segunda-feira, 6 de outubro de 2014

Pouca vergonha na Educação e na Justiça

















Um artigo assinado por José Mendes e publicado no JN, sobre a dececionante e reprovável ação de dois ministros: o da Educação e o da Justiça. Sobretudo o da Educação, pelos terríveis dramas familiares que continua a espalhar pela massacrada classe docente, particularmente os professores contratados, sistematicamente humilhados sem dó nem piedade.
Que pouca vergonha! Num país em condições, estariam há muito demitidos! Eles e os outros, claro!




Educação e justiça sem perdão



Saúde, segurança social, educação e justiça. São estes os quatro mais importantes pilares da organização de um Estado. Com mais ou menos recursos, com prioridades mais ou menos discutíveis, o mínimo que se exige de um governo é a garantia do funcionamento das máquinas que providenciam estes serviços, sem descontinuidades. É a essência do próprio Estado que está em causa. Pois Portugal vive hoje um lapso funcional em dois desses pilares. Educação e justiça apresentam desde há um mês o seu motor gripado, sem que o primeiro-ministro tenha daí tirado qualquer ilação séria.
Começando pela educação. A chegada de Nuno Crato ao Ministério, lá atrás, em 2011, abriu uma janela de esperança num setor que foi sempre complexo. O problema infraestrutural estava já em estado muito avançado de resolução, com a renovação de um lote substancial das escolas públicas. Apesar de alguns exageros, a verdade é que se exigia uma intervenção decidida sobre um parque escolar que estava muito degradado e esse crédito deve ser atribuído, sem favor, ao Governo de José Sócrates. Faltava, então, atacar a dimensão intangível: a qualidade do ensino prestado aos alunos e a racionalização de um processo de colocação de professores que nunca foi pacífico. Nuno Crato parecia o homem certo, aparentando estar preparado para o efeito. Em fevereiro de 2011, meses antes de ter assumido a pasta, afirmava, perentório, que "o Ministério da Educação deveria ser quase que implodido, devia desaparecer, dever-se-ia criar uma coisa muito mais simples, que não tivesse a Educação como pertença mas tivesse a Educação como missão". Afirmações fortes!
Passaram três anos e Nuno Crato parece não ter implodido nada, para além de si próprio. Já neste último setembro, teve de apresentar desculpas públicas aos professores, aos pais e ao país pelo facto de o seu ministério ter cometido um erro de palmatória na fórmula de posicionamento dos professores concorrentes à Bolsa de Contratação de Escolas (BCE). Basicamente, depois de ter colocado e contratado cerca de 800 docentes, viu-se obrigado a repetir as contas para corrigir os erros. Muito grave. Teve, pelo menos, a decência de dizer que nenhum professor seria prejudicado. O problema é que, por estes dias, a nova diretora-geral da Administração Escolar enviou instruções aos diretores de escola para anularem os contratos de cerca de 150 docentes que, tendo sido erradamente colocados, se haviam já instalado nos seus novos destinos e iniciado as aulas.
Criou-se uma descontinuidade no serviço público de educação. Há professores que terão de partir, sabe-se lá para onde, estudantes que tinham e deixarão de ter aulas e um ministro cuja palavra não conta.
Agora a justiça. Tal como a educação, não é terreno fácil. A fama de uma máquina lenta e mal equipada é um clássico entre nós. Quando se esperavam reformas que democratizassem o acesso, que agilizassem os processos, que travassem a vergonha da violação do segredo de justiça ou dos subterfúgios processuais com que muitos poderosos vão escapando das malhas da justiça, a ministra Paula Teixeira da Cruz arregaça mangas e atira-se a uma reforma que, basicamente, nada contribui para estes objetivos.
Não conheço ninguém que se reveja na reforma do sistema de justiça que a ministra pretendeu iniciar a 1 de setembro. Nem autarcas, nem juízes, nem oficiais de justiça, nem advogados, nem o comum dos cidadãos. Foi mais um passo no sentido da retirada do Estado das regiões do interior, remetendo uma parte da população portuguesa, pagadores de impostos como todos os outros, ao estatuto de cidadãos de segunda. Mas, ainda assim, esperar-se-ia sempre o cumprimento dos mínimos, isto é, que o sistema se mantivesse a funcionar, sem descontinuidades. Ora, o que é conhecido é que, com a alteração das comarcas, o sistema informático Citius estourou e perdeu-se o rasto a 3,5 milhões de processos! Para os menos atentos, vale recordar que "processos" significa vidas de pessoas. Que assim estão congeladas, porque a papelada de que dependem está perdida em combate. A senhora ministra cometeu a proeza inédita de fazer parar a justiça no país inteiro.
Nuno Crato e Paula Teixeira da Cruz falharam na sua missão mais básica, sem perdão possível. São hoje dois cadáveres políticos. O tempo de os demitir e, ainda assim, salvar a cara, está também esgotado para o primeiro-ministro. Lamentável.


 (título do autor)