quarta-feira, 10 de outubro de 2012

A Ciência sem as Artes, sem as Humanidades, não é nada!


Da mesma maneira que temos de combater o fosso entre a ciência e a universidade,
temos de eliminar a divisão entre “ciências” e “humanidades”ou entre investigação fundamental e aplicada.
A Universidade só existe se for capaz de acolher e de cultivar estas diferentes disciplinas. É o que fazem as grandes universidades do mundo, que não se vergam aos discursos da moda, ao economicismo dominante, à confusão entre universidades e empresas.

Veja-se, por exemplo, um importante documento da Liga das Universidades Europeias de Investigação (LERU), What are universities for?
Nele se defende que as universidades devem preocupar-se com a formação de um ambiente cultural e científico propício à inovação, mas que os desenvolvimentos empresariais não fazem parte da sua missão. Os nossos colegas da Liga defendem mesmo que as qualidades tantas vezes apregoadas – empreendedorismo, gestão, liderança, visão, trabalho de grupo, adaptabilidade, etc. – não são características primárias, mas decorrem da capacidade de pensar, de argumentar e de conhecer.

A partir de uma outra perspetiva, é o que nos tem ensinado George Steiner, em particular quando denuncia o buraco negro que se está a criar no centro da estrutura académica europeia.

A ciência sem as artes, sem as humanidades, não é nada. É cega. É inútil. Transforma as sociedades do conhecimento em sociedades da ignorância.

(…) Há dois problemas que me parecem centrais para o futuro das universidades. O primeiro prende-se com a passagem de uma lógica de consumo para uma lógica de criação. O futuro das universidades passa pela criação, obviamente pelo lado da investigação e da ciência, mas também pelo lado da invenção, das artes, da cultura, da participação social. É tempo de avançar um passo mais e de colocar a criação, nas suas mais diversas formas, no centro da vida universitária. Criação cultural. Criação científica. Criação artística. Criação de ideias e programas sociais. Criação que é inovação. Colocar o problema do ponto de vista da criação é abrir as universidades a dimensões que nem sempre têm estado presentes na sua vida. O segundo diz respeito à reforma dos estudos e à necessidade de colocar o estudo no centro da atividade universitária. E isto implica uma conceção diferente da pedagogia universitária, que conduza a formas novas de trabalho: o estudo, o estudo acompanhado, a tutoria, a iniciação científica, as novas tecnologias, as redes de aprendizagem, etc.

É uma mudança decisiva, apenas esboçada nas nossas universidades, que a Reitora da Universidade de Harvard sintetizou num discurso que intitulou: “We are all teachers and we are all learners”.

Eis o que nos permite superar dicotomias entre ensino e investigação, mas também entre ensino e aprendizagem, que têm empobrecido a nossa maneira de pensar o trabalho universitário.

(…) O sonho da República quando criou a Universidade de Lisboa, em 1911: “Um dos primeiros deveres do Estado é assegurar a todos os cidadãos, sem distinção de fortuna, a possibilidade de se elevarem aos mais altos graus de cultura, quando disso sejam capazes”.

Todos sabemos que este sonho só agora, um século mais tarde, se começa a concretizar. Mas todos sabemos, também, que continua a haver uma forte discriminação social no acesso à universidade.

  
Professor Dr. António Nóvoa