O discurso do Presidente da República, no centenário da República, foi um dos melhores discursos de Cavaco Silva e uma excelente lição de Política e de Cidadania que todos deveriam interiorizar e levar à prática. No entanto, Cavaco Silva, precisamente pelo cargo que ocupa, tem responsabilidades acrescidas, quando fala ou escreve, mas, sobretudo, pelas intervenções que tem ou deveria ter junto dos outros órgãos de soberania nacional, particularmente, junto do Governo. Ele é e deverá sempre ser o garante da democracia e da unidade do Estado.
É a Constituição da República que a isso o obriga e é isso que o povo
dele sempre espera. No entanto, infelizmente, não vejo que aquele excelente
discurso tenha tido a aplicação prática que dele se esperava, tratando-se da
figura do estado mais proeminente e com mais poderes para agir numa situação
tão grave como a que vivemos, entregues que estamos ao desgoverno político e a
uma situação social de trágica agonia.
É o garante do
regular funcionamento das instituições democráticas e tem como especial
incumbência, nos termos do juramento que presta no seu ato de posse,
"defender, cumprir e fazer cumprir a Constituição da República
Portuguesa".
Por que não
o faz, então, tendo a legitimidade democrática que lhe foi conferida através da
eleição direta pelos portugueses?
Naquele discurso, referia (e bem) que era fundamental que a classe política, pela força do
exemplo, desse aos portugueses motivos para acreditarem na sua República, mas
na prática, vemos exatamente o contrário e, lamentavelmente, uma cumplicidade institucional
com negativas e visíveis consequências que deriva dessa falta de intervenção
oportuna que o mesmo deveria ter mas não está a ter. Há muito tempo.
Esta desacreditação da classe política e
este desgoverno na ação governativa também deve ser assacada a Cavaco Silva.
Nada o desresponsabiliza perante o
estado a que chegámos, particularmente, pelo estado degradante a que chegou a
política portuguesa, minada de corrupção e compadrios, leis desajustadas e
favorecimentos escandalosos, impunidades sacrossantas e crimes sem castigo a
todos os níveis que têm tornado este país num terreno fértil para o enriquecimento
rápido e ilícito de uma raça de gente sem valores e sem moral que da política e
de certos políticos se tem servido para subir financeiramente na vida, fazendo
destes últimos governos autênticas oligarquias reinantes e um país em
decadência cívica e democrática.
E o Senhor Presidente sabe e sempre viu
isto. Por que não atua? Por que não utiliza os poderes que a Constituição e a
legitimidade do voto popular lhe delegaram?
O discurso de Cavaco Silva foi em 2010
e, em 2010, já há muito que a sua intervenção como PR se deveria ter feito
sentir, dado que já havia matéria de facto e emergências graves para a vida da
República que assim o exigiam. Em 2010, já há
muito que a tal cultura da responsabilidade, sobre a qual falou, não existia e
ameaçava já o país. Naquele discurso, referia, a propósito, que o requisito cívico da responsabilidade se tornava mais
intenso quanto maior fosse a capacidade de intervenção de cada um na vida coletiva.
Certo, mas como intervir se tudo tem sido feito, imposto, de cima para baixo, ao
arrepio das mais elementares regras democráticas, num jogo perverso e viciado
onde o cidadão perde sempre, com o beneplácito da Presidência da República, do Tribunal
Constitucional e até do Tribunal de Contas?
Isto é que é perturbador. Isto é que é
inadmissível. Isto é que levará a convulsões sociais, que já se fazem sentir,
porque de outra forma a voz do povo razão não será.
E o Presidente da República culpabilizado será
pela hecatombe que se anuncia, arredado que se coloca de uma intervenção que,
mais do que política cívica é, mandatado que foi para unir e servir os portugueses
em nome do ideário e da ética republicana de que tanto fala.
Nos termos
da Constituição, cabe-lhe, por exemplo, pronunciar-se sobre todas as
emergências graves para a vida da República, dirigir mensagens à Assembleia da
República sobre qualquer assunto ou ser informado pelo Primeiro-Ministro acerca
dos assuntos respeitantes à condução da política interna e externa do país. Mas
não chega só pronunciar-se, Senhor Presidente. Exija respeito pelo povo, pela
Constituição, pelos direitos, liberdades e garantias consignadas na mesma.
Tenha um
papel político ativo.
De que lado
está da barricada?
Nazaré
Oliveira