Tal como a Convenção Republicana em Tampa alterou o programa por causa da
tempestade Isaac, a sessão final da Convenção do Partido Democrático teve de
ser mudada, devido às previsões meteorológicas, de um estádio para a Arena
coberta de Charlotte, que deixou de fora cerca de 20.000 pessoas. S. Pedro terá
querido dar uma mão a Obama, para desmentir os "spinners" republicanos
que já tinham posto a circular nas TVs que era por não haver gente para encher
o estádio... O episódio é ilustrativo da crispação malsã em que decorre esta
campanha eleitoral.
Em 2008 a disputa ideológica não foi menos acesa, mas os ataques pessoais
cuidavam de não exibir preconceitos raciais. Nesta campanha a propaganda
negativa paga pelo campo anti-Obama não olha a meios, sobretudo depois do
Supremo Tribunal permitir às companhias gastar sem limites, por ou contra
qualquer candidatura. O desbragamento reflete também o impacto no Partido
Republicano da intolerância e agressividade do seu aliado "Tea
Party".
A Convenção em Charlotte, Carolina do Norte, cumpriu os objectivos: o
Partido Democrático mostrou estar unido, mobilizado para encorajar eleitores a registarem-se
e votarem por Obama. E projectou para todo o país a imagem do equilíbrio de
género e da pluralidade étnica, religiosa, social, etária, etc. dos seus
activistas, reflectindo a diversidade do "melting pot" americano. Na
Convenção de Tampa, em contraste, o Partido Republicano não conseguiu esconder
uma audiência dominada por homens brancos, nem as contradições entre os
interesses que alberga.
Para Republicanos e Democratas o desafio é mobilizar a faixa dos indecisos
e reduzir em seu favor a dos abstencionistas. Os marqueteiros identificam os
jovens e, sobretudo, as mulheres, e em particular o segmento das brancas com
filhos em casa, solteiras ou casadas, como os grupos que podem decidir a
corrida: não admira, assim, que os dois Partidos tivessem investido em
intervenções de figuras de proa femininas, incluindo as mulheres dos
candidatos.
O campo Obama conta com o apoio da minoria afro-americana, embora ela
integre os cidadãos mais desfavorecidos e também mais atingidos pela crise; e
da comunidade hispânica, cada vez mais relevante politicamente; políticas
facilitando a legalização dos emigrantes são determinantes para os
"latinos", ofendidos pela xenofobia do campo republicano.
A Convenção de Charlotte realçou o fosso ideológico que separa Democratas
dos Republicanos e as politicas de Obama para melhorar a vida da maioria dos
americanos: a legislação que obriga a pagar salário igual a trabalho igual para
homens e mulheres, a universalidade dos sistemas de saúde e segurança social,
aumento dos empréstimos para estudantes e outros incentivos à educação, defesa
da liberdade individual de abortar e de homosexuais poderem casar e servir nas
Forças Armadas, etc.
A politica externa e de segurança de Obama apenas aflorou em algumas
intervenções, com destaque para a do Vice Presidente Joe Biden, sublinhando a
promessa cumprida de retirar as tropas do Iraque e a em curso quanto ao
Afeganistão, a eliminação de Bin Laden, o apoio à Primavera Arabe, a redução da
dependência do exterior pelo investimento nas energias renováveis e no gás de
xisto e a melhoria da imagem dos EUA globalmente. A impreparação de Romney,
ilustrada em sucessivas gafes, prestava-se para o desqualificar. John Kerry
(dado como sucessor de Hillary Clinton no Departamento de Estado) referiu-se a
Romney como "campeão do 'outsourcing', notando: "estes não são tempos
de 'outsource' o Comandante-chefe".
Mas o tema dominante - e determinante para a reeleição - centra-se na
avaliação feita pela classe média sobre as políticas para o país sair da crise
e voltar a criar emprego. E foi para as classes médias que a Convenção
Democrata martelou que Obama herdou o país no pico de uma crise financeira
global sem precedentes, em resultado da viciação das regras do mercado pela
desregulação desenfreada. E martelou as medidas tomadas por Obama contra o
regabofe da financeirização da economia e os gangsters instalados na banca e no
"big business".
Desfilaram oradores a falar dos valores da classe média, que não é quem
"acumula dinheiro em contas nas Ilhas Caimão para evitar pagar
impostos", como disse Elizabeth Warren, a professora de direito financeiro
de Harvard, agora candidata ao Senado, que também denunciou as propostas de
Romney de mais cortes nos impostos "para os bilionários já taxados abaixo
do que pagam as suas secretárias".
Numa intervenção que muitos consideraram o mais notável de todos os seus
discursos, Bill Clinton recordou o impacto devastador das guerras e da crise
financeira global deixadas por George W. Bush e as medidas tomadas por Obama
para por o país a recuperar, num processo que, sublinhou, ninguém poderia ter
acelerado.
Clinton e Biden testemunharam sobre o carácter e as qualidades de liderança
demonstradas por Barak Obama ao longo deste mandato. Permitiram, assim, a Obama
encerrar a Convenção com um discurso voltado para o futuro, pedindo mais quatro
anos para completar a mudança que prometera, sem esconder que a recuperação da
crise seria lenta e dificil. Obama apelou à responsabilidade, resiliência e
esperança do povo americano: "Como cidadãos, percebemos que a América não
é o que pode ser feito para nós. É sobre o que pode ser feito por nós".
Depois das Convenções, as sondagens continuaram a dar os dois candidatos
muito a par e ambos se fizeram imediatamente à estrada para cativar os Estados
cujos votos podem determinar o desfecho, os chamados "swing states":
o Ohio, a Florida e a Virginia. Apesar das sondagens, vários indicadores
apontam a vantagem do incumbente Obama sobre Romney. Se o factor financiamento
pode desfavorecer o campo democrata, Obama deverá tirar partido dos debates
televisionados. Mas há outros imponderáveis que podem influenciar a campanha,
nomeadamente aumentando o desemprego ou os preços dos combustíveis.
E é aqui que entra a Europa, ironicamente. A UE que conduz as conversações sobre o programa nuclear iraniano e que pode ser importante para inviabilizar quaisquer tentativas de extremar tensões que se repercutiriam no preço do petróleo. É a UE que tem de tomar medidas para travar a escalada depressiva e começar a recuperar da crise. Em contactos informais com políticos europeus convidados para a Convenção, responsáveis do Partido frisaram a responsabilidade que os europeus também tinham em viabilizar a vitória de Obama, "getting their act together" contra a crise.
O "sonho americano" que Obama e o Partido Democrático se propõem
reinventar contra a crise pressupõe liderança estratégica, governação,
regulação, justiça, diplomacia e instituições democráticas a funcionar - nos EUA
e a nível global. Por muitas críticas que se possam fazer a promessas por
cumprir e a politicas de Obama (e eu faço), é cristalino que os interesses de
Portugal, da Europa e do mundo passam pela reeleição de Barak Obama.
[Publicado por AG] [26.9.12] [Permanent Link]