas.
O papel da União Soviética
As relações transatlânticas estreitam-se a partir da fundação, em 1917, da União Soviética, cujo protagonismo internacional é visto como uma ameaça comum. A proximidade da Europa ao ‘perigo vermelho’ faz com que as revoluções nacionalistas dos anos 20 e 30 no Velho Continente sejam saudadas com favor. A recepção positiva nos EUA é facilitada pelo activismo da emigração política vinda da Rússia e da emigração económica oriunda da Europa ocidental, nesse último caso apoiada, na sua acção propagandista, pelos próprios regimes de Roma e Berlim. De alguma eficácia resulta também o empreendedorismo político dos adeptos norte-americanos dos fascismos europeus e o favor das facções republicanas admiradoras do anti-comunismo de Mussolini e Hitler.
O protagonismo anglo-saxónico na frente bélica antifascista durante a Segunda Guerra Mundial e os êxitos do conflito armado em 1945 fazem com que o vector inverta a sua direcção. Ao longo dos anos 50 e 60, os EUA tornam-se, por um lado, os campeões da derrota da extrema-direita europeia e, por outro lado, os novos paladinos da luta anti-comunista. Por seu lado, os derrotados europeus de 1945 – e os seus sucessores – começam a encarar a Nova Ordem Mundial como um Janus bifronte, onde Moscovo e Washington se equivalem em termos de ameaças ideológicas e políticas para a Europa. Essa fractura explica o desinteresse total da ultra-direita norte-americana pelas malogradas internacionais neo-fascistas dos anos 50 e 60 na Europa e a marginalidade dos saudosistas norte-americanos à George Lincoln Rockwell com a sua World Union of National Socialists (WUNS). Nesse último caso, aliás, convém salientar que o White Nationalism do segundo pós-guerra sempre continuou a olhar com interesse ao Nacional-socialismo europeu.
Pelo contrário, os EUA tornam-se a referência organizacional dos anti-comunistas europeus, ocidentais e orientais, através de estruturas de coordenação como a World Anti-Communist League (WACL) de 1966. Debaixo desses chapéus – cada vez mais numerosos graças à acção não só da administração norte-americana, mas também de think tanks republicanos – desenvolvem-se redes internacionais de colaboração, nas quais participam europeus de direita e de extrema-direita em nome do combate ao inimigo comum. Uma realidade que, caído o comunismo, se repetirá com a luta contra o radicalismo islâmico. Aqui o factor religioso, central na direita norte-americana, jogará um papel não secundário na moldagem do imaginário dos congéneres europeus, através da absorção de conceitos quais o choque de civilizações e a cruzada contra o terrorismo.
A partir do último quartel do século XX, as influências anglo-saxónicas atingiram também as franjas sub-culturais e juvenis da extrema-direita, através da produção musical anti-comunista desde os anos 70 (o chamado Rock Against Communism – RAC) e da difusão ideológica pela internet (as correntes White Power). Aqui, os EUA tiveram um papel importante graças às liberdades constitucionais (I e II emendas) garantidas aos grupos radicais, particularmente activos na Web desde os anos 90.
Embora não se devam confundir os partidos populistas de direita, em ascensão na Europa, com os movimentos sub-culturais, folclóricos e marginais, é importante salientar como o mundo anglo-saxónico (os EUA in primis) continue a exercer uma influência assinalável no discurso e na estratégia dos radicais do Velho Continente. Assim, fenómenos mais recentes como a Alt-Right norte-americana, adepta da Nouvelle Droite francesa e apoiante de Trump, são vestígios da antiga circulação intelectual transatlântica que sempre existiu, mas que foi progressivamente abandonada por muita extrema-direita americana cada vez mais isolada no seu caminho messiânico.
Geert Wilders. Photo by Metropolico.org / CC BY-SA 2.0
in http://cei.iscte-iul.pt/blog/a-extrema-direita-euro-americana/