Hoje, dia 5 de Outubro de 2012, fui rever o discurso
do atual Presidente da República, efetuado no centenário da mesma.
Sim, de Cavaco Silva! Em 2010!
Portugueses,
Portugueses,
Sim, de Cavaco Silva! Em 2010!
Discurso do Presidente da República na Cerimónia
de Comemoração dos 100 Anos da Proclamação da República
Câmara Municipal de Lisboa, 5 de Outubro de 2010
Cem anos passaram sobre o dia em que,
neste mesmo local, foi proclamada a República.
O passar do tempo permite-nos hoje
olhar para a Primeira República com serenidade e distanciamento, avaliando
objectivamente o seu legado.
A revolução triunfante de 5 de Outubro
de 1910 despertou um país adormecido. O regime anterior dava sinais de cansaço
e mostrara-se incapaz de encontrar soluções viáveis para o impasse em que o
País mergulhara. Assim o reconheceu, de algum modo, o chefe do governo caído a
5 de Outubro ao afirmar: «vi que a luta era impossível. A monarquia estava
cercada de republicanos e indiferentes».
É a conjugação perversa dessas duas
realidades que tantas vezes abala os alicerces de um regime: de um lado, a
indiferença do povo; do outro, a incapacidade dos agentes políticos para
encontrar soluções ajustadas às necessidades concretas do país.
Servir o país. Essa é a essência do
patriotismo republicano. Por isso, diria que comemorar a República corresponde,
acima de tudo, a saber servir Portugal.
Muito se exige dos que governam uma
República democrática. Desde logo, é seu dever evitar que os cidadãos encarem
com indiferença a acção dos agentes políticos ou se alheiem dos destinos do
regime em que vivem. É fundamental que a classe política, pela força do
exemplo, dê aos Portugueses motivos para acreditarem na sua República.
Ao comemorarmos o centenário da
República, comemoramos uma nova cultura cívica para Portugal. No código
genético do republicanismo encontra-se uma cultura marcada pela ética de
serviço público, pela verdade e pela transparência no exercício da acção
política. Um ideal de governo e de sociedade onde as pessoas ocupam cargos de
relevo e posições de destaque pelo seu mérito e pelo seu valor, pelo contributo
útil que podem dar ao país, e não por qualquer privilégio de nascimento ou
pelas redes de influências onde se movem.
Portugueses,
Se o regime monárquico, como disse o
seu último chefe de governo, suscitava a indiferença do povo, porque durou tão
pouco tempo a Primeira República? Se tinham ideais tão elevados, porque se
deixaram os políticos republicanos enredar em conflitos e divisões que acabaram
por conduzir o país para uma ditadura?
A resposta terá de ser dada pelos
historiadores. Mas é sabido que a instabilidade da Primeira República se ficou
a dever, entre outros factores, à ausência de um elemento fundamental: a cultura
da responsabilidade.
É pacífica a conclusão de que a
República foi um regime atravessado por querelas e lutas que pouco diziam ao
comum dos Portugueses. Lutas que eram perfeitamente secundárias face aos
problemas que o País tinha de enfrentar: o analfabetismo e a pobreza, o atraso
económico, as desigualdades, a dependência do exterior, a entrada na Grande
Guerra, o desequilíbrio das contas públicas.
O essencial não é a discussão e a luta
dos políticos. Há cem anos, como hoje, o essencial é a vida concreta das
pessoas.
A responsabilidade constitui um dos
alicerces básicos da vida colectiva de uma nação. Todos, sem excepção, somos
chamados a agir com sentido de responsabilidade. Do mais humilde trabalhador ao
empresário de maior projecção, dos jovens aos mais velhos, passando pelos que
ocupam cargos públicos de relevo, cada um tem de actuar na sua vida pessoal,
familiar e profissional de uma forma responsável.
A responsabilidade, obviamente, não é
sinónimo de unanimidade. Num país livre, cada um pode escolher o seu caminho.
Numa sociedade aberta e plural, há espaço para diversas concepções do mundo,
para diferentes doutrinas e crenças, porque a República é um lugar de
liberdade.
Ser responsável não significa abdicar
da liberdade. Pelo contrário: só sendo responsáveis poderemos ser
verdadeiramente livres.
Temos responsabilidades colectivas,
enquanto Estado que convive com outros Estados e faz parte de organizações
internacionais.
Enquanto cidadãos da República, temos
deveres de cidadania para com os outros. Na exigência de civismo que devemos
interiorizar, por exemplo, na circulação rodoviária, no respeito pela
autoridade legítima ou na defesa do nosso património histórico.
