Entrevista à criminologista Suzella Palmer*
A criminologista Suzella Palmer é especialista em gangs, crime e juventude na Universidade de Bedfordshire. Fez pesquisa intensa sobre o crime juvenil na comunidade negra e participou num documentário sobre gangs para a BBC em 2009. Conhece de perto a realidade das ruas.
Como lê os motins em Inglaterra?
Não aprovo a violência, os incêndios, os roubos, mas percebo e há razões muito importantes por detrás do que se está a passar. Precisamos de olhar para as causas. Acho que isto é uma chamada de atenção para toda a sociedade britânica.
Que tipo de chamada de atenção?
As pessoas estão zangadas, infelizes, frustradas. Estamos a atravessar problemas económicos, mas comparando com outros países ainda somos um país próspero. Muitas das nossas crianças estão zangadas e infelizes com muitas coisas e precisamos de ter tempo para as ouvir, coisa que não temos feito.
Há a ideia de que isto é mais sobre telemóveis e televisões plasma do que propriamente um protesto.
Acho que é um protesto contra o facto de não estarem a ser ouvidos. É interessante que os assaltos sejam feitos por miúdos que saem à rua e agarram em qualquer coisa: telemóveis, bebidas, qualquer loja. É quase uma reacção à prosperidade do país a que estes jovens não têm acesso. Quando se olha para as multinacionais, vê-se que direccionam as suas campanhas de marketing para os jovens. E eles sentem uma enorme pressão para consumir, só que não têm oportunidade de ganhar o dinheiro de forma legítima para o fazer. E isso é um problema. Depois os cortes todos que afectam os benefícios sociais, as propinas e a falta de oportunidades de trabalho não deixam os jovens na posição de serem os consumidores que são pressionados a ser. E isso gera frustração.
Também há questões que têm a ver com respeito. Eu sinto e vejo que os jovens são totalmente desrespeitados pela sociedade. Quando olhamos, por exemplo, para a justiça criminal, os jovens estão a ser criminalizados a um ritmo acelerado. Aquilo que temos de perceber é que é normal que os jovens se rebelem e se envolvam em comportamentos anti-sociais. Há muitas coisas que os jovens fazem hoje que são feitas há milénios, mas hoje eles são criminalizados. Estou a pensar, há 30 anos podia ser estridente em público falar alto, mas hoje os jovens são criminalizados por isso. Claro que não se trata de ignorar o facto, mas faz-se através de orientação e apoio, e se os vamos punir então que não seja através do sistema criminal - porque aí sentem-se criminosos. Colocam-lhes rótulos, tratam-nos como criminosos e eles começam a agir como se fossem.
Da sua experiência, como é que um protesto que começou pequeno comparado com as proporções que atingiu agora, cresce e se alastra?
Pelo sentido de injustiça partilhado por muita gente e por diversas razões. Alguns porque não têm acesso ao mercado de trabalho, alguns porque não têm acesso ao ensino superior, outros pela forma como são tratados pela polícia - em particular os negros e as minorias étnicas. Há uma longa história de problemas da polícia com os negros neste país. Ou seja, é um sentimento de injustiça, mas a forma como cada um sente e é afectado por elas é diferente.
Tudo começou com o protesto contra a polícia (pela morte de Mark Duggan) e as pessoas, brancos e negros, sentem-se frustradas com a polícia e com a Comissão Independente de Queixas contra a Polícia. Nunca aconteceu um polícia ser punido apropriadamente por ter morto um civil - e isso gera descontentamento com mais uma morte às mãos da polícia.
A psicologia explica o comportamento em grupo: individualmente, podemos não agir com violência, mas se outras pessoas no grupo o fazem é quase como se sentíssemos que também o podemos fazer - deixamos de nos ver como indíviduos para passar a vermo-nos como parte de um grupo.
Depois há outro factor: como sociedade, não desafiámos suficientemente a polícia - não o podemos fazer de nenhuma maneira, seja fisicamente, seja em tribunal - e isto está a ser um desafio à polícia. As pessoas vêem que a polícia pode ser desafiada. Se se olhar para os incidentes dos últimos dias, houve muitos confrontos e grupos de jovens que foram para a rua apenas para desafiar a polícia. Sentem-se com poder: são constantemente parados e presos e vejo muitos relatórios na minha extensa pesquisa de jovens serem agredidos pela polícia sem razão há gerações e gerações. Eu aconselho a fazerem queixa mas as respostas que tenho é que acham que ninguém os vai ouvir. A geração mais velha falhou em perceber as necessidades da nova geração - eles dizem muitas vezes que se sentem deixados para trás.Os relatórios mais recentes sobre os motins falam de uma massa que não é apenas composta de jovens, nem apenas de negros, mas que atravessa raças e gerações.
São pessoas que sentem injustiça por diferentes razões mas juntam-se porque vêem um grupo a confrontar o sistema e o Estado e partilham este sentido de injustiça. Pode ser um jovem branco que sente injustiça pelo aumento de propinas ou pela falta de trabalho, pode-se encontrar a classe trabalhadora mais velha que se sente discriminada. Há um sentido partilhado de injustiça. É importante não fazer generalizações: não se trata apenas de jovens a roubar. É mais complexo. Mas é bastante importante aqui a questão entre a polícia e a comunidade negra.
Joana Gorjão Henriques, Londres, In PÚBLICO de 11.8.2011
*A criminologista Suzella Palmer é especialista em gangs, crime e juventude na Universidade de Bedfordshire. Fez pesquisa intensa sobre o crime juvenil na comunidade negra e participou num documentário sobre gangs para a BBC em 2009. Conhece de perto a realidade das ruas.
