sábado, 29 de setembro de 2012

País de brincalhões

Quadro de Pieter Brueghel, "O Velho"

 
Dizem-se coisas que bradam aos céus! Aos céus mas sobretudo na terra, como é o caso de um dos iluminados deste país, o economista António Borges, que, como costumo dizer, fala de barriga cheia.

Referindo-se ao programa de assistência financeira que, na realidade, ao descalabro tem levado mas que ao descalabro não deveria continuar a levar, este senhor afirmou que o nosso país tinha capital suficiente para pôr os bancos numa «base sólida, defendendo que era «melhor» que acionistas privados tomassem conta de instituições financeiras.

Base sólida para reforçar quem? Empresários? Acionistas sem escrúpulos? As famigeradas ppps? A manutenção dos salários de sempre de gestores e políticos que da crise pouco ou mal sentem? A "bancocracia"?
Com um país à beira da falência (em todos os sentidos) ouvimos estas barbaridades. Provocações ou exibicionismo?

Quem assim fala e assim pensa não está a considerar o drama que isto tem acarretado para os milhares de portugueses que já mal sobrevivem, sem dinheiro para despesas mínimas fundamentais, caso do pagamento das hipotecas ao banco, mensalidade das creches e escolas dos seus filhos, pagamento dos medicamentos nas farmácias, particularmente, caso de doentes crónicos, consultas e tratamentos médicos indispensáveis, caso da quimioterapia, fisioterapia, estomatologia, reumatologia, neurologia, entre tantos outros, que implicam visitas, consultas, tratamentos mais frequentes, caros, sem falar dos que, envergonhadamente, a cair aos poucos, se fingem bem quando o mal já trazem mas dele não falam ou nem sequer dele se apercebem.

Há muito que não há, para muitos desses milhares, um prato de comida digno nem uma noite descansada.

Escondem da família e dos filhos uma normalidade assustadoramente fingida e desesperadamente escondida.

Vão aos bancos, aos centros de emprego, às páginas dos classificados, e procuram uma réstia de luz que em dinheiro se transforme.

Já não aguentam ou já mal se aguentam.

Aquele indivíduo falava, este ano, no encerramento da conferência dos antigos alunos da escola de gestão INSEAD, que decorreu no Centro Cultural de Belém, em Lisboa.

Segundo ele, há capital suficiente para pôr os bancos outra vez em base sólida. Há capital. Está no programa de assistência financeira a Portugal. Há dinheiro mais do que suficiente para recapitalizar os bancos mesmo sem acionistas privados, acrescentando que era muito melhor que houvesse acionistas privados que tomassem conta destes bancos, até estrangeiros.

E mais disse: que o Banco Central Europeu (BCE) está a ajudar e não pode fazer mais do que está a fazer. Valha-nos Deus!

Para o antigo diretor do departamento europeu do Fundo Monetário Internacional (FMI), «há uma constelação de fatores que nos vão permitir, a um prazo relativamente curto, ultrapassar as dificuldades de crédito». Relativamente curto?

Brincamos, certamente! Melhor dizendo: brincam os de barriga cheia com as barrigas vazias do costume.

A recapitalização dos bancos ao serviço das elites e do capitalismo selvagem continua: reforçar os rácios de capital para agradar aos poderosos que no âmbito do pacote de ajuda financeira a Portugal continuam a ser os grandes beneficiados. Duvidam? Os milhões que têm vindo destinados à recapitalização dos bancos portugueses que disso necessitam, deveriam também contemplar e prever o drama dos que as suas casas vão perdendo sem que os bancos ajuda lhes prestem, renegociando as suas dívidas, ajustando prazos, revendo as situações, ouvindo-os humanamente.

Casas e casas à venda… casa e casas a esconderem entre paredes a miséria e o drama de tudo estarem a perder, até a vida, por causa de erros e desgovernos, uns atrás dos outros, por gente que estrategicamente se pôs em fuga ou bem instalada ficou, sorrateiramente calados, com a ajuda das impunidades e da cegueira da justiça que finge não os ver ou mal lhes toca, apoiados que continuam a estar por cúmplices e cobardes institucional e politicamente bem colocados ou socialmente influentes.

Isto tem sido o pão-nosso de cada dia.

Isto também tem contribuído para a desgraça da nossa democracia pela qual temo.

Nazaré Oliveira