No nosso tempo, sublinha-se cada vez
mais a responsabilidade social das empresas. Uma empresa é uma união de
esforços e de vontades. Aos agentes económicos é, por isso, exigido um
particular cuidado na gestão das suas empresas, pois daí depende, em larga
medida, o futuro do País e o futuro de muitos trabalhadores.
Os trabalhadores e os seus representantes,
por sua vez, também devem partilhar desta atitude cívica republicana. Da sua
responsabilidade depende uma desejável concertação com os empregadores, de modo
a que sejam encontradas as melhores soluções para todos.
O requisito cívico da responsabilidade
torna-se mais intenso quanto maior for a capacidade de intervenção de cada um
na vida colectiva. Saliento as exigências especiais que recaem sobre os
profissionais da comunicação social, por um lado, e sobre os titulares de
cargos públicos, por outro.
A comunicação social desempenha um
papel de relevo nas sociedades contemporâneas. Informa os cidadãos mas, além
disso, forma a sua opinião. Para ser responsável, tem de ser livre. Mas, sendo
livre e plural, tem o especial dever de informar com isenção, com objectividade
e com rigor.
Contudo, é dos titulares de cargos
públicos que mais se exige quanto a uma ética de responsabilidade.
Os titulares de cargos públicos, como
é o caso dos agentes políticos, dos altos dirigentes ou dos magistrados, têm de
pautar a sua acção por critérios muito rigorosos. Antes de mais, devem conhecer
as realidades, estudar os assuntos com que têm de lidar, possuir um
conhecimento adequado dos problemas. Além disso, devem estar conscientes de que
são referências para a sociedade. O seus actos, e até as suas palavras, tanto
podem gerar confiança e ânimo como podem contribuir para o descrédito das
instituições.
A cultura republicana de responsabilidade exige rigor, bom senso, ponderação e contenção verbal, não se compadecendo com intervenções arrebatadas na praça pública, com palavras que são ditas sem se pensar nas consequências que têm para a dignidade das instituições.
A cultura republicana de responsabilidade exige rigor, bom senso, ponderação e contenção verbal, não se compadecendo com intervenções arrebatadas na praça pública, com palavras que são ditas sem se pensar nas consequências que têm para a dignidade das instituições.
O Presidente da República, em
particular, deve manter um especial cuidado no uso da palavra. A coesão nacional,
como referi na minha intervenção do passado dia 10 de Junho, é um dos bens mais
preciosos que Portugal possui.
Um Presidente da República não pode
alimentar divisões. A responsabilidade primordial de um Presidente da República
é unir os Portugueses, em vez de impor a sua visão do mundo a uma parcela do
País.
Da República centenária poderemos
extrair vários ensinamentos. Entre eles, destaca-se um: não é da crispação que
nascem as soluções para os problemas. Impõe-se, pois, que exista um compromisso
político de coesão nacional.
Um compromisso firme e sério, através
do qual as diversas forças partidárias, sem abandonarem as suas diferentes
perspectivas, compreendam a gravidade do tempo presente e saibam estar à altura
da confiança que o povo lhes concedeu.
Tudo farei para que prevaleça uma
cultura de diálogo e de responsabilidade que permita alcançar os entendimentos
necessários à resolução dos problemas do País.
Portugueses,
Neste ano de 2010, além do Centenário
da República, comemoramos os 25 anos de adesão de Portugal às Comunidades
Europeias.
O País mudou muito e mudou para
melhor. Os Portugueses vivem hoje incomparavelmente melhor do que viviam há cem
anos. E também vivem melhor do que antes de aderirmos às Comunidades Europeias.
Porque vivemos melhor, somos mais
exigentes. É legítimo que o sejamos. Estamos insatisfeitos, o que não deve ser
motivo para baixar os braços. Pelo contrário: se estamos insatisfeitos, temos
de nos empenhar mais, de ser mais responsáveis nas nossas profissões, na defesa
dos bens colectivos, nos deveres que temos para com a comunidade.
Somos hoje uma terra livre, um país
que faz parte de pleno direito da comunidade internacional.
O balanço da República e o balanço da
nossa participação no projecto europeu são claramente positivos. Soubemos fazer
as escolhas certas nos momentos decisivos. Não esperámos que fossem outros a
resolver os nossos problemas.
É esta a atitude que temos de cultivar
no tempo presente. Um tempo adverso, sem dúvida, mas, por isso mesmo, uma
altura que põe à prova a nossa vontade de vencer.
Estou certo de que, com a força
inspiradora deste Centenário, iremos triunfar. Portugal sempre foi maior quanto
maiores foram os desafios que teve de enfrentar. Com ânimo patriótico, com
orgulho em sermos Portugueses, iremos conseguir!
Em nome de Portugal, celebremos os cem
anos da República. A festa é do povo, porque a República é de todos.
Obrigado.