(Foto de Stefan Wermuth/Reuters)
A criminologista Suzella Palmer é especialista em gangs, crime e juventude na Universidade de Bedfordshire. Fez pesquisa intensa sobre o crime juvenil na comunidade negra e participou num documentário sobre gangs para a BBC em 2009. Conhece de perto a realidade das ruas.
Como lê os motins em Inglaterra?
Não aprovo a violência, os incêndios, os roubos, mas percebo e há razões muito importantes por detrás do que se está a passar. Precisamos de olhar para as causas. Acho que isto é uma chamada de atenção para toda a sociedade britânica.
Que tipo de chamada de atenção?
As pessoas estão zangadas, infelizes, frustradas. Estamos a atravessar problemas económicos, mas comparando com outros países ainda somos um país próspero. Muitas das nossas crianças estão zangadas e infelizes com muitas coisas e precisamos de ter tempo para as ouvir, coisa que não temos feito.
Há a ideia de que isto é mais sobre telemóveis e televisões plasma do que propriamente um protesto.
Acho que é um protesto contra o facto de não estarem a ser ouvidos. É interessante que os assaltos sejam feitos por miúdos que saem à rua e agarram em qualquer coisa: telemóveis, bebidas, qualquer loja. É quase uma reacção à prosperidade do país a que estes jovens não têm acesso. Quando se olha para as multinacionais, vê-se que direccionam as suas campanhas de marketing para os jovens. E eles sentem uma enorme pressão para consumir, só que não têm oportunidade de ganhar o dinheiro de forma legítima para o fazer. E isso é um problema. Depois os cortes todos que afectam os benefícios sociais, as propinas e a falta de oportunidades de trabalho não deixam os jovens na posição de serem os consumidores que são pressionados a ser. E isso gera frustração.
Também há questões que têm a ver com respeito. Eu sinto e vejo que os jovens são totalmente desrespeitados pela sociedade. Quando olhamos, por exemplo, para a justiça criminal, os jovens estão a ser criminalizados a um ritmo acelerado. Aquilo que temos de perceber é que é normal que os jovens se rebelem e se envolvam em comportamentos anti-sociais. Há muitas coisas que os jovens fazem hoje que são feitas há milénios, mas hoje eles são criminalizados. Estou a pensar, há 30 anos podia ser estridente em público falar alto, mas hoje os jovens são criminalizados por isso. Claro que não se trata de ignorar o facto, mas faz-se através de orientação e apoio, e se os vamos punir então que não seja através do sistema criminal - porque aí sentem-se criminosos. Colocam-lhes rótulos, tratam-nos como criminosos e eles começam a agir como se fossem.
Da sua experiência, como é que um protesto que começou pequeno comparado com as proporções que atingiu agora, cresce e se alastra?
Pelo sentido de injustiça partilhado por muita gente e por diversas razões. Alguns porque não têm acesso ao mercado de trabalho, alguns porque não têm acesso ao ensino superior, outros pela forma como são tratados pela polícia - em particular os negros e as minorias étnicas. Há uma longa história de problemas da polícia com os negros neste país. Ou seja, é um sentimento de injustiça, mas a forma como cada um sente e é afectado por elas é diferente.
Tudo começou com o protesto contra a polícia (pela morte de Mark Duggan) e as pessoas, brancos e negros, sentem-se frustradas com a polícia e com a Comissão Independente de Queixas contra a Polícia. Nunca aconteceu um polícia ser punido apropriadamente por ter morto um civil - e isso gera descontentamento com mais uma morte às mãos da polícia.
A psicologia explica o comportamento em grupo: individualmente, podemos não agir com violência, mas se outras pessoas no grupo o fazem é quase como se sentíssemos que também o podemos fazer - deixamos de nos ver como indíviduos para passar a vermo-nos como parte de um grupo.
Depois há outro factor: como sociedade, não desafiámos suficientemente a polícia - não o podemos fazer de nenhuma maneira, seja fisicamente, seja em tribunal - e isto está a ser um desafio à polícia. As pessoas vêem que a polícia pode ser desafiada. Se se olhar para os incidentes dos últimos dias, houve muitos confrontos e grupos de jovens que foram para a rua apenas para desafiar a polícia. Sentem-se com poder: são constantemente parados e presos e vejo muitos relatórios na minha extensa pesquisa de jovens serem agredidos pela polícia sem razão há gerações e gerações. Eu aconselho a fazerem queixa mas as respostas que tenho é que acham que ninguém os vai ouvir. A geração mais velha falhou em perceber as necessidades da nova geração - eles dizem muitas vezes que se sentem deixados para trás.Os relatórios mais recentes sobre os motins falam de uma massa que não é apenas composta de jovens, nem apenas de negros, mas que atravessa raças e gerações.
São pessoas que sentem injustiça por diferentes razões mas juntam-se porque vêem um grupo a confrontar o sistema e o Estado e partilham este sentido de injustiça. Pode ser um jovem branco que sente injustiça pelo aumento de propinas ou pela falta de trabalho, pode-se encontrar a classe trabalhadora mais velha que se sente discriminada. Há um sentido partilhado de injustiça. É importante não fazer generalizações: não se trata apenas de jovens a roubar. É mais complexo. Mas é bastante importante aqui a questão entre a polícia e a comunidade negra.
Joana Gorjão Henriques, Londres, In PÚBLICO de 11.8.2011
*A criminologista Suzella Palmer é especialista em gangs, crime e juventude na Universidade de Bedfordshire. Fez pesquisa intensa sobre o crime juvenil na comunidade negra e participou num documentário sobre gangs para a BBC em 2009. Conhece de perto a realidade das ruas.