sábado, 4 de agosto de 2012

No jobs for the boys

Marx não acreditava que a história se repetisse a não ser como farsa ou caricatura, por exemplo, na encenação da saga imperial de Napoleão Bonaparte pelo seu homónimo Luís Napoleão, umas décadas mais tarde. De tantas vezes repetida, muitos já não se lembrarão, porventura, do sentido original desta frase: "no jobs for the boys." Terão esquecido que quando o Primeiro- -Ministro António Guterres a popularizou, a frase exprimia uma determinação corajosa e anunciava uma intenção respeitável: desparasitar o aparelho de estado dos pequenos interesses e pretensões alojados nos aparelhos partidários. A breve trecho, porém, a frase iria adquirir conotações jocosas, mais irónicas ou mais cínicas, sobrevivendo, hoje, como a confissão banal de uma clamorosa impotência que compromete o pluralismo político, desacredita os partidos e ameaça a própria democracia representativa. É certo que a circulação promíscua de governantes e gestores entre o estado e os grandes interesses económicos atinge proporções bem mais perigosas que a distribuição de assessorias "técnicas" e chefias intermédias da administração pelas clientelas locais. Num estado patologicamente centralista, podemos até reconhecer nesta contemporização com os apetites dos "indígenas" um instrumento moderador da reprodução estritamente paroquial das oligarquias lisboetas. Mas são fenómenos da mesma natureza, expressões da mesma cultura que reciprocamente se reforçam e legitimam.

Segundo noticia do jornal "Público", de 10 de dezembro de 2008, o PSD denunciava, então, como sendo uma "pouca vergonha", a nomeação sem concurso público dos diretores executivos dos Agrupamentos de Centros de Saúde (ACES). Os ACES eram as novas estruturas responsáveis pela coordenação das redes locais de cuidados de saúde primários, criados no âmbito da reforma da saúde promovida pelo governo de então. O PSD, então principal partido da oposição, pela voz dos seus deputados, Carlos Miranda e Regina Bastos - antiga Secretária de Estado da Saúde do Governo de Santana Lopes - exigia a imediata suspensão do processo de nomeação dos novos 74 diretores executivos, qualificando-os de "comissários políticos" e acusando o governo de instrumentalizar a nova estrutura de gestão do Ministério da Saúde, "colocando-a ao serviço de clientelas políticas". Sustentando a necessidade de assegurar uma efetiva autonomia de gestão aos Agrupamentos de Centros de Saúde, o deputado Carlos Miranda alegava, há pouco mais de três anos, que só "o concurso público" podia garantir a adequação do "perfil do candidato" aos objetivos da reforma dos cuidados de saúde. E a deputada Regina Bastos proclamava enfaticamente que: - "é importante que fique para a história que o PSD se bateu para que esta pouca vergonha não fosse consumada".

Passaram três anos, o PSD está agora no Governo e tinha finalmente a oportunidade de assumir os princípios por que se batera e abrir concurso público para os diretores executivos dos agrupamentos dos centros de saúde (ACES). Mas não! Nem abriu concurso nem mostrou a menor preocupação com a adequação do "perfil do candidato"... Em nota de imprensa divulgada na passada terça-feira, o Conselho Regional do Norte da Ordem dos Médicos "manifesta a sua preocupação e perplexidade perante nomeações, para cargos de elevada responsabilidade e complexidade, de pessoas cujo Curriculum Vitae demonstra uma total ausência de experiência profissional na área da gestão da saúde e na governação clínica", concluindo que "são completamente incompreensíveis e inaceitáveis as referidas nomeações" que nem sequer serão submetidas à avaliação da Comissão de Recrutamento e Seleção para a Administração Pública (CRESAP) - ainda que a reputação da CRESAP, convenhamos, tenha saído abalada do imbróglio da nomeação dos novos administradores do Metro do Porto... Num momento em que tantos sacrifícios são impostos aos cidadãos e o Serviço Nacional de Saúde enfrenta tão graves dificuldades é inconcebível tanta incoerência e irresponsabilidade.