quarta-feira, 2 de setembro de 2015

A proteção social é vital na resposta às crises



OIT: “Proteção social é vital na resposta às crises”

Os países do norte da Europa com uma proteção social sólida têm resistido melhor à crise financeira. O alerta é de Raymond Torres, diretor do Departamento de Investigação da Organização Internacional do Trabalho (OIT).
“O mundo do trabalho está a sofrer uma transformação profunda”, sublinhou o diretor do Departamento de Investigação da OIT, Raymond Torres, no seminário “Estado e terceiro setor: Que novos compromissos”, que decorreu em Lisboa, no Auditório Montepio, no dia 18 de junho.
O investigador salientou a existência de uma alteração de paradigma na relação tradicional entre as empresas e os trabalhadores, sublinhando que, em tempos de mudança, a proteção social deve continuar a assegurar a dignidade do trabalhador, reforçando-se como “um fator de grande progresso para a humanidade”.
No painel “A proteção social e o trabalho: a perspetiva da OIT”, Raymond Torres defendeu que o conceito de “trabalhar numa única empresa para toda a vida” está desatualizado e que a organização do trabalho se estrutura hoje de modo mais flexível. “Criaram-se novas formas de emprego, nas quais não é necessária a presença física na empresa, conduzindo a um modo de trabalhar que passa diretamente pela rede”, afirmou.

Proteção social como resposta às crises

A fragmentação dos sistemas produtivos e o impacto das Novas Tecnologias também têm efeitos incontornáveis. “Cerca de 45% dos empregos que existem atualmente desaparecerão com a digitalização ou robotização”, alertou.
Por todos estes motivos, é muito importante que a proteção social se adapte ao novo mundo laboral que surge em paralelo com um aumento das desigualdades sociais e das vulnerabilidades. “Há menos emprego e o emprego que se cria é muito diferente do que havia no passado”, realçou o investigador.
Raymond Torres salientou igualmente que a “proteção social é um elemento vital na resposta às crises financeiras”. Para este investigador, os países com uma proteção social mais consolidada, no norte da Europa, lidam melhor com a crise. “Se tivermos que mencionar uma política que tenha sido a mais eficaz no que respeita à crise financeira, seria a política de tentar conservar o nível de emprego em empresas sustentáveis mediante um sistema de proteção social”, sublinhou.
O paradoxo da proteção social
Na sua intervenção, Raymond Torres explicou ainda o atual paradoxo da proteção social. Por um lado, nos países denominados emergentes, a proteção social está a desenvolver-se em larga escala, desde o sistema de pensões na China, passando pelas políticas sociais inovadoras na América Latina, até às mais diversas iniciativas em África, como, por exemplo, o programa de proteção social em meios rurais na Etiópia.
Por outro, a proteção social tem sido questionada na Europa, apesar de serem conhecidos os seus benefícios. Para o investigador, existem três motivos principais para esta situação:
  1. A visão da proteção social. A perceção de que a proteção social pesa sobre o crescimento económico e sobre a competitividade, constituindo-se (pelo menos aparentemente) como um obstáculo ao progresso económico. “Esta é uma ideia pré-concebida que não corresponde à verdade”, considerou.
  2. As disfunções do sistema. O investigador admitiu que existem abusos relacionados com o financiamento da proteção social, mas defendeu que estes devem ser fiscalizados e corrigidos, sem que os direitos das pessoas sejam colocados em causa devido a erros e desvios do sistema.
  3. A falta de recursos para o financiamento. “Como é que se pode financiar a proteção social nos países que estão a sofrer mais com a crise financeira?”. Raymond Torres considera a pergunta pertinente, mas enfatizou que “é inadmissível que, com a desculpa da crise financeira e do financiamento, se arrisquem os direitos fundamentais”. O diretor do Departamento de Investigação da OIT frisou que “seria um erro histórico porque quando se perdem direitos é muito difícil recuperá-los”.
Raymond Torres realçou também a tendência de externalização da proteção social, do Estado para o terceiro setor ou economia social. No entanto, o investigador defendeu que o Estado não deve transferir totalmente esta responsabilidade, sendo um adepto da complementaridade.

“Estado deve afirmar-se como regulador dos serviços sociais”

A conselheira de política e advocacia da Plataforma Social Europeia, Valentina Caimi, outra das convidadas desta conferência, identifica-se com a linha de pensamento de Raymond Torres.
Na sua intervenção no primeiro painel “Que caminhos para a proteção social?”, Valentina Caimi sublinhou que, nos últimos anos, a Comissão Europeia tem promovido o desenvolvimento de novas tendências, como o empreendedorismo social, a inovação social e a aposta no mercado de investimento de impacto social, no qual o financiamento do setor social procede de investidores privados.
Contudo, salienta a conselheira, a “modernização da proteção social não deve colocar em causa os direitos das pessoas”, num contexto “em que novos intervenientes estão a chegar à área social e no qual as autoridades públicas têm menos dinheiro”.
Para Valentina Caimi, o setor público não se pode demitir das suas funções, transferindo todas as responsabilidades para outros atores (instituições da economia social, empresas ou investidores privados). “O Estado deve afirmar-se como um regulador que assegure a inovação e atos não discriminatórios nos serviços sociais, garantindo serviços de qualidade em todo o território e não apenas nas áreas urbanas”, salientou Valentina Caimi, que defende a importância de uma proteção social para todos.




In http://ei.montepio.pt/oit-protecao-social-e-vital-na-resposta-as-crises/ - 26.06.2015