Edvard Munch, Autorretrato entre o relógio e a cama |
Existirá uma relação entre o
incrível aumento da propensão ao suicídio e o triunfo do neoliberalismo, que
implica precariedade e competição obrigatória?
Dizem que o jovem piloto Andreas Lubitz sofria de
crise depressiva e mantinha escondidas da Lufthansa as suas condições
psíquicas. Os médicos tinham aconselhado um período de licença do trabalho. Mas
isso não é de fato surpreendente: o turbocapitalismo contemporâneo detesta
aqueles que pedem para usufruir licenças médicas, e detesta à enésima potência
qualquer referência à depressão. Deprimido, eu? Não se fala nunca disso. Eu
estou bem, perfeitamente bem, eficiente, alegre, dinâmico, enérgico e acima de
tudo competitivo. Faço jogging toda manhã, estou sempre disponível e preparado
para coisas extraordinárias. Não seria talvez esta a filosofia do “baixo
custo”? Não seríamos talvez rodeados ininterruptamente pelo discurso da
eficiência competitiva? Não estaríamos talvez constrangidos no cotidiano a
comparar o nosso estado de ânimo com aquela alegria agressiva dos rostos bem
sucedidos que aparecem nos anúncios publicitários? Não correríamos talvez o
risco de demissão se faltarmos demais ao trabalho por estarmos doentes?
Agora os jornais (os mesmos jornais que há anos
vêm nos chamando de pouco esforçados e elogiam a exclusão dos ineficientes)
aconselham-nos a prestar mais atenção nos processos seletivos. Teremos
controles extraordinários para verificar se os pilotos de avião não sejam
desequilibrados, loucos, depressivos, maníacos, melancólicos tristes e abatidos.
De verdade? E os médicos? E os coronéis do exército? E os motoristas de ônibus?
E os condutores de trem? E os professores de matemática? E os agentes da
polícia rodoviária?
Depuremos os deprimidos. Depurêmo-los. Pena que
sejam a maioria absoluta da população contemporânea. Não estou falando dos
deprimidos declarados, que aliás estão crescendo em proporção, mas daqueles que
sofrem de infelicidade, tristeza, desespero, aqueles que raramente informam da
situação e o fazem com certa prudência. A incidência de doenças psíquicas tem
crescido enormemente nas últimas décadas. A taxa de suicídio, segundo relatório
da Organização Mundial da Saúde, subiu 60% (!) nos últimos quarenta anos.
Quarenta anos? O que isso poderá significar? O
que aconteceu nos últimos quarenta anos para que tanta gente se apresse em
vestir paletó de madeira? Existirá talvez uma relação entre esse incrível
aumento da propensão a abreviar a vida e o triunfo do neoliberalismo, que
implica precariedade e competição obrigatória? E existirá talvez uma relação
com a solidão de uma geração inteira que cresceu diante da tela, sendo
submetida a contínuos estímulos psico-informativos e tocando sempre menos o
corpo do outro? Não se esqueçam que, para cada suicídio realizado, existem
cerca de vinte tentados sem sucesso. E não se esqueçam que, em muitos países do
mundo, os médicos são convidados a ter cautela na hora de atribuir a morte ao
suicídio, se não existirem provas evidentes da intenção do falecido. E quantos
acidentes de carro ocultam uma intenção suicida mais ou menos consciente?
Não apenas as autoridades de investigação e a
companhia aérea revelaram que a causa do desastre aéreo foi o suicídio de um
trabalhador que sofria de crise depressiva e que a mantinha escondida, eis que
na internet se coloca em marcha o costumeiro exército de teóricos da
conspiração. “Até parece que vou acreditar”, dizem aqueles que suspeitam de um
complô. Deve ter a mão da CIA, ou talvez Putin, ou quem sabe foi simplesmente
um gravíssimo erro da Lufthansa que agora querem esconder do público. Um
chargista que se chama Sartori e acredita ser muito espirituoso mostra um cara
lendo um jornal com a manchete “Tragédia Airbus: responsável o copiloto
deprimido” e fala: “daqui a pouco vão dizer que o ISIS também é feito por deprimidos”.
Olha aí, parabéns. Acertou o ponto em cheio: o
terrorismo contemporâneo pode ter mil causas políticas, mas a única causa
verdadeira é a epidemia de sofrimento psíquico (e social, mas as duas coisas
são uma só) que se está difundindo pelo mundo.
É possível explicar o comportamento de um terrorista, de um jovem que se explode para matar uma dezena de outros seres humanos, apenas em termos políticos, ideológicos, religiosos? Certo que se pode, mas vai ser conversa fiada.
A verdade é que quem se mata considera a vida um peso intolerável, e vê na morte a única salvação, na tragédia a única vingança.
Uma epidemia de suicídio se abateu sobre o planeta Terra, porque por décadas se pôs pra rodar uma gigantesca fábrica de infelicidade de onde parece cada vez mais impossível escapar. Aqueles que em todo lugar veem um complô deveriam parar de buscar uma verdade escondida, deveriam em vez disso interpretar diversamente a verdade evidente.
Andreas Lubitz se trancou naquela maldita cabine porque a dor que sentia dentro de si era de fato insuportável, e porque acusava daquela dor os 150 passageiros e colegas que voavam com ele, e todos os outros seres humanos que como ele são incapazes de libertar-se da infelicidade que devora a humanidade contemporânea, desde que a publicidade nos submeteu a um bombardeio de felicidade obrigatória, desde que a solidão digital multiplicou os estímulos e isolou cada um dos corpos, desde quando o capitalismo financeiro nos constrangeu a trabalhar o dobro para ganhar a metade.
É possível explicar o comportamento de um terrorista, de um jovem que se explode para matar uma dezena de outros seres humanos, apenas em termos políticos, ideológicos, religiosos? Certo que se pode, mas vai ser conversa fiada.
A verdade é que quem se mata considera a vida um peso intolerável, e vê na morte a única salvação, na tragédia a única vingança.
Uma epidemia de suicídio se abateu sobre o planeta Terra, porque por décadas se pôs pra rodar uma gigantesca fábrica de infelicidade de onde parece cada vez mais impossível escapar. Aqueles que em todo lugar veem um complô deveriam parar de buscar uma verdade escondida, deveriam em vez disso interpretar diversamente a verdade evidente.
Andreas Lubitz se trancou naquela maldita cabine porque a dor que sentia dentro de si era de fato insuportável, e porque acusava daquela dor os 150 passageiros e colegas que voavam com ele, e todos os outros seres humanos que como ele são incapazes de libertar-se da infelicidade que devora a humanidade contemporânea, desde que a publicidade nos submeteu a um bombardeio de felicidade obrigatória, desde que a solidão digital multiplicou os estímulos e isolou cada um dos corpos, desde quando o capitalismo financeiro nos constrangeu a trabalhar o dobro para ganhar a metade.
Por Franco
Berardi | Tradução Bruno Cava
in http://outraspalavras.net/capa/com-lubitz-na-cabine-a-depressao-neoliberal/