A Greve dos
professores é um acto de civilização
Um sistema educativo constituído por trabalhadores
precários, caixeiros-viajantes desumanizados, sobrecarregados de burocracia,
com parcos descontos para a segurança social, pondo em causa a vida digna dos
que já estão reformados. Professores que ainda tinham direitos, entre os 40 e
60 anos, enviados para um gigante despedimento colectivo ou reformas
antecipadas. Turmas atascadas de crianças mal-educadas, seleccionadas para o
lixo do «ensino profissional», um eufemismo para saber usar um computador e
dizer umas palavras de inglês para uns turistas verem, mantendo a força de
trabalho criteriosamente adequada à desordem de um país baseado em baixos
salários e exportações. Eis o cenário que os nossos professores estão com esta
greve a combater. Não podemos ver nesta greve nada a não ser um acto de
civilização, em defesa do bem-estar colectivo.
Para os historiadores, sociólogos do trabalho, afirmar
que a greve prejudica tem o mesmo significado que afirmar que a chuva molha.
Porque a greve, proibida durante tantos anos e conquistada com mortos e
feridos, só é greve se prejudicar a produção, neste caso, a formação da força
de trabalho. Sabemos, e não podemos deixar de lembrar aos que hoje trabalham,
que a greve é-o porque pára a produção mas também porque pode criar mecanismos
de solidariedade, criar fundos de greve (para suportar vários dias de greve),
democratizar as estruturas de organização dos trabalhadores (plenários de
escolas, assembleias abertas, dirigentes com cargos rotativos); a greve pode
também mobilizar outros sectores de trabalhadores à sua volta – foi tudo isto
que aconteceu no ano passado em Chicago, nos EUA, naquela que foi a mais
importante, e vitoriosa, greve de professores, quando vários bairros de Chicago
se mobilizaram, com fundos e acções em defesa dos professores.
A palavra desemprego hoje carrega este significado –
os desempregados pressionam os salários dos que estão empregados para baixo,
fazem-nos aceitar piores condições laborais.
Argumentei no último livro
que coordenei que a estratégia da troika consiste,
primordialmente, em reconverter o mercado de trabalho. Como? Transformar todos
os trabalhadores do país em trabalhadores precários, isto é, pôr fim ao direito
ao trabalho substituído por um estado em que se alterna entre a precariedade e
o assistencialismo, os «rendimentos mínimos», quando se fica desempregado.
Um precário ganha em média menos 37%, se for formado
menos 900 euros, se não for formado menos 300 euros. Há um número cada vez
maior de pessoas eliminadas do mercado de trabalho – num processo de eugenização
social da força de trabalho - mas o número dos que voltam ao mercado
de trabalho ganhando muito menos aumenta também. Quer isto dizer que,
tendencialmente, quem consegue voltar ao mercado de trabalho volta com um
salário inferior. Por isso vivemos num país onde há cada vez mais gente
desempregada e cada vez mais gente a ganhar o salário mínimo, salário mínimo
que é a palavra mágica que contém em si (quase) tudo – bairros sociais
degradados, má educação, brutalidade, violência, má alimentação, fome, apatia
social.
Nenhum aluno será prejudicado se esta greve sair
vencedora e conseguir o que pode, e está ao seu alcance: reduzir o
horário de trabalho, empregar mais professores, estender e melhorar a sua
formação nas universidades (ampliar de novo os cursos superiores), devolver aos
cursos de educação uma forte componente científica, dignificar o trabalho com
salários decentes, acabar com o terror do medo de perder o emprego, diminuir o
número de alunos por turma, impor o respeito pelos professores, por parte dos
alunos e por parte de todos nós como sociedade – a reboque garantimos a sustentabilidade
da segurança social porque com relações laborais protegidas e emprego os
descontos para esta aumentam.
O que impressiona nesta greve não é que ela prejudica
os alunos. É que ela é o derradeiro acto para salvar os alunos, uma geração
inteira «queimada» por um Governo que nada tem para lhes oferecer a não ser um
salário baixo ou um passaporte para a emigração, para países que, ao contrário
dos anos 60, também eles estão a braços com desemprego crescente!
Vivemos abaixo das nossas possibilidades. Hoje um
trabalhador, por força do desenvolvimento tecnológico, é 5,35 vezes mais
produtivo do que em 1961, mais de 430% mais produtivo! Isso significa que
produzimos riqueza social suficiente para ter turma de 10, 15 alunos, escolas
amplas com espaços verdes, espaços de brincadeira, funcionários bem pagos e
atentos; professores bem formados em cursos com extensão universitária de 5 ou
7 anos; aprendizagem de instrumentos musicais, teatro…
Esta
greve aos exames defende a dignidade laboral de quem vê no acto educativo um
acto de construção da civilidade, da educação, da candura, do amor a aprender,
do respeito pelo outro, da ciência como meio de emancipação humana.