Da
mesma maneira que temos de combater o fosso entre a ciência e a universidade,
temos
de eliminar a divisão entre “ciências” e “humanidades”ou entre investigação
fundamental e aplicada. A Universidade só existe se for capaz de acolher e de cultivar estas diferentes disciplinas. É o que fazem as grandes universidades do mundo, que não se vergam aos discursos da moda, ao economicismo dominante, à confusão entre universidades e empresas.
Veja-se, por exemplo, um
importante documento da Liga das Universidades Europeias de Investigação
(LERU), What are universities for?
Nele se defende que as universidades
devem preocupar-se com a formação de um ambiente cultural e científico propício
à inovação, mas que os desenvolvimentos empresariais não fazem parte da sua
missão. Os nossos colegas da Liga defendem mesmo que as qualidades tantas vezes
apregoadas – empreendedorismo, gestão, liderança, visão, trabalho de grupo,
adaptabilidade, etc. – não são características primárias, mas decorrem da capacidade
de pensar, de argumentar e de conhecer.
A partir de uma outra perspetiva,
é o que nos tem ensinado George Steiner, em particular quando denuncia o buraco
negro que se está a criar no centro da estrutura académica europeia.
A ciência
sem as artes, sem as humanidades, não é nada.
É cega. É inútil. Transforma as sociedades do conhecimento em sociedades da
ignorância.
(…) Há dois problemas que me parecem centrais para o futuro das
universidades. O
primeiro prende-se com a passagem de uma lógica de consumo para uma lógica de
criação. O futuro das universidades passa pela criação, obviamente pelo lado da
investigação e da ciência, mas também pelo lado da invenção, das artes, da
cultura, da participação social. É tempo de avançar um passo mais e de colocar
a criação, nas suas mais diversas formas, no centro da vida universitária. Criação
cultural. Criação científica. Criação artística. Criação de ideias e programas
sociais. Criação que é inovação. Colocar o problema do ponto de vista da
criação é abrir as universidades a dimensões que nem sempre têm estado presentes
na sua vida. O segundo diz respeito à reforma
dos estudos e à necessidade de colocar o estudo no centro da atividade universitária. E isto implica uma conceção diferente da pedagogia universitária, que
conduza a formas novas de trabalho: o estudo, o estudo acompanhado, a tutoria,
a iniciação científica, as novas tecnologias, as redes de aprendizagem, etc.
É uma
mudança decisiva, apenas esboçada nas nossas universidades, que a Reitora da
Universidade de Harvard sintetizou num discurso que intitulou: “We are all teachers and we are all
learners”.
Eis o
que nos permite superar dicotomias entre ensino e investigação, mas também
entre ensino e aprendizagem, que têm empobrecido a nossa maneira de pensar o
trabalho universitário.
(…) O
sonho da República quando criou a Universidade de Lisboa, em 1911: “Um dos
primeiros deveres do Estado é assegurar a todos os cidadãos, sem distinção de
fortuna, a possibilidade de se elevarem aos mais altos graus de cultura, quando
disso sejam capazes”.
Todos sabemos que este sonho só agora, um
século mais tarde, se começa a concretizar. Mas todos sabemos, também, que continua a haver uma forte
discriminação social no acesso à universidade.