OIT: “Proteção social é vital na resposta às crises”
Os países do norte da Europa com uma
proteção social sólida têm resistido melhor à crise financeira. O alerta é de
Raymond Torres, diretor do Departamento de Investigação da Organização
Internacional do Trabalho (OIT).
“O mundo do trabalho está a sofrer
uma transformação profunda”, sublinhou o diretor do Departamento de
Investigação da OIT, Raymond Torres, no seminário “Estado e terceiro setor: Que
novos compromissos”, que decorreu em Lisboa, no Auditório Montepio, no dia 18
de junho.
O investigador salientou a
existência de uma alteração de paradigma na relação tradicional entre as
empresas e os trabalhadores, sublinhando que, em tempos de mudança, a proteção social deve continuar a assegurar a
dignidade do trabalhador, reforçando-se como “um fator de grande progresso
para a humanidade”.
No painel “A proteção social e o
trabalho: a perspetiva da OIT”, Raymond Torres defendeu que o conceito de
“trabalhar numa única empresa para toda a vida” está desatualizado e que a
organização do trabalho se estrutura hoje de modo mais flexível. “Criaram-se
novas formas de emprego, nas quais não é necessária a presença física na
empresa, conduzindo a um modo de trabalhar que passa diretamente pela rede”,
afirmou.
Proteção social
como resposta às crises
A fragmentação
dos sistemas produtivos e o impacto das Novas Tecnologias também têm efeitos
incontornáveis. “Cerca de 45% dos empregos que existem atualmente desaparecerão
com a digitalização ou robotização”, alertou.
Por todos estes motivos, é muito
importante que a proteção social se adapte ao novo mundo laboral que surge em
paralelo com um aumento das desigualdades sociais e das vulnerabilidades. “Há
menos emprego e o emprego que se cria é muito diferente do que havia no
passado”, realçou o investigador.
Raymond Torres salientou igualmente
que a “proteção social é um elemento
vital na resposta às crises financeiras”. Para este investigador, os países com
uma proteção social mais consolidada, no norte da Europa, lidam melhor com a
crise. “Se tivermos que mencionar uma política que tenha sido a mais eficaz no
que respeita à crise financeira, seria a política de tentar conservar o nível
de emprego em empresas sustentáveis mediante um sistema de proteção social”,
sublinhou.
O paradoxo da
proteção social
Na sua intervenção, Raymond Torres
explicou ainda o atual paradoxo da proteção social. Por um lado, nos países
denominados emergentes, a proteção social está a desenvolver-se em larga
escala, desde o sistema de pensões na China, passando pelas políticas sociais
inovadoras na América Latina, até às mais diversas iniciativas em África, como,
por exemplo, o programa de proteção social em meios rurais na Etiópia.
Por outro, a proteção social tem
sido questionada na Europa, apesar de serem conhecidos os seus benefícios. Para
o investigador, existem três motivos principais para esta situação:
- A visão da
proteção social. A perceção de que a proteção social pesa sobre o
crescimento económico e sobre a competitividade, constituindo-se (pelo
menos aparentemente) como um obstáculo ao progresso económico. “Esta é uma
ideia pré-concebida que não corresponde à verdade”, considerou.
- As
disfunções do sistema. O investigador admitiu que existem abusos
relacionados com o financiamento da proteção social, mas defendeu que
estes devem ser fiscalizados e corrigidos, sem que os direitos das pessoas
sejam colocados em causa devido a erros e desvios do sistema.
- A falta de
recursos para o financiamento. “Como é que se pode financiar
a proteção social nos países que estão a sofrer mais com a crise
financeira?”. Raymond Torres considera a pergunta pertinente, mas
enfatizou que “é inadmissível que, com a desculpa da crise financeira e do
financiamento, se arrisquem os direitos fundamentais”. O diretor do
Departamento de Investigação da OIT frisou que “seria um erro histórico
porque quando se perdem direitos é muito difícil recuperá-los”.
Raymond Torres realçou também a tendência
de externalização da proteção social, do Estado para o terceiro setor ou
economia social. No entanto, o investigador defendeu que o Estado não deve
transferir totalmente esta responsabilidade, sendo um adepto da
complementaridade.
“Estado deve
afirmar-se como regulador dos serviços sociais”
A conselheira de política e
advocacia da Plataforma Social Europeia, Valentina Caimi, outra das convidadas
desta conferência, identifica-se com a linha de pensamento de Raymond Torres.
Na sua intervenção no primeiro
painel “Que caminhos para a proteção social?”, Valentina Caimi sublinhou que,
nos últimos anos, a Comissão Europeia tem promovido o desenvolvimento de novas
tendências, como o empreendedorismo social, a inovação social e a aposta no
mercado de investimento de impacto social, no qual o financiamento do setor
social procede de investidores privados.
Contudo, salienta a conselheira, a
“modernização da proteção social não deve colocar em causa os direitos das
pessoas”, num contexto “em que novos intervenientes estão a chegar à área
social e no qual as autoridades públicas têm menos dinheiro”.
Para Valentina Caimi, o setor público não se pode demitir das
suas funções, transferindo todas as responsabilidades para outros atores
(instituições da economia social, empresas ou investidores privados). “O Estado deve afirmar-se como um regulador
que assegure a inovação e atos não discriminatórios nos serviços sociais,
garantindo serviços de qualidade em todo o território e não apenas nas áreas
urbanas”, salientou Valentina Caimi, que defende a importância de uma
proteção social para todos.
In
http://ei.montepio.pt/oit-protecao-social-e-vital-na-resposta-as-crises/ - 26.06.2015