Meu Deus,
como é que há pessoas que aplaudem "isto", adoram ver
"isto", patrocinam "isto" e chamam "a isto"
cultura?
António Pina, o nosso saudoso António
Pina, de uma sensibilidade incrível e humanidade também, dizia, respondendo a um dos leitores de uma sua a sua crónica :
A propósito da anterior crónica
(sobre as inclinações "culturais" da Câmara de Vinhais, que decidiu
iniciar os seus munícipes nos prazeres "exquis" da brutalidade e
tortura pública de animais) escreve-me um leitor dizendo, em abono da tourada,
que Hemingway e Picasso gostavam do espectáculo. Não só eles, acrescento eu, e
de touradas e coisas piores...
Escritores e artistas raramente são
exemplos morais recomendáveis. Céline, escritor maior (mesmo não sendo a
literatura um campeonato) que Hemingway, partilhou com Hitler, além do desprezo
pelas mulheres, o gosto pela carnificina de judeus, e Picasso, juntamente com
as touradas, teve outra devoção não menos sangrenta, Estaline.
A História está cheia de obras
sensíveis e generosas, às vezes de grande riqueza moral, realizadas por gente
feia, porca, má ou nem por isso. E se o desprezível dr. Destouches, dito
Céline, escreveu a admirável "Viagem ao fim da noite" mas também
obras imundas e carregadas de ódio, em outras é difícil encontrar traço do ser
humano existente por trás delas (quem dirá que por trás da belíssima Catedral
de Brasília está um devoto, também ele, de Estaline?)
Não é por Hemingway e Picasso se
terem divertido (terem sido capazes disso) com a agonia e morte de um animal
que a tourada deixa de ser um espectáculo eticamente condenável. O facto de
apreciarem touradas desabona a favor de um e outro, não abona a favor das
touradas.