sábado, 29 de setembro de 2012

Mais quatro anos para Obama

 
 
 
Tal como a Convenção Republicana em Tampa alterou o programa por causa da tempestade Isaac, a sessão final da Convenção do Partido Democrático teve de ser mudada, devido às previsões meteorológicas, de um estádio para a Arena coberta de Charlotte, que deixou de fora cerca de 20.000 pessoas. S. Pedro terá querido dar uma mão a Obama, para desmentir os "spinners" republicanos que já tinham posto a circular nas TVs que era por não haver gente para encher o estádio... O episódio é ilustrativo da crispação malsã em que decorre esta campanha eleitoral.

Em 2008 a disputa ideológica não foi menos acesa, mas os ataques pessoais cuidavam de não exibir preconceitos raciais. Nesta campanha a propaganda negativa paga pelo campo anti-Obama não olha a meios, sobretudo depois do Supremo Tribunal permitir às companhias gastar sem limites, por ou contra qualquer candidatura. O desbragamento reflete também o impacto no Partido Republicano da intolerância e agressividade do seu aliado "Tea Party".

A Convenção em Charlotte, Carolina do Norte, cumpriu os objectivos: o Partido Democrático mostrou estar unido, mobilizado para encorajar eleitores a registarem-se e votarem por Obama. E projectou para todo o país a imagem do equilíbrio de género e da pluralidade étnica, religiosa, social, etária, etc. dos seus activistas, reflectindo a diversidade do "melting pot" americano. Na Convenção de Tampa, em contraste, o Partido Republicano não conseguiu esconder uma audiência dominada por homens brancos, nem as contradições entre os interesses que alberga.

Para Republicanos e Democratas o desafio é mobilizar a faixa dos indecisos e reduzir em seu favor a dos abstencionistas. Os marqueteiros identificam os jovens e, sobretudo, as mulheres, e em particular o segmento das brancas com filhos em casa, solteiras ou casadas, como os grupos que podem decidir a corrida: não admira, assim, que os dois Partidos tivessem investido em intervenções de figuras de proa femininas, incluindo as mulheres dos candidatos.

O campo Obama conta com o apoio da minoria afro-americana, embora ela integre os cidadãos mais desfavorecidos e também mais atingidos pela crise; e da comunidade hispânica, cada vez mais relevante politicamente; políticas facilitando a legalização dos emigrantes são determinantes para os "latinos", ofendidos pela xenofobia do campo republicano.

A Convenção de Charlotte realçou o fosso ideológico que separa Democratas dos Republicanos e as politicas de Obama para melhorar a vida da maioria dos americanos: a legislação que obriga a pagar salário igual a trabalho igual para homens e mulheres, a universalidade dos sistemas de saúde e segurança social, aumento dos empréstimos para estudantes e outros incentivos à educação, defesa da liberdade individual de abortar e de homosexuais poderem casar e servir nas Forças Armadas, etc.

A politica externa e de segurança de Obama apenas aflorou em algumas intervenções, com destaque para a do Vice Presidente Joe Biden, sublinhando a promessa cumprida de retirar as tropas do Iraque e a em curso quanto ao Afeganistão, a eliminação de Bin Laden, o apoio à Primavera Arabe, a redução da dependência do exterior pelo investimento nas energias renováveis e no gás de xisto e a melhoria da imagem dos EUA globalmente. A impreparação de Romney, ilustrada em sucessivas gafes, prestava-se para o desqualificar. John Kerry (dado como sucessor de Hillary Clinton no Departamento de Estado) referiu-se a Romney como "campeão do 'outsourcing', notando: "estes não são tempos de 'outsource' o Comandante-chefe".

Mas o tema dominante - e determinante para a reeleição - centra-se na avaliação feita pela classe média sobre as políticas para o país sair da crise e voltar a criar emprego. E foi para as classes médias que a Convenção Democrata martelou que Obama herdou o país no pico de uma crise financeira global sem precedentes, em resultado da viciação das regras do mercado pela desregulação desenfreada. E martelou as medidas tomadas por Obama contra o regabofe da financeirização da economia e os gangsters instalados na banca e no "big business".

Desfilaram oradores a falar dos valores da classe média, que não é quem "acumula dinheiro em contas nas Ilhas Caimão para evitar pagar impostos", como disse Elizabeth Warren, a professora de direito financeiro de Harvard, agora candidata ao Senado, que também denunciou as propostas de Romney de mais cortes nos impostos "para os bilionários já taxados abaixo do que pagam as suas secretárias".

Numa intervenção que muitos consideraram o mais notável de todos os seus discursos, Bill Clinton recordou o impacto devastador das guerras e da crise financeira global deixadas por George W. Bush e as medidas tomadas por Obama para por o país a recuperar, num processo que, sublinhou, ninguém poderia ter acelerado.

Clinton e Biden testemunharam sobre o carácter e as qualidades de liderança demonstradas por Barak Obama ao longo deste mandato. Permitiram, assim, a Obama encerrar a Convenção com um discurso voltado para o futuro, pedindo mais quatro anos para completar a mudança que prometera, sem esconder que a recuperação da crise seria lenta e dificil. Obama apelou à responsabilidade, resiliência e esperança do povo americano: "Como cidadãos, percebemos que a América não é o que pode ser feito para nós. É sobre o que pode ser feito por nós".

Depois das Convenções, as sondagens continuaram a dar os dois candidatos muito a par e ambos se fizeram imediatamente à estrada para cativar os Estados cujos votos podem determinar o desfecho, os chamados "swing states": o Ohio, a Florida e a Virginia. Apesar das sondagens, vários indicadores apontam a vantagem do incumbente Obama sobre Romney. Se o factor financiamento pode desfavorecer o campo democrata, Obama deverá tirar partido dos debates televisionados. Mas há outros imponderáveis que podem influenciar a campanha, nomeadamente aumentando o desemprego ou os preços dos combustíveis.

E é aqui que entra a Europa, ironicamente. A UE que conduz as conversações sobre o programa nuclear iraniano e que pode ser importante para inviabilizar quaisquer tentativas de extremar tensões que se repercutiriam no preço do petróleo. É a UE que tem de tomar medidas para travar a escalada depressiva e começar a recuperar da crise. Em contactos informais com políticos europeus convidados para a Convenção, responsáveis do Partido frisaram a responsabilidade que os europeus também tinham em viabilizar a vitória de Obama, "getting their act together" contra a crise.

O "sonho americano" que Obama e o Partido Democrático se propõem reinventar contra a crise pressupõe liderança estratégica, governação, regulação, justiça, diplomacia e instituições democráticas a funcionar - nos EUA e a nível global. Por muitas críticas que se possam fazer a promessas por cumprir e a politicas de Obama (e eu faço), é cristalino que os interesses de Portugal, da Europa e do mundo passam pela reeleição de Barak Obama.

[Publicado por AG] [26.9.12] [Permanent Link]