domingo, 26 de maio de 2013

António Pina e as touradas









Meu Deus, como é que há pessoas que aplaudem "isto", adoram ver "isto", patrocinam "isto" e chamam "a isto" cultura?

António Pina, o nosso saudoso António Pina, de uma sensibilidade incrível e humanidade também, dizia, respondendo a um dos leitores de uma sua a sua crónica :

A propósito da anterior crónica (sobre as inclinações "culturais" da Câmara de Vinhais, que decidiu iniciar os seus munícipes nos prazeres "exquis" da brutalidade e tortura pública de animais) escreve-me um leitor dizendo, em abono da tourada, que Hemingway e Picasso gostavam do espectáculo. Não só eles, acrescento eu, e de touradas e coisas piores...

Escritores e artistas raramente são exemplos morais recomendáveis. Céline, escritor maior (mesmo não sendo a literatura um campeonato) que Hemingway, partilhou com Hitler, além do desprezo pelas mulheres, o gosto pela carnificina de judeus, e Picasso, juntamente com as touradas, teve outra devoção não menos sangrenta, Estaline.

A História está cheia de obras sensíveis e generosas, às vezes de grande riqueza moral, realizadas por gente feia, porca, má ou nem por isso. E se o desprezível dr. Destouches, dito Céline, escreveu a admirável "Viagem ao fim da noite" mas também obras imundas e carregadas de ódio, em outras é difícil encontrar traço do ser humano existente por trás delas (quem dirá que por trás da belíssima Catedral de Brasília está um devoto, também ele, de Estaline?)

Não é por Hemingway e Picasso se terem divertido (terem sido capazes disso) com a agonia e morte de um animal que a tourada deixa de ser um espectáculo eticamente condenável. O facto de apreciarem touradas desabona a favor de um e outro, não abona a favor das touradas.