quinta-feira, 5 de julho de 2012

Vale tudo em nome da troika

Famílias sobre-endividadas recorrem cada vez mais à DECO



Segundo o Diário Digital de hoje, 86 pessoas por dia pedem ajuda à DECO por não conseguirem pagar contas. Esta organização foi contatada por cerca de 15.700 portugueses no primeiro semestre deste ano, muitos dos quais funcionários públicos e reformados que não conseguem pagar as suas contas.

E se pensarmos nos pobres e aflitos que, envergonhados, não dizem nada a ninguém e até fingem que mal não estão, escondendo o drama terrível em que se encontram, sem dinheiro que chegue para pagar dívidas  que, naturalmente, esperavam poder atenuar com o subsídio de férias, escandalosamente retirado sem dó nem piedade?

Escondem dos filhos, da família, dos amigos e dos colegas mais próximos, a falta de bens essenciais e a sua incapacidade para fazer face ao dia-a-dia. Sorriem para não chorar e passam uma imagem que publicamente os proteja de um sofrimento que, solitariamente, arrastam pelos quatro cantos da casa ou, quando ganham coragem, levam até à DECO ou até um qualquer amigo a quem confidenciam a sua angústia, amargura e desespero. 

Mas a vida é cruel, muito cruel, tendo sido aos mais pobres e de mais parcos recursos que as medidas de austeridade mais dramaticamente sorveram alguma da sua pouca tranquilidade, levando-lhes subsídios e direitos legitimamente e constitucionalmente adquiridos, com os quais contavam, não para férias nas Caraíbas ou afins, carros ou carrões, roupas ou SPAs mas, simplesmente, para reorganizar e tentar equilibrar orçamentos familiares já de si tão apertados, particularmente entre os funcionários públicos e reformados, cujos rendimentos diminuíram substancialmente devido a esses cortes, a esses roubos legalizados.

Segundo a coordenadora do Gabinete de Apoio aos Sobreendividados (GAS), Natália Nunes, em declarações à RR, o número de sobreendividados aumentou 50% em relação a igual período do ano passado, salientando que cada vez mais é o crédito pessoal que contribui para desestabilizar as contas: «45% de todo o crédito que renegociamos é crédito pessoal, daí o peso que este tem no seio do orçamento das famílias», afirmou.

Em dois anos, mais do que duplicaram os pedidos de ajuda. No entanto, numa ofensiva cada vez mais imoral e sem limites, o governo fala de austeridade, de necessidade de austeridade, de valores a atingir, de metas da troika para cumprir, cada vez mais de austeridade, de pesada e discutível austeridade, "sem limites", "a torto e a direito", esquecendo que aos poucos vai matando quem a custo sempre sobreviveu e que, agora, inevitavelmente, sucumbirá face às investidas de políticos e de políticas desumanas e de um capitalismo selvagem que tem feito das nossas vidas um inferno mas das vidas de certos lordes um paraíso.

Há quem mate sem parecer que o faz. Há quem viva morrendo.


Nazaré Oliveira