Quadro de Pieter Brueghel, "O Velho" |
Dizem-se coisas que bradam aos céus! Aos céus mas sobretudo na terra, como
é o caso de um dos iluminados deste país, o economista António Borges, que,
como costumo dizer, fala de barriga cheia.
Referindo-se ao
programa de assistência financeira que, na realidade, ao descalabro tem levado
mas que ao descalabro não deveria continuar a levar, este senhor afirmou que o
nosso país tinha capital suficiente para pôr os bancos numa «base sólida,
defendendo que era «melhor» que acionistas privados tomassem conta de
instituições financeiras.
Base sólida para reforçar
quem? Empresários? Acionistas
sem escrúpulos? As famigeradas ppps? A manutenção dos salários de sempre de
gestores e políticos que da crise pouco ou mal sentem? A "bancocracia"?
Com um país à beira da falência (em todos os sentidos) ouvimos estas barbaridades. Provocações ou exibicionismo?
Com um país à beira da falência (em todos os sentidos) ouvimos estas barbaridades. Provocações ou exibicionismo?
Quem assim fala e assim pensa não está a considerar o
drama que isto tem acarretado para os milhares de portugueses que já mal
sobrevivem, sem dinheiro para despesas mínimas fundamentais, caso do pagamento
das hipotecas ao banco, mensalidade das creches e escolas dos seus filhos,
pagamento dos medicamentos nas farmácias, particularmente, caso de doentes crónicos,
consultas e tratamentos médicos indispensáveis, caso da quimioterapia,
fisioterapia, estomatologia, reumatologia, neurologia, entre tantos outros, que
implicam visitas, consultas, tratamentos mais frequentes, caros, sem falar dos que, envergonhadamente, a
cair aos poucos, se fingem bem quando o mal já trazem mas dele não falam ou nem
sequer dele se apercebem.
Há muito que não há, para muitos desses milhares, um
prato de comida digno nem uma noite descansada.
Escondem da família e dos
filhos uma normalidade assustadoramente fingida e desesperadamente escondida.
Vão aos bancos, aos centros de emprego, às páginas dos
classificados, e procuram uma réstia de luz que em dinheiro se transforme.
Já não aguentam ou já mal se aguentam.
Aquele indivíduo falava, este ano, no encerramento da
conferência dos antigos alunos da escola de gestão INSEAD, que decorreu no
Centro Cultural de Belém, em Lisboa.
Segundo ele, há capital suficiente para pôr os bancos
outra vez em base sólida. Há capital. Está no programa de assistência
financeira a Portugal. Há dinheiro mais do que suficiente para recapitalizar os
bancos mesmo sem acionistas privados, acrescentando que era muito melhor que
houvesse acionistas privados que tomassem conta destes bancos, até
estrangeiros.
E mais disse: que o Banco Central Europeu (BCE) está a
ajudar e não pode fazer mais do que está a fazer. Valha-nos Deus!
Para o antigo diretor do departamento europeu do Fundo
Monetário Internacional (FMI), «há uma constelação de fatores que nos vão
permitir, a um prazo relativamente curto, ultrapassar as dificuldades de
crédito». Relativamente curto?
Brincamos, certamente! Melhor dizendo: brincam os de
barriga cheia com as barrigas vazias do costume.
A recapitalização dos bancos ao serviço das elites e
do capitalismo selvagem continua: reforçar os rácios de capital para agradar
aos poderosos que no âmbito do pacote de ajuda financeira a Portugal continuam
a ser os grandes beneficiados. Duvidam? Os milhões que têm vindo destinados à
recapitalização dos bancos portugueses que disso necessitam, deveriam também
contemplar e prever o drama dos que as suas casas vão perdendo sem que os
bancos ajuda lhes prestem, renegociando as suas dívidas, ajustando prazos,
revendo as situações, ouvindo-os humanamente.
Casas e casas à venda… casa e casas a esconderem entre
paredes a miséria e o drama de tudo estarem a perder, até a vida, por causa de
erros e desgovernos, uns atrás dos outros, por gente que estrategicamente se
pôs em fuga ou bem instalada ficou, sorrateiramente calados, com a ajuda das
impunidades e da cegueira da justiça que finge não os ver ou mal lhes toca,
apoiados que continuam a estar por cúmplices e cobardes institucional e
politicamente bem colocados ou socialmente influentes.
Isto tem sido o pão-nosso de cada dia.
Isto também tem contribuído para a desgraça da nossa democracia pela qual
temo.
Nazaré Oliveira