Inquieta-me
viver num país em que as touradas, e tudo o que de profundamente repugnante e
desumano a elas está associado, são um tema ainda visto com relativa
neutralidade por grande parte da população. Uns são claramente contra, outros
tentam justificar a sua continuidade, ignorando a questão principal - o
sofrimento causado nos animais -, mas a maioria mantém-se neutra e
equidistante. No meio da polaridade fica a indiferença, a maior aliada da
crueldade e a pior inimiga da humanidade.
Essa
maioria, que opta convenientemente por viver de olhos fechados, permite que uma
minoria perpetue a barbárie nas praças espalhadas por este país fora. A maioria
indiferente, a do "tanto me faz" e do "é-me igual", acaba
por dar luz verde a que milhões de euros sejam anualmente gastos pelo
Estado, dinheiro de todos nós, promovendo e patrocinando o sofrimento de
animais, através do financiamento da tauromaquia. Actividade que alguns,
estranhamente, apelidam de "arte" (!). "Cerca de 16 milhões
de euros em fundos comunitários, públicos e, sobretudo, locais, é o valor
estimado de apoios às atividades taurinas."
Inês
Real, responsável pelo movimento de cidadãos "Fim dos Dinheiros
Públicos para as Touradas", vencedor da segunda edição de "O
Meu Movimento" no Portal do Governo (o vencedor do ano passado foi o
movimento "pela abolição das touradas), manifestou o repúdio pelo dinheiro
gasto e teve oportunidade de dizer ontem ao primeiro-ministro que "a
tauromaquia é uma actividade vegetativa que não gera riqueza e é incapaz de
subsistir por si própria. Não faz sentido que continue a ser
beneficiada uma minoria e meia dúzia de famílias em detrimento de outras áreas
carenciadas como a educação ou a saúde".
É, de
facto, uma vergonha o massacre de animais em praça pública para gáudio e
regozijo de meia dúzia. E os milhões não me impressionam. A questão não é só
essa. Um cêntimo que fosse gasto em touradas continuaria a ser errado. Os
tempos mudam e os maus hábitos deviam perder-se. Por exemplo, a mutilação
genital feminina, em alguns países africanos, é (ainda) hoje uma realidade. As
tradições não justificam tudo. Imputar um sofrimento brutal, excruciante, a
animais que, infelizmente neste país, não estão devidamente protegidos pela
lei não pode, nem deve, continuar. O fim das touradas é um sinal de avanço
da civilização, basta olhar para os poucos países que mantém esta actividade...
É um acto de inteligência e de humanidade.
Tiago Mesquita, in Expresso, 20 de fevereiro de 2013