Logo após surgir na Comunicação Social a informação de que as escutas de conversas telefónicas entre o primeiro-ministro e um banqueiro suspeito de envolvimento em graves crimes económicos tinham sido remetidas pelo Ministério Público ao presidente do Supremo Tribunal de Justiça para validação processual a ministra da Justiça entrou em cena com a subtileza que lhe é peculiar. Primeiro declarou que era preciso mexer na legislação sobre o segredo de justiça (quando as vítimas das violações do segredo de justiça eram outras ela dizia que a impunidade acabou) e logo de seguida "solicitou" à Procuradoria-Geral da República que viesse ilibar publicamente o primeiro-ministro e líder do seu partido, o que a PGR prontamente fez garantindo não existir contra ele «quaisquer suspeitas da prática de ilícitos de natureza criminal».
Sublinhe-se que, nos termos da lei (artigo 87, n.0º 13 do CPP), "a
prestação de esclarecimentos públicos pela autoridade judiciária" em
processos cobertos pelo segredo de justiça só pode ocorrer a "pedido de
pessoas publicamente postas em causa" ou então para "garantir a
segurança de pessoas e bens ou a tranquilidade pública". Uma vez que
nenhum dos escutados (PM e banqueiro) solicitou tais esclarecimentos, os mesmos
só podem ter sido "solicitados" e prestados com o nobre intuito de
garantir a "segurança" e a "tranquilidade" de todos nós.
Mas a PGR foi mais longe e informou que também "foi instaurado o
competente inquérito, tendo em vista a investigação do crime de violação de
segredo de justiça". Não há como ser zeloso!...
Num segundo momento, a ministra da Justiça (que não chegou a
vice--presidente do PSD pela cor dos olhos ou dos cabelos) tratou, no maior
sigilo, de tomar outras medidas mais eficazes, prometendo aos magistrados que
continuarão a usufruir do privilégio de poderem viajar gratuitamente nos
transportes públicos, incluindo na primeira classe dos comboios Alfa. Para isso
garantiu-lhes (sempre no maior segredo) que o Governo iria retirar da Lei do
Orçamento a norma que punha fim a esse privilégio. O facto de o Orçamento já
estar na Assembleia da República não constitui óbice, pois, para a ministra, a
função do Parlamento é apenas a de acatar, submisso, as pretensões dos membros
do Governo, incluindo os acordos estabelecidos à sorrelfa com castas de
privilegiados.
Mas, mais escandaloso do que esse sigiloso acordo político-judicial é a
manutenção para todos os magistrados de um estatuto de jubilação que faz com
que, mesmo depois de aposentados, mantenham até morrer direitos e regalias
próprios de quem está a trabalhar. E ainda mais vergonhoso do que tudo isso é a
continuidade de privilégios remuneratórios absolutamente inconcebíveis num
regime democrático, sobretudo em períodos de crise e de austeridade como o
atual.
O primeiro-ministro, se ainda possui alguma réstia de dignidade e de
moralidade, tem de explicar por que é que os magistrados continuam a não pagar
impostos sobre uma parte significativa das suas retribuições; tem de explicar
por que é que recebem mais de sete mil euros por ano como subsídio de
habitação; tem de explicar por que é que essa remuneração está isenta de
tributação, sobretudo quando o Governo aumenta asfixiantemente os impostos
sobre o trabalho e se propõe cortar mais de mil milhões de euros nos apoios
sociais, nomeadamente no subsídio de desemprego, no rendimento social de
inserção, nos cheques-dentista para crianças e - pasme-se - no complemento
solidário para idosos, ou seja, para aquelas pessoas que já não podem
deslocar-se, alimentar- -se nem fazer a sua higiene pessoal.
O primeiro-ministro terá também de explicar ao país por que é que os juízes
e os procuradores do STJ, do STA, do Tribunal Constitucional e do Tribunal de
Contas, além de todas aquelas regalias, ainda têm o privilégio de receber
ajudas de custas (de montante igual ao recebido pelos membros do Governo) por
cada dia em que vão aos respetivos tribunais, ou seja, aos seus locais de
trabalho.
Se o não fizer, ficaremos todos, legitimamente, a suspeitar que o
primeiro-ministro só mantém esses privilégios com o fito de, com eles, tentar
comprar indulgências judiciais.